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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO<br />
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES<br />
DEPARTAMENTO DE MÚSICA<br />
CAMPUS DE RIBEIRÃO PRETO<br />
A INFLUÊNCIA DA ANÁLISE FORMAL NA<br />
INTERPRETAÇÃO DE DUAS PEÇAS<br />
DO REPERTÓRIO PIANÍSTICO<br />
<strong>Carolina</strong> Braga dos Santos Azevedo<br />
Relatório de Projeto de Pesquisa com bolsa PIBIC<br />
Orientador: Prof. Dr. Rodolfo Nogueira Coelho de Souza<br />
Ribeirão Preto<br />
Agosto de 2011
I. Introdução<br />
A interpretação musical é a arte de expressar toda uma colocação pessoal a partir da<br />
bagagem da tradição que ilumina a compreensão musical e a prática instrumental. A arte da<br />
interpretação recusa a padronização porque ela representa a massificação das execuções<br />
através de cópias de um modelo. No entanto, existem certos padrões de entendimento do<br />
texto musical sobre o qual se debruça o interprete que são determinantes para distinguir uma<br />
boa interpretação de uma razoável ou mesmo ruim. Dessa busca constante de uma<br />
interpretação impecável pelos músicos perfomáticos e por outro lado dos analistas de<br />
aprofundarem o entendimento do objeto musical, resultou a concepção deste <strong>projeto</strong> que<br />
está contribuindo substancialmente para meu amadurecimento como musicista e interprete<br />
pianístico.<br />
Por meio de análises, leituras e audições de áudios foi possível comparar, deduzir e<br />
estabelecer métodos que contribuem para o entendimento mais aprofundado da<br />
interpretação. A análise, a parte mais trabalhosa da pesquisa, assegurou que o <strong>projeto</strong> tivesse<br />
fundamentação teórica e a contribuição da intuição interpretativa revelou-se de uma<br />
complexidade curiosa e gratificante, pois ela reflete o conhecimento que se acumula na<br />
comunidade musical e é absorvida individualmente de formas diferentes. Para unir esses dois<br />
pólos foi necessário criar um método de comparação aplicável a todas as peças. A percepção<br />
do efeito das peças foi o ponto que interligou tais conhecimentos.<br />
Na primeira fase do <strong>projeto</strong> abordamos algumas peças das “Cenas Infantis de Robert<br />
Schumann. Exporemos a seguir os procedimentos, resultados e conclusões obtidos de análises<br />
e comparação de interpretações. Foi escolhida essa obra como objeto de estudo porque a<br />
harmonia e estruturação das peças são razoavelmente complexas, de modo que uma boa<br />
interpretação ao piano requer o domínio prévio desses fundamentos da linguagem musical,<br />
aplicados a essa peça. Outra consideração levada em conta foi o cunho didático dessas peças.<br />
O mergulho na análise das obras nos deu a certeza de que Schumann se preocupou em passar<br />
aos jovens que iniciavam seus estudos musicais, algo além das questões técnicas dos estudos<br />
de piano. Esse algo a mais era a ênfase didática em certos aspectos fundamentais da<br />
estruturação e da expressão musical.<br />
No início do Romantismo a valorização por parte do público da virtuosidade e do brilho<br />
fácil afetava o ensino de instrumento, principalmente de violino, conto e piano. Muitos<br />
músicos acreditavam que a técnica era o fator mais importante na formação de um pianista e<br />
entendiam a técnica como um mero caminho para a virtuosidade. Schumann acreditava que<br />
esse tipo de ensinamento estava ultrapassado porque a música iria muito além da técnica.<br />
Para ele o importante na música seria seu sentido poético. Então, nesse período, ele escreveu<br />
várias obras com intuito de introduzir os jovens e considerar a técnica conjuntamente com<br />
questões de expressão e interpretação musical. Ele inclusive deu títulos às peças para que eles<br />
servissem como pontes para a significação musical que sugerissem idéias interpretativas aos<br />
instrumentistas, usando o verbal como artifício para ampliar os conceitos da interpretação<br />
musical por meio de analogias.<br />
Neste estudo usamos cinco modalidades de abordagem do objeto musical, quais<br />
sejam, análise formal, intuição interpretativa, refinamento dos recursos sonoros, consciência<br />
dos efeitos retóricos e analogias imagéticas para fundamentar nossa argumentação que busca<br />
dar sustentação às conclusões do <strong>projeto</strong>. Acreditamos que os resultados a seguir poderão ser<br />
usados por outros instrumentistas e que eles podem ser consideradas uma contribuição para o<br />
aprofundamento da compreensão das peças e para a criação de concepções interpretativas a<br />
partir de procedimentos analiticamente embasados.Uma parte de nossas conclusões foi<br />
apresentada na comunicação apresentada ao Siicusp de 2010. O resumo dessa comunicação<br />
está anexado ao fim deste relatório. As conclusões apresentadas neste relatório <strong>parcial</strong> dão
conta de diversas peças do ciclo de Schumann acima mencionados. Aquele álbum de<br />
Schumann reúne muitas peças breves que empregam formas binárias, de diversas tipologias, e<br />
também ternárias.<br />
Na segunda fase do <strong>projeto</strong> será apresentado uma peça mais longa e de estrutura<br />
formal mais complexa, a “Sonata nº59 Hob.XVI: 49” de Haydn, que oferece um tipo de desafio<br />
diferente quanto ao problema da relação entre análise e interpretação. O interprete cabe aqui<br />
dentro das padronizações clássicas e da clareza que o compositor pretendia passar ao ouvinte.<br />
O primeiro movimento desta sonata vai exemplificar toda a retórica desta época que por fim<br />
irá compor o término do <strong>projeto</strong>.<br />
II. Objetivo do <strong>projeto</strong> de pesquisa<br />
O principal objetivo foi procurar apontar em algumas peças do álbum “Cenas Infantis”<br />
de Robert Schumann e no primeiro movimento da “Sonata para piano nº59 Hob.XVI: 49” de<br />
Haydn, a diferença entre uma interpretação baseada apenas em percepções intuitivas e um<br />
