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Gente comum. Pequenas histórias banais. Ho - Fundação Francisco ...

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2011–2012<br />

Portugal<br />

tem emenda?<br />

Fernando,<br />

o guardião<br />

de Faro<br />

Fernando Silva Grade<br />

56 anos<br />

Natural de Faro<br />

Artista plástico<br />

“Todos defendem<br />

o seu território”<br />

44 XXI, Ter Opinião<br />

A<br />

vida profissional é feita a pintar quadros, mas<br />

é nas vestes de guardião de Faro que encontra<br />

a sua verdadeira identidade. Fernando é o<br />

fiscal do centro histórico da cidade, o vigilante de um<br />

passado que não desiste de manter vivo. Todos os dias<br />

recomeça a sua cruzada solitária. Passeia, a pé, por<br />

todo o casco velho, à procura das obras que outros<br />

teimam em fazer, sem se preocuparem em preservar<br />

a autenticidade dos monumentos, das casas, das<br />

praças. Vê o que os verdadeiros fiscais, demasiado<br />

adormecidos, deviam ver se andassem de olhos abertos.<br />

O trabalho é minucioso, persistente, sem descanso,<br />

mas tem dado resultados. Por causa desta teimosia,<br />

desta obsessão, muitas obras foram paradas. As suas<br />

guerras nunca são fáceis. Na Sé de Faro só pode entrar<br />

clandestino. Está condenado a ficar à porta, por não ter<br />

permitido o seguimento das obras de modernização do<br />

templo, projectadas pelo cabido da igreja.<br />

Fernando é implacável. A dor d’alma que o atinge<br />

sempre que passeia pelo centro histórico de Faro, o<br />

maior de todo o Algarve, e o vê, assim, desabitado e<br />

em ruínas, dói ainda mais sempre que se confronta<br />

com uma reabilitação inundada de cimento, de<br />

tinta plástica, de alumínio. Património rima com<br />

autenticidade. Tudo o resto são pastiches.<br />

Ainda se lembra dos tempos em que, na sua cidade<br />

natal, ao fundo de cada rua vislumbrava-se a ria e<br />

do cimo de cada açoteia avistava-se o mar. <strong>Ho</strong>je as<br />

vistas estão toda tapadas. Nessas alturas sente-se a<br />

viver numa cidade sem identidade cultural, como<br />

que ocupada por romanos, eles que destruíam a<br />

arquitectura das cidades que invadiam, conscientes de<br />

que um povo sem identidade arquitectónica é um povo<br />

enfraquecido.<br />

E apesar de ser único, não vê aquilo que faz como<br />

algo extraordinário. Está apenas a defender a cidade<br />

onde nasceu há 56 anos, o seu habitat. No fundo,<br />

compara-se a qualquer outro animal, ele que é biólogo<br />

de formação. Diz que se todos os bichos defendem o<br />

seu território, o homem devia fazer o mesmo. Recusa o<br />

pensamento dominante em que cada um se preocupa<br />

apenas com o seu quintal, achando que o que está lá<br />

fora não é de ninguém. Fernando sabe que o que está<br />

lá fora é de todos e por isso espanta-se. Espanta-se por<br />

estar sozinho, e continua.<br />

XXI, Ter Opinião 45

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