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QUADERNI OELLA RASSEGNA<br />
BRASILlANA DI STUDI ITALIANI<br />
HORÁCIO<br />
EPODOS -.-'ODES<br />
,<br />
EPISTOLAS<br />
'.<br />
ESCOLHiDOS, TRADUZIDOS E ANOTADOS<br />
POR<br />
NEYDE RAMOS DE ASSI,S<br />
S,ÃO. PAULO - BRASIL<br />
MCMLXII
Todos os direitos são reservados<br />
~ste livro foi composto e impresso na Escola<br />
Tipográfica Salesiana, à Rua Dom Bosco 441<br />
S. Paulo, no mês de Setembro de 19~2. '<br />
Impresso nos Estados Unidos do Brasil.<br />
Printed in the United States of Brazil.<br />
Apresentação<br />
Em tempos tão calamitosos para os estudos clássicos (agora<br />
um engenheiro ou um advogado ou um médico devem ter só<br />
conhecimentos técnicos e não uma sólida cultura humanística<br />
que é base de qualquer sabedoria), acho que divulgar obras antigas,<br />
mesmo em boas traduções, constitui o melhor instrumento<br />
para lutar contra a excessiva mecanização da vida. Por isso os<br />
"Quaderni de lia Ra,~segna brasiliana di studi italiani" podem,<br />
acolher com tôda simpatia essa nova contribuição duma minha<br />
incansável colaboradora pr01ra. dra. Neyde Ramos de Assis: ela<br />
muito me ajudou na reunião dos trechos para a antologia da<br />
"Literatura de Roma"; muito contribuiu, com os escritos e o<br />
ensino, para divulgar obras clássicas da literatura antiga; em<br />
particular, ela se aperfeiçou no estudo de Horácio, que reputa,<br />
justamente, o poeta ainda hoje moderno na moral "cotidiana, no<br />
equilíbrio espiritual, na arte parnasiana. Possa êsse opúsculo,<br />
destinado aos nossos, alunos e a todos os que acreditam na eficácia<br />
da cultura humanística, ter a sorte que lhe desejamos, na<br />
atmosfera tão didática do horaciano "omne tulit punctum qui<br />
miscuit utile dulci, lectorem delectand6 pariterque monendo".<br />
S. Paulo, setembro de 1962.<br />
G. D. Leoni
EPODOS<br />
]. CONTRA UM NOVO RICO.<br />
Há entre mim e ti uma aversão tão grande quanto a que,<br />
por lei da natureza, existiu entre o lôbo e o cordeiro, Ó homem<br />
de corpo marcado pelas cordas de junco, de pernas marcadas<br />
pelos duros grilhões. (1) Podes passear soberbo do teu dinheiro;<br />
a riqueza, porém, não muda a baixa origem. Não vês que,<br />
quando tu medes a Via Sacra com a toga comprida, de três<br />
braças, os transeuntes viram o rosto, sem disfarçar a indignação?<br />
"~ste homem - pensam êles - que foi surrado pelos<br />
açoites dos triunviros(2) até o pregoeiro se cansar, possui agora<br />
mil alqueires nas terras de Falemo (3), percorre a Via Ápia<br />
em seus cavalinhos e, como soberbo cavaleiro, senta-se, nos primeiros<br />
lugares do teatro, sem fazer caso de Otão (4). Por<br />
que são conduzidas contra os piratas e os escravos fugitivos as<br />
pôpas rostradas de. tantos fortes navios se êste, êste indivíduo<br />
é um tribuno militar?" (Epodi, IV)<br />
(1) Horácio se refere a um escravo liberto.<br />
(2) Os "triurnviri capitales" eram como que oficiais de policia aos<br />
quais cabia aplicar em público punições a escravos e a cidadãos culpados,<br />
enquanto o Ilpraeco" (pregoeiro) gritava o motivo da punição.<br />
(3) Falemo era uma região da Itália célebre entre os antigos romanos<br />
pelos vinhos que ali se produziam; ali, pois, as terras tinham grande valor.<br />
(4) Em 67 a.C. o tribuno Lúcio Róscio Otão fizera votar uma lei que<br />
assegurava aos cavaleiros - cidadãos de maiores recursos - os primeiros<br />
lugares no teatro depois dos destinados aos senadores; pretendià, com isso.<br />
impedir a ralé de ocupar tais assentos. Mas o personagem aqui satirizado<br />
conseguiu, enriquecendo, incluir-se entre. os cavaleiros.