outro tipo de interpretação embasada em procedimentos analíticos que partem de aplicações<br />
dos conhecimentos de harmonia, estruturação e recursos sonoros do próprio instrumento.<br />
Mostrando que esses conhecimentos solidificam a compreensão da obra, procuramos<br />
demonstrar que essa metodologia possibilita uma interpretação pianística mais adequada ao<br />
ideal de revelar, com a maior fidelidade possível, o que seriam as poéticas desses autores.<br />
III. Metodologia<br />
Inicialmente foi discutido com o orientador a escolha das peças que seriam utilizadas<br />
no <strong>projeto</strong>, que a priori tratava da questão do vínculo entre interpretação musical e análise<br />
formal e harmônica. Logo percebeu-se a necessidade de se construir um modelo para que<br />
pudéssemos comparar e estabelecer coerentemente padrões de interpretação. A<br />
interpretação tem, por um lado, um caráter individual, mas por outro requer consciência<br />
estilística que é um bem cultural coletivo, compartilhado a partir da tradição. A incapacidade<br />
de unir esses dois aspectos pode levar a que concepções pessoais sejam manobradas de forma<br />
inapropriada devido à falta de embasamentos ou pontos de apoio corretos. Por isso a análise<br />
formal, harmônica e fraseológica, aliada à percepção dos recursos sonoros do piano, somada<br />
aos conhecimentos dos estilos dos compositores estudados, forneceu parâmetros confiáveis<br />
sobre os quais este <strong>projeto</strong> foi baseado.<br />
Logo foi estabelecido que a primeira parte do <strong>projeto</strong> seria feita com as seguintes<br />
peças de Robert Schumann que fazem parte do álbum “Cenas Infantis”: nº 4-Biteendes Kind,<br />
nº5-Gluckes genug, nº7-Traumerei, nº11-Fürchtenmachen, nº12-Kind im Einschlummern, nº13-<br />
Der Dichter spricht. A segunda parte será feita a partir da “Sonata para piano Hob. XVI: 49” de<br />
Haydn. Em seguida fizemos uma escuta crítica dessas obras. Sabíamos de antemão que a<br />
análise forneceria um método de comparação e uma provável padronização. Percebeu-se,<br />
porém, depois de analisarmos algumas peças de Robert Schumann, que a análise certamente<br />
não iria solucionar todos os problemas, apenas uma parte deles. A intuição foi a outra peça<br />
chave do método de comparação. Porém cada pessoa tem a sua própria intuição, que nem<br />
sempre é utilizada da mesma forma, mesmo em situações muito semelhantes. “Como utilizar<br />
de algo tão inefável como fundamento de um método?”, foi a pergunta que me veio a cabeça.<br />
Contudo, a intuição é resultado de um conjunto de conhecimentos que acumulamos ao longo<br />
da vida. São conhecimentos passados de geração para geração, compartilhados por certa<br />
comunidade ou mesmo conhecimentos universalmente estabelecidos. Em cada período da<br />
história da música certos elementos da linguagem musical são mais valorizados do que em<br />
outros períodos. A intuição procura dar conta dessa complexidade e é utilizada muitas vezes
inconscientemente, especialmente no momento da performance musical no qual a<br />
racionalidade lógica se subordina ao automatismo da ação. Então, em muitos casos, é<br />
impossível uma ruptura com a tradição apenas por meio de explicações analíticas. Por isso é<br />
preciso achar um ponto de equilíbrio entre os dois tipos de conhecimento para chegar a um<br />
resultado consistente.<br />
Primeiramente foram analisadas as obras de Robert Schumann já mencionadas com as<br />
ferramentas da harmonia tradicional e da harmonia funcional, além da análise estrutural, que<br />
engloba a forma global e a fraseologia. E na segunda etapa foi analisada a sonata de Haydn. A<br />
seguir discutimos o procedimento que seria realizado para exemplificar e provar como a<br />
intuição era falha em alguns momentos e como ela contribuía em outros. A solução foi<br />
gravarmos alguns alunos pouco experientes tocando as obras e compararmos auditivamente<br />
com a interpretação de um pianista que executasse as mesmas peças de acordo com os<br />
princípios discutidos. Essa segunda parte do <strong>projeto</strong> ofereceu algumas dificuldades de ordem<br />
prática devido à falta de equipamentos de qualidade para a realização das gravações. Para se<br />
ter uma comparação padrão que não fosse perturbada por fatores aleatórios, as obras<br />
deveriam ser lidas e executadas corretamente sem enganos de notas ou ritmos. Percebemos,<br />
ao nos depararmos com esses problemas, algo que não tínhamos pensado antes: em que nível<br />
de conhecimentos pianísticos e musicais estariam as pessoas que focalizamos ou<br />
comparamos? Na verdade concluímos que não há comparação possível na especificação da<br />
destreza pianística ou do conhecimento analítico das pessoas que foram utilizadas no<br />
procedimento ou das que vão utilizar um dia essa metodologia. Certamente temos consciência<br />
de que isso afeta a intuição, mas o que se pode comparar é a diferença da interpretação<br />
intuitiva com a analítica e como podemos discernir uma interpretação da outra, fazendo com<br />
que aos poucos o pianista incorpore esse método.<br />
Para superar esses impasses optamos por um procedimento prático e singelo que ao<br />
final poderia levar a conclusões consistentes. Após muita procura, foram escolhidos várias<br />
gravações no youtube de pianistas pouco maduros, de níveis técnicos variáveis, que foram<br />
usados como base de comparação com gravações de pianistas renomados, como Martha<br />
Argerich. Assumimos como postulado a pressuposição de que essas execuções de alta<br />
competência foram fundamentadas na interpretação analítica. Dessa comparação obtivemos<br />
bons resultados para o <strong>projeto</strong>. Os critérios para a seleção desses pianistas inexperientes<br />
foram: a obra devia ter sido executada inteiramente sem erros de nota e ritmo, pianistas<br />
deviam ter um nível médio de destreza ao piano, ter pelo menos uma noção básica do estilo<br />
da obra que tocavam, mas não fizemos restrições de idade. Após a seleção estabelecemos<br />
