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elas por elas- agosto 2009_Elas por elas revista - ive minas

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SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS - FILIADO À FITEE, CONTEE E CTB - WWW.SINPROMINAS.ORG.BR - AGOSTO DE <strong>2009</strong> - NÚMERO 3


Capa<br />

A participação<br />

das mulheres<br />

na luta pela anistia<br />

política no Brasil<br />

Página 31<br />

Fórum Social <strong>2009</strong><br />

Mulheres em luta <strong>por</strong><br />

um mundo novo<br />

página 5<br />

Mulher e trabalho<br />

Crise do capitalismo afeta<br />

principalmente às mulheres<br />

página 8<br />

Mulher e sindicalismo<br />

Os desafios da profissão<br />

e da organização sindical das<br />

empregadas domésticas<br />

página 11<br />

Ent<strong>revista</strong><br />

Constância Lima Duarte fala<br />

sobre literatura e feminismo<br />

página 15<br />

Violência doméstica<br />

Iniciativas promovem<br />

avanços na implementação<br />

da Lei Maria da Penha<br />

página 20<br />

Artigos<br />

Condições de trabalho, gênero e<br />

saúde na educação privada<br />

Por Maria das Graças de Ol<strong>ive</strong>ira<br />

página 23<br />

Políticas para a d<strong>ive</strong>rsidade:<br />

como alargar a cidadania<br />

e a democracia<br />

Por Marlise Matos<br />

página 26<br />

[ Conteúdo ]<br />

Mulher e mídia<br />

Os preconceitos e a discriminação<br />

racial na relação da<br />

mídia com o feminino<br />

página 39<br />

Educação e gênero<br />

O desafio da jornada escolar<br />

para a mulheres que buscam<br />

a alfabetização<br />

página 43<br />

Homenagem<br />

Lúcia Casasanta<br />

página 45<br />

Mulheres na política<br />

Pela primeira vez uma mulher<br />

ocupa a presidência na Câmara<br />

Municipal de Belo Horizonte<br />

página 47<br />

Perfil<br />

Júnia Marise<br />

Página 49<br />

Crônica<br />

Difícil arte de ser mulher<br />

<strong>por</strong> Frei Betto<br />

Página 51<br />

Com<strong>por</strong>tamento<br />

Guarda compartilhada,<br />

uma nova realidade para<br />

algumas famílias<br />

Página 53<br />

Direitos da Mulher<br />

Licença-maternidade<br />

poderá ser prorrogada<br />

para 180 dias<br />

Pág 56<br />

Seções - Poucas e boas - página 57<br />

Publicações - páginas 58<br />

Retrato - página 60<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 3


[ Expediente ]<br />

SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS<br />

SEDE: Rua Jaime Gomes, 198 - Floresta - CEP: 31015.240<br />

Fone: (31) 3115 3000 - Belo Horizonte - www.sinpro<strong>minas</strong>.org.br<br />

SEDES REGIONAIS:<br />

Barbacena: Rua Francisco Sá, 60 - Centr o - CEP: 36200000 - F one: (32) 3331 0635 - bar ba -<br />

cena@sinpro<strong>minas</strong>.org.br - Di vinópolis: Av. 21 de Abril, 386 - casa 2 – Centro - CEP: 35500-010 -<br />

Fone: (37) 3221 8488- divinopolis@sinpro<strong>minas</strong>.org.br. Cataguases: Rua Joaquim Peixoto Ramos,<br />

92 - Centro - CEP: 36.770-066 - Fone: (32) 3422 1485 - cataguases@sinpro<strong>minas</strong>.org.br. Coronel<br />

Fabriciano: Rua Rio Branco, 136 - Bairro dos Professores - CEP: 35.170-015 - Fone: (31) 3841.2098<br />

- coronelfabriciano@sinpro<strong>minas</strong>.org.br. Governador Valadares: Av. Brasil 2.507 - Centr o - CEP:<br />

35020070 - Fone: (33) 3271 2458- governadorvaladares@sinpro<strong>minas</strong>.org.br. Janaúba: Rua José<br />

Teotônio, 556 - Esplanada - CEP: 39.440-000 - Fone (38) 3821 4212 - janauba@sinpo<strong>minas</strong>.org.br.<br />

Montes Claros - Rua Januária, 672 - Centro - CEP: 39400077 - Fone: (38) 3221 3973 - montesclaros@sinpro<strong>minas</strong>.org.br.<br />

Poços de Caldas - Rua Mato Gr osso, nº 275 - Centr o - Poços de<br />

Caldas/MG - CEP: 37701-006 - Fone: (35) 3721 6204 - pocosde caldas@sinpro<strong>minas</strong>.org.br. Ponte<br />

Nova: Av. Dr. Otávio Soares, 41 - salas 326 e 328 - Palmeiras - CEP: 35430229 - Fone: 3817 2721<br />

- pontenova@sinpro<strong>minas</strong>.org.br. Pouso Alegre - Rua Dom Assis, 241 - Centro - CEP 37.550-000<br />

- Fone: (35) 3423 3289 e 3421-3955 - pousoalegr e@sinpro<strong>minas</strong>.org.br. Uberaba: Av. Doutor<br />

Fidélis Reis, 557 - Piso C - sala 13 - Centro - CEP: 38010030 - Fone: (34) 3332 7494 - uberaba@sinpro<strong>minas</strong>.org.br.<br />

Uberlândia: Rua Olegário Maciel, 1212 - Centr o - CEP: 38.400-086 - F one: (34)<br />

3214 3566 - uberlandia@sinpr o<strong>minas</strong>.org.br. Varginha: Av. Doutor Módena,261 - Vila A delaíde-<br />

CEP: 37.010.190 Fone: (35) 3221 1831 - varginha@sinpro<strong>minas</strong>.org.br.<br />

DIRETORIA: Gestão 2006/<strong>2009</strong><br />

Presidente: Gilson Luiz Reis, 1º Vice–Presidente: Bruno Burgarelli Albergaria Kneipp (licenciado),<br />

2º Vice–Presidente: Marco Eliel Santos de Carvalho, Tesoureira Geral: Lavínia Rosa Rodrigues, Secretária<br />

Geral: Marilda Silva, 1º Secretário: Dimas Enéas Soares Ferreira, Conselho Fiscal: Terezinha<br />

Lúcia de Avelar, Maria das Graças de Ol<strong>ive</strong>ira, Sebastião Geraldo de Araújo, Suplentes do Conselho<br />

Fiscal: Valdir Zeferino Ferreira Júnior, Valéria Chiode Perpétuo, Rui da Silva Sales.<br />

Diretoria: Adelmo Rodrigues de Ol<strong>ive</strong>ira, Aerton Silva, Albanito Vaz Júnior, Alex Jordane de Ol<strong>ive</strong>ira,<br />

Altamir Fernandes de Sousa, Alzira dos Reis Silva, Ana Paola de Morais Amorim Valente, Andrea Luiza<br />

Drumond das Chagas, Anivaldo Matias de Sousa, Antônio de Pádua Ubirajara e Silva, Aristides Ribas<br />

de Andrade Filho, Benedito do Carmo Batista, Carla Fenícia de Ol<strong>ive</strong>ira, Carlos Afonso de Faria Lopes,<br />

Cássia Beatriz Batista e Silva, Cecília Maria Vieira Abrahão, Celina Alves Padilha Arêas, Clédio Matos de<br />

Carvalho, Clóvis Alves Caldas Filho, Débora Goulart de Carvalho, Décio Braga de Souza, Edimar Balbino<br />

de Aquino Póvoa, Edson de Ol<strong>ive</strong>ira Lima, Edson de Paula Lima, Edward Neves Monteiro de B. Guimarães,<br />

Elizabeth Avelar Nunes, Elizabeth do Nascimento Mateus, Elmindo de Rezende, Eni de Faria Sena, Eudson<br />

Carlos Souza Magalhães, Eustáquio Vieira da Silva, Evangelina Sena Fulgêncio Jardim, Fábio Alex Lopes<br />

de Almeida, Fabio dos Santos Pereira, Fátima Amaral Ramalho, Flávio Correa de Andrade, George Rafael<br />

Lima Souza Maia, Gilberto Alves da Cunha, Heleno Célio Soares, Humberto de Castro Passarelli, Iara<br />

Prestes Stoessel, Jandira Aparecida Alves de Rezende, Jones Righi de Campos, José Alves Pereira, José<br />

Armando Borges, José Carlos Padilha Arêas, José Flávio Perpétuo, Josiana Pacheco Silva Martins, Juliana<br />

Maria Almeida do Carmo, Júnia Aparecida Rios Barcelos, Liliani Salum Alves Moreira, Luiz Antônio da<br />

Silva, Marcos Paulo da Silva, Marcos Vinicius Araújo, Maria Cézar Ferreira Barbosa, Maria da Conceição<br />

Miranda, Maria da Glória Moyle Dias, Maria de Lourdes Coelho, Maria Eliane Serafim de Andrade, Maria<br />

Esperança Amat Dutra, Maria Helena Pereira Barbosa, Maria Irene Pereira Vale, Maria Julieta Martins<br />

de Albuquerque, Mario César Mota II, Mark Alan Junho Song, Mateus Júlio de Fr eitas, Matilde Agero<br />

Batista, Maurício Krieger Amorim, Miguel José de Souza, Miriam Fátima dos Santos, Mozart Silvério<br />

Soares, Murilo Ferreira da Silva, Nacib Rachid Lauar, Nalbar Alves Rocha, Nardeli da Conceição Silva, Natália<br />

Pereira Chagas, Nelson Luiz Ribeiro da Silva, Newton Pereira de Souza (licenciado), Onofre Martins de<br />

Abreu, Osvaldo Sena Guimarães, Patrícia Pi nheiro de Souza, Paulo Augusto Malta Moreira, Paulo César<br />

Reis Cardoso de Mello, Pitágoras Santana Fernandes, Regina Célia de Aquino Xavier, Renato Sérgio Pereira<br />

Pina, Rita Simone Ol<strong>ive</strong>ira e Silva, Rodrigo Ferreira Queiroz, Rodrigo Salera Mesquita, Romário Lopes<br />

da Rocha, Rossana Abbiati Spacek, Rozana Maris Silva Faro, Sandra Lucia Magri, Sérgio Luiz da Costa,<br />

Valéria Peres Morato Gonçalves (licenciada), Wagner Ribeiro, Welber Salvador Zóffoli, Zeuman de Ol<strong>ive</strong>ira<br />

e Silva.<br />

Departamento de Comunicação:<br />

Diretores responsáveis:<br />

Aerton Silva e Marco Eliel Santos<br />

Jornalista responsável/Editora:<br />

Débora Junqueira (MG 05150JP)<br />

Colaboradoras:<br />

Jalmelice Luz e Júnia Leticia<br />

Jornalistas:<br />

Denilson Cajazeiro (MG 09943JP)<br />

Cecília Alvim (MG 09287JP)<br />

Programação visual e diagramação:<br />

Mark Florest<br />

Estagiário:<br />

Saulo Martins<br />

Revisão:<br />

Alexandre Vaz e Aerton Silva<br />

Foto Capa:<br />

Juca Martins/Olhar Imagem<br />

Conselho Editorial:<br />

Lavínia Rodrigues, Terezinha Avelar, Marilda Silva,<br />

Liliane Salum Moreira, Cláudia Pessoa, Clarice Barreto, Ana Maria Prestes,<br />

Nádia Maria Barbosa, Maria Izabel Bebela Ramos<br />

Impressão:<br />

Tiragem: 4.000 exemplares<br />

Distribuição gratuita: Circulação dirigida<br />

E-mail: Diretoria: sinpro<strong>minas</strong>@sinpro<strong>minas</strong>.org.br<br />

Os artigos assinados não expr essam necessariamente a opinião do Sinpr o Minas. É<br />

permitida a reprodução desde que citada a fonte.<br />

[ Apresentação ]<br />

A participação feminina<br />

na luta pela anistia<br />

Trinta anos após a Lei da Anistia, a Revista <strong>Elas</strong><br />

<strong>por</strong> <strong>Elas</strong> resgata uma parte dessa história na qual as<br />

mulheres também foram protagonistas. Esta edição<br />

destaca o Movimento Feminino pela Anistia, que teve<br />

um papel fundamental para a formação do cenário<br />

político no país na década de 1970. Foram colhidos<br />

depoimentos de algumas dessas guerreiras que<br />

t<strong>ive</strong>ram im<strong>por</strong>tante atuação no movimento <strong>por</strong> uma<br />

anistia ampla, geral e irrestrita. Diante de uma vasta<br />

lista de nomes e de tantos outros que foram surgindo<br />

na lembrança das ent<strong>revista</strong>das, seria difícil citar todas<br />

aqu<strong>elas</strong> que, à frente ou não dos movimentos, contribuíram<br />

de alguma forma para a redemocratização<br />

do país. Hoje, a luta continua atual através das<br />

mobilizações pela abertura dos arquivos, pela busca<br />

dos desaparecidos e a punição dos algozes.<br />

Destacamos também a participação das mulheres<br />

no Fórum Social Mundial, onde militantes de todas<br />

as partes do mundo discutiram uma agenda concreta<br />

de lutas mundiais em meio às crises econômica e<br />

ambiental. A Revista <strong>Elas</strong> <strong>por</strong> <strong>Elas</strong> também enfoca<br />

o mercado de trabalho para as mulheres nesses<br />

tempos de crise. Uma pesquisa divulgada pela Secretaria<br />

Especial de Políticas para as Mulheres mostra<br />

uma interrupção da feminização do mercado de<br />

trabalho no Brasil. E, se esse mercado é injusto e<br />

desigual para as mulheres, imaginem para aqu<strong>elas</strong> que<br />

sofrem com a discriminação também <strong>por</strong> raça e classe,<br />

como mostra a re<strong>por</strong>tagem sobre a profissão de<br />

doméstica.<br />

A <strong>revista</strong> traz ainda um artigo sobre as condições<br />

de trabalho e saúde das professoras, com base em<br />

dados da pesquisa patrocinada pelo Sinpro Minas, e<br />

apresenta também um debate teórico sobre o<br />

alargamento da cidadania e da democracia através das<br />

políticas para a d<strong>ive</strong>rsidade. Da mesma forma, vale<br />

conferir a ent<strong>revista</strong> com Constância Lima Duarte, que<br />

aborda a literatura de autoria feminina.<br />

Quanto aos avanços, não poderiam ficar de fora<br />

as iniciativas para a efetivação da Lei Maria da Penha,<br />

que corre riscos em sua execução pela própria Justiça.<br />

A novidade fica <strong>por</strong> conta da ampliação dos direitos das<br />

mulheres como a prorrogação da licença maternidade<br />

e da lei que garante a guarda compartilhada.<br />

Boa leitura!<br />

4 ELAS POR ELAS - JUNHO DE <strong>2009</strong>


[ Fórum Social <strong>2009</strong> ]<br />

Mulheres em luta <strong>por</strong> um mundo novo<br />

<strong>por</strong> Cecília Alvim<br />

Em Belém as mulheres exerceram im<strong>por</strong>tante papel na construção de uma agenda concreta de lutas mundiais.<br />

Em <strong>2009</strong>, mulheres e homens de 142 países se<br />

encontraram em Belém do Pará para o IX Fórum<br />

Social Mundial (FSM). Mais de 2300 atividades<br />

envolveram 113 mil participantes em painéis, debates,<br />

seminários, atividades culturais e marchas pela<br />

cidade. A convergência de movimentos e organizações<br />

da sociedade civil promoveu novas alianças para enfrentar<br />

as crises mundiais. Como nas edições<br />

anteriores do FSM, as mulheres exerceram um<br />

papel im<strong>por</strong>tante, discutindo um conjunto de temas<br />

que não se limitam ao feminismo.<br />

Na pauta sobre gênero, destacaram-se os debates<br />

sobre a Agenda 21; gênero e desenvolvimento;<br />

direitos sexuais; saúde, sexualidade e direitos reprodutivos;<br />

políticas públicas de gênero e de raça;<br />

violência contra a mulher; turismo sexual, tráfico e<br />

exploração de mulheres e meninas; mulheres,<br />

vulnerabilidade – DSTs e aids; gênero e empode ra -<br />

mento; direitos humanos e inclusão, e mulher e mídia.<br />

Tanto na preparação do evento quanto nas marchas<br />

e nas plenárias, as mulheres estão sempre em<br />

maioria. Também são responsáveis pela presença cada<br />

vez maior de crianças nos encontros, conforme<br />

obser vou o professor da USP , Moacir Gadotti, em<br />

artigo publicado na Revista Fórum sobre a par tici -<br />

pação das mulheres no evento.<br />

A cientista política Ana Maria Prestes, consultora<br />

do Sinpro Minas e integrante do Comitê Internacional<br />

do FSM, também destaca a im<strong>por</strong>tância da<br />

participação das mulheres na construção de uma<br />

agenda concreta de lutas mundiais, em meio a<br />

d<strong>ive</strong>rsas crises: econômica, política, energética,<br />

ELAS POR ELAS - JUNHO DE <strong>2009</strong> 5<br />

Cecília Alvim


climática, alimentar. “A sensibilidade, a coragem e a<br />

força das ativistas, presentes ao Fórum, dão o recado<br />

de que é possível transfomar esse mundo a partir de<br />

novos conceitos como solidariedade, diálogo,<br />

autosoberania, integração. Juntas podemos construir<br />

saídas coletivas para os problemas trazidos pela<br />

globalização neoliberal, pelos conflitos armados,<br />

como o da Palestina, pela mercantilização da<br />

educação, pela destruição de ecossistemas<br />

im<strong>por</strong>tantes para o nosso planeta, como a Amazônia”,<br />

destaca.<br />

O Fórum Social Mundial é visto como um espaço<br />

de contestação do sistema político-econômico vigente.<br />

Para Rosa Guillen, do movimento de mulheres de<br />

Arequipa, Peru, a discriminação e a opressão em<br />

relação às mulheres é anterior ao capitalismo. “Infelizmente,<br />

o capital, que controla nossos meios de<br />

vida, a água, as sementes, os conhecimentos da<br />

medicina tradicional, sabe aproveitar essa dominação<br />

também sobre as mulheres. Usa muitas formas<br />

modernas para dizer, <strong>por</strong> exemplo, que somos livres,<br />

enquanto explora nosso corpo, nosso tempo e nossa<br />

capacidade criativa. Muitas mulheres trabalham<br />

como assalariadas, em jornadas de trabalho extenuantes,<br />

pela metade do salário dos homens”,<br />

aponta.<br />

A jovem Janeth Fernandes, da Frente Nacional<br />

Campesina Ezequiel Zamora, veio da cidade de<br />

Apure, na Venezuela, para reforçar a luta das mulheres,<br />

presentes ao Fórum, <strong>por</strong> outro modelo de integração<br />

entre os povos. “Nós, mulheres campesinas<br />

da Venezuela, lutamos pelo socialismo do século XXI<br />

em nosso país e na América Latina, que está passando<br />

<strong>por</strong> grandes mudanças”, diz.<br />

Já Norma Quito, de Guayaquil, Equador, disse ter<br />

ido ao Fórum para apoiar o processo de tansformação<br />

social que está sendo promovido em seu país<br />

pelo presidente Rafael Correa, e que tem sido<br />

combatido <strong>por</strong> setores conservadores. “A imprensa<br />

tem dito muitas coisas sobre o governo que não são<br />

verdade. Essa é uma estratégia da direita contra os<br />

camponeses e contra as mulheres equatorianas,<br />

que querem as mudanças que estão acontecendo em<br />

nossa nação e em nosso continente”, denuncia.<br />

[ Fórum Social <strong>2009</strong> ]<br />

Emocionada <strong>por</strong> participar do que considera ser<br />

um momento histórico, Francisca Gama, trabalhadora<br />

rural de Açailândia, Maranhão, afirma que é<br />

bom saber que há outras mulheres no mundo o que<br />

resistem, com força e coragem, aos mesmos problemas<br />

sociais. “É bom sentir e acreditar que, juntas,<br />

podemos mudar a nossa realidade”, diz. Com o<br />

mesmo propósito, as professoras e diretoras do Sinpro<br />

Minas, Celina Arêas, Rossana Spacek, Nalbar Rocha<br />

e Maria das Graças de Ol<strong>ive</strong>ira, participaram das<br />

discussões de gênero e das d<strong>ive</strong>rsas atividades<br />

durante o Fórum Social, partilhando a luta das mulheres<br />

do mundo reunidas em Belém do Pará.<br />

O próximo FSM será em Dakar , capital de<br />

Senegal, na África, em 2011. Antes disso, outros<br />

encontros e fóruns regionais e temáticos devem<br />

acontecer pelo mundo. No Brasil, em janeiro de 2010,<br />

haverá um grande encontro para celebrar os 10 anos<br />

da d<strong>ive</strong>rsidade representada pelo Fórum Social<br />

Mundial, em Porto Alegre. Certamente, em todos<br />

esses fóruns, as mulheres estarão lá com suas<br />

bandeiras <strong>por</strong> um mundo mais justo e solidário.f<br />

6 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong><br />

Dimas Eneias


Cecília Alvim<br />

Dimas Eneias Dimas Eneias<br />

Cecília Alvim<br />

Calendário de mobilizações FSM<br />

<strong>2009</strong><br />

• Atividades de resistência à ditadura em<br />

Honduras<br />

• 12 de outubro – Dia Mundial de Ação para<br />

a pr oteção da Mãe Terra, contr a a<br />

mercantilização da vida<br />

• 12 de dezembr o – Dia Mundial de Ação<br />

pela Justiça Climática durante a Cúpula<br />

do Clima em Copenhague, Dinamarca<br />

2010<br />

• 24 a 28 de J aneiro - 10 anos do F órum<br />

Social Mundial (concomitante com Davos)<br />

- Porto Alegre, Brasil<br />

• 8 de Março – Dia Internacional dos<br />

Direitos da Mulher<br />

• Maio - Fórum Social dos Estados Unidos<br />

- Detroit<br />

• Julho - F órum Social das Américas -<br />

Paraguai<br />

• Setembro/Outubro - Fórum Mundial de<br />

Educação - Palestina<br />

• 9 a 13 de Dezembro de 2010 - Fórum Mun -<br />

dial de Educação, Investigação e Cultura<br />

de Paz - Santiago de Compostela, Espanha<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 7<br />

