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Gente comum. Pequenas histórias banais. Ho - Fundação Francisco ...

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2011–2012<br />

Portugal<br />

tem emenda?<br />

Olívia,<br />

a última<br />

lavadeira<br />

da Madragoa<br />

Olívia da Conceição Santos<br />

88 anos<br />

Natural de Lisboa<br />

Lavadeira<br />

“E vou passando<br />

assim o tempo”<br />

Olívia lava roupa. É o que faz. Lava roupa para<br />

fora. Está lá todas as manhãs, no Lavadouro<br />

das Francesinhas, na Madragoa. Se calhar<br />

nem era preciso ir assim, todos os dias. Aos 89 anos,<br />

já lava pouco. As antigas freguesas compraram<br />

máquinas. Resistem três ou quatro. A primeira vez<br />

que mandaram lavar ainda eram rapariguinhas<br />

solteiras. <strong>Ho</strong>je já têm filhos casados, e netos…<br />

Olívia começou a lavar há 65 anos. Estava grávida da<br />

filha mais velha, Maria Elisabete. Trabalhava numa<br />

oficina de alfaiate mas o marido adoeceu, ela começou<br />

a faltar e, nessa altura, os patrões não podiam esperar.<br />

Ainda lavou em casa. Fazia muito chiqueiro. Passou<br />

a ir para o Lavadouro e por lá ficou. Nessa altura, os<br />

tanques, hoje grandes demais, estavam sempre cheios<br />

de mulheres. Umas lavavam, outras esperavam vez,<br />

outras punham roupa a corar ao sol e espreitavam o<br />

Tejo que se vê tão bem dali. Já morreram quase todas.<br />

Há muita gente morta na vida de Olívia. O marido<br />

que era torneiro de metais mas também sabia de<br />

electricidade. A sua menina, a Maria Edite, que morreu<br />

com 4 anos. O filho, desaparecido há poucos anos.<br />

Olívia faz pouca distinção entre vivos e mortos. Para<br />

ela, estão todos ali. Tanto fala da Maria Elisabete, dos<br />

netos e dos bisnetos, como salta para os pais. A mãe a<br />

lavar roupa naqueles tanques enquanto ela e os irmãos<br />

se escondiam dos guardas numas casas hoje em ruínas.<br />

Olívia sempre viveu na cidade mas a Madragoa é a<br />

sua aldeia. Foi algumas vezes a Alfama, contam-se<br />

pelos dedos das mãos. O Bairro Alto conhece melhor<br />

porque trabalhou em São Pedro de Alcântara. Os<br />

outros bairros não conhece mas acha que a Madragoa<br />

é o mais sossegado. O prédio onde vive ainda não<br />

foi abaixo, nem sabe quando irá. Espera que seja só<br />

depois de ela morrer. Agora está cheio de brasileiros,<br />

gente que trabalha nas obras. Portuguesas, só mesmo<br />

Olívia e a vizinha do segundo andar.<br />

Agora dizem que vão acabar com o Lavadouro<br />

das Francesinhas. Olívia não gostava, a filha sim.<br />

Preferia que a mãe fosse viver com ela, nos arredores<br />

de Lisboa. Mas enquanto puder lavar, enquanto o<br />

Lavadouro estiver aberto, não vai. Sente-se bem na<br />

Madragoa. Gosta de ir para os tanques. Fala com<br />

um, fala com outro, vai passando o tempo. Enquanto<br />

puder, não vai.<br />

40 XXI, Ter Opinião XXI, Ter Opinião 41

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