critérios adicionais como parâmetro de diferenciação entre interpretação intuitiva e analítica.<br />
Essa parte do <strong>projeto</strong> será discutida mais a frente, minuciosamente. Porém, pode-se adiantar<br />
que, para serem desenvolvidas essas comparações, foi preciso que nos debruçássemos sobre<br />
elementos como: pontuações, tipos de cadência utilizados, modelos fraseológicos empregados<br />
e organização da forma global, além da estruturação harmônica. Com isso, foi possível<br />
perceber relações elaboradas pelo compositor que estão no próprio texto musical, mas que na<br />
maioria das vezes não é percebida pela leitura superficial baseada apenas na intuição, uma vez<br />
que muitas proposições ocultam-se em níveis menos aparentes do discurso, demandando um<br />
desvelamento através do método da análise crítica.<br />
No final do <strong>projeto</strong> foi possível perceber auditivamente e comprovar através das<br />
análises a diferença no momento da interpretação analítica em relação às intuitivas,<br />
lembrando que a intuição e a análise se completam no momento da interpretação. A primeira<br />
tentativa de aplicação desse modelo foi apresentada no 18º Siicusp em São Paulo, na Escola de<br />
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. A música escolhida para ser<br />
demonstrada, como uma parte do <strong>projeto</strong>, foi o nº4-Bittendes Kind do álbum “Cenas Infantis”<br />
de Robert Schumann. A participação nesse evento foi muito enriquecedora porque após a
apresentação foram debatidas várias outras idéias que contribuíam para o aprimoramento da<br />
pesquisa e surgiram novas idéias a serem testadas e trabalhadas. Assim, na segunda etapa<br />
desse processo foram aplicados os mesmos procedimentos feitos nas peças de Schumann e<br />
ainda apresenta uma obra mais complexa de outro compósitos de outro período da história da<br />
música, no caso a Sonata de Haydn. Pretende-se ao final verificar como tudo que foi discutido<br />
até aqui pode ajudar um pianista para construir uma interpretação mais crítica da obra,<br />
cogitando-se para isso a possibilidade de testar o resultado proposto com outros alunos de<br />
piano da universidade.<br />
IV. Análises e resultados: o piano como ferramenta didática em Robert Schumann<br />
A partir do século XVII, com a consolidação do absolutismo, a educação e a cultura<br />
passam a ser a chave para o domínio do mundo ocidental. Com isso, os símbolos foram se<br />
solidificando dentro da sociedade e nos palácios da monarquia cultivou-se a cultura cortesã,<br />
ou seja, os costumes e símbolos da corte que os distinguiam os nobres outras pessoas.<br />
Também a valorização do conhecimento contribuiu para a formação desses códigos<br />
hierárquicos. A cultura cortesã que concedia importância às artes, distinguia a elite que a<br />
patrocinava, na medida em que as artes ajudavam a sedimentar a ideologia do pensamento<br />
aristocrático.<br />
No século XIX, certos ideais artísticos da cultura cortesã espalharam-se por outros<br />
extratos da sociedade. A música tornou-se assim um importante elemento de distinção e<br />
refinamento social por parte das famílias burguesas. O instrumento paradigmático dessa<br />
época, responsável por uma massificação da prática musical, foi o fortepiano, que a seguir foi<br />
desenvolvido pela tecnologia da época para se tornar o piano que conhecemos hoje. Esse<br />
instrumento ficou tão popular no século XIX que existiam inúmeros métodos criados para o<br />
seu ensino. No entanto, surgiram vários impasses que fizeram com que o ensino pianístico<br />
ficasse estagnado por muitos anos devido a interpretações errôneas da função da técnica na<br />
interpretação musical.<br />
A causa desses problemas decorre do piano ser um instrumento diferente dos outros<br />
instrumentos de teclado que já existiam na época. Até então o instrumento com teclas mais<br />
popular era o cravo. Quando surgiu o fortepiano várias técnicas usadas na performance<br />
cravística foram aplicadas ao piano. Porém, por exemplo, o piano é capaz de variar as<br />
intensidades dinâmicas do som através dos diferentes impulsos do toque, diferentemente do<br />
cravo cujo sistema de cordas pinçadas produz um volume sonoro constante. O timbre também<br />
é bem diferente, permitindo explorar outros tipos de sonoridades, tanto pelo toque como<br />
também pelo uso dos pedais. Também os sistemas de dedilhado, empregando só quatro ou<br />
todos os cinco dedos da mão, já haviam se modificado durante o barroco. Mas a principal<br />
diferença deccoria do próprio sistema construtivo dos instrumentos porque no piano as cordas<br />
são percutidas, enquanto no cravo são acionadas por uma palheta móvel.<br />
Não foi somente a modificação técnica cravística para a pianística que ocorreu no<br />
decorrer do século XVIII e XIX. O próprio instrumento sofreu muitas modificações, como por<br />
exemplo, a localização dos pedais que passam de pedais de joelho a pedais nas laterais do<br />
piano, até o sistema atualmente usado que permite a utilização de pedais adicionais (como o<br />
de percussão e de outros timbres variados). Os pianos também se distinguiam dependendo do<br />
lugar em que eram fabricados, por exemplo, pianos também se distinguiam dependendo do<br />
lugar que eram fabricados. Por exemplo, os pianos parisienses tinham sonoridades diferentes<br />
dos pianos vienenses. Todas essas experimentações fizeram com que o entendimento de<br />
como se devia executar uma composição ao piano ficasse ainda mais confusa. Portanto não só
o entendimento da música em si, mas os próprios conceitos de execução pianísticos também<br />
apresentavam uma grande variedade de soluções.<br />
Durante o século XVIII, muitos compositores e tecladistas pesquisaram as diversas<br />
possibilidades sonoras que poderiam extrair do piano. Isso favoreceu uma produção muito<br />
grande de métodos para piano. Enquanto esses conhecimentos foram se solidificando,<br />