Cecília Alvim


8<br />

[ Mulher e trabalho ]<br />

Mulheres em tempos de crise<br />

<strong>por</strong> Jalmelice Luz<br />

Na Praça 7, em Belo Horizonte, que observa o vai-e-vem de pessoas não imagina as transformações no mundo do trabalho.<br />

Por volta de cinco às seis horas da manhã,<br />

passar no centro da cidade de Belo Horizonte pode<br />

ser um exercício para observadores, uma surpresa<br />

para os desavisados ou a percepção de que alguma<br />

coisa mudou no mundo do trabalho. Nesses horários<br />

um batalhão de mulheres percorre as ruas da<br />

cidade, embarca e desembarca nos ônibus coletivos,<br />

dirigindo-se ao trabalho ou voltando dele para outras<br />

jornadas. Este vai-e-vem de adolescentes,<br />

jovens e mulheres maduras se acalma <strong>por</strong> volta das<br />

oito horas, quando os carros e buzinas tomam conta<br />

das ruas e o frenesi para a chegada aos escritórios,<br />

comércio, repartições, escolas, empresas se intensifica.<br />

É outra leva de pessoas na garantia do pão<br />

nosso de cada dia. Neste momento não é possível<br />

identificar quem são essas pessoas, diante da pressa<br />

e da rapidez do tráfego.<br />

Mas, pode-se lançar mãos de indicadores<br />

confiáveis que apontam um crescimento massivo<br />

das mulheres tanto no trabalho quanto na informalidade<br />

nas últimas décadas. A população<br />

feminina ocupada ou à procura de emprego passou<br />

de 46% em 1996, para 52,4% em 2007. Ela permanece,<br />

no entanto, inferior à taxa de participação<br />

dos homens, que em 2007 alcançou 72,4%. E é no<br />

espaço de trabalho que as discriminações,<br />

desigualdades e preconceitos tornam-se mais<br />

evidentes. As mulheres chegam ao mercado de<br />

trabalho, mas em ocupações diferentes daqu<strong>elas</strong><br />

preenchidas pelos homens.<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong><br />

Saulo Martins


A cientista política Marlise Matos, coorde na do -<br />

ra do Nepem – Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre<br />

da Mulher da UFMG, autora de vários estudos e<br />

pesquisas de gênero, afirma que a situação da mulher<br />

no mercado de trabalho revela a manutenção<br />

de um processo de impossibilidade de acesso da mulher<br />

à esfera pública, reservada historicamente ao<br />

homens. À mulher restaria a esfera pri vada que é o<br />

lar, as atividades domésticas, repro dução e cuidados<br />

da prole.<br />

Nas últimas décadas, segundo a professora<br />

Marlise Matos, o mercado de trabalho reflete o<br />

esforço de uma forma seletiva de entrada das mulheres,<br />

que chegaram em quantidade cada vez maior<br />

ao mundo do trabalho, mas não neces saria mente são<br />

inseridas em todos os setores da cadeia produtiva.<br />

Há a prevalência de um trabalho precarizado e mal<br />

remunerado. A situação é ainda mais grave para as<br />

mulheres <strong>por</strong>que somam-se a discriminação de<br />

gênero e o preconceito racial.<br />

Na região metropolitana de Belo Horizonte os<br />

dados da pesquisa de emprego e desemprego do<br />

Dieese e Fundação João Pinheiro confirmam um<br />

quadro já conhecido. A taxa cada vez maior de<br />

participação das mulheres no mercado de trabalho<br />

e a precarização das condições de trabalho. O eco -<br />

no mista e coordenador da pesquisa Mario Rodarte<br />

(foto) diz que as mulheres respondem <strong>por</strong> 53,1%<br />

da mão-de-obra formal na região metropolitana de<br />

Belo Horizonte, enquanto os homens mantêm-se na<br />

faixa de 68%. Em 1996, quando a PED foi iniciada,<br />

a média anual de participação da população<br />

feminina era de 46,5%. Um crescimento significativo<br />

em torno de 15% mas ainda distante da presença<br />

dos homens no mercado de trabalho.<br />

As dificuldades de mais avanços das mulheres<br />

no âmbito do trabalho, segundo o economista, se dá<br />

ainda <strong>por</strong> causa de preconceitos, barreiras impostas<br />

p<strong>elas</strong> responsabilidades domésticas e com filhos.<br />

Rodarte lembra que as mulheres saíram de casa para<br />

o trabalho, mas os homens não retornaram para casa<br />

na perspectiva da divisão das tarefas domésticas. O<br />

economista acredita que uma mudança de com<strong>por</strong> -<br />

tamento da sociedade com a compreensão da neces -<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong><br />

sária emancipação feminina poderia ajudar as mulheres<br />

no seu dia-a-dia. Outra medida apontada pelo<br />

economista e que é uma reivindicação histórica do<br />

movimento sindical é a redução da jornada de trabalho<br />

de 44 para 40 horas. O que possibilitaria a gera -<br />

ção de novos empregos e absorção da mão-de obra<br />

feminina.<br />

Dados sobre a População Economicamente<br />

Ativa (PEA) revelam uma taxa de desemprego que<br />

se mantém ao longo de décadas em 13% para as mulheres<br />

e 9% para a população masculina. Os salários<br />

ainda são bastante diferenciados. A média salarial<br />

até 2008 para os homens é de R$ 1.311,00 enquanto<br />

as mulheres ganhavam em média R$ 889,00. Este<br />

fenômeno não se explica pela força de trabalho,<br />

dado que as mulheres hoje são mais escolarizadas<br />

que os homens. Mas, para o mercado, ao que tudo<br />

indica isso faz pouca diferença, <strong>por</strong>que há uma<br />

divisão <strong>por</strong> sexo na definição dos salários, homens<br />

ganham mais e mulheres ganham menos. Isto é a<br />

lógica do capital que trata a mulher como força de<br />

trabalho barata e descartável, <strong>por</strong>tanto, uma reserva<br />

de mercado da qual se utiliza sempre que necessário<br />

a um custo menor.<br />

Impactos da crise econômica<br />

Pesquisa nacional recente, efetuada pelo<br />

IBGE, Instituto de Pesquisa Econômica Aplica da<br />

(Ipea) e Organização Internacional do T rabalho<br />

(OIT) em parceria com a Secretaria especial de<br />

Políticas para as mulheres mostra uma mudança de<br />

com<strong>por</strong>tamento do Mercado de trabalho, a partir de<br />

setembro de 2008 a abril deste ano, com a crise<br />

econômica detonada pelos Estados Unidos que se<br />

espraiou pelo mundo. “As principais conclusões<br />

apontam para uma interrupção da feminização do<br />

mercado de trabalho no Brasil metropolitano (mer -<br />

cados formal e informal). Há redução nos postos<br />

ocupados (queda de 3,1% no nível de ocupação<br />

feminina, contra 1,6% dos homens) e aumento da<br />

inatividade feminina no período. Já entre os homens<br />

verifica-se aumento das taxas de desemprego<br />

9


pro<strong>por</strong>cionalmente maior que a verificada para as<br />

mulheres (24,1%, contra 11,2%). Os dados da Pes -<br />

qui sa Mensal do Emprego (PME/IBGE) revelam<br />

também o fortalecimento da tendência de substituição<br />

da mão-de-obra masculina <strong>por</strong> feminina na<br />

construção civil (-3%, contra + 17% respecti va men -<br />

te). Na indústria, as mulheres perderam mais<br />

postos: -8,38%, contra -4,81% dos homens”.<br />

Uma das pesquisadoras do IPEA, Nathália<br />

Fontoura, que participou desse estudo afirma que a<br />

crise econômica mundial tem afetado principal -<br />

mente as mulheres. Só na região metropolitana de<br />

Belo Horizonte 28 mil mulheres foram demitidas<br />

entre setembro de 2008 e abril desse ano, enquanto<br />

isso, no mesmo período, 13 mil homens perderam o<br />

emprego. Segundo Natália Fontoura muitas mulheres<br />

estão desistindo de procurar uma nova<br />

ocupação e assumindo os trabalhos domésticos já<br />

que não têm mais renda para pagar uma empregada<br />

ou faxineira. A crise estaria levando parte das mulheres<br />

à inatividade.<br />

A cientista política Marlise Matos observa que<br />

também no mercado de trabalho, no ideário do<br />

sistema capitalista, está mantida a divisão entre<br />

espa ço público como esfera masculina e privado de<br />

ocupação feminina. Trata-se, como afirmou, de uma<br />

questão mais estrutural do que cultural, embora<br />

reconheça que o patriarcado está na base do sistema<br />

capitalista. O capitalismo tem na mão-de-obra femi -<br />

nina, qualificada ou não, sua reserva de mercado<br />

mais barata e em maior número.<br />

Marlise Matos observa outro fenômeno, que é<br />

o aumento do número de mulheres chefes de<br />

família, que chega a 30% dos domicílios no Brasil. O<br />

resultado é o empobrecimento das mulheres, na me -<br />

dida em que o mercado de trabalho utiliza de dois<br />

pesos e duas medidas na contratação e remu ne -<br />

ração, que obedecem, menos à qualificação e capa -<br />

cidade e mais a uma divisão sexual do trabalho.<br />

Outra questão de destaque refere-se às mulheres<br />

que v<strong>ive</strong>m sob o jugo do marido, companheiro, e que<br />

quando conseguem uma autonomia econômica, <strong>por</strong><br />

menor que seja , <strong>por</strong> meio de programas sociais de<br />

trans ferência de renda, buscam a separação e<br />

[ Mulher e trabalho ]<br />

assumem a chefia da casa.<br />

Na educação, observa-se que meninos e<br />

meninas têm trajetórias diferentes. Os meninos concluem<br />

em menor número o ensino médio <strong>por</strong> ten -<br />

tarem conciliar trabalho e estudo. No ensino<br />

su pe rior, as mulheres são maioria tanto nos cursos<br />

de graduação como nos de pós-graduação. Mas as<br />

mulheres, observa Marlise Matos, procuram mais<br />

cursos vinculados ao papel de cuidadora. Entre os<br />

dez maiores cursos <strong>por</strong> número de matrícula no ano<br />

de 2005, as áreas com os maiores percentuais de<br />

matrícula do sexo feminino foram: Pedagogia<br />

(91,3%), Letras (80%) e Enfermagem (82,9%). Já<br />

os cursos com os maiores percentuais de matrícula<br />

do sexo masculino foram: Engenharia (79,7%) e<br />

Ciência da Computação (81,2%).<br />

Se mulheres e homens têm inserção diferen cia -<br />

da no mercado de trabalho e tratamento desigual,<br />

seguramente os efeitos de uma crise econômica<br />

como a que está em curso, vai atingir também de<br />

forma distinta homens e mulheres. As pesquisas<br />

apontadas neste texto comprovam isto, mais ainda,<br />

que há uma urgência de que mulheres e homens tenham<br />

tratamento igualitário e sejam valorizados em<br />

suas competências para que a sociedade se transforme<br />

para o bem da humanidade.f<br />

Economista Mário Rodarte: mulheres respondem <strong>por</strong> 53,1% da mão de<br />

obra formal na região metropolitana de Belo Horizonte.<br />

10 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong><br />

Arquivo


[ Mulher e sindicalismo ]<br />

Profissão doméstica<br />

<strong>por</strong> Débora Junqueira<br />

Maria Ilma, presidente do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas em Minas Gerais, enfrenta os desafios de organizar a categoria.<br />

Dos 6,7 milhões de trabalhadores domésticos<br />

no Brasil, apenas 6,2% são homens, ou seja, é uma<br />

área predominantemente de mulheres, que em geral<br />

são negras e com baixo nível de escolaridade. Os<br />

dados da Pesquisa Nacional <strong>por</strong> Domicílio (PNAD)<br />

de 2007, também revelam que houve um aumento<br />

do registro em carteira entre os trabalhadores<br />

domésticos de 16 a 59 anos no Brasil, de 5,5% em<br />

relação a 2005. A estimativa é de que 27% das<br />

domés ticas estejam no mercado formal, <strong>por</strong>tanto, à<br />

margem dos direitos trabalhistas básicos.<br />

Vítimas das desigualdades sociais, são mulheres<br />

oriundas de famílias pobres urbanas e rurais que,<br />

normalmente, não t<strong>ive</strong>ram acesso à educação, o que<br />

torna peculiar a profissão doméstica, ainda vista<br />

como um resquício da escravidão; uma categoria<br />

ligada a três fatores históricos de discriminação:<br />

gênero, classe e raça. É a maior categoria profis -<br />

sional feminina e negra no mundo do trabalho.<br />

As trabalhadoras domésticas são vítimas de extensas<br />

jornadas, assédio moral e sexual, maustratos,<br />

baixos salários e outros problemas, com um<br />

agravante: a proximidade muito maior da trabalhadora<br />

com os empregadores, v<strong>ive</strong>nciando os conflitos<br />

do ambiente familiar . Segundo o Estudo do<br />

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),<br />

23% das crianças e adolescentes de 10 a 14 anos<br />

empregadas no trabalho doméstico desempenham<br />

jornadas acima de 48 horas semanais. Número que<br />

sobe para 30% na faixa dos 15 aos 17 anos. Estimase<br />

que 500 mil crianças e adolescentes brasileiros<br />

entre 5 e 17 anos estão no trabalho doméstico.<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 11<br />

Débora Junqueira


A tese de doutorado apresentada pelo sociólogo<br />

Joaze Bernardino-Costa, em março de 2007, no<br />

Departamento de Sociologia da Un<strong>ive</strong>rsidade de<br />

Brasília (UnB), defende que o Brasil deve rever sua<br />

posição frente às trabalhadoras. Seu estudo,<br />

Sindicatos das trabalhadoras domésticas no<br />

Brasil: teorias de descolonização e saberes<br />

subalternos, mostra que após 70 anos de história de<br />

organização política, esse público continua privado,<br />

<strong>por</strong> exemplo, da regulamentação da jornada de trabalho<br />

e do Fundo de Garantia <strong>por</strong> T empo de Serviço<br />

(FGTS), que hoje é facultativo e depende da boa<br />

vontade do empregador.<br />

Para se ter uma ideia, decorreram-se 36 anos<br />

entre as primeiras reivindicações e a concretização<br />

dos direitos básicos, contados a partir do início do<br />

mo vi men to político até o reconhecimento das trabalhadoras<br />

domésticas como categoria profissional. Os<br />

pontos de referência são o surgimento da Associa ção<br />

Profis sional das Empregadas Domés ticas de Santos,<br />

em 1936, e a aprovação da legislação, em 1972.<br />

Nesse ano, <strong>elas</strong> conquistaram <strong>por</strong> lei o direito a 20<br />

dias de férias <strong>por</strong> ano, carteira assinada e o direito à<br />

Previdência Social. Depois disso, a Constituição de<br />

1988 garantiu às domésticas direito ao salário<br />

mínimo, ao 13º salário, aviso prévio e descanso<br />

semanal aos domingos. Esse longo intervalo contrasta<br />

com o surgimento da legislação trabalhista no<br />

governo Getúlio V argas, quando foi instituída a<br />

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943,<br />

que exclui as trabalhadoras domésticas.<br />

O viés excludente revela-se inclus<strong>ive</strong> na Constituição<br />

Federal de 1988, quando a categoria é<br />

mencionada em um parágrafo que restringe ao<br />

grupo apenas nove dos 34 preceitos do capítulo<br />

sobre Direitos Sociais. De acordo com a Carta Maior,<br />

<strong>elas</strong> não têm relação de emprego protegida contra<br />

demissão arbitrária, piso salarial pro<strong>por</strong>cional à extensão<br />

e à complexidade do trabalho, nem carga<br />

horária regulamentada, conforme dados da pesquisa<br />

divulgada no site da UnB, disponível em:<br />

http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/a<br />

rquivo.php?codArquivo=3909.<br />

Em 2006, uma lei deu direito à estabilidade no<br />

[ Mulher e sindicalismo ]<br />

emprego em caso de gestantes, folgas nos feriados,<br />

aumentou de 20 para 30 dias o período de férias e<br />

impediu o empregador de descontar despesas com<br />

alimentação e moradia do salário das trabalhadoras.<br />

Atualmente, como tentativa de diminuir o impacto<br />

dos direitos das domésticas para o bolso dos patrões,<br />

a contribuição previdenciária pode ser abatida<br />

pelo empregador na declaração completa do Impos -<br />

to de Renda. A medida também visa comba ter a informalidade.<br />

Desafio sindical<br />

A maioria dos sindicatos de trabalhadores<br />

domésticos é liderado <strong>por</strong> mulheres. Símbolo da luta<br />

da categoria em Minas Gerais, Maria Ilma Ricardo,<br />

presidente e fundadora do Sindicato das Domésticas<br />

de Belo Horizonte, dá seu testemunho sobre o quanto<br />

é difícil a organização sindical dessa categoria.<br />

A sindicalista conta que sua a vontade de<br />

participar do movimento sindical foi despertada<br />

durante um congresso, em 1976, quando percebeu<br />

que pessoas de outros ramos é que lideravam a<br />

associação de domésticas. A exemplo do movimento<br />

que se iniciava em São Paulo, onde foi criado o pri -<br />

12 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


mei ro sindicato da categoria, a associação foi transformada<br />

em organização sindical, que nos “bons<br />

tempos” chegou a ter 3.000 filiados. Número que,<br />

segundo ela, foi caindo depois que a categoria<br />

obteve alguns direitos.<br />

Dados do IBGE, numa comparação entre a<br />

PNAD de 2006 e 2007, comprovam a percepção de<br />

Maria Ilma: o percentual de trabalhadores domés -<br />

ticos sindicalizados vem diminuindo. Passou de<br />

2,31%, em 2006, para 2,05%, em 2007, ou seja,<br />

138.000 sindicalizados. De qualquer forma, as trabalhadoras<br />

domésticas estão exigindo seus direitos. Só<br />

em 2007, houve no país mais de 45.000 ações trabalhistas<br />

de empregadas domésticas, e de cada 10<br />

ações, <strong>elas</strong> ganham nove, avaliam os especialistas do<br />

site www.domésticalegal.com.br, que presta serviços<br />

para o empregador doméstico.<br />

Preconceito<br />

Como doméstica, Maria Ilma trabalhou 22 anos<br />

na mesma casa em Belo Horizonte. Segundo ela, já<br />

chegou ao emprego se impondo como trabalhadora e<br />

cumprindo bem com os seus deveres. Com o apoio<br />

dos patrões atuava no sindicato, participava de programa<br />

de rádio e de TV , dava ent<strong>revista</strong>s e viajava<br />

muito. Mas, mesmo diante dos patrões, quando algum<br />

repórter perguntava se ela se sentia uma pessoa da<br />

família, retrucava que não e explicava: “O dia que eu<br />

souber que alguma doméstica estudou fora do país,<br />

tem convênio médico particular e motorista, eu posso<br />

até pensar que sim, mas para quem no final de um<br />

dia cansativo de trabalho vai para um quartinho no<br />

fundo da casa, não dá para dizer isso”.<br />

Se <strong>por</strong> um lado as domésticas reclamam das<br />

condições de trabalho, <strong>por</strong> outro, as patroas também<br />

têm as suas insatisfações. A representante comer -<br />

cial Isabela Moreira Pena diz que já desistiu de ter<br />

uma empregada regular e, agora que o filho cresceu,<br />

conta somente com uma diarista. “Já passei <strong>por</strong><br />

vários problemas com <strong>elas</strong>, como furtos, falta de<br />

higiene, não comparecimento sem qualquer aviso, o<br />

que nos deixa em dificuldade quando temos que sair<br />

para trabalhar”, conta. Segundo ela, as domésticas<br />

são im<strong>por</strong>tantes para que as mulheres possam<br />

exercer as suas funções no mercado de trabalho,<br />

mas a própria falta de profissionalismo d<strong>elas</strong> as<br />

colocam numa posição desfavorável. “O mais difícil<br />

de conseguir uma boa profissional, mesmo pagando<br />

mais, é que muitas têm preconceito de trabalhar em<br />

casa de família”, diz.<br />

A sindicalista Maria Ilma concorda que as próprias<br />

trabalhadoras têm preconceito da profissão,<br />

mas explica que isso ocorre em função do não reconhecimento<br />

da sociedade. “Falta às domésticas se<br />

profissionalizarem mais, papel que o sindicato,<br />

mesmo com todas as dificuldades, sempre tentou<br />

desempenhar”, afirma. Aos 69 anos, Maria Ilma<br />

continua à frente do Sindicato das T rabalhadoras<br />

Domésticas, que se sustenta apenas com a realiza -<br />

ção de eventos organizados com a colabo ra ção de<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 13


