Guardados na Memória - Academia Brasileira de Letras
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Constâncio Alves<br />
Que seja mais feliz que a Liga das Nações. Esta não conseguiu levar ao seu<br />
grêmio todos os povos do globo.<br />
Aquela, parece, mais facilmente conseguirá a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> quantos têm o que<br />
per<strong>de</strong>r, livros <strong>de</strong> estimação que mais se per<strong>de</strong>m por empréstimo, e que até mesmo<br />
quando não se per<strong>de</strong>m perdidos ficam porque, como disse Pixérécourt ou<br />
um outro, em dois versos chorosos que formam uma triste verda<strong>de</strong> lamentável:<br />
Tel est le triste sort <strong>de</strong> tout livre prêté,<br />
Souvent il est perdu, toujours il est gâté.<br />
André Chénier contaria <strong>de</strong>ssas tristezas em melhores versos, porque era<br />
gran<strong>de</strong> poeta e não lhe faltou a dor inspiradora. Mas talvez por ser <strong>de</strong>masiado<br />
gran<strong>de</strong> quebrou-lhe as cordas da lira a dor que sentiu ao ver seu Malherbe (em<br />
8. o , pequeno, editado por Barbou e anotado por Meunier <strong>de</strong> Querlon) voltar<br />
ao seu po<strong>de</strong>r cheio <strong>de</strong> borrões <strong>de</strong> tinta; e foi em prosa angustiada que celebrou<br />
aquela <strong>de</strong>sgraça.<br />
Rui Barbosa, que tinha o amor e, portanto, o ciúme dos livros, contava com<br />
um e outro dos infortúnios preditos: ou perda, ou estrago.<br />
Quando emprestava alguma obra, procurava logo adquirir outro exemplar<br />
da que saíra, tão certo estava <strong>de</strong> que ele ou não regressaria ou, se tor<strong>na</strong>sse, viria<br />
mais ou menos como o referido Malherbe.<br />
Emprestou certa vez um volume a Capistrano <strong>de</strong> Abreu.<br />
Mandou-lho, porém, revestido <strong>de</strong> tantas capas, que o historiador (bom enten<strong>de</strong>dor<br />
para quem meia palavra seria até <strong>de</strong>mais) compreen<strong>de</strong>u o que significava<br />
aquele excesso <strong>de</strong> precauções, e restituiu o emprestado sem o abrir.<br />
Esse livro voltou. Outros, porém, não <strong>de</strong>ram com o caminho <strong>de</strong> casa.<br />
Ouvi do lesado, o que verifiquei mais tar<strong>de</strong>, quando procedi ao inventário <strong>de</strong><br />
sua biblioteca, que a mão do empréstimo lhe subtraíra um volume da História da<br />
fundação do Império, por Pereira da Silva; uma coleção <strong>de</strong> folhetos sobre fi<strong>na</strong>nças<br />
da Itália, e a coleção, raríssima, <strong>de</strong> O Século, jor<strong>na</strong>l publicado <strong>na</strong> Bahia, em 1848, e<br />
on<strong>de</strong> está o melhor da obra jor<strong>na</strong>lística <strong>de</strong> João Barbosa, pai do roubado.<br />
Ora, o que sofreram Rui Barbosa e Chénier, um lamentando perda <strong>de</strong> obras,<br />
o outro chorando estragos em livros, não são aborrecimentos excepcio<strong>na</strong>is. Se<br />
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