8 HORÁCIO<br />
2. VOTOS A UM INIMIGO.<br />
Sôlto com um mau presságio, sai do pôrto o navio que<br />
leva o fétido Mévio (5). Lembra-te, ó Austro (6), de açoitar-lhe<br />
ambos os flancos com ondas terríveis! Que o sombriü Euro<br />
espalhe no mar rev?lto as amarras e os remos partidos; e o<br />
Aguilão se erga tão forte como quando, nos altos montes, agita<br />
e quebra as azinheiras; nem no escuro da noite, surja um astro<br />
amigo, do lado onde se põe o triste OrÍon (7), e nem navegue<br />
êle em mar mais calmo do que as tropas gregas vitoriosas quando,<br />
de Tróia incendiada, Palas voltou sua ira contra o navio do<br />
Ímpio Ájax (8).<br />
Oh! quanto hão' de suar teus marinheiros e que palidez<br />
será a tua, que choradejra pouco viril, que preces ao adverso<br />
Júpiter quando, a rugir, o Gôlfo Jônio houver rompido, com o<br />
chuvoso Noto, a tua quilha! E se, estendido na curva praia,<br />
como uma rica prêsa, servires de alimento às aves marinhas,<br />
imolarei às Tempestades (9) um lascivo bode e uma pequena<br />
ovelha. (Epodi, X)<br />
(5) Mévio é, talvez, um poetastro inimigo de Horácio e de Vergílio;<br />
êste também o menciona (Buc. llI, 90).<br />
(6) Austro, Euro, Aquilâo, Noto são nomes de ventos ..<br />
(7) A constelação de OrÍon é dita triste porque seu tramontar é<br />
acompanhado de tempestades.<br />
(8) Ájax, um dos heróis da guerra de Tróia, ao. voltar para a Grécia<br />
foi fulminado por Palas, a quem tinha ofendido.<br />
(9) As Tempestades eram tidas como divindades.<br />
1. A VIDA É BREVE ...<br />
ODES<br />
Esvai-se o duro inverno ao grato retomar da primavera e<br />
as máquinas arrastam para o mar os navios em sêco; já não<br />
se alegra o gado em ficar nos estábulos e nem o lavrador em<br />
estar junto ao fogo, e a branca neve já não alveja os prados.<br />
Vênus, a Citeréia (10), dirige as dadças à luz da lua e as belas<br />
Graças, junto com as Ninfas, batem a terra com um pé, com<br />
outro; e, enquanto isso nas fatigantes forjas dos Cic10pes (11),<br />
arde Vulcano.<br />
Nesta ocasião convém cingirmos a cabeça luzente de perfumes<br />
com o verde mirto ou com as. flôres que a terra produz,<br />
livre do gêlo; e imolarmos a Fauno (12), nos umbrosos bosques<br />
sagrados, uma ovelhinha ou um cabrito, como êle preferir. A<br />
pálida Morte pisa com o justo pé as cabanas dos pobres e os<br />
palácios dos reis. Ú afortunado Séstio, a breve duração da vida<br />
não permite que concebamos uma grande esperança. Logo te<br />
cobrirá a noite, a sombra da região dos manes (13), a exígua<br />
morada de Plutão; e., quando ali chegares,- não sortearás com<br />
(10) Vênus era chamada Citeréia porque a ilha de Citera, no mar Egeu,<br />
era uma das mais antigas sedes de seu culto.<br />
(11) Os Ciclopes eram gigantes que forjavam no Etna (vulcão da<br />
Sicília), os raios de Júpiter, sob as ordens de Vuicano, o deus do fogo;<br />
forjavam-nos na primavera para que Júpiter os usasse no verão.<br />
(12)<br />
dos prados.<br />
Fauno era um deus itálico, protetor dos bosques, dos montes e<br />
(13) Os manes eram as almas dos mortos.
10<br />
os dados o rei (14) do vinho nem fitarás o delicado Lícidas, por<br />
quem agora ardem os jovens e logo as moças se apaixonarão.<br />
(Carm., I, 4)<br />
2. SÔBRE UM AMOR NOCIVO.<br />
3. É TEMPO DE AMAR!<br />
HORÁCIO<br />
Por todos os deuses, ó Lídia, peço-te que me, digas: por<br />
que te apressas em perder Síbaris com o teu amor? por que<br />
odeia o campo ensolarado, êle capaz de suportar a poeira e o<br />
sol? Por que não mais cavalga entre os guerreiros de sua idade<br />
e não dirige com os duros freios os cavalos da Gália? por que<br />
tem receio de se. banhar no louro Tibre? por que evita com<br />
mais cuidado o óleo de oliva (15) do que o sangue das víboras,<br />
e já não tem os braços lívidos de carregar as armas, êle, que<br />
muitas vêzes se destacou no atirar o disco, muitas vêzes lançou<br />
o dardo além da meta? por que êle se esconde, como dizem<br />
que, na ocasião da triste guerra de Tróia, se escondeu o filho (16)<br />
de Tétis, a deusa marinha, para que as vestes de homem não o<br />
arrastassem à matança, não O arrastassem contra as tropas<br />
troianas? (Carm. I, 8)<br />
Tu me, evitas, ó Cloe, qual um veadinho que, nos ínvios<br />
montes, com um inútil mêdo das brisas e da selva, sente a falta<br />
da tímida mãe; assusta-se com o mover das fôlhas ao vir a<br />
primavera, assusta-se quando as verdes lagartas derrubam uma<br />
amora, e tremem-lhe os joelhos, treme-lhe o coração.<br />
(14) Nos banquetes se sorteava um "rei" que indicava quanto e qual<br />
vinho se devia beber.<br />
(15) . Os homens se untavam com óleo antes das lutas; Síbaris evita<br />
o óleo porque não mais deseja lutar desde que o absorveu o amor de<br />
Lídia.<br />
(16) O filho da deusa Tétis, o herói grego Aquiles, vestiu-se de<br />
mulher para não ir à guerra de Tróia; mas foi descoberto o seu ardil<br />
ODES<br />
Mas eu não te procuro para dilacerar-te como um tigre<br />
cruel ou um leão africano. Deixa afinal tua mãe: já estás<br />
no tempo de começar a amar. (Carm. I, 23)<br />
4. COMO ENCARAR A DOR.<br />
Quem pode ter pudor ou ter medida ao chorar por um<br />
homem tão querido? Ensina-me fúnebres cantos, ó Melpômene(17),<br />
a quem o pai dos deuses(18) concedeu uma voz cristalina<br />
ao som da cítara. É pois verdade que um eterno sono<br />
pesa sôbre Quintílio? (19) No entanto, a Honra e a incorruptível<br />