começou uma enorme discussão sobre o que deveria ser a técnica pianística e como se deveria<br />
ensiná-la. Por muito tempo acreditou-se que principal objetivo da técnica deveria ser<br />
conseguir uma igualdade de toque dos dedos. Sendo assim bastaria a repetição para se<br />
conquistar a virtuosidade. Compositores como Listz e Czerny acreditavam nessa idéia e<br />
ensinavam seus alunos que depois de muitas repetições de escalas e de outros métodos<br />
mecânicos, sua técnica iria se aprimorando automaticamente. Contudo, houve também<br />
aqueles que discordassem desse pensamento, como Chopin e Schumann. Esses dois<br />
compositores e pianistas em especial preocuparam-se muito com a didática não só quando<br />
ensinavam seus alunos, mas principalmente quando criaram métodos de ensino para eles.<br />
Fomentaram assim a preocupação com a forma com que os professores de piano estavam<br />
ensinando seus alunos e isso se reflete também nas que escreveram para o instrumento.<br />
Hoje se entende que a interpretação deve englobar vários aspectos para ser<br />
completamente dominada. Pode-se dizer que a “interpretação minuciosa” ao piano se<br />
preocupa com aspectos da escrita, harmonia, forma, textura, caráter, articulação, dinâmica,<br />
acentuação e pedalização. Os pontos importantes a serem aprofundados, mencionados<br />
anteriormente, se completam com as convenções características de cada período, como por<br />
exemplo, sobre a escrita e as valorizações harmônicas. Ao incorporar esse conhecimento o<br />
pianista terá o necessário para executar uma boa interpretação, pois não basta o pianista tocar<br />
as notas da partitura corretamente: esse não é um músico, é um mero digitador.<br />
1) Nº4 Biteendes Kind<br />
1.1) Análise harmônica<br />
A obra gira em torno da função de dominante, com isso provoca uma tensão<br />
harmônica que é auditivamente sutil, dando uma sensação de elevação (flutuando), ou<br />
seja, não é algo concreto que se confirma, mas que fica em suspenso. Devido à<br />
sutileza, a audição muitas vezes pode não levar ao interprete a entender que a<br />
primeira frase da peça seja uma dominante que caminha para uma tônica e termina<br />
em uma dominante (V-I-V). Certamente o mesmo teria de ter uma audição aguçada ou<br />
uma intuição consolidada para sentir isso de uma maneira mais intuitiva; ou ele teria<br />
que racionalmente compreender pela digitação no teclado (para isso teria que<br />
dominar ou ter um conhecimento sólido em questão da técnica sensorial no piano,<br />
que também não está desvinculada a audição) ou olhando pela própria partitura, essa<br />
seria a forma analítica que é mais sólida e confiável nesse caso.
Contudo, de que adianta saber que na primeira frase há um V-I-V? A questão é que<br />
nesse caso específico a intuição na maioria das vezes não consegue formular a<br />
interpretação que está sendo pedida na peça porque como a frase começa e termina<br />
no V grau, então há uma confirmação de pensamento e tonalidade duvidosa. Como<br />
essa obra é de um período em que a música ainda caminha no tonalismo, logo a base<br />
harmônica e auditiva, em boa parte, vai ser fundamentada no século anterior ao<br />
romantismo, ou seja, o classicismo e nele temos o conhecimento de que a maioria das<br />
músicas ou todas foi feita com a seguinte fórmula: I-V-I. É claro que cada compositor<br />
usufruía de seus conhecimentos como quisesse preso a essa convenção. Porém, essa<br />
obra de Schumann em especial contradiz a retórica clássica, inclusive porque esse<br />
período aprofunda em dissecar as possibilidades de lidar com o tonalismo.<br />
Com isso, a intuição pode levar o interprete a executar I-V-I e não V-I-V como é<br />
proposto por Schumann. Auditivamente há uma notável diferença. Os pianistas que<br />
foram selecionados, que tocavam de maneira intuitiva, em comparação aos que<br />
tocavam com fundamentos analíticos tendiam, dizendo de forma bem exagerada, a<br />
tocar “piano-forte-piano” ao invés de tocar “forte-piano-forte”. Então tocasse “piano“<br />
quando é tônica e “forte” quando é dominante, isso porque a dominante é<br />
auditivamente a “tensão” e a tônica o “relaxamento”. Isso ocorre devido ao<br />
entendimento da retórica clássica que deixou resquícios na intuição desses<br />
executantes, ou seja, no classicismo a convenção é de que se deve executar um trecho<br />
I-V-I “piano-forte-piano” e um trecho V-I-V “forte-piano-forte”, logo os pianistas<br />
selecionados se equivocaram na interpretação tocando “piano-forte-piano” em uma<br />
harmonia que é V-I-V. Apesar da maneira grotesca que foi argumentado (até porque a<br />
dinâmica no inicio está escrita como “piano”), essa é a intenção fraseológica, que é<br />
convencional da retórica clássica que também predominou no romantismo, apesar de<br />
ser mais explorada no último mencionado como comentado anteriormente, ela é<br />
diretamente ligada à intuição e através da harmonia pode-se criar uma convenção de<br />
como manipular a intuição. Certos detalhes como esse podem destruir a agógica<br />
musical completamente.<br />
Na parte harmônica de uma peça é sempre importante saber onde estão os<br />
pontos de tensão fraseológica ou o ápice de tensão na obra; as cadências e as induções<br />
harmônicas. Esses ajudam no momento de fazer contrastes entre frases, períodos e<br />
seções, além de facilitar no momento da memorização. Em “Biteendes Kind” não há<br />
grandes cadências devido ao suspense da mesma. E esse suspense não é confirmado<br />
no final da peça, dando a sensação de algo não terminado e com isso já pode-se<br />
propor a imaginar que o início também não era para ser começado de forma explicita,<br />
é algo que já começou antes de soar as primeiras notas. Essa parte mais filosófica da<br />
interpretação leva-nos a sugerir também possíveis intenções de afeto, por exemplo, no
primeiro compasso há um intervalo de 6º menor na melodia que instiga uma idéia de<br />
tensão como proposto pelo compositor.
