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porém, o homem de fato resgatou a carteira e<br />
num passo retornava com os noventa reais, que<br />
lhe foram entregues com um seco “obrigado”.<br />
Em seguida, ele se virou de costas e fez<br />
o trajeto de volta, preciptando-se carro adentro.<br />
Ajeitou-se na posição do motorista e, com a porta<br />
entreaberta, pendeu para o banco de trás, de<br />
onde retirou algo que ela não definia bem e que<br />
ele manteve no colo. Teresa se aproximou um<br />
pouco e pôde ver com mais nitidez: era um buquê<br />
de rosas vermelhas.<br />
Passaram-se alguns instantes, ele fitando<br />
as rosas sobre seu ventre, e a cena se dispersou.<br />
Num ato repentino, o homem escancarou a<br />
porta do carro, atirou as flores no chão, engatou<br />
a chave e arrancou de forma brusca. Os pneus<br />
gritaram por ele.<br />
Teresa então notou que, com a rispidez<br />
da queda, uma rosa se desgarrara do buquê. Ela<br />
se abaixou, pegou a rosa e, ainda agachada, inflou<br />
o rosto num sorriso, imaginando quem seria<br />
enfim o destinatário que nunca receberia aquelas<br />
flores. Talvez alguém se foi, independente como<br />
um barco que se desamarra da margem; talvez<br />
uma mulher que, por um motivo qualquer ou sem<br />
motivo algum, não as merecesse; ou ainda o próprio<br />
homem, que as desprezou pela remissão a<br />
alguém que hoje só desperta ira. As possibilida-<br />
O<br />
des rebolavam em sua cabeça, alongavam-se as<br />
especulações, até que Teresa atinou: pouco importava.<br />
Aquela rosa, que brotara inesperadamente<br />
numa fenda invisível da madrugada, na<br />
mesma calçada entre as lojas e a praça Paris, agora<br />
era dela.<br />
Hora de ir para casa: a noite estava ganha.<br />
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