Fidelidade, irmã da Justiça, e a nua Verdade jamais encontrarão<br />
um outro igual. Éle morre.u e é digno de ser chorado<br />
por muitos homens bons; por ti, principalmente, ó Vergílio.<br />
Mas, embora piedoso, em vão tu pedirias Quintílio aos deuses;<br />
ah! êle não te seria de.volvido se o pedisses! Que sucederia se<br />
tu tocasses mais suavemente que o trácio Orfeu (20), cuja lira<br />
era ouvida pelas árvores? Acaso o sangue retomaria à sombra<br />
vã, a qual Mercúrio (21), que as preces não levam fàcilmente<br />
a mudar os destinos, já impeliu, com sua horrenda vara, para<br />
o negro rebanho dos mortos? É duro!<br />
A paciência, porém, torna mais leve tudo· o que não se<br />
pode corrigir! (Carm. I, 24}<br />
5. FALSAS JURAS DE AMOR.<br />
Se algum dia, ó Barine, tivesse.s recebido um castigo por<br />
juramento falso, se ficasses com os dentes escuros ou com uma<br />
(17) Musa da tragédia.<br />
(18) JÚpiter.<br />
(19) Quintílio Varo, amigo de Horácio e de Vergílio.<br />
(20) Orfeu, herói mitológico, era considerado o maior muslco da antigüidade;<br />
tocava tão docemente que comovia até as feras e os sêres inanimados.<br />
(21) Mercúrio, o mensageiro dos deuses, tinha O encargo de conduzir<br />
as almas para o reino dos mortos e as impelia com sua vara.<br />
11
12<br />
6. A ÁUREA MODERAÇÃO.<br />
7. GOZAR ENQUANTO É TEMPO!<br />
HORÁCIO<br />
só unha mais feia, então eu acreditaria! Mas, quando empenhas<br />
em juramentos a pérfida cabeça, ficas ainda mais bela e<br />
te tornas o amor dos jovens todos! Tu lucras em mentir pelas<br />
cinzas de tua mãe, pelos calados astros da noite e pelo céu<br />
inteiro, pelos deuses ise,ntos da gélida morte. Creio que a própria<br />
Vênus ri dos teus juramentos, riem as puras Ninfas e o malvado .<br />
Cupido que está sempre aguçando na cruél pedra as suas ardentes<br />
fle,chas. E os adolescentes crescem para ti, crescem teus<br />
novos servos; e -os mais antigos, freqüentem ente ameaçados, não<br />
deixam a casa da ímpia senhora. As mães receiam-te para<br />
se.us filhos, os velhos econômicos receiam-te, e as infelizes recémcasadas<br />
temem que o teu influxo lhes retenha os maridos ...<br />
(Carm. lI, 8).<br />
Licínio, tu viverás melhor se nem sempre afrontares o alto<br />
mar nem nave,gares sempre muito perto da praia perigosa, enquanto,<br />
cauteloso, receias as procelas. Quem ama a áurea moderação<br />
está tranqüilo, igualmente afastado da casa avara e<br />
suja e do palácio que desperta inveja. Os vent-os agitam com<br />
muita freqüência os grandes pinheiros, violenta é a queda das<br />
altas tôrres e os raios golpeiam o cume dos montes!<br />
A alma bem formada espera, no infortúnio, a mudança da<br />
sorte, teme-a se é feliz. Júpiter traz de volta o triste inverno<br />
e êle próprio leva-o embora. Se hoje estamos mal, não será<br />
sempre assim. Um dia ApoIo despertará com a cítara a Musa<br />
que se cala; nem sempre êle arma o arco.<br />
Nas adversidades, mostra-te forte e corajoso; tu mesmo,<br />
sàbiamente, recolhe as velas se as enfunar um vento demasiado<br />
propício. (Carm. lI, 10)<br />
Postumo, Postumo! os anos - ai de nós! - correm velozes<br />
e nem a piedade retardará as rugas, a velhice iminente e a<br />
ODES<br />
indomável morte. Não o consegUInas, meu amigo, mesmo que<br />
imolasses trezentos touros, um cada dia, a fim de aplacar o<br />
insensível Plutão (22), que retém Tício (23) e Gerião, gigante de<br />
três corpos, além do triste rio cuja travessia certamente há de<br />
ser feita por todos nós, que comemos os frutos da terra, quer<br />
sejamos reis, quer pobres camponeses.<br />
Em vão fugiremos à guerra sangrenta ou às ondas do rouco<br />
Adriático, que se quebram de encontro aos rochedos; em vão<br />
recearemos, durante o -outono, o vento que faz mal: teremos<br />
de ir ver o negro Cócito (24), que vagueia com seu langüido<br />
curso, e, a infame prole de Dânao (25) e o filho de Éolo, SÍsifo<br />
(26), condenado a um eterno trabalho. Terás de abandonar<br />
a terra, a casa e a espôsa querida e nenhuma das árvores que<br />
plantas te há de seguir para além dos odiosos ciprestes (27);<br />
por breve tempo tu és seu dono. Um herdeiro mais esperto que<br />
tu beberá todo o Cécubo(28) que guardas com cem chaves e<br />
banhará o chão (29) com um vinho magnífico, melhor que o<br />
dos jantares dos pontífices... (Carm. lI, 14)<br />
(22) Rei dos infernos e deus dos mortos.<br />
(23) Gigante que foi morto por Apoio devido a um insulto que fizera<br />
a Latona, a mãe do deus.<br />
(24) Rio dos infernos.<br />
(25) As filhas de Dânao, - personagem lendário - por haverem<br />
matado seus maridos, foram condenadas no inferno a encher um tonel sem<br />
fundo.<br />
(26) Sísifo, cruel ladrão, foi condenado no inferno a impelir até o<br />
cimo de um monte um enorme rochedo que, quando lá chegava, rolava<br />
novamente para baixo.<br />
(27) Os ciprestes eram consagrados a Plulão; por isso eram plantados<br />
em volta dos túmulos.<br />
(28) Célebre vinho da cidade de Cécubo (Itália).<br />
(29) Tal expressão é usada para indicar a abundância do vinho utilizado.<br />
13
14<br />
8. É TOLA A AMBIÇÃO.<br />
HORÁCIO<br />
Nem marfim e nem teto de ouro brilha na minha casa,<br />
nem traves de mármore do Himeto (30) apoiam-se em colunas<br />
talhadas nos extremos da África, nem, como um herdeiro ignorado,<br />
ocupei o palácio de Átalo (31); e as honradas espôsas dos<br />
clientes não fiam para mim lãs tintas com a púrpura lacônica.<br />