1.2) Análise estrutural<br />
A peça está estruturada na forma binária recorrente (AB), ou seja, binária devido à<br />
divisão em duas seções (não há contrastantes nesse caso) e recorrente pelo fato de<br />
relembrar no final da seção B o início da seção A. É importante notar que cada frase é<br />
repetida uma vez durante toda a peça e essa é provavelmente a parte mais importante<br />
e difícil de ser executada, pois não se repete duas frases iguais da mesma forma. O<br />
compositor deixou bem explicito esse contraste entre as repetições colocando<br />
dinâmicas diferentes, a primeira frase sempre “piano” (p) e a segunda “pianíssimo”<br />
(pp). Porém, como os padrões de dinâmica são sempre os mesmos poderá ocorrer<br />
certa monotonia, pois não causas novas surpresas no ouvinte. Com isso, a<br />
expressividade por parte do pianista é que vai garantir a fluidez das frases. Nesse caso,<br />
a agitação da frase ou o “ritardar” em algumas notas chaves podem fazer toda a<br />
diferença, mas é claro que cabe ao interprete sempre dosar esses detalhes.<br />
A<br />
B<br />
Recorrente
Além de repetir uma vez cada frase, no final há uma terceira repetição, que seria a<br />
recorrência da parte A em que termina em suspenso, como dito anteriormente, e por<br />
isso é um detalhe a mais para ser repensado. Com isso foi proposto que há certas<br />
“intenções claras” que nos permitem por meio da audição e intuição chegarmos a<br />
conclusões obvias no momento da interpretação, como por exemplo, na segunda frase<br />
da seção A. É preciso fazer um pequeno decrescendo na primeira vez que a frase B é<br />
apresentada e um decrescendo ainda maior na sua repetição, mas não utilizar de<br />
grandes ralentandos entre as frases para não quebrar o seu sentido. É possível chegar<br />
a essas conclusões vendo que a melodia esta caminhando descendentemente então<br />
seria instintivo pensar que é preciso decrescer. E analiticamente ficaria claro que a<br />
harmonia caminha da dominante para a tônica, logo de uma tensão “forte” para um<br />
relaxamento “fraco”. Entretanto, há “intenções não tão claras”, como por exemplo, na<br />
frase A da seção A. Como discutido anteriormente, a harmonia é determinante para<br />
entender como interpretar.<br />
Intenções claras:<br />
Cada<br />
frase se<br />
repete<br />
uma vez
Intenções não tão claras:<br />
2) Nº5 Gluckes genug<br />
2.1) Análise harmônica<br />
Essa peça esta em ré maior. A harmonia brinca com a função de dominante como<br />
na obra anterior, também causando tensão, porém nesta é um conflito que procura o<br />
constantemente uma resolução. Tanto é que ao terminar a seção “A” a peça não<br />
termina na tônica, não tem nem um final, há na verdade uma anacruse para começar<br />
novamente a tensão, que também não se resolve quando inicia a seção B, ela<br />
desenrola ainda outro conflito. Apenas no final da peça que toda a euforia irá se<br />
resolver na tônica. Schumann coloca no final da peça “D.C”, que significa “Da Capo”,<br />
ou seja, “do início”, dando a sensação de que a tensão ainda não acabou ela se repete<br />
mais uma vez. Se fosse reduzir a peça de forma bem simplifica, ela seria um grade V-I.<br />
Apesar de não haver cadencias confirmando o final de cada seção há pequenas<br />
cadências nas semi frases, contribuindo com o desenrolar expressivo de cada uma. A<br />
primeira semi frase, por exemplo, começa com dominante e termina com tônica, logo<br />
ela deve ser executada fazendo um crescendo, como indicado na partitura, nas três<br />
primeiras notas do primeiro compasso e depois decrescer até chegar à tônica. A<br />
tensão nessa obra não esta ligada somente a dominante, mas também há uma tensão<br />
nas frases, elas são as mais importantes para contribuir com a fluidez na música.<br />
A modulação de ré maior para fá maior (mediante), que ocorre no compasso 16<br />
para 17, é o ápice do conflito da peça. Apesar da modulação, que provoca um<br />
contraste entre as seções, o ritmo continua o mesmo, ou seja, a mudança apenas<br />
aconteceu para focalizar ainda mais a tensão.
2.2) Análise estrutural<br />
A forma da peça é um binário (AB), porém a seção A repete duas vezes tornando-a<br />
um “AAB”. A repetição da seção “A” deve-se a constante tensão provocada e não<br />
resolvida por parte harmônica, comentada anteriormente, deixando o grande conflito<br />
ser resolvido no final.<br />
A<br />
[A]
A peça não procura grandes contrastes, o mais importante é dar movimentação as<br />
frases através da harmonia. Inclusive o título remete a essa intenção, pois ele significa<br />
“felicidade”. Porém, é preciso tomar cuidado com os rubatos excessivos que foram percebidos<br />
nas execuções de alguns pianistas. Os baixos, a articulação e os pedais sincopados são os mais<br />
marcantes recursos sonoros a serem explorados nessa peça.<br />
B
3) Nº7 Träumerei<br />
1.1) Análise harmônica<br />
A harmonia é voltada para a progressão I-IV-V e no final termina a idéia com “I”<br />
grau. Apesar de ser uma peça com a agogica mais calma, é importante valorizar as<br />
articulações marcadas na partitura. A parte harmônica não é tão complicada de se<br />
intuir devido à condução lógica que remete a retórica clássica. As surpresas<br />
harmônicas devem ser pontuadas e bem conduzidas dentro das frases para não ficar<br />
monótono.
1.2) Análise estrutural<br />
A forma dessa peça é binária recorrente (AB), em que a parte “A” é um período<br />
simples similar com movimento harmônico progressivo (I-V/V-I) e a parte “B” é um<br />
período simples contrastante com movimento harmônico progressivo, há uma<br />
tonicisação no começo da parte “B”. Não se presa um contraste muito grande entre as<br />
partes, apesar da tonicisação. A parte “B” aumenta a tensão do movimento das frases<br />
para dar uma sensação de relaxamente maior e mais decisivo no final. Todas as frases<br />
começam com o mesmo movimento e disposição de notas. Terminando com uma<br />
codetta.<br />
A<br />
B<br />
Recorrente<br />
Codetta
4) Nº11 Fürchtenmachen<br />
4.1) Análise harmônica<br />
Esta peça se firma dentro de um drama feito entre um tema e respostas, com isso<br />
a harmonia causa um suspense no tema através de V graus, vi graus e I graus. Os<br />
pequenos cromatismos articulam com o caráter solene. Nota-se que inicialmente, na<br />
primeira seção, a melodia esta na voz “soprando” e na segunda frase passa a ser o<br />
baixo. Há na primeira progressão harmônica, acordes diminutos e menores que<br />
constroem o drama e na segunda frase a tensão é apaziguada com acodes maior,<br />
terminando a seção com uma dominante que indica algo que ainda esta por vir. A<br />
mesma idéia é desenvolvida na seção B, apesar de ter outro caráter, pode-se dizer que<br />
seria outro personagem, terminando essa seção com um vi grau tornando mais<br />
instigante a tensão, a dúvida sobre a continuação da trama.