várias pessoas. Atualmente, a sede da entidade,<br />

cedida pela Prefeitura de Belo Horizonte, fica no<br />

Bairro Santa Tereza, em uma casa velha e precária<br />

que é dividida com outros movimentos populares.<br />

Em depoimento ao jornal Fêmea (n. 143/2005),<br />

do Centro Feminista de Estudos e Assessoria<br />

(Cfêmea), a presidente da Federação Nacional das<br />

Tra balhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza<br />

Maria Ol<strong>ive</strong>ira, definiu bem o desafio da profissão de<br />

do méstica e o que está no pano de fundo da socie -<br />

da de em relação a esse trabalho. “Mudar a menta -<br />

lidade da sociedade não é brincadeira, existe ainda<br />

muito machismo, racismo e visão capitalista e é<br />

assim que olham para o trabalho doméstico. Racis -<br />

mo <strong>por</strong>que ainda acham que só a mulher negra deve<br />

fazer esse trabalho; machista, pois pensam que só<br />

mulher pode fazer trabalho doméstico. Hoje isso já<br />

mudou muito, mas os próprios homens ainda são<br />

julgados de forma preconceituosa e como se fossem<br />

afeminados; e capitalista, <strong>por</strong>que o trabalho domés -<br />

tico não gera lucro para o patrão e assim não é<br />

considerado trabalho”. f<br />

Ilustrações de Miguel Paiva<br />

Cartilha Direitos das Mulheres - Empregada Doméstica - IDAC - 1986<br />

[ Mulher e sindicalismo ]<br />

Principais lutas do<br />

movimento das domésticas<br />

1936 - Fundação da Associação Profissional<br />

das Empr egadas Domésticas da<br />

cidade de Santos (SP) <strong>por</strong> Laudelina de<br />

Campos Melo. A categoria se organiza para<br />

ex<strong>por</strong> as maz<strong>elas</strong> de uma vida pri vada do<br />

mundo político.<br />

1950 - O grupo se fortalece a partir da<br />

relação com o Teatro Experimental do<br />

Negro e com a Juventude Operária Católica<br />

(JOC). Esta última foi fundamental par a<br />

que fossem criadas associações em m unicípios<br />

de diferentes regiões: Recife, João<br />

Pessoa, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de<br />

Janeiro, Piracicaba, São Paulo etc.<br />

1968 - A classe começa a or ganizar<br />

congressos nacionais, a cada quatro anos,<br />

nos quais se sobr essaem algumas militantes:<br />

Laudelina de Campos Melo, Lenira<br />

Carvalho, do Recife; Maria Odete Conceição<br />

e Anazir de Ol<strong>ive</strong>ira (Zica), do Rio de<br />

Janeiro; Eva Cardoso, do Rio Grande do Sul;<br />

entre outras.<br />

1988 - Com os ares da redemocratização,<br />

em 1980, elaboram uma pauta de direitos<br />

par a a Constituinte e apr esentam<br />

suas propostas em d<strong>ive</strong>rsas campanhas e<br />

viagens a Br asília (DF). É também nessa<br />

época que, além de incor<strong>por</strong> ar uma luta<br />

<strong>por</strong> direitos trabalhistas, envolvem-se com<br />

a agenda política do mo vimento negro e<br />

das feministas. Nesta fase do mo vimento<br />

político das tr abalhadoras domésticas,<br />

destacam-se Ana Semião, do sindicato de<br />

Campinas, e Creuza Maria de Oli veira, do<br />

sindicato de Salvador.<br />

1997 - criada a Federação Nacional das<br />

Trabalhadoras Domésticas. No governo de<br />

Luiz Inácio Lula da Silv a, as trabalhadoras<br />

domésticas são con vidadas a inte grar o<br />

Conselho Nacional de Pr omoção da Igualdade<br />

Racial. Em 2005, o Ministério do Trabalho<br />

lançou o programa Trabalho Doméstico<br />

Cidadão, voltado à qualificação social e<br />

profissional da categoria.<br />

Fonte: UnB<br />

14 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


Ercília Nogueira Cobra (1891-1938) foi uma<br />

escri to ra que provocou polêmicas entre seus con tem -<br />

<strong>por</strong>âneos. Em 1922, ano da Semana de Arte Moderna,<br />

ela lançou seu primeiro livro, o romance Virgindade<br />

inútil – novela de uma revoltada, no qual propôs um<br />

debate sobre a exploração sexual da mulher. Anos mais<br />

tarde, publicaria outras duas obras: Virgindade an -<br />

ti-higiênica – preconceitos e conven ções hipó cri -<br />

tas e Virgindade inútil e anti-higiênica. Por conta<br />

desses lançamentos – e, é claro, do conser va dorismo<br />

da época – chegou a ser presa e taxada de <strong>por</strong>nográfica.<br />

Sua vida e produção artística e a de outras escritoras<br />

feministas, como a de Nísia Floresta Brasileira<br />

Augusta, são, muitas das vezes, abandonadas no<br />

<strong>por</strong>ão da história literária brasileira. Por isso mesmo,<br />

passam ao largo do público consumidor de literatura.<br />

[ Ent<strong>revista</strong> ]<br />

Letras feministas<br />

<strong>por</strong> Denilson Cajazeiro<br />

Constância Lima Duarte, especialista em literatura e feminismo: “quando as mulheres começaram a escrever, <strong>elas</strong> enfrentaram muita resistência, não foi fácil”<br />

Mas qual o motivo desse abandono? Para Constância<br />

Lima Duarte, doutora em Literatura Brasileira pela USP<br />

e professora da Faculdade de Letras da UFMG, a<br />

resposta está no preconceito. “Porque quem escreve<br />

a história é o olhar masculino, e ele alijou-as, deixouas<br />

de lado. Alguém reúne os autores de seu tempo e<br />

não põe nenhuma mulher, outro vai e também não põe<br />

nenhuma mulher . Então suas obras morrem<br />

praticamente nas primeiras edições”, opina a<br />

professora, em ent<strong>revista</strong> à Revista <strong>Elas</strong> <strong>por</strong> <strong>Elas</strong> .<br />

Uma das maiores pesquisadoras e especialistas em<br />

literatura e feminismo, Constância é autora de d<strong>ive</strong>rsas<br />

obras sobre literatura de autoria feminina. Organizou<br />

os livros Mulheres em Letras: antologia das escritoras<br />

mineiras e Dicionário de escritoras<br />

<strong>por</strong>tuguesas, ambos lançados pela Editora Mulheres,<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 15<br />

Mark Florest


entre vários outros. Sua mais nova empreitada, ainda<br />

em fase de pesquisa, é a elaboração de um dicionário<br />

ilustrado do periodismo feminino no Brasil. A<br />

pesquisadora já recolheu 340 títulos de várias regiões<br />

do país. A ideia é catalogar jornais, boletins, <strong>revista</strong>s<br />

e demais publicações voltadas para as mulheres,<br />

desde o século XIX até os dias de hoje. Uma contribuição<br />

não só para a história do jornalismo, mas<br />

também para a do feminismo brasileiro.<br />

A sra. escreveu um artigo no qual faz uma<br />

divisão do movimento feminista brasileiro em<br />

quatro períodos (em torno dos anos 1830, 1870,<br />

1920 e 1970). Quais são os diálogos estabele ci -<br />

dos entre feminismo e literatura de autoria<br />

feminina nesses períodos?<br />

Esse texto que você menciona é fruto de uma<br />

pesquisa, ainda em processo, que busca exatamente<br />

a resposta dessa pergunta. Ela está me mostrando uma<br />

coisa muito interessante: que as ideias feministas e a<br />

literatura de autoria feminina surgiram na mesma<br />

época. A condição feminina, não im<strong>por</strong>ta a classe social<br />

da mulher, era de tal forma rebaixada, submetida, que,<br />

quando as primeiras mulheres conseguem sair dessa<br />

condição e refletir , <strong>elas</strong> refletem sobre a condição<br />

feminina. Então os primeiros textos de autoria<br />

feminina são também feministas, compreende? Eu<br />

estou vendo o feminismo num sentido muito mais amplo.<br />

Penso-o como uma reflexão em torno da condição<br />

feminina, que vê possibilidades de mudanças dessa<br />

condição.<br />

Havia alguma participação de mulheres nos<br />

círculos literários antes do século 19?<br />

No Brasil não. Estávamos atrasados uns duzentos<br />

a trezentos anos em relação à Europa. Há informações<br />

de escritoras na Europa desde o século 15. Em plena<br />

Revolução Francesa, houve mulheres que foram<br />

degoladas <strong>por</strong>que falaram de seus direitos. No Brasil,<br />

para se ter uma ideia, a primeira lei autorizando as mulheres<br />

a aprenderem a ler é de 1827. A história intelectual<br />

da mulher brasileira é muito recente <strong>por</strong> isso.<br />

É pouco tempo. No século 17, enquanto os jovens da<br />

elite iam estudar em Paris, Lisboa, Coimbra, já que aqui<br />

[ Ent<strong>revista</strong> ]<br />

não havia un<strong>ive</strong>rsidades, as meninas ficavam no<br />

borralho, no canto. A literatura brasileira existia<br />

desde o século 17. Já a de autoria feminina vai surgir<br />

depois de 1800, quando as primeiras mulheres têm<br />

acesso à escrita. Com isso <strong>elas</strong> passam a ter acesso à<br />

leitura, e ela leva à reflexão.<br />

É possível falarmos em características<br />

comuns dessa literatura? São de fato textos<br />

literários transgressores de uma hegemonia<br />

patriarcal?<br />

Sim, a maioria. Mas não posso generalizar .<br />

Quando as mulheres começaram a escrever, <strong>elas</strong> enfrentaram<br />

muita resistência, não foi fácil. Ninguém<br />

bateu palmas quando as primeiras começaram a escrever.<br />

Pelo contrário, havia muito preconceito. Era<br />

muito comum as primeiras escritoras escreverem com<br />

pseudônimos, masculinos inclus<strong>ive</strong>. Isso até o começo<br />

do século 20. Havia uma intimidação. Publicar é<br />

tornar pública sua pessoa, suas ideias. Isso inibia, a<br />

família era contra muitas vezes. Se t<strong>ive</strong>sse marido, nem<br />

pensar. Eram transgressoras no sentido de denúncia,<br />

de colocar uma personagem transgressora, quase um<br />

alter ego. Rachel de Queiroz, <strong>por</strong> exemplo, assina com<br />

pseudônimo. A família era totalmente contra. Ela era<br />

parente de José de Alencar, então havia na família uma<br />

tradição literária, mas era masculina. As primeiras<br />

personagens dela são mulheres ousadas, que não<br />

queriam se casar , pois sabiam que o casamento<br />

significava colocá-las numa condição inferior.<br />

Quais escritoras foram precursoras de uma<br />

literatura feminista no Brasil?<br />

Existiram muitas. V ou falar da primeira: Nísia<br />

Floresta Brasileira Augusta, norte-rio-grandense que<br />

morou em Recife, Porto Alegre, Rio de Janeiro,<br />

depois foi para a Europa e lá morreu. Ela é a primeira<br />

mulher brasileira a falar sobre direito das mulheres.<br />

Em 1832, com 22 anos, publicou um livro chamado<br />

Direitos das mulheres e injustiça dos homens; injustiça<br />

dos homens em não reconhecer os direitos das<br />

mulheres, é claro. Esse livro mostra que ela estava a<br />

par das ideias mais avançadas que circulavam na<br />

Europa em seu tempo em relação aos direitos das mu-<br />

16 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


lheres. Só que ela faz uma adaptação. Enquanto as mulheres<br />

europeias estavam pleiteando um novo estudo,<br />

un<strong>ive</strong>rsidades, ela pede que as mulheres [do Brasil]<br />

sejam alfabetizadas. Quando aqui surge a lei<br />

autorizando a abrir escolas para meninas, em 1827,<br />

Nísia Floresta já sabia inglês, francês, italiano. É autora<br />

de quinze livros, entre literatura e ensaios. Em 1832,<br />

ela diz que a mulher é tão capaz quanto o homem de<br />

governar um país, um estado, de dirigir um exército.<br />

São ideias avançadas até hoje. Nós ainda v<strong>ive</strong>mos um<br />

momento de pioneiras. A gente fala: “a primeira mulher<br />

a alcançar um posto no exército, na aeronáutica”.<br />

É espantoso, percebe? Temos a primeira promotora,<br />

a primeira juíza, sempre tem a primeira, ainda. Minas<br />

não teve uma governadora. É um espanto!<br />

E <strong>por</strong> que é difícil vermos autoras como<br />

Nísia Floresta figurarem em um livro de história<br />

da literatura brasileira?<br />

Porque quem escreve a história é o olhar<br />

masculino, e ele alijou essas autoras, deixando-as de<br />

lado. Como se faz o cânone? É a partir da repetição.<br />

O cânone – essa palavra tomada da religião, o canônico<br />

– é o modelar, considerado o modelo para as gerações<br />

posteriores. Isso é o cânone, e simplesmente ele é<br />

formado a partir de antologias. Alguém reúne os<br />

autores de seu tempo e não põe nenhuma mulher, outro<br />

vai e também não põe nenhuma mulher. Então suas<br />

obras morrem praticamente nas primeiras edições. O<br />

movimento de letras nacional ou regional não dá o<br />

destaque que [essas escritoras] mereciam; não há<br />

isenção.<br />

Quando as mulheres começam a conquistar<br />

um espaço permanente na literatura? Isso<br />

acontece em algum momento da história literária<br />

brasileira?<br />

A partir dos anos 1930 aparece uma série de escritoras<br />

que vai ser impossível negar a realidade, fingir<br />

que não está vendo. É o momento de Rachel de<br />

Queiroz, Patrícia Galvão [Pagu], Henriquieta Lisboa,<br />

Cecília Meirelles, Eneida [de Moraes] e inúmeras escritoras<br />

que surgem e se impõem no espaço das letras.<br />

Há um depoimento do Graciliano Ramos que é<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 17<br />

Reprodução


sintomático. Ele diz que quando ele leu O Quinze<br />

(Rachel de Queiroz), de 1930, não acreditou que teria<br />

sido escrito <strong>por</strong> uma mulher. Ele disse, de tão bom<br />

que era: “isso aqui é um pseudônimo de algum<br />

barbado. Nenhuma mulher escreveria assim”. Logo<br />

depois, em 1931, ela lança o segundo, João Miguel,<br />

com a mesma temática, isto é, a denúncia<br />

contundente da realidade do Nordeste. Aí Graciliano<br />

viu a fotografia dela. Era tão forte o preconceito dentro<br />

dele, de que mulher não poderia escrever coisa<br />

boa, que, mesmo vendo a foto de Rachel de Queiroz,<br />

não acreditou que ela existisse. Ele disse isso, que<br />

demorou um bom tempo para ver que estava errado.<br />

A sra. destacaria algum romance que seja representativo<br />

dessa literatura feminista?<br />

Um dessa época é o da Patrícia Galvão. Ela publicou<br />

um romance fantástico chamado Parque industrial<br />

(1933). A narrativa destaca, entre os<br />

operários, a vida de uma operária, uma mocinha pobre,<br />

semianalfabeta, da periferia de São Paulo, que<br />

precisa trabalhar e é seduzida pelo patrão e estuprada<br />

pelo rapazinho boa-pinta que promete casamento. Ela<br />

mostra nesse romance uma série de situações das mulheres<br />

da época que se expunham ao trabalho. Além<br />

de serem exploradas pelo trabalho, como operárias,<br />

eram também exploradas <strong>por</strong> serem mulheres. Há a<br />

questão da violência sexual, do aborto, uma série de<br />

problemas do gênero feminino. Então há uma questão<br />

de classe, mas de gênero também.<br />

A sra. diz que apenas em meados do século<br />

19 é que começaram a surgir os primeiros<br />

jornais dirigidos <strong>por</strong> mulheres. Como eram<br />

esses jornais?<br />

Os primeiros donos de jornais no Brasil eram estrangeiros,<br />

principalmente franceses e ingleses. Em<br />

1827, um francês, em São João Del Rei, abriu um<br />

jornal chamado O Mentor das Brasileiras . Em<br />

Recife, outro francês, que era dono de um grande<br />

jornal da cidade, abriu O Espelho das Brasileiras.<br />

Mas o primeiro jornal que se tem notícia voltado para<br />

o público feminino e dirigido <strong>por</strong> uma mulher foi o<br />

Jornal das Senhoras, de 1852, no Rio de Janeiro. É<br />

[ Ent<strong>revista</strong> ]<br />

a partir desse último que começaram a pipocar outros<br />

tantos.<br />

Como foi a recepção desses jornais? Houve<br />

muita reação <strong>por</strong> parte dos críticos?<br />

Provavelmente. Eu não tenho muitos registros<br />

da recepção. O que eu tenho é recepção positiva. Por<br />

exemplo, em 1873, em Campanha das Princesas, em<br />

Minas Gerais – hoje é só Campanha–, uma mineira,<br />

chamada Francisca Senhoria da Paula Diniz, abriu um<br />

jornal chamado Sexo Feminino , bárbaro,<br />

contundente, interessantíssimo! T inha oitocentos<br />

assinantes na cidade. Esse jornal só funcionava com<br />

assinatura. Eu fico imaginando: o que era Campanha<br />

nos anos de 1870? Depois ela vai para o Rio de Janeiro,<br />

e o jornal dobra o número de assinantes. Ela diz isso<br />

no editorial da primeira edição no Rio de Janeiro, em<br />

1875. Dom Pedro e Princesa Isabel eram assinantes.<br />

Veja, se você vai estudar a história da imprensa no<br />

Brasil, com Werneck Sodré ou qualquer outro, isso<br />

não existe. Por causa do cânone. Ele [Werneck] registra<br />

jornais de dois anos, de um ano, de cinco<br />

números, mas não registra o que durou vinte anos.<br />

Podemos falar em de literatura de autoria<br />

feminina? Ou isso não faz muito sentido, pois<br />

literatura é literatura, independentemente de<br />

sexo? Quero dizer o seguinte: existe uma voz<br />

especificamente feminina?<br />

Quem tem sexo não é a literatura, é quem escreve.<br />

É como se a literatura est<strong>ive</strong>sse acima das classes<br />

sociais, dos gêneros, das etnias. Isso é uma falácia;<br />

<strong>por</strong>que a literatura está dentro do seu tempo. Ela tem<br />

uma autoria. Isso é minha opinião. Há um olhar, uma<br />

perspectiva. Então a tentativa de negar a existência<br />

de uma literatura feminina é <strong>por</strong>que a outra literatura,<br />

a masculina, que sempre existiu, virou “a” literatura,<br />

sem questionamentos, sem adjetivação. Percebe?<br />

Mas existe uma voz especificamente femi -<br />

nina?<br />

Existe. É minha opinião, existe. Não estou<br />

dizendo que toda a literatura de autoria feminina tenha<br />

esse olhar, essa apropriação.<br />

18 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


E essa voz não é necessariamente femi -<br />

nis ta...<br />

Não, claro que não. Eu costumo dizer para as minhas<br />

alunas que a grande vitória do feminismo foi ter<br />

tornado normal o que era absurdo, como estudar, casar<br />

e ter filhos se quiser, separar. Isso, que é absolutamente<br />

normal hoje, era absurdo, sonho, utópico há sessenta,<br />

cem anos. A derrota, a meu ver, foi não ter conseguido<br />

uma divulgação maior da sua história. O feminismo permitiu<br />

que as ideias contra engessassem a palavra dentro<br />

de uma camisa de força com o significado de mulher<br />

mal-amada, sapatão, feia... O feminismo foi fraco,<br />

perdeu essa batalha.<br />

E hoje, como está a situação na opinião da<br />

sra.?<br />

Olha, se duvidar , ainda está perdendo. Para<br />

começar, parece uma coisa antiga eu falar uma coisa<br />

dessas... <strong>Elas</strong> [as mulheres] não percebem a<br />

contem<strong>por</strong>aneidade da luta. Quer ver um nicho patriarcal<br />

que vigora ainda hoje? A violência contra as<br />

mulheres. É uma coisa absurda. O que existe de mulheres<br />

sendo espancadas e mortas diariamente <strong>por</strong>que<br />

querem sair do casamento ou terminar o namoro,<br />

<strong>por</strong>que decidem v<strong>ive</strong>r a vida... Na cabeça [do homem]<br />

