Gente comum. Pequenas histórias banais. Ho - Fundação Francisco ...
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2011–2012<br />
Portugal<br />
tem emenda?<br />
Diário Musical<br />
de Ivan<br />
Ivan Veiga<br />
28 anos<br />
Natural de Angola<br />
Funcionário de supermercado<br />
“Queria ter sido<br />
marinheiro”<br />
46 XXI, Ter Opinião<br />
A<br />
música surgiu como se fosse um diário.<br />
Quando ainda vivia na sua terra, em Angola,<br />
Ivan Veiga já cantava, mas não cantava assim<br />
tanto. Depois veio para Portugal com a mãe. Primeiro<br />
para a Buraca, depois para a Amadora. Tanto num<br />
sítio como no outro, a criminalidade era o prato do<br />
dia. Foi no meio de tanta repressão, de tanta violência,<br />
que procurou a música.<br />
No princípio eram sons assim sem ideias, sem lógica,<br />
sem sentido. Com o passar dos tempos, Ivan percebeu<br />
que os sentimentos negativos que as suas músicas<br />
transportavam só serviam para semear maldade.<br />
Sentiu-se como alguém que pega numa arma e a põe<br />
na mão de uma criança. Foi então que começou a<br />
tentar fazer cada música como se fosse uma flor.<br />
Ivan está sempre a rir. Nunca pára de rir, com a boca,<br />
com os olhos, nem mesmo quando fala de coisas que<br />
não têm graça. Como aquela que se passou pouco<br />
depois de ter chegado a Portugal. A mãe mandou-o ir<br />
a casa do vizinho pedir um copo de açúcar e o vizinho<br />
chamou a polícia. Pensou que era um assalto. Em<br />
Angola, Ivan pedia coisas aos vizinhos a toda a hora<br />
e ninguém chamava a polícia.<br />
Histórias de intolerância que Ivan não leva a sério. Se<br />
assim não fosse, nunca teria ido para a Quinta da Fonte,<br />
em Loures, conhecida pelos tumultos entre africanos e<br />
ciganos, criar uma banda de africanos e ciganos. Mas<br />
foi. E criou. Com a ajuda da comissária da Esquadra da<br />
Polícia lá do bairro, que gostou logo daquele som onde<br />
se fala de paz e amor, e convida a banda para actuar em<br />
todas as festas das redondezas. A banda não tem nome<br />
mas tem angolanos, cabo-verdianos, portugueses e<br />
ciganos. Tem Hip-<strong>Ho</strong>p, R&B, Funaná, Kizomba. Ensaia<br />
no Centro Comunitário da Apelação, no mesmo estúdio<br />
onde está a gravar o primeiro disco.<br />
Sector Peixaria, num dos supermercados do Pingo<br />
Doce. É lá que Ivan trabalha. Não foi propriamente<br />
uma opção de vida mas junta duas coisas que lhe<br />
agradam muito. Conversar com as pessoas e trabalhar<br />
com peixe. Peixe lembra mar e Ivan adora o mar.<br />
Em miúdo queria ser marinheiro. Agora quer ser<br />
psicólogo. Aos 28 anos, vai voltar à escola, já se<br />
inscreveu e está a tentar entrar na Universidade.<br />
Também gostava de fazer carreira musical, de cantar.<br />
Já conseguiu tanta coisa…<br />
XXI, Ter Opinião 47