4.2) Análise estrutural<br />
A forma dessa peça é um rondó de sete partes (ABACABA). Como comentado<br />
anteriormente, a obra pode ser encarada tendo três personagens: uma personagem<br />
“A” que tem um caráter solene e sutil, outra personagem “B” que transmite medo e<br />
tensão e por um último a personagem “C”, dominado pela angústia e dúvida. Essas<br />
personalidades propostas são muito importantes quando for interpretado pelo<br />
pianista, precisam ser bem marcantes e precisas, pois a peça enfoca nos contrastes. O<br />
título “Fürchtenmachen” significa “tenha medo”, então os contrastes de toque,<br />
andamento e dinâmica são fundamentais para organizar essa trama.<br />
A<br />
B<br />
A<br />
C
A seção “A” é um período simples paralelo e as seções “B” e “C” são um período<br />
simples contrastante. Há uma suposta conversa entra os antecedentes e conseqüentes<br />
de cada seção e entre uma seção e outra. Porém a migração da melodia entre as vozes<br />
só ocorre na seção “A”.<br />
Seção “A”: Período simples paralelo<br />
Antecedente<br />
A<br />
B<br />
A<br />
[A]<br />
[codetta]
Seção “B”: Período simples contrastante<br />
Seção “C”: Período simples contrastante<br />
Conseqüente<br />
Antecedente<br />
Conseqüente<br />
Antecedente
Conseqüente<br />
Entre os pianistas selecionados nesta música, percebe-se que há uma dificuldade<br />
de dosar os rubatos, principalmente na seção “A”, devido à migração da melodia.<br />
Muitos fizeram ralentandos excessivos no final da primeira frase para a segunda e no<br />
final da seção de todas as seções. Apesar de contornos fraseológicos feitos pela<br />
dinâmica e oscilações no tempo, não se pode fragmentar as frases em partes, o<br />
crescendo de “pianíssimo” para “piano” contribui para pensar em um arco continuo<br />
entre as frases da seção “A” (pppp). Ocorrem repetições de seções e por meio de<br />
ritornelos, isso contribui para a dificuldade no momento da interpretação, pois como<br />
na peça nº 4, não se pode repetir a mesma coisa duas vezes da mesma forma.<br />
Variações discretas na dinâmica e no andamento são suficientes para suprir a<br />
diferenciação expressiva entre repetições.<br />
5) Nº12 Kind im Einschlummern<br />
5.1) Análise harmônica<br />
A harmonia nessa peça cria uma atmosfera de grande suspense, os acentos que<br />
ocorrem em tempos fracos também contribuem com isso, logo depois tensões e<br />
relaxamentos sucessivos em outra tonalidade (de mi menor para mi maior), mas com<br />
uma sensação mais solene. A harmonia lida basicamente com dominantes e tônicas,<br />
com isso a tendência é que fique monótono caso a articulação, acentos e dinâmica não<br />
forem bem executados. A intuição nesse caso é na maioria das vezes bem resolvida,<br />
pois o movimento constante de I-V faz parte da retórica clássica que convencionou que<br />
a tônica (relaxamento) deve ser tocado mais “piano” do que a dominante (tensão),<br />
logo pode ser reduzido de forma bem simplificada a “pppp...”.
5.2) Análise estrutural<br />
A forma musical pode ter duas resoluções plausíveis: binária recorrente e ternária.<br />
Caso seja analisada como binária recorrente, é possível considerar a divisão ll a [b] ll c<br />
a’ ll a [b] = A /c a’ = B, pois a parte “a” não é recorrida inteira no final e ainda acaba<br />
em suspense ao invés de acabar na tônica, além de ficar um pouco forçado considerar<br />
“[b], c, a’” como a seção “B”. Caso seja analisada como forma ternária, a seção “A”<br />
seriam os compassos em Mi menor e a seção “B” os compassos em Mi maior.<br />
Contudo, no final da peça, quando a seção “A” se repete, pede ser considerado que a<br />
pequena mudança ocorre devido à finalização da música com um codetta. Além disso,<br />
foi criado, no final, um grande suspense harmônico.