a mulher é um objeto de posse: se não é minha, morre.<br />

Até pouquíssimo tempo, a legítima defesa da honra era<br />

um argumento usado <strong>por</strong> advogados para tirarem<br />

muitos homens da cadeia. A minha honra não está em<br />

mim, está em você. Você [a mulher] é tão meu objeto,<br />

tão coisa minha, que há um deslocamento da honra.<br />

Se você agiu mal, fica mal para mim, <strong>por</strong> isso eu te<br />

mato. Então hoje, é preciso redimensionar. É inegável<br />

a conquista. Daqui a pouco vamos ter uma<br />

governadora, e isso vai ser normal, assim como temos<br />

escritoras. Mas acho que falta esse conhecimento da<br />

história. Chegamos até aqui <strong>por</strong>que houve uma luta <strong>por</strong><br />

trás. O voto não veio de mão beijada, foi uma<br />

conquista. E isso não é dito.<br />

Nas últimas décadas, t<strong>ive</strong>mos mudanças<br />

em relação a esse assunto, como a consolidação<br />

de organizações feministas, a crescente inserção<br />

da mulher no mundo do trabalho, uma maior<br />

Nísia Floresta<br />

liberdade sexual. Essas transformações podem<br />

ter também gerado mudanças no imaginário<br />

coletivo, de forma a trazer implicações para a<br />

construção artístico-literária?<br />

Acho que sim, você tem razão. Só que é muito<br />

lento, muito devagar . T em uma frase da V irginia<br />

Woolf, não é literal, mas a ideia é esta: é mais fácil<br />

mudar o real do que o imaginário. Ou seja, é mais fácil<br />

mudar a realidade do que o cultural. É aquele negócio,<br />

o rapaz trabalha com uma mulher , mas mata a<br />

namoradinha que quer se separar dele. Lá dentro, ele<br />

tem uma coisa de duzentos anos na cabeça dele, o<br />

cultural. É um resquício. Eu falo que são nichos patriarcais,<br />

resquícios muito fortes, que desvalorizam a<br />

mulher, depreciam-na.f<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 19<br />

Reprodução


[ Violência doméstica ]<br />

Iniciativas promovem avanços na<br />

implementação da Lei Maria da Penha<br />

<strong>por</strong> Cecília Alvim<br />

Após três anos em vigor, a Lei Maria da Penha sofre ameaças em sua execução<br />

Um sopro de dignidade e esperança vem do<br />

Nordeste do Brasil. É apitando que as mulheres da<br />

comunidade de Córrego do Euclides, na periferia de<br />

Recife, resistem à violência doméstica, contestando,<br />

com coragem, a cultura de que “em briga de marido<br />

e mulher, ninguém mete a colher”.<br />

Quando uma d<strong>elas</strong> percebe que a vizinha está<br />

sendo agredida, sopra o apito para chamar a atenção<br />

da vizinhança e da polícia, de forma a constranger o<br />

agressor. Essa experiência deu tão certo que até a<br />

Organização das Nações Unidas (ONU) assumiu o<br />

“apitaço” como uma política de enfrentamento à<br />

violência contra a mulher.<br />

Outra iniciativa de destaque no combate à vio -<br />

lência já está em funcionamento em Belo Hori zonte.<br />

Foi inaugurado, no dia 5 de junho de <strong>2009</strong>, o Centro<br />

Integrado de Atendimento à Mulher Vítima de V io -<br />

lên cia Doméstica e Familiar (CIM). O novo espaço<br />

abriga duas varas judiciais com competência exclusiva<br />

para julgar os casos previstos na Lei Maria<br />

da Penha. O CIM recebe a colaboração de represen -<br />

tantes do Ministério Público, da Defensoria Pública,<br />

Delegacia de Mulheres, Posto do Instituto Médico<br />

Legal (IML), Polícia Militar e da Coorde na doria<br />

Especial de Promoção e Defesa da Mulher , que<br />

presta atendimento psicológico às mulheres agre -<br />

didas.<br />

Para a desembargadora do Tribunal de Justiça<br />

de Minas Gerais, Teresa Cristina da Cunha Peixoto,<br />

o CIM surgiu a partir da parceria entre essas instituições,<br />

que são essenciais para a efetivação da lei.<br />

“Aqui será prestado um serviço de melhor<br />

qualidade. A mulher mineira, a partir de agora, vai<br />

deixar de ser vítima e passa a ser protagonista de<br />

20 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong><br />

Cecília Alvim


sua própria vida”, destacou.<br />

Presente à inauguração, a ministra-chefe da Secretaria<br />

Especial de Políticas para as Mulheres,<br />

Nilcéa Freire, afirmou que no CIM a mulher pode<br />

requerer da autoridade policial a busca e apreensão<br />

de armas no domicílio, medidas protetivas ao juiz, e<br />

outros encaminhamentos para ter sua demanda<br />

plenamente atendida. “Nesse espaço integrado, a<br />

solução vai ser imediata. Antes dessa conquista,<br />

muitas mulheres foram mortas e agredidas <strong>por</strong> seus<br />

companheiros, pois não t<strong>ive</strong>ram a mesma sorte de<br />

mulheres que virão a esse serviço”.<br />

O CIM é o primeiro centro do país a reunir<br />

todos os serviços de apoio às mulheres vítimas de<br />

violência. De acordo com a coordenadora especial<br />

de Políticas Públicas para Mulheres, V irgília Rosa,<br />

até o fim do ano serão inaugurados mais sete centros<br />

como esse em todo o estado. Para a delegada<br />

titular da Delegacia de Mulheres, Silvana Fiorillo, a<br />

grande vantagem dessa iniciativa vai ser a<br />

celeridade do atendimento, pois todos os serviços<br />

necessários estão no mesmo espaço, reduzindo o<br />

desgaste dos deslocamentos. “A mulher desistia,<br />

desanimava. O homem vai ser intimado mais rápido,<br />

e a mulher vai ser conduzida às medidas protetivas”,<br />

esclareceu a delegada.<br />

Na ocasião, a ministra Nilcéa Freire, informou<br />

que outra iniciativa de atendimento à mulher , o<br />

Ligue 180, recebeu, até maio de <strong>2009</strong>, cerca de 240<br />

mil chamadas. “Esse número expressivo é fruto da<br />

existência de serviços e campanhas, e do fato das<br />

mulheres hoje se encorajarem a buscar ajuda,<br />

<strong>por</strong>que sabem que terão o respaldo do Estado<br />

brasileiro”.<br />

Mulheres vão à Justiça<br />

pedir aplicação da Lei<br />

Se <strong>por</strong> um lado iniciativas positivas podem ser<br />

comemoradas, <strong>por</strong> outro, a própria Justiça pode<br />

tornar inócua a Lei Maria da Penha. Após três anos<br />

em vigor, a Lei sofre ameaças em sua execução. “A<br />

justiça criminal brasileira vem ignorando o texto ex-<br />

presso na legislação ao exigir a representação da<br />

vítima em processos judiciais onde estão expressas<br />

as violações aos direitos à privacidade e à integridade<br />

das vítimas, dentre outros direitos”,<br />

denuncia a Articulação de Mulheres Brasileiras<br />

(AMB). A entidade está coletando assinaturas para<br />

uma petição que deve ser entregue aos ministros do<br />

Supremo T ribunal Federal (STF) e Superior<br />

Tribunal de Justiça (STJ).<br />

O texto denuncia o que considera “um gesto de<br />

tolerância aos crimes de violência doméstica e uma<br />

enorme resistência na aplicação da Lei, que visa<br />

combater o machismo da sociedade brasileira”. O<br />

documento pede que os dois tribunais, ao julgar os<br />

processos a eles encaminhados, “manifeste-se pela<br />

afirmação da natureza incondicionada da ação penal<br />

dos crimes de lesão cor<strong>por</strong>al qualificada pela<br />

violência doméstica, afirmando o direito das mulheres<br />

v<strong>ive</strong>rem livres de violência”.<br />

Para a entidade, a exigência da representação<br />

da vítima em processos judiciais desvirtua os<br />

propósitos da nova Lei, que leva em conta os<br />

motivos pelos quais as mulheres são obrigadas a<br />

“retirar” a queixa: medo de novas agressões, falta de<br />

apoio social, dependência econômica, descrédito na<br />

Justiça, entre muitos outros. Para assinar a petição,<br />

acesse: http://gopetition.com/online/28830.html.<br />

“Ele chegava embriagado, batia,<br />

maltratava, dizia palavrões. Só que<br />

na quela época não tínhamos o apoio<br />

de hoje. Se t<strong>ive</strong>sse, ele só faria uma<br />

vez e não faria mais.”<br />

Maria do C armo Mota, mor adora de Cór rego do E uclides<br />

“As marcas da violência cravam a<br />

alma e marcam o físico das mulheres.”<br />

Teresa Cristina da Cunha Peixoto, desembargadora do<br />

Tribunal de Justiça de Minas Gerais<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 21


“O Conselho Nacional de Justiça<br />

definiu que a efetividade da Lei Maria<br />

da Penha deve ser de uma política judiciária<br />

nacional, <strong>por</strong>que diz respeito<br />

ao interesse de toda a sociedade”.<br />

Andréa Pachá Rocha, tit ular do C onselho Nacional de<br />

Justiça (CNJ).<br />

Mais de 32 mil homens se engajam<br />

pelo fim da violência a contra mulher<br />

Segundo a Or ganização Mundial da<br />

Saúde (OMS), em todo o m undo, quase<br />

metade das m ulheres assassinadas são<br />

vítimas do marido ou namor ado, atual ou<br />

ex. Em alguns países, até 69% das mulheres<br />

relatam terem sido agredidas fisicamente, e<br />

47% declar am que sua primeir a r elação<br />

sexual foi forçada. Em P ernambuco,<br />

somente em 2008, 223 m ulheres for am<br />

assassinadas. “Os autores da violência contra<br />

homens são os homens e os autor es da<br />

violência contra mulheres são os homens.<br />

Nosso objeti vo é demonstr ar que ser<br />

homem não é ser violento <strong>por</strong> natureza. Os<br />

homens aprendem essa postura”, explicou<br />

Benedito Medrado, coordenador da Rede de<br />

Homens pela Equidade de Gêner o (Rheg) e<br />

do Instituto Papai. Em 2008, mais de 32 mil<br />

homens assinar am a campanha Homens<br />

Unidos pelo Fim da Violência contra as Mulheres,<br />

pr omovida pela Rede e pelo Instituto.<br />

Conselho Nacional de J ustiça faz<br />

balanço da Lei Maria da Penha<br />

Um balanço do funcionamento das<br />

Fonte: Agência Brasil<br />

[ Violência doméstica ]<br />

Números registram mudanças<br />

“Há uma preocupação da Lei em<br />

tra tar também o agressor . O homem<br />

está vi ven do uma crise de identidade,<br />

precisa ser punido, mas também<br />

apoiado”.<br />

Virgília Rosa, co ordenadora de Políticas Públicas para<br />

as Mulheres<br />

Varas de Violência Doméstica e F amiliar,<br />

apresentado no dia 30 de março pelo<br />

Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indica<br />

que, de julho a no vembro de 2008, o<br />

número de pr ocessos em tr amitação <strong>por</strong><br />

violência doméstica contr a m ulheres<br />

chegou a 150.532. Ao todo , são 41.957<br />

ações penais e 19.803 ações cíveis, além de<br />

19.400 medidas pr otetivas concedidas e<br />

11.175 agressores presos em flagrante.<br />

Pesquisa aponta que 77% dos homens<br />

conhecem a Lei Maria da Penha<br />

O nível de conhecimento da população<br />

sobre a Lei Maria da P enha aumentou 10<br />

pontos per centuais em r elação ao ano<br />

passado. De acor do com uma pesquisa<br />

encomendada pelo Instituto Avon e<br />

realizada pelo Instituto Br asileiro de<br />

Pesquisa de Opinião (Ibope), em 2008, 68%<br />

dos ent<strong>revista</strong>dos sabiam da existência de<br />

uma lei de pr oteção à mulher. Em <strong>2009</strong>, o<br />

percentual subiu par a 78%. O estudo ,<br />

divulgado no dia 14 de a bril, também<br />

aponta que , entr e os homens, 77%<br />

disseram conhecer a no va le gislação,<br />

enquanto 80% das m ulheres afirmar am<br />

saber da existência da lei. f<br />

22 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


[ Artigo ]<br />

Condições de trabalho,<br />

gênero e saúde na educação privada<br />

Maria das Graças de Ol<strong>ive</strong>ira<br />

Uma das características do mundo do trabalho<br />

pós-moderno é o aumento das mulheres como chefes<br />

de família: em 2001, em 96% dos domicílios brasi lei -<br />

ros, a principal responsável p<strong>elas</strong> tarefas domésticas<br />

era uma mulher. Mesmo quando esse trabalho não era<br />

feito pela dona da casa, as outras pessoas a participar<br />

das responsabilidades domésticas também eram mulheres,<br />

em 49% dos casos. Existe um “contrato de casa -<br />

mento” que libera os homens das obrigações domés -<br />

ticas e ocupa as mulheres nas atividades ne ces sárias<br />

ao cotidiano da família (Dedecca, 2004; Sorj, 2004).<br />

Este artigo trata da categoria professores,<br />

profissão que agrega em seus quadros um grande<br />

número de mulheres. Então cabe aqui perguntar:<br />

professoras teriam maiores jornadas de trabalho total<br />

do que os professores? O trabalho da professora teria<br />

as mesmas características tem<strong>por</strong>árias e parcial de<br />

outras profissões? O que se considera como dupla,<br />

tripla jornada? Isso é diferente para o docente<br />

homem? Qual o papel do trabalho em turnos e em<br />

várias escolas nesse processo?<br />

Alvarenga (2008) coloca que apenas ser homem<br />

ou ser mulher não determina o uso de seus tempos<br />

no dia a dia docente, nem os significados a eles<br />

atribuídos. Outras variáveis precisam ser levadas em<br />

conta, tais como socialização de gênero, idade,<br />

estado civil, apoio familiar, apoio institucional, entre<br />

outras. É fundamental que o cotidiano da docência<br />

seja discutido levando-se em consideração que,<br />

muitas vezes, as extensas jornadas de trabalho total<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 23


são decorrentes dos baixos salários.<br />

Dedecca (2004) defende a jornada de trabalho,<br />

com dedicação exclusiva a uma escola, semelhante<br />

ao que acontece nas un<strong>ive</strong>rsidades públicas. Caso<br />

fosse esta uma das soluções para a diminuição da frag -<br />

mentação e intensificação do trabalho, poderiam os<br />

docentes dedicar -se à preparação das aulas, à<br />

elaboração e à correção de atividades, ao plane jamen -<br />

to de projetos, incluindo vários outros aspectos da<br />

prática pedagógica. As professoras da rede particular<br />

de ensino do Estado de Minas Gerais têm apresentado<br />

condições de trabalho e saúde mais adversa do que<br />

seus colegas, até mesmo os da rede pública. Dados<br />

interessantes obtidos a partir de uma pesquisa feita<br />

pelo Sinpro Minas, em parceira com o Ministério do<br />

Trabalho – <strong>por</strong> meio da Fundacentro –, a Federação<br />

Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos<br />

de Ensino (Fitee) e o Sindicato dos Auxiliares em<br />

Administração Escolar (Saae-MG) –, mostram que<br />

essa preocupação tem razão de ser.<br />

Iniciada em 2007, a pesquisa O trabalho e os<br />

agravos à saúde dos professores da rede privada<br />

de ensino de Minas Gerais foi finalizada em<br />

fevereiro de <strong>2009</strong>, após passar p<strong>elas</strong> etapas de<br />