Mas tenho a lealdade e uma copiosa veia de talento e o rico<br />
procura a mim, que sou pobre. Nada mais rogo aos deuses e<br />
não peço ao amigo potente (32) maiores dádivas; sou bastante<br />
feliz com minha única vila, na Sabina.<br />
Um dia expulsa o outro e depressa termina o novo mês. E<br />
tu, não obstante, pouco antes do teu próprio funeral, contratas<br />
empreiteiros para talhar os mármores e, esquecido da morte,<br />
levantas palácios e, te empenhas em construir sôbre o mar que<br />
estrepita junto de Baias (33), crendo-te pouco rico se não podes<br />
passar além das bordas. E mais ainda: estás sempre a alargar<br />
os confins do teu campo e invades, ambicioso, as terras dos<br />
clientes; expulsas a mulher e o marido, que leva no colo as<br />
imagens dos deuses paternos e os esquá,lidos filhos. Contudo,<br />
nenhum palácio destinado a um rico senhor o espera com maior<br />
certeza que o reino do ávido arco (34). A terra se abre, imparcial,<br />
para o pobre e para os filhos dos reis; e o ouro não<br />
fêz que o servidor do arco (35) transportasse de volta o astuto<br />
Prometeu (36). O arco retém o orgulhoso Tântalo (37) e. os<br />
(30) Monte da Grécia.<br />
(31) Rico rei de PérgaD10 (Ásia), que deixou seus haveres a Roma.<br />
(32) Mecenas.<br />
(33) Baias era uma célebre estância balnear ao sul da Itália; ali havia·<br />
suntu0sas residências.<br />
(34) Outro nome de Plutão, o deus. dos mortos.<br />
(35) O "servidor do Orco" é Caronte, barqueiro que transportava as<br />
almas dos mortos através do Estige, rio dos infernos.<br />
(36) Gigante mitológico que roubou o fogo do céu para dá-Io ao<br />
homem.<br />
(37) Rei da Lfdia (Ásia Menor) condenado a terrível suplício no<br />
reino dos mortos': o de sofrer fome e sêde, tendo junto de si frutos e<br />
água, que não consegue tocar.<br />
ODES<br />
filhos ·de Tântalo; chamado ou não, êle .acorre para aliviar o<br />
pobre que já chegou ao têrmo dos trabalhos. (Carm. 11, 18)<br />
9. ODE A BACO<br />
Crede-me, ó pósteros: eu vi Baco, que, sôbre, uma rocha<br />
distante, ensinava canções; e as Ninfas e os Sátiros, com os<br />
seus pés de cabra, de ouvidos atentos, aprendiam. Ev.oé!(38)<br />
Minha alma estremece de súbito mêdo e meu peito, cheio de Baco,<br />
se entrega a uma ale,gria turbulenta. Evoé! Tem piedade de<br />
mim, ó Baco, temível por teu potente tirso (39), tem piedade de<br />
mim! É lícito que eu celebre as bacantes obstinadas no seu<br />
furor (40), que eu celebre a fonte do vinho e os arroios cheios<br />
'de leite. e os meles que correm dos troncos cavados (41). É lícito<br />
que eu cante .o ornamento da tua feliz espôsa (42) ajuntado às<br />
estrêlas, e a casa de Penteu (43) abatida por grande desgraça<br />
e a morte do trácio Licurgo (44). Tu domas os rios e o bárbaro<br />
mar e, ébrio, sôbre longínquos montes, sem perigo enlaças com<br />
víboras a cabeleira das bacantes. Quando a Ímpia coorte dos<br />
Gigantes subia pelo áspero caminho aos reinos de teu pai, tu,<br />
transformado em leão, com as unhas e os terríveis dentes lançaste<br />
Reto para trás. (45) Embora te julgassem muito hábil nas<br />
(38) Grito de alegria das bacantes, sacerdotisas de Baco, deus do vinho.<br />
(39) Bastão enfeitado de hera e pâmpanos, que servia de cetro a Baco.<br />
(40) As sacerdotisas, quando tomadas por Baco, ficavam em delirio.<br />
(41) Por ordem' de Baco nasciam da terra, para as bacantes, riachos<br />
de vinho e de leite, e as árvores destilavam mel.<br />
(42) A coroa de Ariadna, espôsa de Baco, foi posta no .céu entre as<br />
constelações.<br />
(43) Penteu, rei de Tebas, zombou do culto de Baco e, como castigo<br />
foi dilacerado pela mãe e pelas irmãs enlouquecidas.<br />
(44) Rei da Trácia (região da Eüropa, próxima da Macedônia) que, por<br />
se ter oposto ao culto de Baco, foi tornado cego e depois morto pelo deus.<br />
(45) Os Gigantes, filhos da Terra, revoltaram-se contra Júpiter - pai<br />
de Baco - e colocando o monte Ossa sôbre o Pélio (montes da Grécia),<br />
tentaram escalar o monte Olimpo, onde moravam os deuses. Mas foram<br />
vencidos por JÚpiter. Reto era um dêsses Gigantes.<br />
15
16<br />
danças, nos folguedos, no jôgo, os deuses não te achavam bastante<br />
apto para o combate; entretanto, na paz e na guerra, tinhas<br />
igual valor. Cérbero(46), manso, docemente esfregando em ti<br />
a cauda, viu-te ornado de um chifre (47) de ouro e, ao partires,<br />
lambeu, com a bôca de três línguas, teus pés e pernas.<br />
(Carm. 11, 19)<br />
10. A AUGUSTO.<br />
HORACIO<br />
Nem o furor dos cidadãos que impõem injustiças nem o<br />
rosto de um ameaçador tirano nem o Austro, tempestuoso senhor<br />
do agitado Adriático, nem a mão poderosa de Iúpiter, que lança<br />
os raios, perturba o homem justo e firme nos propósitos da<br />
mente inabalável; se, feito em pedaços, o mundo desabasse, as<br />
ruínas o haveriam de atingir impávido. Com tal virtude,<br />
Pólux (48) e o errante Hércules chegaram às esferas celestes; e<br />
Augusto, deitado entre êles (49) há de beber o néctar com a<br />
bôca purpurea. A ti, ó Baco, que, por tal virtude bem o mereceste,<br />
os tigres conduziram ao céu, puxando o jugo com o indócil<br />
pescoço. Por tal virtude, Quirino(50) escapou ao Aqueronte(51),<br />
após ter Iuno proferido, ante os deuses reunidos em conselho,<br />
agradável discurso:<br />
(46) Cão que guardava os infernos. Baco foi ao reino dos mortos<br />
para buscar sua mãe, Sêmele.<br />