Binário:<br />
A<br />
B<br />
a<br />
[b]<br />
c<br />
a’
Ternário:<br />
A<br />
B<br />
A
O título dessa peça se refere a uma criança quase dormindo, sonolenta. Ao fazer<br />
rubatos excessivos, como percebido em alguns pianistas que tocam intuitivamente há<br />
uma estagnação fraseológica, então as dominantes são o ponto chave nessa obra, pois<br />
elas que vão dar movimentação fraseológica. Na maior parte da peça ela ocorre no<br />
segundo tempo, contribuindo ainda mais com esse caminhar. Porém, em certos<br />
momentos como no terceiro e quartos sistemas, essas dominantes estão recheadas de<br />
ritmos quebrados que podem trazer mais expectativas ao dar uma leve esperada na<br />
ultima nota de alguns compassos antes de repousar na tônica novamente. A agitação<br />
nesse caso pode ser dosada pelas tônicas. Além disso, é importante valorizar os<br />
intervalos de sexta e quinta presentes na música.<br />
Essas observações por parte da expressão no momento da interpretação não são<br />
tão difíceis de serem intuídas, pois a própria disposição rítmica contribui na execução.<br />
O maior problema percebido por parte dos pianistas selecionados foi valorizar de<br />
forma grotesca os repousos harmônicos. Devido aos acentos deslocados no primeiro<br />
tempo e da constante sensação de relaxamento, por causa a sucessão de dominantes<br />
e tônicas, a tendência de todos os pianistas intuitivos foi de apoiar, alguns<br />
excessivamente e outros mais de forma mais branda, o primeiro tempo de todos os<br />
compassos. Além de alguns deles não conseguirem dosar os rubatos ou as agitações<br />
das dominantes. Por mais que a movimentação do quinto grau não fosse bem<br />
executada, foi entendida que deveria ser feita, pela maioria deles.<br />
6) Nº13 Der Dichter spricht<br />
6.1) Análise harmônica<br />
A harmonia é seguramente o mais importante a ser avaliado, em relação à<br />
interpretação, nessa peça. Por causa da homofonia predominante, cada acorde tem<br />
uma “cor” diferente. A harmonia proporciona uma tensão constante que só é resolvida<br />
no final da obra. Apesar de, detalhadamente falando, na primeira frase, por exemplo,<br />
ter tensões e relaxamentos sucessivos que chegam ao ápice da frase com um vii grau<br />
diminuto, aumentando a tensão mais ainda e finalizando a frase com uma dominante<br />
causando sugestivamente uma dúvida sobre a continuação do conflito. Logo após há<br />
uma breve tonicização e depois arpejos aumentando ainda mais o drama devido aos<br />
acordes de vii diminuta.<br />
A trama musical pode ser simplificada em V-I-vii. A peça foi feita baseada no vii<br />
grau diminuto e é esse grau que vai dramatizar toda a obra. Também ocorre outro<br />
momento que intensifica ainda mais o conflito, que é um recitativo ou uma<br />
improvisação, no meio da música. Posteriormente retorna a parte inicial da peça.<br />
Portanto, para obter uma interpretação suficientemente boa é preciso criar todo o<br />
drama através do uso dos recursos sonoros do piano ligado a harmonia presente nos<br />
acordes, valorizando as sétimas diminutas, as pausas, fermatas e ornamentos.
6.2) Análise estrutural<br />
Essa peça escolhida para o <strong>projeto</strong> foi, dentre elas, a mais complexa do ponto de<br />
vista formal e expressivo, por parte da interpretação. A forma estrutural é binária<br />
balanceada. Essa forma é dividida, nessa música, em três seções diferentes. A primeira<br />
seção pode ser considerada um pequeno ternário em que começa em sol maior,<br />
termina a primeira frase com uma semi cadência, ocorrendo uma tonicização para lá<br />
maior, terminando essa segunda frase com uma cadência autentica perfeita. Iniciando<br />
uma terceira frase que volta a sol maior e termina com um semi cadência.<br />
Após o pequeno ternário tem-se a segunda seção que consiste em um pequeno<br />
recitativo ou improvisação bem expressiva. Por fim tem-se a terceira seção que é um<br />
binário (AB) em que a parte “A” recorre a primeira e segunda frase da primeira seção e<br />
a parte “B” faz uma progressão de acordes que finaliza na tônica. A primeira seção é<br />
então um período duplo (ABA’B’) e a terceira seção é um período simples<br />
contrastante.<br />
Binário Seções<br />
A<br />
B<br />
A<br />
B<br />
C
A<br />
B<br />
Seção “A”:<br />
A<br />
B<br />
A<br />
Seção “B”:<br />
Seção “C”:<br />
O fato mais intrigante é que essa pequena peça é uma simplificação, ou pelo<br />
menos da uma idéia, da forma sonata. Muitos teóricos dizem que a possível geradora<br />
da forma sonata foi o binário recorrente e se fosse para destrinchar essa obra para<br />
compará-la com tal forma, ela seria totalmente compatível. A primeira seção seria a<br />
exposição, em que a primeira frase comporia o primeiro grupo temático na tônica, a<br />
segunda frase caberia a transição com “modulação” e a terceira frase o segundo grupo
Exposição<br />
Desenvolvimento<br />
Recapitulação<br />
temático. A segunda seção seria o desenvolvimento, que persiste na instabilidade<br />
tonal, até chegar à recapitulação retornando a tônica, que consiste a terceira seção,<br />
finalizando com uma “coda”.<br />
Forma sonata:<br />
A intuição infelizmente foi falha, por não dizer todos, com maioria dos pianistas<br />
selecionados no <strong>projeto</strong>. É preciso um conhecimento mais aprofundado das técnicas<br />
pianísticas e das possibilidades sonoras que se pode extrair do piano. O tipo de toque,<br />
de articulação, pedalização, além dos rubatos presentes, é fundamental nesse tipo de<br />
peça mais complexa e eles foram os fatores de maior erro dentre os executantes. Claro<br />
que esses detalhes devem sempre ser levados em consideração independente da<br />
peça, mas essa em especial tem uma percepção auditiva mais sutil devido a<br />
homofonia. A harmônica não é tão complexa, mas é preciso saber lidar com as<br />
tensões. Isso pode ser feito, por exemplo, através de contrastes de dinâmica tanto<br />
entre seções como nas frases. Além disso, a estagnação da frase às vezes ocorre<br />
quando o pianista apóia em cada acorde sem dar mobilidade à frase.
