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20 HORÁCIO ODES 21<br />
o ruído quando a terrível inundação torna furiosas as calmas<br />
águas. Será senhor de si e viverá contente aquêle a quem fôr<br />
lícito dizer cada dia: "Aproveitei a vida! Amanhã, pode o Pai<br />
dos deuses ocupar com uma negra nuvem ou com sol puro o céu;<br />
mas não tornará vão o que é passado nem mudará ou fará que<br />
não tenha ocorrido aquilo que nos trouxe uma vez a hora fugidia".<br />
A sorte, que se alegra com o seu cruel ofício e persiste em<br />
jogar o seu jôgo inconstante, muda as incertas honras e ora<br />
favorece a mim, ora a um outro" Eu a bendigo se me fica fiel;<br />
se agita as asas rápidas, entrego' o que me deu, envolvo-me na<br />
minha virtude e procuro a pobreza honesta e sem dote (70). Não<br />
é próprio de mim recorrer a preces mesquinhas se as procelas<br />
trazidas pelo Áfrico (71) fazem mugir o mastro do navio, e nem<br />
fazer promessas a fim de que as mercadorias de Chipre ou de<br />
Tiro (72) não vão aumentar as riquezas do mar avaro (73). Então<br />
um vento favorável e Pólux e Cástor (74), seu irmão, me hão de<br />
conduzir através dos tumultos do Ege.u, seguro numa barca de<br />
dois remos (75). (Carm. lU, 29)<br />
12. EPÍLOGO.<br />
Concluí um monumento mais durável que o bronze e mais alto<br />
que os régios edifícios das pirâmides, o qual nem a chuva erosiva<br />
nem o Aquilão furioso poderão destruir, nem a inumerável série<br />
dos anos e o correr do tempo. Não morrerei de todo: grande<br />
(70) o poeta receberá em casa a pobreza, como uma noiva honesta<br />
mas sem dote.<br />
(71) Nome de um vento.<br />
(72) Chipre, ilha da Grécia, e Tiro, cidade fenlcia, eram importantes<br />
escalas do comércio romano com o Oriente.<br />
(73) Isto significa: promessas para que as mercadorias não se percam<br />
num naufrágio. O poeta usa tais expressões em sentido figurado,<br />
aludindo aos reveses da vida.<br />
(74) Pólux e Cástor (V. nota 48) protegiam os navegantes.<br />
(75) Enquanto outros recorrem a angustiadas preces, o poeta, que<br />
é de condição modesta, segue tranqüilo através dos tumultos da vida, pois<br />
não teme os caprichos da sorte e é capaz de aceitar a pobreza.<br />
parte de mim evitará a morte (76). Eu crescerei sempre pela<br />
glória futura e serei sempre jovem, enquanto o pontífice subir o<br />
Capitólio com a silenciosa virgem (77). Dir-se-á que eu, de humilde<br />
feito grande (78), nascido onde o impetuoso Áufido estrepita<br />
e Dauno, pobre de água, reinou sôbre rústicos povos (79),<br />
fui o primeiro a transportar para os metros itálicos a poesia da<br />
Eólia (80)<br />
Assume, ó Melpômone, o orgulho que mereces (81) e, benévola,<br />
cinge-se os cabelos com os louros de Delfos (82). (Carm.<br />
I1I, 30).<br />
(76) Ao pé da letra: "evitará Libitina". Libitina era a deusa da<br />
morte; ao seu templo deviam ser comunicados os falecimentos e ai estacionavam<br />
os agentes funerários.<br />
(77) Alusão às vestais, sacerdotisas de Vesta, a' deusa do lar, cujo<br />
culto tinha grande importância em Roma. Cada mês o· Pontífice máximo<br />
subia com as vestais à colina do Capitólio para oferecer sacrifícios a<br />
Júpiter pela segurança do Estado. No Capitólio havia um templo de<br />
JÚpiter.<br />
(78) Horácio era de origem humilde, filho de um escravo liberto.<br />
(79) Alusão poética à Apúlia, região do sul da Itália onde nasceu<br />
Horácio; o Áufido, hoje Ofanto, é o principal rio da região, a qual era<br />
pobre de água. Dauno, personagem lendário, foi um antigo rei da Apúlia.<br />
(80) A expressão "poesia da Eólia" designa, aqui, a lírica grega em<br />
geral. A afirmação de Horácio não é exata: êle despreza a obra dos seus<br />
antecessores, os "poetas novos" e Catulo. Mas é certo que êle enriqueceu<br />
a lírica romana com novos metros e novos temas.<br />
(81) Melpômene, musa da tragédia, é aqui nomeada como musa da<br />
poesia em geral; Horácio atribui a ela os méritos da sua poesia.<br />
(82) Nos jogos celebrados em Delfos (Grécia), OS vencedores recebiam<br />
uma coroa de louros. O loureiro era consagrado a Apoio, que tinha um<br />
oráculo em Delfos.