coleta de dados, processamento, análise de resultados<br />

e elaboração de relatórios. O levantamento,<br />

segmentado em quatro grandes blocos – sociodemográfico,<br />

ambiente de tra balho, condições de trabalho<br />

e saúde físico-mental –, produziu um amplo conjunto<br />

de estatísticas e indicadores, abordando aspectos<br />

como a caracterização e a distribuição espacial dos<br />

professores, a renda, a escolaridade, o grau de<br />

satisfação, a frequência dos sintomas, as principais<br />

agressões e ameaças sofri das, entre outros.<br />

De acordo com os dados, em torno de 83% da<br />

categoria acredita que a exigência de cumprimento<br />

de prazos é o principal motivo que torna o ambiente<br />

institucional ameaçador , e a principal causa do<br />

desgaste entre os docentes encontra-se na relação<br />

direta entre professor e aluno, com cerca de 40% das<br />

respostas. Ainda segundo a pesquisa, há uma<br />

associação direta entre o número de alunos em sala<br />

de aula e a possibilidade de o professor apresentar<br />

problemas de saúde, como rouquidão e dores de<br />

[ Artigo ]<br />

cabeça; e um dos maiores motivos de afastamento na<br />

categoria está relacionado a dores nas pernas.<br />

A pesquisa também fez um recorte de gênero e<br />

constatou um quadro pouco favorável para as mulheres.<br />

Em todo o Estado, a renda pessoal média das<br />

professoras é cerca de 30% inferior à dos professores.<br />

Já na região metropolitana, esse cenário de<br />

desigualdade permanece, mas o percentual de<br />

diferença cai para aproximadamente 24%. Os dados<br />

mostram também variáveis referentes à saúde<br />

docente, e os números indicam que as mulheres têm<br />

níveis de saúde mais comprometidos que os homens.<br />

Além disso, o risco de uma professora da região metropolitana<br />

sofrer algum tipo de acidente e/ou doença<br />

do trabalho é cerca de 2,2 vezes maior em relação a<br />

um professor. Essas desigualdades de gênero são<br />

graves e preocupantes.<br />

A diferença apresentada entre a média salarial<br />

de professores e professoras é um dado polêmico, o<br />

que nos leva à reflexão. Isso <strong>por</strong>que na Convenção<br />

Coletiva dos professores do Estado de Minas Gerais<br />

há a exigência de isonomia salarial. Então, como explicar<br />

a diferença apontada pela pesquisa? Pode-se<br />

inferir que isso se deve ao fato de que há diferenças<br />

de salários <strong>por</strong> titulação e há mais homens que mulheres<br />

tituladas atualmente na categoria. As<br />

professoras, além da pressão de seu ambiente de<br />

trabalho, ainda possuem atividades delegadas<br />

socialmente que as remetem não a uma dupla<br />

jornada, mas sim a uma tripla jornada de trabalho, que,<br />

provavelmente, faz com que <strong>elas</strong> tenham uma carga<br />

horária de aulas menor.<br />

Os resultados da pesquisa apontam que a não<br />

valorização e o não reconhecimento do trabalho<br />

docente – expressos genericamente pela percepção<br />

de desrespeito <strong>por</strong> parte dos alunos (e até mesmo da<br />

sociedade); as condições salariais (que não condizem<br />

com a im<strong>por</strong>tância e a responsabilidade social desse<br />

trabalho); a necessidade de ampliação da jornada de<br />

trabalho para recom<strong>por</strong> salário; os aumentos expressivos<br />

do número de alunos em sala de aula; além<br />

da luta permanente <strong>por</strong> manter-se no emprego –, têm<br />

contribuído para a perda de qualidade da saúde dos<br />

professores.<br />

24 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


A busca <strong>por</strong> uma melhor condição financeira e<br />

o<strong>por</strong>tunidade profissional motiva a maioria dos docentes<br />

a terem, pelo menos, um segundo emprego. Isto se<br />

materializa em uma carga horária pesada e estressante<br />

e uma jornada diária que, muitas vezes, supera a oito<br />

horas diárias. Na maioria dos casos, essa jornada não<br />

é suficiente para desenvolver todas as atividades no<br />

ambiente escolar e esse processo é agravado pelo ritmo<br />

de atividade e p<strong>elas</strong> exigências do trabalho que<br />

alcançam níveis indesejáveis. No caso das docentes mulheres<br />

os níveis se agravam ainda mais.<br />

O ambiente e as condições de trabalho podem<br />

gerar muita tensão para os trabalhadores, interferindo<br />

na execução e qualidade de suas atividades profis -<br />

sionais e no aumento de estresse. Alterações nos<br />

ritmos biológicos, horários inadequados de alimen -<br />

tação e falta de programa de trabalho são condições<br />

que aumentam os riscos ocupacionais, refletindo-se<br />

na saúde e desempenho dos docentes.<br />

Existe uma urgente necessidade de implementar<br />

programas de alerta, reeducação e cuidado da saúde<br />

Disbribuição das respostas<br />

dos docentes da rede privada<br />

de ensino, segundo<br />

escolaridade e sexo,<br />

Minas Gerais - 2007/2008.<br />

Dados da pesquisa disponível em www.sinpro<strong>minas</strong>.org.br<br />

junto aos professores e professoras da rede privada<br />

de ensino. As estatísticas sugerem que o tempo de<br />

ausência ao trabalho e o custo do absenteísmo<br />

provocado <strong>por</strong> doenças e acidentes relacionados ao<br />

trabalho podem ser diminuídos com um projeto que<br />

enfoque melhorias nas condições de trabalho docente<br />

e em maiores cuidados com a saúde do trabalhador.f<br />

Maria das Graças é Mestre em Ciências Sociais , doutoranda em Ciência da<br />

Informação, Professora do Unicentro Newton de Paiva e Diretora do Sinpro<br />

Minas.<br />

Referências<br />

ALVARENGA, Carolina Faria. Relações de gênero e trabalho docente: jornadas e<br />

ritmos no cotidiano de professoras e professores. Dissertação (Mestrado).<br />

Faculdade de Educação, Un<strong>ive</strong>rsidade de São Paulo, São Paulo, 2008.<br />

DEDECCA, Cláudio Salvadori. Tempo, trabalho e gênero. São Paulo, 2004.<br />

mimeo.<br />

FUNDACENTRO, FITEE, SAEE, SINPROMINAS - Pesquisa sobre Condições de<br />

Trabalho e Saúde dos Professores e Trabalhadores em Estabelecimento de<br />

Ensino Privado do Estado de Minas Gerais - Belo Horizonte - 2007-<strong>2009</strong>.<br />

SORJ, Bila. Trabalho remunerado e trabalho não-remunerado. In: VENTURI,<br />

Gustavo; RECAMÁN, Marisol; OLIVEIRA, Suely de (Org.). A mulher brasileira nos<br />

espaços público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 25


[ Artigo ]<br />

Políticas para a d<strong>ive</strong>rsidade:<br />

como alargar a cidadania e a democracia<br />

Marlise Matos<br />

Tela de Maria Teresa Meneses<br />

Este breve ensaio trás a luz das nossas discussões<br />

um tema que que retorna às pautas da mídia, dos<br />

bancos escolares e das ações públicas promovidas pelo<br />

Estado: é possível a construção coletiva e individual<br />

de percursos (acadêmicos, políticos, no mercado de<br />

trabalho, pedagógicos etc.) que sejam marcados pela<br />

promoção da igualdade e o respeito à d<strong>ive</strong>rsidade nos<br />

ambientes que normalmente circulamos? É exeqüível<br />

promover a igualdade, respeitando as diferenças? Mas<br />

como professora! Ou nós somos todos iguais ou somos<br />

todos diferentes? Não dá para afirmar as duas coisas<br />

ao mesmo tempo? Insisto: Dá sim!<br />

Desde as idades mais precoces somos instruídos,<br />

socializados – afetiva e cognitivamente – para<br />

construir a ideia de escolha entre a igualdade e a(s)<br />

diferença(s), compelidos a uma luta que precisa<br />

afirmar ou a igualdade, ou a(s) diferença(s). E<br />

mais: fomos igualmente compelidos a acreditar na<br />

idéia politicamente orquestrada de que existe uma<br />

“normalidade” social <strong>por</strong> oposição ao lugar dos<br />

desvios, das patologias, das exclusões. Mas se<br />

esquecem também de nos ensinar e nos socializar para<br />

a idéia de que esta é rigorosamente falsa,<br />

desnecessária e inútil. Não é preciso escolher entre<br />

uma coisa ou outra. A experiência cultural, identitária,<br />

simbólica e política da(s) diferença(s) não implica o<br />

abandono da luta pela igualdade, assim como não<br />

deixamos de possuir elementos que nos identificam,<br />

nos assemelham, que compartilhamos e que nos pertencem<br />

coletivamente <strong>por</strong>que temos um sexo<br />

26 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


diferente do outro, uma cor de pele diferente de outra,<br />

habitamos um território diferente do outro,<br />

<strong>por</strong>que temos uma orientação do desejo sexual<br />

diferente do outro, <strong>por</strong>que temos hábitos culturais e<br />

religiosos diferentes de outros.<br />

Somos a um só tempo, de modo simultâneo e<br />

paradoxal, iguais e diferentes. Todo o século XX foi<br />

um período marcado pelo esforço político de chegar<br />

a essa conclusão. Assim como a luta pela igualdade<br />

marcou os séculos XVIII e XIX, através da luta de<br />

classes, do sufragismo, da luta contra o tráfico negreiro<br />

e a escravidão etc., a luta p<strong>elas</strong> diferenças<br />

marcou o século XX: o movimento feminista e suas<br />

“Cada um de nós tem<br />

pertencimentos identitários<br />

e coletivos múltiplos e,<br />

certamente, em ocasiões<br />

distintas e paradoxais e<br />

tensamente disputados”<br />

diferenciações – mulheres negras, lésbicas, pobres,<br />

rurais, heterossexuais, de classe média...; o movimento<br />

LGBT – uma variedade infinita de ser sexualmente<br />

no mundo: gays, lésbicas, travestis, transgêneros,<br />

transexuais...; o movimento racial – negros e negras,<br />

pobres, intelectuais, quilombolas, afrodescendentes,<br />

de classe média...; as lutas da juventude – numa<br />

miríade de diferenciações: do Hip Hop, do Funk, do<br />

Rap, das igrejas, do grafite, do movimento estudantil,<br />

dos partidos... e pelo reconhecimento da população<br />

idosa: aposentados/as, “melhor idade”, a dos grupos<br />

de ginástica e alongamento etc.. Acredito ser neste<br />

século XXI que seremos capazes de efetuar uma “nova<br />

síntese” e trabalhar, desta vez, não de forma linear<br />

e binária, mas tendo a certeza de que é necessário<br />

operar num campo complexo de relações de força<br />

onde cada um/único é ao mesmo tempo muitos/plural.<br />

Cada um de nós tem pertencimentos identitários e<br />

coletivos múltiplos e, certamente, em ocasiões<br />

distintas paradoxais e tensamente disputados. Eu sou<br />

a um só tempo: professora un<strong>ive</strong>rsitária, mulher ,<br />

feminista, branca, de classe média, cética, militante<br />

acadêmica dos direitos humanos e da d<strong>ive</strong>rsidade,<br />

heterossexual, mãe, de “meia idade” e daí vai...<br />

Sabemos que é no espaço da cultura que todas<br />

estas dimensões ganham contornos, definições,<br />

sentidos e significados. Especialmente as diferenças<br />

de gênero, raciais, sexuais compõem elementos<br />

im<strong>por</strong>tantes do mosaico de d<strong>ive</strong>rsidades que o<br />

mundo contem<strong>por</strong>âneo vem afirmando cultural,<br />

social e politicamente, mas desta vez, numa tentativa<br />

explícita de romper com a idéia – tão frequentemente<br />

essencializada e naturalizada – de “normalidade”. E<br />

é também através da construção sócio políticocultural<br />

que o machismo, o sexismo, a<br />

heterossexualidade compulsória, o racismo, a<br />

homofobia e a lesbofobia (entre outros) são construídos<br />

e transformados, muitas vezes, em categorias<br />

cristalizadoras da d<strong>ive</strong>rsidade e tudo que não se<br />

conforme ao padrão hegemônico – homens brancos,<br />

de classes altas e médias, heterossexuais e ocidentais<br />

– se alinha ao negativo. Neste nosso mundo não é rara<br />

a associação, num único sujeito ou através de um<br />

mesmo coletivo, de mais de um tipo destes de discriminação<br />

e de preconceito.<br />

Muitas leis, programas e ações do Estado ou das<br />

organizações da sociedade civil (como os movimentos<br />

sociais, as ONGs etc.) vêem sendo implementadas<br />

para combater práticas discriminatórias já<br />

mencionadas mas é perfeitamente compreensível que<br />

acreditemos que, sem a efetiva transformação de<br />

mentalidades e das práticas, ou seja, sem uma<br />

mudança cultural, social e política, pouco será<br />

efetivamente transformado. Daí o papel estruturante<br />

que adquirem ações que promovam a discussão<br />

desses temas, mot<strong>ive</strong>m a reflexão individual e<br />

coletiva e contribuam para a superação e eliminação<br />

de qualquer tratamento preconceituoso e opressivo.<br />

Gostaria de complementar esta discussão in-<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 27


trodutória com a afirmação de que lutar para enfrentar<br />

tais preconceitos e discriminações, hoje em dia, é lutar<br />

para reconstruir e expandir a própria noção de<br />

cidadania e democracia. Defendo a ideia de que<br />

cidadania, especialmente a cidadania social, nos<br />

nossos dias não pode ser concebida meramente como<br />

atributo ou condição de sujeitos: ela é inevitavelmente<br />

processo. Nesse sentido a cidadania possui em si uma<br />

extensão e abertura interdisciplinar reveladora da<br />

multiplicidade de dimensões que se articulam a<br />

estes múltiplos pertencimentos: de raça, de gênero,<br />

de sexualidade, de geração etc. Entendo também que<br />

não será possível superar as contradições que cercam<br />

a temática dos valores fundamentais (os “un<strong>ive</strong>rsais”)<br />

como a liberdade, a justiça social, a igualdade e a<br />

solidariedade, a menos que possamos recolocá-los<br />

num patamar multidimensional e enfrentar<br />

analiticamente seus paradoxos, complexidades e perplexidades.<br />

As marcas e os marcos principais que<br />

caracterizam a transição do século XX para o XXI<br />

clamam <strong>por</strong> redefinições de velhos temas nesta “era<br />

dos direitos”, tornando-se inadiável interligar a<br />

análise política da cidadania com a análise sociológica<br />

(e psicológica), em busca da construção dos direitos<br />

(humanos) que, de fato, tenham operacionalidade e<br />

substância real na vida prática e não estejam ou<br />

existam apenas arrolados formalmente. Histo rica -<br />

mente é possível afirmar que o conceito de cidadania<br />

reforçava o pertencimento a uma comunidade política<br />

pensada inicialmente no território da cidade e depois<br />

do Estado nacional. Hoje, a cidadania já não está<br />

unicamente ligada à cidade nem exclusivamente a um<br />

Estado, mas se afirma também no espaço internacional/supranacional<br />

e intersubjetivo; apenas<br />

podemos alcançá-la em seu pleno teor constituindoa<br />

de seu sentido territorializado múltiplo, onde<br />

vários pertencimentos podem e são politicamente<br />

acionados.<br />

Falar em direitos que visem a efetivar a<br />

valorização humana e a sua d<strong>ive</strong>rsidade constitutiva,<br />

<strong>por</strong> exemplo, requer na sua relação com a cidadania<br />

contem<strong>por</strong>ânea, a leitura pessoal e social de que a<br />

cidadania é multidimensional, afetando essa condição<br />

[ Artigo ]<br />

humana em vários dos seus aspectos. A cidadania<br />

compreende então todos os direitos de uma só vez:<br />

os fundamentais – os políticos, os civis, os sociais, os<br />

econômicos, os culturais – e também os ambientais<br />

assim como os direitos difusos que, como se sabe,<br />

podem estar em constante tensão paradoxal com as<br />

idéias de liberdade, de justiça política, social e<br />

econômica, de igualdade de chances e de resultados,<br />

e de solidariedade, a que se vinculam. Mas é preciso<br />

enfatizar que o conteúdo da cidadania atual compreende<br />

esses direitos como valores (formais) e dados<br />

“Hoje a cidadania<br />

já não está unicamente<br />

ligada à cidade nem<br />

exclusivamente a um<br />

Estado”<br />

existenciais (substâncias) inerentes ao processo de<br />

construção cidadã. Por exemplo, de nada adianta ser<br />

titular de liberdade de expressão se não se possui a<br />

educação mínima para a manifestação crítica das próprias<br />

ideias. A esta visão dos direitos (e mesmo da<br />

cidadania) se vincula a noção recente de indivisibilidade<br />

e integralidade da cidadania.<br />

Se a cidadania é complexa e multidimensional<br />

somente o caráter da integralidade – que de modo<br />

paradoxal está associada às diferentes dimensões que<br />

a circunscrevem – e da transversalidade poderão<br />

efetivar tais direitos. É urgente transversalizar as<br />

multidimensões da cidadania. Dentre esses eixos<br />

diferenciados que transversalizam a cidadania<br />

contem<strong>por</strong>ânea, destaco: gênero, raça/etnia, geração,<br />

orientação sexual, urbano, rural, além do território<br />

28 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


e da classe social. No meu entender são estas “outras”<br />

dimensões que vêm disputando o conceito e entre<br />

efeitos surpreendentes, fazendo emergir desse<br />

processo nova cidadania que tem sexo, cor , corpo,<br />

localização, sexualidade e idade. T ambém im<strong>por</strong>ta<br />

destacar que estas dimensões são exatamente<br />

aqu<strong>elas</strong> mesmas que compõem o rico mosaico<br />

identitário na contem<strong>por</strong>aneidade, enfatizando que<br />

há um caráter paradoxal nas subjetividades<br />

contem<strong>por</strong>âneas: <strong>elas</strong> são, a um só tempo, individuais<br />

e coletivas, assim como atravessadas <strong>por</strong> dimensões<br />

múltiplas que são acionadas contingencialmente, <strong>por</strong><br />

necessidades políticas. A igualdade, <strong>por</strong> sua vez,<br />

obedece ao mesmo princípio paradoxal: ao mesmo<br />

tempo que é um princípio absoluto (contem<strong>por</strong>a nea -<br />

mente perseguido), é também uma prática histo rica -<br />

mente contingente. No aspecto político, as recentes<br />

reivindicações <strong>por</strong> igualdade envolvem, parado xal -<br />

mente, tanto a aceitação quanto a rejeição da<br />

identidade de grupo atribuída pela discriminação. Em<br />

outras palavras: os termos de exclusão sobre os quais<br />

essa discriminação está amparada são ao mesmo<br />

tempo negados e reproduzidos nas distintas demandas<br />

<strong>por</strong> inclusão política e social.<br />

Neste percurso, cabe destacar que o pluralismo<br />

que evidenciamos atualmente estaria vinculado,<br />

pelo menos, a dois fatos sociais novos: (a) à<br />

emergência política de grupos sociais que<br />

anteriormente eram invisíveis; a exemplo das culturas<br />

indígenas nas Américas, das mulheres, dos coletivos<br />

gays e lésbicos; (b) a percepção de que algumas<br />

diferenças e discriminações podem ser constantes<br />

durante longos períodos históricos, mas é apenas em<br />

algumas épocas específicas que <strong>elas</strong> passam a ser<br />

acionadas como politicamente significativas. Neste<br />

último sentido, a d<strong>ive</strong>rsidade de qualquer sociedade<br />

existe na medida em que seus indivíduos a percebam<br />

e a reivindiquem como tal.<br />

É fato indiscutível que, tanto nas velhas<br />

sociedades européias, quanto nas novas sociedades<br />

que recentemente saem da condição de<br />

subdesenvolvimento, se tornam a cada dia mais<br />

visíveis as diferenças culturais, sexuais e de gênero,<br />

raciais e étnicas, sexuais. É também fato que há uma<br />

politização recente destas dimensões. A imigração,<br />

as nacionalidades, a falta de respeito social frente aos<br />

coletivos rurais e urbano, homossexuais e a desigual<br />

posição das mulheres, sobretudo num viés racial, na<br />

estrutura social e política, estão tornando evidente<br />

a existência de grupos sociais que reafirmam as suas<br />

próprias identidades e estão em busca, para além de<br />

políticas distributivas ou em concomitância com<br />

<strong>elas</strong>, de políticas de reconhecimento. Estes são<br />

sinais inequívocos da ausência concreta de<br />

homogeneidade política e social. Mas não é necessário<br />

ou inevitável se concluir daqui que não tenhamos<br />

ordem social. Para muitos intérpretes, tais fatos<br />

colocariam “em crise” os velhos ideais de cidadania<br />

e de igualdade un<strong>ive</strong>rsal inerentes ao projeto político<br />

da modernidade. O que estamos assistindo é o<br />

alvorecer de muitas reivindicações <strong>por</strong> reconhecimento<br />

e inclusão política que têm produzido<br />

efeitos concretos na forma organizativa dos Estados.<br />

No Brasil, <strong>por</strong> exemplo, entre os anos de 2003 a <strong>2009</strong>,<br />

foram convocadas e realizadas sob a coordenação<br />

executiva da Secretaria Geral da Presidência da República,<br />

e contando com intensa participação da<br />

sociedade civil organizada no país, trinta e oito<br />

Conferências Nacionais das mais d<strong>ive</strong>rsificadas<br />

temáticas (igualdade racial, de gênero, direitos<br />

humanos, de crianças e adolescentes, juventude, de<br />

cidades, de meio ambiente, de saúde etc.).<br />

Aquilo que im<strong>por</strong>ta salientar é que nesse<br />

processo crescente de apresentação de demandas, de<br />

pluralismo e, em alguns países, de efetivo reconhecimento<br />

de um processo de multiplicação da<br />

cidadania, a proposta da reconstrução de novos<br />

modelos de democracias não deveria se alijar dos<br />

pressupostos básicos da modernidade caindo num<br />

relativismo extremado. Mas também não é possível,<br />

simplesmente, o abandono de um projeto político<br />

multidimensional. Entendo que princípios como a<br />

igualdade e a un<strong>ive</strong>rsalidade são princípios éticos e<br />

políticos sólidos que precisam ser demandados pelos<br />

diferentes coletivos oprimidos da atual cena política.<br />

É necessário identificar que há uma ideia comum<br />

subjacente a esta experiência: a necessidade de reconhecimento<br />

político das diferenças e das identidades<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 29


que t<strong>ive</strong>ram suas dimensões centrais relegadas ao ostracismo<br />

político privado, à invisibilidade. Mas isso não<br />

supõe que todas as identidades e todas as culturas<br />

contenham contribuições igualmente valiosas para o<br />

bem-estar, a liberdade e a igualdade entre os<br />

humanos, não implica a hipótese de relativismo<br />

generalizado (a qual eu repudio veementemente),<br />

assim como não estou pressupondo que todas as<br />

dimensões identitárias dos sujeitos (elementos<br />

articuláveis das recentes demandas <strong>por</strong> cidadania)<br />

sejam passíveis de agenciamento político<br />

simultaneamente.<br />

A sociedade (e o Estado) que se desenha(m) no<br />

século XXI abre(m) espaço para a essencial reflexão<br />

acerca do problema ético da responsabilidade individual<br />

e coletiva diante da valorização do humano,<br />

inerentemente vinculado a processos de comunicação<br />

intersubjetiva numa comunidade onde nossos projetos<br />

normativos se unem às necessidades reais, num único<br />

esforço que é o de suplantar obstáculos que se tecem<br />

ao nosso redor . Entre os direitos conscientizados<br />

historicamente através das lutas políticas, o direito<br />

Novo horário:<br />

todos os domingos,<br />

às 8h55,<br />

na TV Band Minas.<br />

[ Artigo ]<br />

de solidariedade emerge com força, assim como dentre<br />

os muitos sentidos da cidadania, entre eles há<br />

aquele que reclama o reconhecimento da im<strong>por</strong>tância<br />

da interdependência entre múltiplas faces de si, assim<br />

como de múltiplas faces do outro humano, como<br />

fatores de coesão e solidariedade social e política (e<br />

não de ameaça). O tecido social se fortalece quando<br />

a solidariedade – de gênero, a racial, a étnica, a<br />

territorial, a geracional, a de classe etc. – está entrelaçada<br />

e se torna condição para a existência reflexiva<br />

de si e do grupo político. As diferenças que nos<br />

são apresentadas, e tão fortemente enfatizadas não<br />

precisam ser focalizadas como riscos potenciais ao<br />

jogo da governabilidade democrática, mas como<br />

fatores inerentes da multidimensionalidade da<br />

cidadania no nosso mundo que podem, caso permitamos,<br />

favorecer o processo de democratizar a própria<br />

democracia.f<br />

Marlise Matos é Professora Adjunta e Chefe do Departamento de Ciência<br />

Política da UFMG, Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a<br />

Mulher (NEPEM) - UFMG, Doutora em Sociologia (IUPERJ), Mestre em<br />

Teoria Psicanalítica (UFRJ) e Psicóloga (UFMG).<br />

Programa de TV<br />

do Sindicato dos<br />

Professores do<br />

Estado de<br />

Minas Gerais<br />

Re<strong>por</strong>tagens<br />

Cidadania<br />

Saberes<br />

Interatividade<br />

Ent<strong>revista</strong>s<br />

Educação<br />

Direitos<br />

Cultura<br />

Opinião<br />

30 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


[ Capa ]<br />

30 anos da Lei da Anistia<br />

Mulheres símbolos da resistência<br />

<strong>por</strong> Débora Junqueira<br />

Ato em 1978: mulheres, de braços dados com os homens, seguiram à frente das passeatas que ocorriam em São Paulo e <strong>por</strong> todo o país.<br />