VI. Conclusões<br />
O conhecimento analítico minucioso de uma peça revelou-se fundamental para uma<br />
interpretação otimizada dessa peça musical. Por meio de análises harmônicas e estruturais foi<br />
possível chegar a uma compreensão sólida que permite chegar a uma concepção mais<br />
profunda da poética do autor. A mera intuição não é suficiente para entender o texto proposto<br />
pelo compositor, causando uma interpretação errônea. Por isso os meios utilizados no <strong>projeto</strong><br />
para entender a interpretação são fundamentais para o vocabulário cotidiano de qualquer<br />
músico. Os benefícios que esse método de compreender a interpretação traz são os da leitura<br />
consciente e a memorização sólida da partitura, além do domínio da obra que possibilita<br />
formar uma concepção pessoal que pode ser aplicada na execução. Com o passar do uso do<br />
método todo o processo começa a ser absorvido pelo músico e feito de forma mais natural.<br />
Houve várias discussões, muito construtivas, ocorridas no 18ºsiicusp na <strong>ECA</strong> de São<br />
Paulo. Uma das perguntas feitas foi: “já que na retórica clássica a dominante é pensada como<br />
tensão e tem que ser executada mais “forte” em relação à tônica, então cada período a<br />
dominante ganha um novo entendimento?”. Uma pergunta muito intrigante, mas certamente<br />
em cada período algumas funções são mais valorizadas do que outras, percebe-se essas<br />
diferenças de forma mais marcante se dividirmos a história da música em três grandes<br />
períodos: modalismo, tonalismo e atonalismo. As convenções da retórica clássica não se<br />
aplicam ao modalismo e muito menos ao atonalismo. Assim, houve uma procura mais<br />
específica desse assunto e foi possível incorporar esse entendimento ao <strong>projeto</strong>, causando<br />
uma intriga maior ainda, pois foi preciso mais cuidado no momento de lidar com a questão da<br />
interpretação, principalmente no momento da interpretação analítica.<br />
Um ponto negativo no <strong>projeto</strong> foi o período de realização dos métodos de avaliação da<br />
interpretação intuitiva, em que era preciso gravar alguns pianistas tocando as peças já<br />
preestabelecidas. Entretanto, foi com grande frustração que foi abandonada a idéia desse<br />
procedimento. Pois, praticamente todos os pianistas que havia disponível não aceitaram<br />
participar do processo de gravação, os dois pianistas que aceitaram não conseguiram realizar<br />
as obras com as exigências pedidas, além disso, os aparelhos utilizados para a gravação não<br />
eram de boa qualidade e nem os locais que foram possíveis fazer as gravações. A falta de<br />
qualidade dos instrumentos também não contribuiu no processo. Logo, para não atrasar com<br />
os prazos estipulados foi preciso achar outro meio de obter bons resultados. Então as<br />
gravações postadas por pessoas do mundo inteiro no site do youtube foi a mais inspiradora e<br />
abrangente disponível naquele momento. Com certeza foi um excelente meio de pesquisa,<br />
mas não permitiu que o outro processo idealizado fosse feito junto ao processo de gravação,<br />
que era a aplicação do método diretamente com os pianistas. Provavelmente ainda vai ser<br />
possível cumprir com essa etapa do <strong>projeto</strong>.<br />
Houve uma última pergunta: “será que os grandes pianistas analisam todas as músicas<br />
que eles executam de forma tão específica antes de tocá-las em público?”. Provavelmente<br />
não. Porém, eles com certeza tiveram um estudo aprofundado ao decorrer dos anos sobre<br />
questões interpretativas e usaram de todos os métodos mencionados no <strong>projeto</strong> para<br />
concretizar a intuição deles. Logo, eles incorporaram todo esse conhecimento analítico que se<br />
tornou automático e às vezes até intuitivo. Contudo todos eles especulam muito as<br />
possibilidades de extrair o som do instrumento, além de nunca irem para o palco sem ter uma<br />
concepção sólida do que vai ser executado. Com isso, os eternos aprendizes na música podem<br />
usar de todos os procedimentos utilizados no <strong>projeto</strong> para chegar a essa execução tão refinada<br />
e admirada por todos.
VII. Referências bibliográficas<br />
Kostka, S. Tonal Harmony. 6a. ed. New York: McGraw Hill Humanities. 2008.<br />
Koellreutter, H. J. Harmonia Funcional. São Paulo: Ricordi. 1987.<br />
Green, D. Form in Tonal Music. New York: Schimer. 1979.<br />
Links:<br />
Nº 4 Biteendes Kind<br />
Pianista usada como método de comparação: Martha Ergirich<br />
Link: http://www.youtube.com/watch?v=wYfq6jM1c-8&feature=related<br />
Pianistas selecionados:<br />
http://www.youtube.com/watch?v=fBCwKri4X2A<br />
http://www.youtube.com/watch?v=YhbVQ-X9mA0<br />
Nº5 Gluckes genug<br />
Pianista usada como método de comparação: Martha Ergirich<br />
Link: http://www.youtube.com/watch?v=wYfq6jM1c-8&feature=related<br />
Pianistas selecionados:<br />
http://www.youtube.com/watch?v=OluK0NzD57E<br />
http://www.youtube.com/watch?v=BqwyQ_KAjFY&feature=related<br />
Nº7 Traumerei<br />
Pianista usada como método de comparação: Valentina Lisitsa<br />
Link: http://www.youtube.com/watch?v=fHlfNYY1YIY<br />
Pianistas selecionados:<br />
http://www.youtube.com/watch?v=3iBw9aDGqZM&feature=related<br />
http://www.youtube.com/watch?v=ZXiNuVLAF3E&feature=related<br />
Nº11 Fürchtenmachen<br />
Pianista usada como método de comparação: Valentina Lisitsa<br />
Link: http://www.youtube.com/watch?v=JxBuMfBsTNY&feature=related<br />
Pianistas selecionados:<br />
http://www.youtube.com/watch?v=0jjmQ8ishDE<br />
http://www.youtube.com/watch?v=4f7Cipt1_8E
Nº12 Kind im Einschlummern<br />
Pianista usado como método de comparação: Lang Lang<br />
Link: http://www.youtube.com/watch?v=6I89804v2Rw&feature=related<br />
Pianistas selecionados:<br />
http://www.youtube.com/watch?v=6sL9c7Hw0xI&feature=related<br />
Nº13 Der Dichter spricht<br />
Pianista usado como método de comparação: Caio Pagano<br />
Link: http://www.youtube.com/watch?v=PRk_CGIX_ic&feature=related<br />
Pianistas selecionados:<br />
http://www.youtube.com/watch?v=dLVXyiTuSYA&feature=related<br />
Sonata nº59 Hob.XVI:49 de Haydn, 1º movimento<br />
Pianista usado como método de comparação: Jorge Blasco e Sophia<br />
Link: http://www.youtube.com/watch?v=mxZE7bRK4hQ<br />
http://www.youtube.com/watch?v=Pl9rTEtd7EE&feature=related<br />
Pianistas selecionados:<br />
http://www.youtube.com/watch?v=7Zlr01mqz2k&feature=related<br />
http://www.youtube.com/watch?v=1RcH0GcLyf0&feature=related