(47) Baco é representado com um chifre, símbolo da fecundidade, da<br />
qual é o deus.<br />
(48) Os heróis mitológicos Pólux e Cástor eram filhos de Júpiter e<br />
irmãos de Helena de Tróia; transportados ao céu, formaram a constelação<br />
dos Gêmeos.<br />
(49) O sentido da passagem é o seguinte: Augusto, pela virtude da<br />
justiça e da perseverança, deitar-se-á um dia nos banquetes dos deuses e<br />
tomará a bebida dos deuses, que é o néctar, com a bôca sempre vermelha,<br />
isto é, sempre jovem; em suma, tornar-se-á um deus.<br />
(50)<br />
Quirino.<br />
Foi dado a Rômulo, divinizado depois de morto, o nome de<br />
(51) Rio dos infernos.<br />
ODES<br />
- "Um juiz fatal e adúltero (52) e uma forasteira (53) redu<br />
ziram a pó a cidade de Tróia, da Tróia condenada por mim e<br />
peja casta Minerva com seu povo e seu rei desonesto (54), desde<br />
quando Laomedonte de.fraudou os deuses do pagamento combinado.<br />
Agora, nem o famoso hóspede (55) da adúltera espartana<br />
brilha em sua beleza nem a perjura família de Príamo rechaça,<br />
com as fôrças de Heitor (56), os belicosos gregos; e a guerra<br />
prolongada por nossas divergências (57) cessou. Agora eu sacrificarei<br />
a Marte as· minhas graves iras e perdoarei ao odioso<br />
neto (58) que a sacerdotisa troiana pariu; consentirei que êle<br />
entre nestas luminosas moradas, que beba os sucos do néctar<br />
e seja inscrito na tranqüila ordem dos deuses. Que. os exilados (59)<br />
reinem felizes em todo o mundo enquanto o vasto oceano se<br />
agitar entre Tróia e: Roma; que o Capitólio se erga fulgurante<br />
e a belicosa Roma possa dar leis aos medos subjugados, enquanto<br />
os rebanhos saltarem sôbre a tumba de PrÍamo e de Páris e<br />
as feras aí esconderem, seguras, os filhotes. E se Roma fôr<br />
(52) Páris, filho de Príamo - rei de Tróia -, foi juiz no certame de<br />
beleza estabelecido entre Juno, Minerva e Vénus e deu a vitória a esta<br />
última, que prometera casá-Io com a mulher mais bela do mundo: Helena,<br />
espôsa do rei de Esparta, Menelau. Daí a guerra de Tróia, na qual Juno<br />
e Minerva combateram pelos gregos.<br />
(53) Helena.<br />
(54) O rei a que Juno se refere, é Laomedonte, pai de Priíamo; aquêle<br />
recusou-se a pagar a ApoIo e a Netuno, que lhe haviam construído os<br />
muros da cidade ..<br />
(55) Páris, que fôra hóspede de Helena em Esparta e a levara consigo<br />
para Tróia.<br />
(56) Filho de Príamo, que chefiou a resistência contra os gregos; foi<br />
morto pelo grego Aquiles.<br />
(57) Alguns deuses favoreciam os gregos, outros os troianos; e êles<br />
próprios tomavam parte nos combates.<br />
(58) O "odioso neto" é Rômulo, filho de Marte e da sacerdotisa Rea<br />
Sílvia, que descendia de Enéias e, por isso, é chamada "troiana"; Rômulo<br />
é dito "neto' não de Marte mas dos troianos, dos quais descendia por parte<br />
da mãe; Juno a princípio transferira a Rômuio o ódio que tinha dos<br />
troianos.<br />
(59) Maneira de aludir aos romanos, que se criam descendentes dos<br />
exilados troianos estabelecidos na Itália sob o comando de Enéias.<br />
17
18<br />
mais capaz "de desprezar "O ouro não achado - e assim melhor<br />
guardado pois que a terra o esconde - do que de o recolher<br />
para usos profanos com a mão que rouba tudo quanto é sagrado,<br />
possa, te.rrível, estender o seu nome largamente, até as mais<br />
-remotas praias, lá onde o mar separa a Europa dos africanos,<br />
onde o tímido Nilo banha os campos; desejosa de ver em que<br />
região o calor é furioso, em que região há chuvas e ne.voeiros,<br />
chegue ela, com suas armas, até os confins do mundo. Eu,<br />
porém, predigo tais destinos aos belicosos cidadãos romanos, com<br />
esta condição: que não queiram, por piedade excessiva ou por<br />
muita confiança em sua potência, reconstruir as casas da velha<br />
Tróia: a sorte de Tróia renasceria com funesto augúrio e repetir-se-ia<br />
com uma triste matança, enquanto eu, espôsa e irmã<br />
de Júpiter, conduziria as tropas vitoriosas; se o muro de bronze<br />
ressurgisse três vêzes por obra de ApoIo, três vêzes cairia, derrubado<br />
pelos meus gregos, e três vêzes a mulher prisioneira<br />
choraria ü marido e os filhos (60)."<br />
Isto não convém à minha jocosa lira. 6 Musa! "aonde vais?<br />
Deixa de repetir, obstinada, os discursos dos deuses e de enfra<br />
que.cer, com pequenas poesias, .os assuntos ,grandiosos (61)<br />
-(Carm. m, 3).<br />
11. UM CONVITE A MECENAS.<br />
O' Mecenas, neto de reis etruscos, há muito eu tenho" para<br />
ti, em casa, um vinho velho, num vaso ainda não despejado, e<br />
rosas e um bálsamo extraído para os te,us cabelos; não te demo<br />
res nem fiques sempre a contemplar a úmida Tíbur (62) e o<br />
(60) Deve-se entender: as espôsas dos vencidos, feitas prisioneiras, choorariam<br />
os maridos e os filhos mortos pelos inimigos.<br />
(61) Horácio reconhece que tais temas não convêm ao seu estto, mais<br />
inclinado a assuntos leves, tirados à vida quotidiana. A mesma idéia é<br />
expressa em outras passagens (earm. I, 6, 5, e seg.; IV, 15, 1-4).<br />
.(62) Do palácio de Mecenas, sôbreo monte Esquilino, se avistava a<br />
cidade de Tibur e- outras, próximas de Roma."<br />
ODES<br />
campo inclinado de Éfulo (63) e as colinas "de Telégono, o parricida<br />
(64). Deixa a enfandonha opulência e o teu palácio próximo<br />
das altas. nuvens; cessa de admirar a fumaça, as' riquezas, o<br />