Trinta anos após a Lei da Anistia Política no<br />

Brasil, uma parte dessa história ainda precisa ser<br />

resgatada para mostrar a im<strong>por</strong>tante participação das<br />

mulheres nessa luta e que seja dado a <strong>elas</strong> o lugar de<br />

destaque que merecem. As mulheres não somente<br />

est<strong>ive</strong>ram na vanguarda do processo de redemocratização<br />

do país, mas, principalmente, simbolizaram<br />

o poder de pressão da sociedade civil.<br />

Conforme estatísticas divulgadas no livro Direito<br />

à memória e à ver dade, editado pela Secretaria<br />

Especial dos Direitos Humanos da Presidência da<br />

República, em 2007, o saldo do regime militar aponta<br />

que 50 mil pessoas teriam sido detidas nos primeiros<br />

anos da ditadura e cerca de 10 mil teriam vivido no<br />

exílio em algum momento. T ambém 4.862 t<strong>ive</strong>ram<br />

seus mandatos e direitos políticos cassados, 245<br />

estudantes expulsos das un<strong>ive</strong>rsidades e cerca de 440<br />

opositores ao regime foram mortos, sendo que<br />

apenas 144 corpos foram entregues às famílias.<br />

Estima-se que 10% dos mortos e desaparecidos são<br />

mulheres, já que <strong>elas</strong> representavam um percentual<br />

entre 20% e 25% dos militantes e do total de presos<br />

políticos.<br />

Entre as guerrilheiras, cujos restos mortais<br />

nunca foram encontrados, está a mineira W alkíria<br />

Afonso Costa, militante do PCdoB, desaparecida<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 31<br />

Juca Martins/Olhar Imagem


desde 1974 na região do Araguaia. Para a pedagoga<br />

Valéria Costa Couto, irmã de Walkíria, é fundamental<br />

que a verdade venha à tona, com a abertura de<br />

arquivos do período da ditadura (1964-1985) e da<br />

guerrilha do Araguaia, conforme reivindicam os<br />

familiares dos mortos e desaparecidos no período.<br />

Na ditadura militar , as mulheres t<strong>ive</strong>ram um<br />

im<strong>por</strong>tante papel na luta armada, participaram de<br />

organizações que organizaram sequestros de diplomatas<br />

e assaltos a banco. Est<strong>ive</strong>ram em papéis de<br />

liderança ou em ações quase invisíveis, apoiando<br />

familiares e amigos presos, tirando os perseguidos do<br />

país e salvando suas vidas. Para não serem presas<br />

como subversivas, as militantes viviam na<br />

clandestinidade com nomes falsos. Jô Morais, hoje<br />

deputada federal, foi uma d<strong>elas</strong>. Ela conta que já<br />

utilizou os nomes “Josideméia”, “Joana” e “Maria<br />

José”. “Acrescentei ‘Jô’ ao meu nome Maria do<br />

Socorro <strong>por</strong>que era o outro pedaço da minha vida,<br />

quando fiquei escondida no meu país <strong>por</strong> dez anos.<br />

Mais do que lutadora pela anistia fui beneficiária dela”.<br />

Para a deputada, a anistia foi, sobretudo, uma obra<br />

das mulheres e das mães que t<strong>ive</strong>ram seus filhos<br />

condenados, presos, escondidos e mortos. “A força<br />

de uma bandeira quando é abraçada pela mulher é<br />

muito grande. Nada as detém quando <strong>elas</strong> compreendem<br />

a necessidade da mudança”, afirma.<br />

Movimento feminino pela anistia<br />

Foi entre as mulheres que surgiu um dos<br />

principais movimentos políticos brasileiros. O<br />

Movimento Feminino pela Anistia (MFP A) foi o<br />

primeiro a levantar a bandeira da anistia em plena<br />

ditadura. Idealizado <strong>por</strong> Terezinha Zerbini, mulher de<br />

general, que já havia sido presa <strong>por</strong> abrir a sua casa<br />

para “subversivos”. Seu pedido para que fossem<br />

levantados os nomes de todos os presos políticos dentro<br />

e fora do país deu início ao movimento, criado em<br />

15 de março de 1975 na cidade de São Paulo. Em<br />

função das perseguições políticas, o ato de fundação<br />

do MFPA teve de ser convocado como mesa redonda<br />

[ Capa ]<br />

sobre a mulher e a paz, no primeiro Ano Internacional<br />

da Mulher. Terezinha, como coordenadora nacional<br />

do movimento, viajou para vários estados, onde<br />

reunia mulheres a fim de ampliar os núcleos de luta<br />

pela anistia aos presos políticos e exilados.<br />

Um grupo inicial de oito mulheres redigiu o<br />

manifesto do movimento, que se tornou de conhecimento<br />

nacional. O documento diz: “Nós, mulheres<br />

brasileiras, assumimos nossas res ponsa bi -<br />

lidades de cidadãs no quadro político nacional.<br />

Através da história provamos o espírito solidário da<br />

mulher, fortalecendo aspirações de amor e justiça. Eis<br />

<strong>por</strong> que nós nos antepomos aos destinos da nação,<br />

que só cumprirá sua finalidade de paz se for concedida<br />

anistia ampla e geral a todos aqueles que foram<br />

atingidos pelos atos de exceção. Conclamamos todas<br />

as mulheres no sentido de se unirem a esse<br />

movimento, procurando o apoio de todos que se<br />

identifiquem com a ideia da necessidade de anistia,<br />

tendo em vista um dos objetivos nacionais: a união<br />

da nação”.<br />

Magda Neves, hoje professora do Programa de<br />

Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC Minas, foi<br />

uma das fundadoras do Movimento Pela Anistia em<br />

Minas, em 1976, juntamente com outras mulheres<br />

como Zélia Rogêdo, Eleonora Menicucci, Efigênia de<br />

Ol<strong>ive</strong>ira, Ângela Pezutti, que se tornou vicepresidente,<br />

e D. Helena Greco, eleita presidente do<br />

movimento em Minas. <strong>Elas</strong> divulgaram os primeiros<br />

documentos de denúncia sobre a tortura no Brasil.<br />

No trabalho de ajuda aos presos políticos, buscavam<br />

o apoio de autoridades, arriscando suas vidas.<br />

Inicialmente, reuniam-se, em sua maioria, mulheres<br />

da classe média; depois o movimento foi agregando<br />

pessoas de vários segmentos da sociedade, chegando<br />

a reunir cerca de 300 mulheres no Estado.<br />

No início, os padres cediam as sacristias para as<br />

reuniões, depois <strong>elas</strong> chegaram a ter uma sala na igreja<br />

do Carlos Prates. Magda conta que, numa reunião<br />

realizada no Colégio Santo Antônio, o Dops chegou<br />

lá dizendo que ia verificar a denúncia de uma bomba,<br />

e o pânico foi geral. A reunião teve que ser transferida<br />

para o DCE da UFMG, de onde todos seguiram em<br />

32 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


passeata. Posteriormente foram criadas outras<br />

entidades como o Comitê Brasileiro de Anistia, que,<br />

em Minas, teve D. Helena Greco como presidente.<br />

Com a Lei da Anistia, o movimento feminino foi se<br />

diluindo, chegando ao fim em 1980.<br />

Vitória parcial<br />

Fatos históricos mostram que a rede dos comitês<br />

de anistia e os núcleos do MFP A, que se popula -<br />

rizaram <strong>por</strong> todo o território nacional, foram decisivos<br />

para a unidade em torno da anistia. A mobilização se<br />

dava nas ruas, em passeatas e atos públicos. A<br />

Praça da Sé, tradicional território paulista de<br />

manifestações políticas, foi reconquistada em ato pela<br />

anistia. Jornalistas e artistas ecoavam a palavra de<br />

ordem da anisitia em seus meios de comunicação e<br />

expressão. A mobilização se adensou no I Congresso<br />

de Anistia em São Paulo, nos vários Encontros<br />

Nacionais e Regionais, no Congresso Internacional<br />

pela Anistia no Brasil em Roma. Em 1979, muitos<br />

sindicatos de trabalhadores fortaleceram a luta pela<br />

Anistia, em especial os que expressavam o novo<br />

sindicalismo, nascido no ABC paulista.<br />

Sem dúvida, a lei da anistia política foi uma<br />

significativa conquista da sociedade brasileira, apesar<br />

de sido uma vitória parcial, conforme a avaliação de<br />

quem lutou naquele período. Afinal, não foi aprovado<br />

o projeto de anistia ampla, geral e irrestrita, defendido<br />

pelo conjunto dos movimentos de resistência e a<br />

ditadura impôs suas propostas na Lei 6.683 de 28 de<br />

<strong>agosto</strong> de 1979. Para os movimentos, a anistia só seria<br />

digna deste nome se realizasse os seus princípios programáticos:<br />

erradicação da tortura e das leis de exceção;<br />

esclarecimento das circunstâncias em que<br />

ocorreram os assassinatos dos opositores da ditadura;<br />

localização dos restos mortais dos desaparecidos<br />

políticos; responsabilização jurídica do Estado e<br />

dos agentes da repressão <strong>por</strong> praticarem crimes de<br />

lesa humanidade, <strong>por</strong>tanto inafiançáveis, imprescritíveis<br />

e inanistiáveis, além de desmantelamento<br />

do aparelho repressivo. Lutas que permanecem até<br />

os dias de hoje.f<br />

Luta pela<br />

emancipação feminina<br />

A professora Magda Neves destaca o papel<br />

dos jornais da época, principalmente os criados<br />

<strong>por</strong> mulheres como o Nós Mulheres e o Mulherio,<br />

entre outros, que ajudavam tanto na conscientização<br />

para as lutas democráticas como para<br />

a emancipação feminina. Ela acredita que essas<br />

duas lutas aconteciam simultaneamente. “Sem a<br />

democratização, a luta pela emancipação das mulheres<br />

também não avançaria”, afirma.<br />

Para Gilse Cosenza, da comissão de<br />

anistiados em Minas, a luta contra a ditadura foi,<br />

antes de tudo, uma luta de homens e mulheres.<br />

“O enfrentamento de um inimigo feroz e<br />

sanguinário que prendia e torturava homens e<br />

mulheres no Brasil inteiro não permitia que a luta<br />

fosse só feminista, pois em primeiro lugar<br />

precisávamos alcançar a democracia”, opina.<br />

Renata Rosa, autora de estudos sobre o<br />

feminismo e membro da UBM (União Brasileira<br />

de Mulheres), acredita que as mulheres que<br />

participaram dos movimentos de resistência à<br />

ditadura eram vítimas do machismo duplamente.<br />

O preconceito acontecia de forma explícita <strong>por</strong><br />

parte da ditadura, quando não eram consideradas<br />

“moças de família”. “O machismo era sutil, vinha<br />

dos próprios companheiros quando delegavam a<br />

<strong>elas</strong> tarefas relacionadas aos cuidados como<br />

cozinhar ou enfermagem. Na luta armada, <strong>elas</strong><br />

foram minoria, pois para os guerrilheiros machistas<br />

da época uma mulher menstruada na selva<br />

podia ser um grande problema”, diz.<br />

Segundo ela, as mulheres que participavam<br />

dos movimentos de resistência eram meninas de<br />

classe média, com formação un<strong>ive</strong>rsitária e<br />

idealistas, com uma consciência política que a<br />

maioria das mulheres da época não possuía, de<br />

tão distraídas entre as notícias da Copa do<br />

Mundo e as nov<strong>elas</strong>.<br />

“As mulheres anistiadas foram guerrilheiras<br />

e não tinham um papel só de cuidar , como às<br />

vezes tentam passar , ao destacá-las como<br />

lutadoras <strong>por</strong> seus maridos e filhos desaparecidos<br />

ou mortos pelo regime autoritário”. Para Renata,<br />

na luta pela anistia é im<strong>por</strong>tante destacar que<br />

muitas mulheres vão entrar para a história como<br />

anistiadas <strong>por</strong>que foram condenadas num período<br />

de exceção, em que o maior crime era lutar pelo<br />

fim da tortura e pela democracia do país.<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 33


Helena Greco<br />

Militante de Direitos Humanos<br />

D. Helena Greco nasceu em Abaeté, em 1916.<br />

Farmacêutica de formação, começou a militar aos 61<br />

anos de idade, em 1977. Sua participação política, reconhecida<br />

nacional e internacionalmente,<br />

tem<br />

como marco a luta pela<br />

Anistia Ampla Geral e<br />

Irrestrita, da qual ela se<br />

tornou praticamente sinô -<br />

nimo. Foi presidente e<br />

fundadora do Mo vi mento<br />

Feminino pela Anistia/MG<br />

(1977) e do Comitê<br />

Brasileiro de Anistia/MG<br />

(1978); ajudou a construir e foi membro do Comitê<br />

Executivo Nacional/CEN dessas entidades. Foi ainda<br />

a representante do Brasil no Congresso pela Anistia do<br />

Brasil em Roma, em 1979. Sob sua direção, o 8 de<br />

março, Dia Internacional da Mulheres, passou a ser<br />

comemorado publicamente em Belo Horizonte (1978).<br />

Exerceu dois mandatos como vereadora de Belo<br />

Horizonte pelo PT (1983-1992), do qual foi fundadora.<br />

Em 1983, na Câmara Municipal de Belo Horizonte,<br />

conseguiu aprovar a Comissão Permanente de Direitos<br />

Humanos – a primeira do gênero no Brasil. Ela fundou,<br />

em 1987, o Movimento T ortura Nunca Mais/MG. Em<br />

1993, <strong>por</strong> sua iniciativa, tomou posse na Prefeitura de<br />

Belo Horizonte a Comissão Paritária de Mulheres, com<br />

o objetivo de lutar pela construção de uma Casa Abrigo<br />

para mulheres em situação de violência. Em 1996, essa<br />

comissão evoluiu para o Conselho Municipal da Mulher.<br />

No ano de 1995, foi idealizadora e uma das<br />

coordenadoras do Fórum Permanente de Luta pelos<br />

Direitos Humanos de BH. Criou a Coordenadoria de<br />

Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo<br />

Horizonte – na administração de 2003-2006. Em 2005,<br />

D. Helena Greco foi uma das cinquenta e duas<br />

brasileiras que integraram a lista do Projeto Mil Mulheres<br />

para o Prêmio Nobel da Paz, iniciativa da<br />

Fundação Suíça pela Paz e Associação Mil Mulheres.<br />

Fonte: Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania.<br />

[ Capa ]<br />

Angela Pezutti<br />

Funcionária aposentada da UFMG<br />

Nascida em Araxá, veio para Belo Horizonte em<br />

1964, indo trabalhar na área administrativa da<br />

Un<strong>ive</strong>rsidade Federal de Minas Gerais. Membro de uma<br />

família de corajosos<br />

militantes, v<strong>ive</strong>nciou de<br />

perto a repressão do<br />

regime militar e teve gran -<br />

de atuação na luta contra<br />

a ditadura e pela anistia<br />

aos presos polí ti cos. Em<br />

1969, seu sobrinho Ânge -<br />

lo, filho de Carmela Pezu -<br />

tti, foi preso, e ela tomou<br />

conhecimento das ações<br />

clandestinas e assaltos a bancos. V iu sua irmã,<br />

Carmela, membro da Organização Colina, ser presa<br />

dentro de sua casa e desaparecer . Como havia<br />

recebido uma carta, interceptada pelo Exército,<br />

contando onde a irmã estava, foi chamada para<br />

de<strong>por</strong>. A partir daí, se uniu aos familiares de outros<br />

presos, formando um coletivo de mulheres com a<br />

participação de mães e donas de casa para ajudar os<br />

presos. Esse grupo se reunia nas casas e nas igrejas<br />

e ela ajudou a salvar a vida de muita gente. Em 1969,<br />

com a troca do embaixador americano, os sobrinhos<br />

Ângelo e Murilo foram libertados. Carmela, que<br />

também fora libertada no sequestro do embaixador<br />

suíço, foi com os filhos para o exílio, no Chile. Com o<br />

golpe militar naquele país, em 1973, os militantes se<br />

espalharam. Com a Anistia, ela e o filho Murilo<br />

voltaram ao Brasil. Ângelo morreu num acidente de<br />

moto em Paris. Ela respondeu um processo como<br />

subversiva, enquadrada nos artigos da Lei de Segurança<br />

Nacional, acusada de promover guerra subversiva<br />

d<strong>ive</strong>rsa, desacatar autoridade e utilizar meios públicos<br />

para fazer propaganda subversiva. O processo não foi<br />

adiante <strong>por</strong> falta de provas. Na luta pela anistia<br />

participou da formação do Movimento Feminino pela<br />

Anistia no estado, sendo eleita vice-presidente do<br />

movimento ao lado da presidente D. Helena Greco.<br />

Depois continuou apoiando os anistiados e ex-exilados.<br />

34 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


Gilse Cosenza<br />

Membro da Comissão de Anistiados e dirigente do PCdoB/MG<br />

Como estudante, participava do D.A. do curso<br />

de Serviço Social da PUC Minas e foi vice-presidente<br />

do DCE; também foi da JEC (Juventude Estu dan til<br />

Católica) e da JUC (Ju -<br />

ven tude Un<strong>ive</strong>rsitária Ca -<br />

tólica). No dia do Golpe<br />

Militar entrou para a Ação<br />

Popular, organização polí -<br />

tica que desde então se<br />

tornou proibida. Não pôde<br />

colar grau na faculdade,<br />

pois decretaram sua pri -<br />

são preventiva. Na<br />

clandestinidade e com outros<br />

nomes, trabalhou como operária têxtil. Com o<br />

AI5, em 1968, houve um aumento da repressão e com<br />

o codinome “Ceci”, passou a morar em Coronel Fabriciano.<br />

Nesse período, teve gêmeas, mas uma das<br />

meninas não sobrev<strong>ive</strong>u. Passou <strong>por</strong> momentos<br />

