17.04.2013 Views

Gente comum. Pequenas histórias banais. Ho - Fundação Francisco ...

Gente comum. Pequenas histórias banais. Ho - Fundação Francisco ...

Gente comum. Pequenas histórias banais. Ho - Fundação Francisco ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

2011–2012<br />

Portugal<br />

tem emenda?<br />

Alvarinho<br />

Viteleiro<br />

Álvaro Lapa<br />

70 anos<br />

Natural da Malveira<br />

Comerciante de gado<br />

“A vida não me<br />

correu bem”<br />

42 XXI, Ter Opinião<br />

Foi o senhor Mário que o lançou a sério no<br />

negócio, naquela sexta-feira em que lhe<br />

encomendou dez ovelhas. Álvaro Lapa tinha<br />

dez anos, disse que sim e arranjou onze. O senhor Mário,<br />

um senhor de Lisboa, pagou-lhe dez ao preço combinado.<br />

A outra não fazia parte da encomenda, por isso valia<br />

menos. Álvaro concordou. Percebeu como funcionam<br />

os negócios e que naquele mundo é preciso ser esperto.<br />

O seu pai era comerciante de gado. A mãe era filha de<br />

um comerciante de gado. Sempre na Malveira. Álvaro<br />

foi o único filho a seguir a tradição. Não tinha cinco<br />

tostões mas à quinta-feira, quando as pessoas chegavam<br />

à feira com as vacas para vender, as prendiam àqueles<br />

ferrinhos que ainda hoje estão no recinto, e chamavam<br />

o Alvarinho, ele comprava. E foi fazendo a vida assim.<br />

Sempre em negócio, sempre em negócio.<br />

Negociar em gado foi uma coisa que nasceu com ele.<br />

Não aprendeu com ninguém. Chegou a trabalhar uns<br />

tempos numa casa de lanifícios mas não se deu bem.<br />

Sentia falta dos animais, do sangue, da carne. Quando<br />

tinha 30 anos, o pai era o maior negociante de gado da<br />

região. Um dia, acompanhou-o a uma feira no Alentejo.<br />

O pai estava de olho nos melhores bois, mas acabou por<br />

ser ele a comprá-los. O pai ficou todo contente.<br />

A feira de gado da Malveira era a melhor feira do<br />

mundo. Não é por acaso que chamavam à terra,<br />

Malveira dos Bois. <strong>Ho</strong>je tem 100 cabeças de gado, ou<br />

se calhar nem isso, mas chegou a ter 1700 ou 1800.<br />

Sempre foi à quinta-feira, abria de madrugada. Agora<br />

só abre às sete. Quando são sete e meia começam a<br />

chegar os homens do Norte. Querem saber os preços.<br />

Ao meio-dia e meia carregam o gado e depois vai tudo<br />

almoçar ali mesmo, no restaurante improvisado da<br />

feira. Álvaro não vai. É muito barulho, faz-lhe doer a<br />

cabeça e ele não gosta nada de dores de cabeça.<br />

E deve ter tido muitas. Afinal, a vida não correu bem<br />

a Álvaro Lapa. Chegou a ter muito mas resta-lhe<br />

pouco. Diz que a culpa é de uma firma de Lisboa,<br />

a firma do tal senhor Mário, que foi à falência e lhe<br />

ficou a dever cem mil contos. Fala sempre em contos,<br />

não consegue pensar em euros. Agora só negoceia em<br />

ovelhas, cabras, chibos, gado miúdo. Antigamente, só<br />

comprava vacas e vitelas. Chamavam-lhe o Alvarinho<br />

Viteleiro e quando chegava a um mercado, já todos<br />

sabiam que, nesse dia, o mercado ia ser bom.<br />

XXI, Ter Opinião 43<br />

43

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!