Guardados na Memória - Academia Brasileira de Letras
Guardados na Memória - Academia Brasileira de Letras
Guardados na Memória - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Os livros vão e não voltam – O que se encontra <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>les<br />
Num livro encontra-se <strong>de</strong> tudo: violetas ressequidas, bilhetes doces, contas<br />
amargas, e até gente. Quando a imprensa parisiense andou a explorar com insistência<br />
a magreza <strong>de</strong> Sarah Bernhardt, garantiu um folhetinista que quando<br />
ela queria marcar o fim <strong>de</strong> uma leitura metia-se entre as pági<strong>na</strong>s.<br />
<br />
Não é possível esquecer, já que falo no que se encontra em livros, sem fazer<br />
parte <strong>de</strong>les, as notas margi<strong>na</strong>is que o dono lhes acrescentar, em abono do texto,<br />
ou para con<strong>de</strong><strong>na</strong>ção da obra.<br />
Essas notas não raro são confidências que <strong>de</strong>vem escapar a indiscretos e até<br />
aos outros.<br />
Nelas o leitor, muito em segredo, porque está falando a quem não tem língua,<br />
diz do autor o que não lhe diria cara a cara.<br />
Ora o livro emprestado po<strong>de</strong> ser, a contragosto, o <strong>de</strong>nunciante <strong>de</strong> pensamentos<br />
secretos, o traidor do amo. Emprestá-lo quando ele se tornou baú <strong>de</strong> coisas confiadas,<br />
sob sigilo, é imprudência, capaz <strong>de</strong> causar arrependimento e <strong>de</strong>sgostos.<br />
A propósito, contarei uma história exatíssima.<br />
Costumava José <strong>de</strong> Alencar enriquecer <strong>de</strong> notas margi<strong>na</strong>is livros que lhe<br />
pertenciam. Indo visitá-lo, certo amigo encontrou uma obra do autor do Cabeleira<br />
anotada pelo autor do Guarani.<br />
As anotações não eram benig<strong>na</strong>s. Que fez o amigo íntimo, que não era amigo<br />
discreto? Foi dizer a Franklin Távora o que a respeito do seu livro pensava<br />
José <strong>de</strong> Alencar.<br />
Daí a raiva com que o criticado passou a criticar a obra do seu glorioso patrício.<br />
Daí as cartas com que, sob o pseudônimo <strong>de</strong> Semprônio, veio ajudar a<br />
José Feliciano <strong>de</strong> Castilho, que aparecera <strong>na</strong> imprensa com a máscara <strong>de</strong> Cinci<strong>na</strong>to,<br />
e não poupava o gran<strong>de</strong> escritor, avesso à sujeição da inteligência brasileira<br />
ao domínio intelectual da antiga metrópole.<br />
<br />
255