difíceis, ao fugir e se esconder com uma criança de<br />

colo. Em junho de 1969, foi presa, e sofreu todo tipo<br />

de tortura física e psicológica. Na prisão, para que<br />

desse informações sobre outros militantes, o que<br />

nunca fez, colocaram uma banheira de criança, com<br />

instrumentos de tortura, dizendo que a qualquer<br />

momento sua filha iria ser capturada e torturada. Mais<br />

tarde, na cadeia, enquanto lia em um jornal uma<br />

charge do cunhado Henfil, que usava o personagem<br />

Fradim para fazer uma crítica velada à ditadura,<br />

descobriu que sua filha Juliana estava bem. Com base<br />

na Lei de Segurança Nacional sofreu três processos<br />

judiciais que lhe renderam um ano e meio na prisão.<br />

Em 1972, fora da cadeia, se integrou ao PCdoB,<br />

juntamente com outros membros da AP. No Ceará,<br />

foi presidente do partido e da União Brasileira de Mulheres.<br />

Foi dirigente do diretório municipal do<br />

PCdoB, em Belo Horizonte, e é membro da Comissão<br />

de Anistiados em Minas. Como anistiada, recebeu uma<br />

indenização do Estado em 2007.<br />

Delcy Gonçalves de Paula<br />

Professora aposentada do curso de<br />

Serviço Social da PUC Minas<br />

Nascida em Poté, no Vale do Mucuri, veio para<br />

Belo Horizonte em 1964, com o desejo de transformar<br />

o mundo e fazer a<br />

revolução. Iniciou sua<br />

militância no movimento<br />

estudantil, quando partici -<br />

pava de passeatas e movimentos<br />

em defesa da<br />

educação. No período da<br />

ditadura, fez um trabalho<br />

de conscientização contra<br />

o regime na periferia de<br />

Belo Horizonte. Passou a<br />

dar aulas em escolas primárias e cursos de<br />

alfabetização para operários. Na Ação Popular, com<br />

um idealismo socialista, fazia da conscientização<br />

política a resistência à ditadura militar, pois já estava<br />

enfronhada entre a massa de trabalhadores. Como<br />

dirigente da organização, foi presa e torturada, em junho<br />

de 1969. Em 1970, fugiu para não ser presa<br />

novamente, v<strong>ive</strong>ndo clandestinamente no Paraná. Já<br />

em 1972, foi presa em Porto Alegre. Sofreu três<br />

processos, num deles recebeu uma condenação de<br />

prisão <strong>por</strong> dois anos. Com a Lei, foi anistiada e mais<br />

tarde, indenizada. No ano de 1977, tornou-se<br />

professora da PUC Minas no curso de Serviço Social<br />

e realizou um trabalho focado nas discussões políticas<br />

dentro da sala de aula, incentivando os alunos a<br />

buscarem soluções contra as injustiças sociais. Dessa<br />

forma continuou dando sua contribuição na luta pela<br />

anistia e reconstruindo uma vida marcada p<strong>elas</strong><br />

atrocidades da repressão.<br />

De todo o processo vivido no período, ela tenta<br />

se focar no que restou de positivo como o<br />

amadurecimento, com o reconhecimento sobre a<br />

fragilidade humana e diz que é preciso recuperar ,<br />

daqui para frente o que a ditadura interrompeu.<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 35


Conceição Imaculada de Ol<strong>ive</strong>ira<br />

Metalúrgica aposentada e sindicalista<br />

Nascida em Brumadinho, veio para Belo<br />

Horizonte em 1962. Ainda muito jovem se interessou<br />

<strong>por</strong> um panfleto do Sindicato dos Metalúrgicos e logo<br />

foi convidada para<br />

participar do trabalho<br />

clandestino que o<br />

sindicato fazia na época<br />

da repressão política. O<br />

fato de ser mulher<br />

chamava menos atenção<br />

e podia realizar tarefas<br />

de conscientização dos<br />

trabalhadores. V<strong>ive</strong>nciou<br />

o preconceito de ser uma<br />

das poucas mulheres na função de metalúrgica. Em<br />

1964, viu as pessoas ao seu redor serem presas ou<br />

terem que sair do país. Como diretora no Sindicato<br />

dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem lutou<br />

contra o arrocho salarial, e esteve à frente, em 1968,<br />

da primeira grande greve dos metalúrgicos, que durou<br />

cerca de 20 dias, quando chegou a negociar com o<br />

então ministro Jarbas Passarinho, que, em função da<br />

greve, autorizou um reajuste de 10% para todos os<br />

trabalhadores da indústria. Em outubro de 1968, o<br />

sindicato sofreu uma intervenção. Clandestina,<br />

conseguiu um emprego nas Lojas Americanas, mas<br />

foi ser demitida <strong>por</strong> solicitação do Dops, que a<br />

acusava de subversiva. Na época, seu irmão foi<br />

preso ao participar de assalto a banco, sendo<br />

duramente torturado. Também foi presa várias vezes,<br />

sendo que de 1969 a 1971 esteve na prisão de Linhares,<br />

em Juiz de Fora. Foi solta juntamente com<br />

70 presos políticos, entre eles, Carmela Pezutti, em<br />

troca do embaixador da Suíça, sequestrado numa das<br />

ações políticas na época. Depois foi para o Chile e mais<br />

tarde, para Cuba, onde trabalhou pela anistia no<br />

movimento sindical internacional que realizava ações<br />

para que as organizações internacionais<br />

pressionassem as autoridades brasileiras. Em 1987,<br />

voltou para o Brasil anistiada.<br />

Efigênia Maria de Ol<strong>ive</strong>ira<br />

Professora aposentada e ex-vereadora<br />

Professora leiga na zona rural de Brumadinho,<br />

veio para Belo Horizonte no início da década de 1960<br />

para trabalhar na indústria metalúrgica. Morando num<br />

bairro operário, parti -<br />

cipava do que se deno -<br />

minava “solidariedade<br />

silenciosa”. Organizou<br />

reuniões nas casas das<br />

famílias, levava jornais da<br />

resistência e deba tia<br />

temas políticos. Utilizando<br />

o método Paulo Freire,<br />

ajudou na alfa betização<br />

de adultos como uma<br />

missão voluntária de conscientização. Ligada à<br />

Corrente Mineira, foi para a clandestinidade. Quando<br />

o cerco da ditadura acirrou teve que ir para o Rio de<br />

Janeiro, onde trabalhou na Construção Civil. Foi presa<br />

como subversiva. No julgamento, sua pena foi fixada<br />

em seis meses, mas ela já havia ficado dois anos na<br />

prisão de Linhares. Em liberdade, passou a participar,<br />

juntamente com a irmã Conceição, do sindicato dos<br />

Metalúrgicos. Em um congresso nacional de<br />

metalúrgicos, onde estava presente o então<br />

sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, fez um discurso<br />

corajoso, relatou que era ex-presa política e denunciou<br />

as torturas nas prisões. Na família, ela e três irmãos<br />

participaram da luta de resistência à ditadura e sofreram<br />

torturas. Em 1973, participou dos grupos da<br />

igreja; quando visitava a casa das pessoas para rezar<br />

o terço, aproveitava para conversar sobre os horrores<br />

que ocorriam nos <strong>por</strong>ões da ditadura. Sua atuação foi<br />

im<strong>por</strong>tante no grupo de mulheres trabalhadoras<br />

que lutaram <strong>por</strong> creches nas indústrias e no<br />

movimento das pan<strong>elas</strong> vazias, em que donas de casa<br />

e operárias se uniam contra a carestia. Participou do<br />

Movimento Feminino pela Anistia em Minas e depois<br />

de anistiada foi para Pernambuco e atuou em<br />

movimentos sociais, ambientais e de mulheres. Foi<br />

vereadora e candidata à prefeita do município de<br />

Cabo.<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 36


[ Capa ]<br />

Cartaz, produzido <strong>por</strong> Neide Pessoa, vendido para arrecadar recursos para ajudar os exilados nos anos 1970.<br />

37 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong><br />

Arquivo de Ãngela Pezutti


www.sinpro<strong>minas</strong>.org.br<br />

z<br />

38 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


[ Mulher e mídia ]<br />

Mulher e mídia sem retoques<br />

<strong>por</strong> Jalmelice Luz<br />

“Um minuto para os comerciais." “Não saia daí,<br />

hein!” “Voltamos já!” Este é o bordão mais conhecido<br />

nas programações das redes de televisão e rádios<br />

brasileiras, que entremeia capítulos de nov<strong>elas</strong>, talkshows,<br />

filmes etc. No chamado horário família,<br />

quando os controladores dessas redes supõem que<br />

todos estejam reunidos em frente à telinha, soltam o<br />

vídeo de um anúncio de sandálias. A primeira cena,<br />

homens reunidos em torno de uma mesa de bar ,<br />

fazendo um sambinha:“sai/sai/sai/sai/sai/sai...pais -<br />

carigundum/paiscarigundum/ paiscarigundum...”<br />

Em cena uma mulher , que poderia ser uma<br />

amiga, uma vizinha ou qualquer pessoa saída do<br />

mundo real. Óculos de intelectual, um jeito firme de<br />

gesticular, sem fazer caras e bocas, nada “de tudo<br />

no lugar”, roupas comuns, sem fendas nem decotes<br />

ousados, muito menos lamé ou paeté. De forma<br />

segura, ela questiona como eles poderiam ficar<br />

naquela situação com tantas coisas acontecendo no<br />

mundo, crise econômica, gente passando fome,<br />

guerra e tanta tristeza. Eles param. Até então<br />

parecia que ali não havia ouvidos moucos. Mas a<br />

deixa foi dada, e a rapaziada entoa: “tristeezaa, <strong>por</strong><br />

favor vai embooora...” e as sandálias servindo de<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 39


pandeiro ou qualquer coisa que embale. A mulher ,<br />

desconcertada, sai de cena.<br />

No horário nobre entre o jornal ou a novela das<br />

oito, que começa às nove, o apresentador anuncia:<br />

“No próximo bloco: a seca mata no sertão nor destino.<br />

Seleção brasileira treina duro para o próximo jogo.<br />

Logo após os comerciais.” Cena 1: Um grupo de<br />

executivos em torno de uma mesa, de terno e<br />

gravata, como manda o figurino. Entre eles uma bela<br />

mulher, num tailleur sob medida. Bem clássica, séria,<br />

cabelos presos em coque, óculos de griffe. A pergunta<br />

é simples: “onde você gostaria de estar em cinco<br />

anos”. O jovem executivo se imagina dirigindo um<br />

carro potente, a última novidade do mercado de<br />

automóveis. A seu lado, a compenetrada executiva<br />

que o acompanha, solícita e complacente. Ele,<br />

satisfeito, dá um leve sorriso. Cena 2: A executiva se<br />

imagina dentro do mesmo carro, com o mesmo<br />

homem ao volante, com uma pequena diferença, ela<br />

no banco de trás, lendo The Wall Street Journal ou<br />

o Herald Tribune ou coisa parecida.<br />

Essas duas peças publicitárias podem ser vistas<br />

não apenas com o olhar de consumidor , mas como<br />

maneiras diferenciadas de representação da mulher<br />

pela mídia, prevalecendo ainda a divisão do espaço<br />

público e espaço privado; o primeiro, destinado aos<br />

homens e o segundo, reservado às mulheres. Na<br />

primeira peça, a mulher consciente, engajada,<br />

questionadora, fala de uma realidade que nem todo<br />

mundo quer ouvir , e não é levada a sério. O<br />

protagonismo da mulher é associado a uma figura<br />

estereotipada, chata, insistente. A segunda peça<br />

seria a imagem da mulher competitiva que não tem<br />

como objetivo “agarrar seu homem”, de preferência<br />

dono de um carro luxuoso, mas em busca do<br />

sucesso profissional. Ela quer poder.<br />

Essas são linguagens da publicidade que se<br />

esforçam para apreender a mulher no mundo<br />

contem<strong>por</strong>âneo. É preciso que se faça um adendo.<br />

Essa busca de novas expressões, de diálogo com o<br />

público feminino, a exemplo da propaganda do<br />

carro, se dá <strong>por</strong> causa de mudanças no mercado de<br />

consumo. Assim como no primeiro anúncio, a<br />

abordagem também é em função de uma fatia do<br />

[ Mulher e mídia ]<br />

mercado que não precisaria de muita coisa, de informação,<br />

nem de expressar desejos e sonhos de<br />

mudar o mundo, mas apenas um par de chinelos e<br />

“xô tristeza”.<br />

Estereótipos em pauta<br />

Para não tornar a publicidade a vilã da história,<br />

ao contrário, ela retrata valores e com<strong>por</strong>tamentos<br />

da sociedade brasileira; basta que se tenha olhos<br />

“Em alguns momentos, a<br />

mídia elabora um discurso de<br />

que os pequenos avanços<br />

trouxeram mais sobrecarga<br />

para as mulheres”<br />

Mônica Bara<br />

para ver e ouvidos para ouvir criticamente. Estas<br />

várias representações da mulher permeiam todas as<br />

mídias. Seja nas nov<strong>elas</strong>, nos programas de audi tó -<br />

rio, nos filmes, nas campanhas promocionais, na<br />

literatura, nos livros didáticos, na música, para o<br />

bem ou para o mal.<br />

Estar na mídia, deixar de estar ou ficar à mar -<br />

gem do que ela reproduz para a sociedade, traduz,<br />

em grande parte, a escolha a priori daquilo que vale<br />

ser midiatizado. E de que maneira o fato, o instante<br />

ou o personagem, podem ser trabalhados? Assim<br />

tem sido o com<strong>por</strong>tamento em relação aos setores e<br />

grupos com menos poder de pressão nestes espaços<br />

de poder. A socióloga Mônica Bara Maia sublinha<br />

que a relação da mídia com o feminino se dá com<br />

40 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


ase em conceitos conservadores, com raras exceções,<br />

enfocando a mulher-mãe ou a antiga e atual<br />

imagem da mulher-objeto. Imagens criadas ao longo<br />

da história da civilização ocidental de dependência<br />

da mulher, da submissão ao homem.<br />

Mesmo quando a mídia busca avançar ao falar<br />

da mulher, o padrão utilizado é o mesmo: a mulher<br />

branca, magra, bela, jovem e sensual. A socióloga<br />

cita o livro Backlash (“Recuo” em <strong>por</strong>tuguês),<br />

bastante atual, de autoria da jornalista americana<br />

Susan Faludi, que discute o “contra-ataque<br />

organizado dos meios de comunicação de massa e<br />

de determinadas instituições, na década de 1980, ao<br />

pensamento feminista e à determinação das mulheres<br />

na luta pela igualdade de direitos no trabalho,<br />

na política, no lar e na sexualidade”. Ela mostra<br />

vários efeitos do que considera “uma campanha da<br />

mídia contra a mulher”.<br />

Mônica Bara concorda com Faludi na interpretação<br />

de que há uma tentativa de esvaziar , de<br />

banalizar ou ainda penalizar as mulheres p<strong>elas</strong><br />

conquistas advindas da luta feminista. A abordagem<br />

de temas em <strong>revista</strong>s femininas, como, <strong>por</strong> exemplo,<br />

jornadas duplas ou triplas de trabalho fora e dentro<br />

de casa, as separações cada vez mais comuns; as<br />

exigências do mercado de trabalho, o retorno de<br />

algumas mulheres ao lar , seriam tentativas de<br />

redirecionamento do pensamento feminista e da<br />

ação dos movimentos de mulheres. “Em alguns<br />

momentos, a mídia elabora um discurso de que os<br />

pequenos avanços trouxeram mais sobrecarga para<br />

as mulheres”, diz a socióloga. O que a autora<br />

denuncia é que a mídia utiliza uma “pseudociência”<br />

para, no final das contas, dizer para a mulher que<br />

essa revolução custa muito caro. Nesses momentos<br />

ressurgem os chavões muito cultuados: filho de mulher<br />

que trabalha fora de casa sofre mais que<br />

aqueles que estão no colo da mãe, dentro de casa;<br />

mulheres separadas, nem se fala! Coitadas! Se<br />

esfolam para garantir o sustento da casa e dos filhos.<br />

“São modelos muito rígidos e conservadores de representar<br />

a mulher e nossas questões. A impressão<br />

que passa é que chegamos onde chegamos, mas não<br />

teríamos muitas saídas. O que não é verdadeiro.<br />

Muito ainda está <strong>por</strong> ser feito para a emancipação<br />

da mulher”, conclui Mônica Bara.<br />

Preconceito e discriminação racial<br />

Quando se trata da mulher negra a situação é<br />

ainda mais grave, afirma Benilda Regina de Brito,<br />

militante do Coletivo de Mulheres Negras – N´Zinga<br />

e gestora de Educação Municipal, na região Norte<br />

de Belo Horizonte. Ela observa que não se sente representada<br />

da forma como as mulheres são interpretadas<br />

pela mídia. Para Benilda Regina, prevalece<br />

“uma herança cultural machista que prioriza o<br />

com<strong>por</strong>tamento masculino com a subserviência do<br />

feminino”. Esta herança é reproduzida em todos os<br />

aspectos da sociedade, em que é forte um<br />

imaginário coletivo preconceituoso. A mulher em<br />

ascensão é ainda um estereótipo congelado de uma<br />

figura que tem um padrão aceitável na mídia. Entretanto,<br />

Benilda Regina acredita que as ações<br />

afirmativas vêm forçando alterações. Na teledramaturgia<br />

e comerciais, <strong>por</strong> exemplo, há a<br />

exigência de cota de participação de negros. Benilda<br />

de Brito observa que as desigualdades ainda são<br />

muito grandes, e o capitalismo avança mais que as<br />

políticas públicas, na absorção dessas mudanças, em<br />

uma lógica de reserva de mercado.<br />

Os estereótipos, o padrão congelado da mulher<br />

branca, bem-sucedida, magra, malhada, eterna -<br />

mente jovem, impedem, de acordo com Benilda de<br />

Brito, a visibilidade da mulher . Ela cita o exemplo<br />

do senso comum, o de que a mulher é “ruim de<br />

roda”, quando as estatísticas apontam que o número<br />

de acidentes provocados <strong>por</strong> mulheres é menor em<br />

relação aos causados <strong>por</strong> homens. Otimista, Benilda<br />

de Brito acredita que, diante da força das ações<br />

afirmativas, em que o lema é “não somos todos<br />

iguais”, o mercado vai ter que ceder . As escolas<br />

municipais, em Belo horizonte, de acordo com<br />

Benilda Regina, têm buscado tratar essas questões<br />

em sala de aula. Mas ainda é muito comum o choque<br />

com os preconceitos, e esta é a dificuldade dos<br />

educadores acredita que é um círculo virtuoso que<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 41


tende a se expandir. A professora de jornalismo Ana<br />

Maria Rodrigues também. Ela acredita em mu -<br />

danças mais profundas e emancipatórias das mulheres,<br />

inclus<strong>ive</strong> as mulheres jornalistas, que<br />

estariam galgando novos espaços dentro das<br />

redações.<br />

Desqualificação de gênero<br />

A psicóloga Silvia Flores faz a defesa de que a<br />

mídia não pode ser demonizada <strong>por</strong>que ela reproduziria<br />

o que a sociedade é. A psicóloga diz que<br />

mulheres desinformadas, que não querem evoluir ,<br />

existem no mundo real e não são invenções da<br />

mídia. “Acho que hoje a mulher está sendo representada<br />

de uma maneira mais fiel e realista que<br />

há 20 e 30 anos. Inclus<strong>ive</strong> quando é banalizada.<br />

Porque algumas mulheres não se emanciparam, não<br />

desejam se emancipar como indivíduo completo e<br />

tornam-se a metade da laranja do marido. Aquela<br />

mulher que só existe <strong>por</strong> procuração, primeiro do<br />

pai, depois do marido”.<br />

A psicóloga observa que a mudança na compreensão<br />

do papel da mulher e do homem depende<br />

da base familiar, da escola e políticas de governo.<br />

Silvia Flores chama a atenção para o fato de serem<br />

as mulheres a grande maioria dos educadores no<br />

país, sendo a profissão tratada como de segundo<br />

escalão. Isto tem a ver com a desqualificação de<br />

gênero, finaliza Silvia.<br />

Observa-se que no processo de construção da<br />

identidade feminina há uma negação da mulher<br />

como sujeito. Se nessa construção as mulheres,<br />

além de oprimidas, são apresentadas como cúmplices,<br />

ou compactuando com a manutenção das<br />

formas definidoras do ser feminino e sua identidade,<br />

a questão que se coloca é como as mulheres darão<br />

mais um passo à frente. Para enfrentar esta<br />

situação, o movimento feminista vem elaborando<br />

ideias e observando o processo de construção das<br />

notícias no Brasil. Foi identificado, em vários<br />

estudos, que há uma forte tendência nos meios de<br />

comunicação à negação do protagonismo da mulher.<br />

[ Mulher e mídia ]<br />

Silvia Flores, psicóloga, defende que a mídia não pode ser demonizada, pois<br />