ruído da opulenta Roma. Os ricos muitas vêzes amam as mudanças;<br />
e os jantares asseados sob o pequeno teto dos pobres,<br />
sem dosséis e sem púrpuras, muitas vêzes fazem desanuviar-se a<br />
fronte inquieta.<br />
Já o brilhante pai de Andrômeda mostra o fogo antes<br />
oculto, já o Procião e a estrêla do insano Leão se enfurecem (65)<br />
enquanto o sol traz novamente os dias secos; já o pastor cansado<br />
procura, com o lângüido rebanho, as sombras, o riacho,<br />
os bosques do hirsuto Silvano (66), e os ventos não erram nas<br />
silenciosas margens. Tu te preocupas com a organização que<br />
convenha à cidade e, inquieto, receias por Roma, pensando em<br />
que coisa preparam os Seres (67) e Bactra (68), sôbre a qual<br />
reinou Ciro, e o discorde Tânais (69). Contudo, um deus prudente:<br />
envolveu em negra escuridão o que há de ocorrer no futuro<br />
e ri se algum mortal teme além do que é justo. Lembra-te de<br />
ordenar sàbiamente o presente.; tudo o mais é levado à maneira de<br />
um rio, que ora corre tranqüilo, no meio do leito, para o mar<br />
Etrusco, ora arrasta consigo pedras corroídas e troncos arrancados<br />
e gado e casas; e os montes e a floresta próxima repercutem<br />
(63) Cidade do Lácio, perto de Tíbur.<br />
(64) Alu"são à cidade de Túsculo, no Lácio; segundo a lenda, fôra<br />
fundada por Telégono, filho de Vlisses e da deusa Circe,
20 HORÁCIO ODES 21<br />
o ruído quando a terrível inundação torna furiosas as calmas<br />
águas. Será senhor de si e viverá contente aquêle a quem fôr<br />
lícito dizer cada dia: "Aproveitei a vida! Amanhã, pode o Pai<br />
dos deuses ocupar com uma negra nuvem ou com sol puro o céu;<br />
mas não tornará vão o que é passado nem mudará ou fará que<br />
não tenha ocorrido aquilo que nos trouxe uma vez a hora fugidia".<br />
A sorte, que se alegra com o seu cruel ofício e persiste em<br />
jogar o seu jôgo inconstante, muda as incertas honras e ora<br />
favorece a mim, ora a um outro" Eu a bendigo se me fica fiel;<br />
se agita as asas rápidas, entrego' o que me deu, envolvo-me na<br />
minha virtude e procuro a pobreza honesta e sem dote (70). Não<br />
é próprio de mim recorrer a preces mesquinhas se as procelas<br />
trazidas pelo Áfrico (71) fazem mugir o mastro do navio, e nem<br />
fazer promessas a fim de que as mercadorias de Chipre ou de<br />
Tiro (72) não vão aumentar as riquezas do mar avaro (73). Então<br />
um vento favorável e Pólux e Cástor (74), seu irmão, me hão de<br />
conduzir através dos tumultos do Ege.u, seguro numa barca de<br />
dois remos (75). (Carm. lU, 29)<br />
12. EPÍLOGO.<br />
Concluí um monumento mais durável que o bronze e mais alto<br />
que os régios edifícios das pirâmides, o qual nem a chuva erosiva<br />
nem o Aquilão furioso poderão destruir, nem a inumerável série<br />
dos anos e o correr do tempo. Não morrerei de todo: grande<br />
(70) o poeta receberá em casa a pobreza, como uma noiva honesta<br />
mas sem dote.<br />
(71) Nome de um vento.<br />
(72) Chipre, ilha da Grécia, e Tiro, cidade fenlcia, eram importantes<br />
escalas do comércio romano com o Oriente.<br />
(73) Isto significa: promessas para que as mercadorias não se percam<br />
num naufrágio. O poeta usa tais expressões em sentido figurado,<br />
aludindo aos reveses da vida.<br />
(74) Pólux e Cástor (V. nota 48) protegiam os navegantes.<br />
(75) Enquanto outros recorrem a angustiadas preces, o poeta, que<br />
é de condição modesta, segue tranqüilo através dos tumultos da vida, pois<br />
não teme os caprichos da sorte e é capaz de aceitar a pobreza.<br />
parte de mim evitará a morte (76). Eu crescerei sempre pela<br />
glória futura e serei sempre jovem, enquanto o pontífice subir o<br />
Capitólio com a silenciosa virgem (77). Dir-se-á que eu, de humilde<br />
feito grande (78), nascido onde o impetuoso Áufido estrepita<br />
e Dauno, pobre de água, reinou sôbre rústicos povos (79),<br />
fui o primeiro a transportar para os metros itálicos a poesia da<br />
Eólia (80)<br />
Assume, ó Melpômone, o orgulho que mereces (81) e, benévola,<br />
cinge-se os cabelos com os louros de Delfos (82). (Carm.<br />
I1I, 30).<br />
(76) Ao pé da letra: "evitará Libitina". Libitina era a deusa da<br />
morte; ao seu templo deviam ser comunicados os falecimentos e ai estacionavam<br />
os agentes funerários.<br />
(77) Alusão às vestais, sacerdotisas de Vesta, a' deusa do lar, cujo<br />
culto tinha grande importância em Roma. Cada mês o· Pontífice máximo<br />
subia com as vestais à colina do Capitólio para oferecer sacrifícios a<br />
Júpiter pela segurança do Estado. No Capitólio havia um templo de<br />
JÚpiter.<br />
(78) Horácio era de origem humilde, filho de um escravo liberto.<br />
(79) Alusão poética à Apúlia, região do sul da Itália onde nasceu<br />
Horácio; o Áufido, hoje Ofanto, é o principal rio da região, a qual era<br />
pobre de água. Dauno, personagem lendário, foi um antigo rei da Apúlia.<br />
(80) A expressão "poesia da Eólia" designa, aqui, a lírica grega em<br />
geral. A afirmação de Horácio não é exata: êle despreza a obra dos seus<br />
antecessores, os "poetas novos" e Catulo. Mas é certo que êle enriqueceu<br />
a lírica romana com novos metros e novos temas.<br />
(81) Melpômene, musa da tragédia, é aqui nomeada como musa da<br />
poesia em geral; Horácio atribui a ela os méritos da sua poesia.<br />
(82) Nos jogos celebrados em Delfos (Grécia), OS vencedores recebiam<br />
uma coroa de louros. O loureiro era consagrado a Apoio, que tinha um<br />
oráculo em Delfos.
(83) Homero.<br />
EPÍSTOLAS<br />
1. CONSELHO A UM JOVEM.<br />
O' Máximo Lólio, enquanto em Roma tu te exercitas na arte<br />
de falar, eu reli em Preneste o poeta da guerra de Tróia (83).<br />
Éle ensina, melhor e mais claro do que Crisipo e Crântor (84),<br />
que coisa é honesta e que coisa é torpe, que coisa é ou não é útil<br />
E, se não te retém alguma ocupação, escuta por que eu penso<br />
assim. O poema, no qual se contra que a Grécia combateu em<br />
longa guerra contra os bárbaros troianos (85) por motivos do<br />
amor de Páris, nos faz conhecer as tolas paixões dos reis e dos<br />
povos. Antenor (86) suge.re que se suprima a causa da guerra (87).<br />
Que faz Páris? Diz que não pode ser coagido a reinar são<br />
e salvo e a viver feliz (88). Nestor (89) se empenha em conciliar<br />
Aquiks com Agamenão; êste arde de amor, e ambos, de cólera;<br />
(84) Crísipo e Crântor foram filósofos do séc. III a. C. O primeiro<br />
era estóico, o segundo acadêmico.-<br />
(85) Os troianos eram julgados bárbaros pelos gregos.<br />
(86) Um dos heróis troianos que combateram na guerra de Tróia;<br />
muito sábio, era o conselheiro do seu povo.<br />
(87) Isto é: que se devolva Helena aos gregos.<br />
(88) PiÍris não morreria na guerra mas reinaria são e salvo e viveria<br />
feliz se devolvesse Helena; mas não o quer fazer.<br />
(89) Velho rei grego que combateu na guerra de Tróia e era notável<br />
por seus sábios conselhos.<br />
EPíSTOLAS<br />
,e os gregos pagam pelas loucuras tôdas dos seus reis (90).. Dentro<br />
e fora de Tróia cometem-se erros" com sedições, embustes, mal<br />
'dades, ,dissolução 'e cólera. Por .outro lado, Homero nos apresenta<br />
Ulisses (91), para mostrar-nos o q1'lepode 'o valor ea sabe<br />
,daria; pois que, após haver destruido Tróia, êle, prudente, conheceu<br />
cidades e costumes de muitos povos e, ,enquanto procurava<br />
voltar comas seus companheiros, 'suportou muitas provações sem<br />
afundar nas ondas da sorte adversa. Tu, Ó Lólio, conheces os<br />
cantos das Sereias e os filtros de Circe (92); se Ulisses, tolo e<br />
ambicioso, os tivesse bebido, te,r-se-ia tornado bruto e inconsciente<br />
sob o domínio de uma meretriz ,e teria vividocomb um 'cão<br />
imundo ou um porco amigo do lôdo (93). Nós não, ternos ,êsse<br />
valor e nascemos para comer, como osve~hacos pretendentes de<br />
Penélope (94) e os jovens de Alcínoo.(95), os quais, mais do que<br />
(90) Agamenão, rei de Micenas e de Argos (cidades da Grécia), era<br />
o comandante geral dos gregos na guerra de Tróia. Tendo aprisionado<br />
'Criseida, filha de Crises, .sacerdote de Apoio, por ela se apaixona e não<br />
quer devolvê-Ia ao pai, que lha pede,. Como ,castigo, Apoio manda aos<br />
gregos uma peste. ,Constrangido a devolverCriseida, Agamenão toma ·a<br />
Aquiles, um dos principais chefes gregos, a prisioneira d'êste, Briseida.<br />
Aquites, ofendido, recusa-se 'a combater com os seus homens, daí resultando<br />
grande prejuízo .para os gregos. A cólera de Aquiles e 'Suas conseqüências<br />
,é o tema ,central ·da "Iliada". (llion é ,outro nome de Tróia).<br />
(91) Ulisses, um dos principais heróis,' da .guerra de Tróia, rei ,da ilha<br />
'grega de ·ltaca, distinguia-se pela prudência, pela inteligência, pela astúcia.<br />
Sua aventúrosa volta à pátria após o término da guerra é o tema da "Odisséia"<br />
(Odisseus é o nome grego do herói).<br />
(92) Alusão a episódio da "Odisséia".<br />
'Sereias; que atraiam os navegantes para os<br />
da deusa Circe, que o queria reter e~, sua<br />
(93) Circe, deusa maligna, transformava os homens em animais, que<br />
ficavam, submissos, em redor de sua casa.<br />
(94 ) Como Ulisses tardasse cem ,regressar de Tróia, 'vários nobres de<br />
Itaca e dos arredores puseram-se a cortejar-lhe a espôsa, Penélope, e 'banqueteavam-se<br />
diàriamente no palácio do rei, dissipando-lhe os haveres. Ao<br />
voltar, Ulisses matou-os todos.<br />
(95) Alcínoo; personagem da ·"Odisséia", era reI dos feácios, ·povo<br />
lendário muito dado aos prazeres.<br />
23<br />
Ulisses resistiu aos, cantos das<br />
arruinar, ,e aos encantamentos<br />
casa.
H0J;tÁCIO<br />
é justo, se ocupavam em cuidar do corpo e gostavam de dormir<br />
até o meio-dia e de, ao som da cÍtara,. esquecer os afãs.<br />
Os ladrões se levantam de noite para degolar um homem;<br />
e tu (96) não despertas para salvar a ti mesmo? Mas se não queres<br />
correr quando estás são, correrás quando fores hidrópico (97).<br />
E se, antes que raie o dia, não buscares. um livro e um lume, se<br />
não aplicares tua alma aos estudos e às coisas honestas, insone<br />
serás atormentado ou pela inveja ou pelo amor. Por que .te<br />
apressas em tirar aquilo que te fere o ôlho mas,· se alguma coisa<br />
te rói o espírito, adias para o ano a ocasião de curar-te? Quem<br />
começa, já faz a metade da obra; resolve-te a ser sábio: começa.<br />
Quem adia o momento de viver retamente faz como o camponês<br />
que, a fim de atravessar, espera a água do rio parar de correr;<br />
a água, porém, corre e correrá veloz por todo o tempo.<br />
Acima de tudo se procura o dinheiro, procura-se, para gerar<br />
os filhos, uma espôsa rica, desbravam-se com o arado as florestas<br />
incultas. Mas aquêle a quem coube o suficiente, não deve.desejar<br />
nada mais. A casa, a quinta, o bronze e o ouro amontoados não<br />
afastam as febres do corpo do senhor adoentado, nem os cuidados<br />
da alma. E' necessário que o possuidor esteja bem para poder<br />
gozar da fortuna -ajuntada. A casa e as riquezas agradam àquêle<br />
que deseja ou teme, da mesma forma (98) que os quadros aos<br />
olhos doentes, os remédios a quem sofre de gôta, a cÍtara aos<br />
ouvidos que doem pela sujeira acumulada. Se um vaso não está<br />
limpo, tudo o que se põe dentro azeda. Despreza os prazeres; é<br />
nocivo o prazer procurado com ânsia. O avaro sempre carece de<br />
algo; põe um limite certo aos teus deSejos. O invejoso emagrece<br />
pelas fartas riquezas de um outro; os tiranos da Sicília não conseguiram<br />
inventar suplício maior do que a inveja. Quem não<br />
(96) O -poeta usa a segunda pessoa mas refere-se aos homens em<br />
geral.<br />
(97) Isto é dito em sentido figurado; o movimento era aconselhado<br />
como remédio para a hidropisia. Mas Horácio refere-se à. necessidade de<br />
o homem precaver-se contra os males morais, os vícios.<br />
(98) Isto é: não agradam.<br />
EPíSTOLAS 25<br />
puser um freio à sua ira, desejará não ter cometido o que lhe<br />
aconselhou a alma rancorosa enquanto se- empenhava com violência<br />
em dar satisfação ao ódio não vingado. A ira é uma breve<br />
loucura. Governa os teus sentimentos, os quais, se não obedecem,<br />
acabam por mandar. Retém-nos com freios, trá-Ios acorrentados.<br />
O domador ensina o cavalo ainda dócil porque em tenra<br />
- idade, a seguir o caminho que lhe indica o cavaleiro; o cão de<br />
caça se adestra nas selvas desde quando começa a ladrar no<br />
pátio contra uma pele de veado. Agora que. ég jovem, imprime<br />
estas máximas no peito ainda puro; entrega-te agora à direção<br />
dos melhores que tu. Uma ânfora conserva longo tempo o odor<br />
do qual se embebeu uma vez, quando nova. Mas, se tu te demoras<br />
ou vais adiante com muita pressa, eu não esperarei um preguiçoso<br />
nem correrei atrás de quem me anda à frente(99). (Epist. I, 2).<br />
2. É PRECISO OTIMISMO!<br />
O' .Álbio (100), honesto juiz dos nossos "Sermones" (101),<br />
que faze,s agora na região de Pedo? (102) Escreves algo melhor<br />
que as breves poesias de Cássio Parmense?(103) ou andas pensativo<br />
entre as saudáveis matas, meditando sôbre tudo o que é<br />
digno de um homem justo e bom?<br />
Tu não eras um corpo sem alma! Os deuses concederam-te<br />
a beleza, os ~euses concederam-te as riquezas e a arte de saber<br />
gozá-las. Que mais uma ama pode desejar ao seu caro pupilo<br />
(99) Horácio deseja que seu jovem amigo siga a sua orientação. Do<br />
contrário, não mais o aconselhará.<br />
(100) A epístola é dirigida ao poeta Álblo Tibulo.<br />
(101) Horácio indica com o nome de "Sermones" (Palestras) suas<br />
"Sátirás" e suas "Epístolas" que são, de fato, como que palestras ou com<br />
um amigo ou com o leitor. Aqui se refere às "Sátiras", não estando<br />
ainda concluídas as "Epístolas". Ao que se deduz, Tíbulo deu a Horácio<br />
pareceres sôbre as "Sátiras".<br />
(102) A cidade de Pedo ficava no Lácio; Tibulo tinha ali uma<br />
propriedade rural.<br />
(103) Poeta elegíaco de importância secundária. Foi um dos assassinos<br />
de Júlio César.
26 HORÁCIO<br />
senão 'que êle seja sensato, saiba dizer o que sente e te.nha em<br />
abundância fama e favores, boa saúde, uma vida elegante. e a<br />
bôlsa cheia?<br />
Entre a esperança e as preocupações, ent!e iras e temores,<br />
deves sempre julgar cada ~ia que surge como sendo o teu último<br />
dia: assim, o tempo que não esperavas ser-te-á mais grato.<br />
Quando quiseres rir, vem visitar-me: ver-me-ás gordo e bem<br />
disposto, com a pele bem tratada, como um porco da grei de<br />
Epicuro! (Epist. I, 4)<br />
íNDICE<br />
Apresentação 5<br />
EPODOS:<br />
l.<br />
2,<br />
Contra um novo rico (Ep. IV) .<br />
Votos a um inimigo (Ep. X) .<br />
ODES:<br />
l. A vida é breve. (I, 4) . 9<br />
2. Sôbre um amor nocivo (I, 8) . 10<br />
3. É tempo de amar! (I, 23) . 10<br />
4. Como encarar a dor (I, 24) . 11<br />
5. Falsas juras de amor (lI, 8) . 11<br />
6. A áurea moderação (lI, 10) . 12<br />
7. Gozar enquanto é tempo! (lI, 14) . 13<br />
8. É tola a ambição (U, 18) . 14<br />
9. Ode a Baco (U, 19) . 15<br />
10. A Augusto (lU, 3) . 16<br />
1l. Um convite a Mecenas (lU, 29) . 18<br />
12. Epílogo (III, 30) . 20<br />
EPÍSTOLAS:<br />
1 " Conselho a um jovem (I, 2) 22<br />
2. É preciso otimismo! (I, 4) 25<br />
7<br />
8