reproduz a sociedade.<br />

Isto <strong>por</strong>que esses meios operam com uma imagem<br />

estereotipada da mulher. Entretanto, esta falha vem<br />

sendo compensada com a utilização de mídias<br />

alternativas, principalmente via internet p<strong>elas</strong><br />

organizações feministas.<br />

A criação de um Observatório da Mulher tem<br />

permitido o acompanhamento das lutas das mulheres<br />

no Brasil e a leitura de contextos. As datas<br />

comemorativas – 8 de Março, as campanhas contra<br />

a violência doméstica, a Lei Maria da Penha, que<br />

completou três anos –, são alguns dos momentos em<br />

que as questões de gênero ganham espaços na<br />

mídia. Há um fluxo e refluxo na produção midiática<br />

relacionadas à questão da mulher , que, às vezes, é<br />

tratada de forma equivocada, policialesca.<br />

Em outras ocasiões <strong>elas</strong> ganham espaço em<br />

função da personalidade em foco naquele momento.<br />

As organizações de mulheres, <strong>por</strong>tanto, empunham<br />

bandeiras e se lançam também num processo de<br />

negociação constante, de busca de diálogo com a<br />

mídia, na qual está inserido um grande conflito de<br />

interesses, para que suas ideias conquistem<br />

corações e mentes e sejam reconhecidas como<br />

prioridade na agenda social e política do país.f<br />

42 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong><br />

Arquivo


[ Educação e gênero ]<br />

O desafio da jornada escolar<br />

<strong>por</strong> Denilson Cajazeiro<br />

Dona Maria Geralda de Paula começou a estudar<br />

tarde, muito tarde, aliás. Quando criança, morava em<br />

uma fazenda no interior de Minas, e seus pais<br />

queriam vê-la longe dos bancos escolares, mas perto<br />

da roça e do fogão, para fazer queijo. Escola, para<br />

eles, era coisa só de homens. “Meus pais achavam que<br />

era besteira, que eu ia escrever cartas para namoradinho,<br />

então não t<strong>ive</strong> chances de estudar”, revela. Anos<br />

depois, já casada, foi a vez de enfrentar a resistência<br />

do marido ao demonstrar interesse pelos estudos. Ele<br />

dizia que era besteira, que ela ficaria olhando para outros<br />

homens na escola.<br />

Só aos 60 anos, incentivada pelos filhos, é que<br />

dona Maria conseguiu iniciar seus estudos, em uma<br />

turma noturna de alfabetização de uma escola da rede<br />

municipal de Belo Horizonte, no bairro Alto Vera Cruz,<br />

onde mora há mais de 30 anos. Mas a convivência com<br />

os cadernos durou apenas quatro anos. O conflito entre<br />

gerações a levou a abandonar a escola. “Estava<br />

gostando muito, mas os adolescentes gozavam<br />

demais a gente. Chamavam a gente de velha, aí eu<br />

desgostei. Eles não têm respeito <strong>por</strong> nós. Fiquei com<br />

medo e saí”, conta dona Geralda, como é conhecida<br />

entre as colegas. Hoje, aos 70 anos, ela é o que<br />

estudiosos em educação chamam de analfabeto<br />

funcional. Sabe ler e escrever, mas tem dificuldades<br />

de compreensão de textos mais longos. “Gostaria de<br />

ler bem, de abrir um livro e ler tudo. É o meu sonho.<br />

Hoje sou alfabetizada, mas é uma leitura mais lenta,<br />

simples”, comenta.<br />

A história de dona Maria Geralda de Paula<br />

pode parecer isolada, mas ilustra a situação vivida <strong>por</strong><br />

milhares de outras mulheres país afora. Para muitas<br />

d<strong>elas</strong>, o enfrentamento dos problemas de inserção e<br />

permanência escolar começa, geralmente, fora do<br />

ambiente da escola. “As mulheres têm de lidar com<br />

mais dificuldades para estar na sala de aula. Ainda hoje<br />

é muito frequente <strong>elas</strong> terem de enfrentar a tripla<br />

jornada e o preconceito de maridos ou da família”,<br />

afirma a professora da Faculdade de Educação da<br />

UFMG e pesquisadora de questões de gênero e<br />

educação Carmem Lúcia Eiterer , ao comentar o<br />

processo de alfabetização e escolarização de mulheres<br />

adultas.<br />

Dona Maria Geralda sonha em abrir um livro e ler tudo.<br />

Segundo ela, pesquisas feitas em várias regiões<br />

do país apontam o mesmo problema, isto é, <strong>por</strong> causa<br />

do trabalho e de ter que cuidar da casa e da família,<br />

a escola torna-se uma terceira jornada, que, muitas<br />

vezes, não é cumprida. “Quando ent<strong>revista</strong>mos os<br />

homens, é o trabalho que aparece como um problema<br />

– como a dificuldade de conciliar o horário do<br />

estudo com as jornadas. A casa, a família e a esposa<br />

não vão aparecer como algo que o impeça [de<br />

frequentar a escola]. Essa é a diferença. Quando ent<strong>revista</strong>mos<br />

as mulheres, a primeira coisa que<br />

aparece é a questão de gênero. Socialmente se<br />

atribui a ela a responsabilidade exclusiva pelo lar: é<br />

o cuidar dos filhos, a doença na família, a resistência<br />

de familiares, do cônjuge”, aponta a pesquisadora.<br />

Essa mesma realidade também foi observada <strong>por</strong><br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 43<br />

Denilson Cajazeiro


Ludimila Correa Bastos, mestranda em Educação,<br />

pesquisadora e coordenadora do Clube de mulheres<br />

leitoras, um grupo da UFMG, formado <strong>por</strong> 12 egressas<br />

do programa de Educação de Jovens e Adultos<br />

(Eja) da Un<strong>ive</strong>rsidade. “<strong>Elas</strong> afirmam que voltaram<br />

para a escola após terem criado os filhos, os netos.<br />

Uma d<strong>elas</strong> frisa que só depois que o marido faleceu<br />

é que ela pôde voltar a estudar , pois ele não a permitia”,<br />

conta a pesquisadora. Uma vez <strong>por</strong> semana,<br />

<strong>elas</strong> se reúnem e debatem algum texto literário, além<br />

de questões do cotidiano.<br />

[ Educação e gênero ]<br />

As pesquisadoras destacam que, em situações em<br />

que a escola se torna uma terceira jornada, o professor<br />

precisa ter jogo de cintura para contornar as<br />

dificuldades. “A questão do cansaço físico, a de olhar<br />

seus filhos, toda vez que adoece alguém em casa a mulher<br />

tem de parar para ajudar, então ela interrompe,<br />

entra e sai da escola... Começamos a mostrar para os<br />

professores que são muitas as razões p<strong>elas</strong> quais o<br />

sujeito não consegue estar na sala de aula. O professor<br />

que trabalha com esse público precisa de ferramentas<br />

para lidar com essa realidade”, ressalta Eiterer.f<br />

“Só <strong>por</strong>que fui para a escola, meu marido se separou de mim. Eu falei para ele: quando<br />

eu era criança, meu pai não me deixou estudar, agora outro homem [marido] não vai impedir.<br />

Para meu marido e meu pai era mais im<strong>por</strong>tante que aprendesse a usar minhas mãos que minha<br />

cabeça. Por que eu não fiquei usando as mãos, ou seja, lavando, passando, cozinhando,<br />

o meu marido achou ruim e me largou com dois filhos” – Depoimento de Madalena, de 32 anos,<br />

que está na dissertação de mestrado da pedagoga Sônia Maria Alves de Ol<strong>ive</strong>ira.<br />

“Teremos uma sociedade mais educada se conseguirmos educar as mães”<br />

Estimativas mundiais dão conta de que,<br />

apesar de as taxas de alfabetização de mulheres<br />

terem aumentado em quase todos os países, duas<br />

em cada três pessoas analfabetas são mulheres, e<br />

55% das 75 milhões de crianças que estão fora da<br />

escola são meninas. A maior parte desse<br />

contingente está concentrada em regiões em<br />

desenvolvimento da África, Ásia e América Latina.<br />

No Brasil, de acordo com um levantamento do Instituto<br />

de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a<br />

taxa de analfabetismo de mulheres brancas com 15<br />

anos ou mais caiu, nos últimos 15 anos, de 10,8%<br />

para 6,3%. Entre as mulheres negras, passou de<br />

24,9% para 13,7%, no mesmo período. Já a taxa de<br />

permanência na escola era de 7,4 anos em 2007.<br />

O relatório da Organização das Nações<br />

Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura<br />

(Unesco) sobre a educação no século XXI apontou<br />

para o papel estratégico da educação das mulheres<br />

no desenvolvimento e para a correlação direta entre<br />

o nível de educação das mulheres e a melhoria<br />

geral da saúde e da nutrição da população, bem<br />

como a redução da taxa de fecundidade. “As<br />

crianças cujas mães têm baixa escolaridade têm<br />

mais dificuldades na escola, <strong>por</strong>que quem acompanha<br />

o trabalho escolar d<strong>elas</strong> é a mãe, não é o pai.<br />

Teremos uma sociedade mais educada se<br />

conseguirmos educar as mães”, afirma Carmem<br />

Lúcia Eiterer. Para a pesquisadora, a permanência<br />

na escola de mulheres adultas que voltam a<br />

estudar poderia ser maior caso o poder público<br />

oferecesse locais para <strong>elas</strong> deixarem os filhos. “Se<br />

a escola oferece um educador, garante que <strong>elas</strong><br />

tenham onde deixar os filhos para estarem na sala<br />

de aula. Mas hoje isso não é uma realidade, é um<br />

problema”.<br />

44 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


[ Homenagem ]<br />

Lúcia Casasanta: uma vida dedicada à educação<br />

<strong>por</strong> Júnia Leticia<br />

Trabalhar em prol da educação pública de<br />

qualidade. Esta é uma das marcas deixadas pela<br />

professora Lúcia Casasanta, nascida em Carrancas,<br />

Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte,<br />

em 29 de maio de 1908. No início do século XX, época<br />

em que o estado de Minas Gerais era considerado um<br />

dos expoentes da educação nacional, a educadora foi<br />

uma das profissionais que mais à frente esteve<br />

desse processo.<br />

Especialista em metodologia da linguagem, ela<br />

foi a principal divulgadora e defensora do Método<br />

Global para aprendizagem da leitura. Esse método<br />

revolucionou o processo de alfabetização, então<br />

aplicado nas salas de aula de Minas e foi adotado como<br />

o melhor método durante muito tempo p<strong>elas</strong> escolas.<br />

“Lúcia teve participação im<strong>por</strong>tante neste sucesso.<br />

As escolas públicas passaram a alfabetizar através do<br />

Método Global de Contos com resultados surpreendentes”.<br />

Desde cedo, a professora já mostrava seu amor<br />

à educação. Segundo sua filha, Mariana Casasanta<br />

Caiafa, aos 19 anos, quando era professora do Grupo<br />

Escolar Barão do Rio Branco, Lúcia foi convidada pelo<br />

então governador de Minas Gerais, Francisco Campos,<br />

para integrar um grupo de bolsistas que seria enviado<br />

à Columbia Un<strong>ive</strong>rsity. “A viagem tinha o objetivo de<br />

estudar e conhecer o trabalho que estava sendo feito<br />

nas escolas públicas de lá”, conta.<br />

Na un<strong>ive</strong>rsidade, a professora especializou-se em<br />

Metodologia da Linguagem. Ao voltar da viagem, Lúcia<br />

e suas colegas – entre <strong>elas</strong>, Alda Lodi, uma das<br />

fundadoras do curso de Filosofia da UFMG – fundaram<br />

a Escola de Aperfeiçoamento. “Mais tarde, a instituição<br />

foi transformada no curso de Administração<br />

Escolar, com o objetivo de difundir as ideias e os<br />

estudos que fizeram em Columbia”, acrescenta a filha<br />

de Lúcia.<br />

Minas Gerais, na década de 1950, nos tempos do<br />

Curso de Administração Escolar , chegou a ser<br />

referência em educação pública em todo o país, e<br />

Lúcia Casasanta teve participação im<strong>por</strong>tante nesse<br />

sucesso. “As escolas públicas passaram a alfabetizar<br />

através do Método Global de Contos com resultados<br />

surpreendentes”, completa.<br />

De acordo com Mariana, que é diretora da<br />

Escola Lúcia Casasanta, no bairro Serra, região Sul<br />

da capital, a educadora foi defensora do espírito<br />

científico na sala de aula. “A prática pedagógica deixou<br />

de ser resultado de um ‘dom’ ou de intuição da<br />

professora. Passou a ser planejada, resultado de<br />

estudo e pesquisa.”<br />

Suas alunas, tanto na Escola de Aperfeiçoamento<br />

como no Curso de Administração Escolar, estudaram<br />

muito, principalmente Psicologia Evolutiva e da<br />

Aprendizagem; Desenvolvimento da Inteligência e<br />

Didática Geral. “Praticavam o que aprendiam nas<br />

turmas do extinto curso primário do Instituto de<br />

Educação. Nessas turmas, assistiam e davam aulas de<br />

demonstração, analisavam as produções das crianças,<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 45<br />

Arquivo


pesquisavam soluções para alunos com dificuldade,<br />

além de avaliar, mensurar e confrontar dados recolhidos<br />

<strong>por</strong> meio de estatística”, enumera Mariana.<br />

Entre as realizações de Lúcia Casasanta estão a<br />

criação da primeira biblioteca infantil do país e da<br />

primeira clínica para correção de problemas de<br />

leitura e de linguagem em suas d<strong>ive</strong>rsas áreas. A<br />

professora também foi uma das fundadoras e a<br />

primeira reitora da Un<strong>ive</strong>rsidade Estadual de Minas<br />

Gerais (UEMG).<br />

Dentre sua obra, um dos destaques é a famosa<br />

série As mais b<strong>elas</strong> histórias, que abrange do prélivro<br />

ao 5º ano (antiga 4ª série do ensino fundamental).<br />

“Baseada nos estudos e nos trabalhos junto às<br />

turmas do Instituto de Educação, Lúcia escreveu o<br />

pré-livro dos Três Porquinhos, amplamente utilizado<br />

em Minas Gerais”, fala Mariana Casasanta.<br />

Homenagens pelo centenário de<br />

nascimento da professora<br />

Em 2008, para comemorar o centenário de<br />

nascimento de Lúcia Casasanta, que faleceu em 4 de<br />

junho de 1989, um grupo formado <strong>por</strong> suas ex-alunas<br />

promoveu uma série de homenagens à professora. “A<br />

UEMG dedicou seu 48° Sarau Lítero-musical a ela, a<br />

Fundação Amae e a Assembleia Legislativa<br />

promoveram uma sessão solene especial à sua<br />

trajetória e a Faculdade de Educação da UFMG<br />

promoveu uma mesa-redonda sobre a sua participação<br />

no cenário educacional de Minas Gerais”, enumera<br />

Mariana Casasanta.<br />

A professora Marly Moysés Marques da Silva<br />

Araújo, a quem se deve a criação da Comenda Lúcia<br />

Casasanta, em 1997, quando era presidente da<br />

Fundação Amae, ressalta a profunda influência da<br />

professora no ensino da leitura e da escrita. “Seu<br />

grande mérito foi despertar em suas alunas o espírito<br />

da pesquisa e da fundamentação teórica na prática<br />

pedagógica, motivo da posição de vanguarda, nessa<br />

área, conquistada <strong>por</strong> Minas Gerais, naquela época.”<br />

Também em 2008 foram inaugurados um busto<br />

em homenagem a Lúcia Casasanta no Instituto de<br />

[ Homenagem ]<br />

Educação e o Centro de Memória da Faculdade de<br />

Educação da UFMG. Na Associação Mineira de Letras<br />

houve o lançamento de selo e carimbo<br />

comemorativo; a UEMG publicou o Caderno de<br />

Educação; a Associação das Professoras Públicas de<br />

Minas Gerais lançou um jornal online; e na Câmara<br />

Municipal foi entregue à família uma placa com o<br />

registro do ato solene in memoriam à educadora. “Não<br />

há maior glória para uma professora que a de ser lembrada<br />

p<strong>elas</strong> suas alunas tanto tempo depois da sua<br />

ausência”, comemora Mariana.<br />

A presidente da Comissão do Centenário de<br />

Nascimento de Lúcia Casasanta e ex-aluna da<br />

professora, Lenita Ferreira de Ol<strong>ive</strong>ira, conta que a<br />

ideia das comemorações surgiu a partir do lançamento<br />

da Revista Amae Educando, com matérias sobre a<br />

educadora. “Dona Lúcia fez um trabalho admirável.<br />

Mas o que mais marcou sua vida foi ser professora,<br />

e nesta função ela era extraordinária. Ela<br />

fundamentava teoricamente suas aulas e articulava<br />

ciência com literatura de uma maneira admirável. Foi<br />

um exemplo e inspiração para muitas professoras.”f<br />

Obras:<br />

Série As mais b<strong>elas</strong> histórias: composta <strong>por</strong><br />

seis volumes para crianças e seis manuais<br />

para o professor<br />

Literatura infantil: Bingo, A neta da galinha<br />

ruiva<br />

Métodos de ensino da leitura<br />

46 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


[ Mulheres na política ]<br />

BH é a única capital que tem<br />

uma mulher na presidência da Câmara<br />

<strong>por</strong> Saulo Martins<br />

Para a presidente da Câmara Municipal de BH, Luzia Ferreira, as mulheres ainda ocupam pouco espaço na política.<br />

Após 72 anos de história, a Câmara Municipal de<br />

Belo Horizonte está sob a presidência de uma mulher,<br />

a vereadora Luzia Ferreira. Em um retrospecto de 26<br />

legislaturas, apenas 28 vereadoras assumiram uma<br />

cadeira na Casa. De acordo com Luzia Ferreira,<br />

embora as mulheres tenham conquistado o direito ao<br />

voto em 1932, o poder político ainda mantém um<br />

un<strong>ive</strong>rso típico e erroneamente masculino. Para ela,<br />

em pleno século XXI, as mulheres ainda são quase<br />

unicamente eleitoras.<br />

Nas capitais, Belo Horizonte é a única que tem<br />

uma mulher na presidência do Legislativo. A Câmara<br />

de Belo Horizonte conta com 41 vereadores, sendo<br />

cinco mulheres: Neusinha Santos, Elaine Matozinhos,<br />

Maria Lúcia Scarpelli, Pricila Teixeira e Luzia Ferreira.<br />

Conforme lembrou a vereadora, no Brasil, de 5.558<br />

prefeitos, apenas 505 são mulheres. Em Minas, são<br />

853 municípios e somente 51 prefeitas. Na presidência<br />

das câmaras municipais, entre 794 homens, somente<br />

59 são mulheres.<br />

Mulheres dirigem apenas 9%<br />

das prefeituras no Brasil<br />

No Brasil apenas 8,99% das prefeituras são<br />

comandadas <strong>por</strong> mulheres, enquanto 91,01% estão<br />

nas mãos dos homens. Uma das explicações para esse<br />

fenômeno pode ser a predominância de candidaturas<br />

do sexo masculino nas eleições. Em Roraima, na<br />

região Norte, os eleitores de todas as 15 cidades<br />

elegeram homens para o cargo de prefeito. Em con-<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 47<br />

Arquivo pessoal


trapartida, Alagoas foi o estado que elegeu pro<strong>por</strong> -<br />

cionalmente mais mulheres, foram 20 eleitas nas 120<br />

prefeituras. Nas regiões Sul e Sudeste, mais de 90%<br />

dos municípios elegeram homens para governar. Os<br />

estados do Nordeste abrigam o maior número de votos<br />

para as mulheres.<br />

Em 1997, houve uma alteração na lei eleitoral que<br />

obrigou os partidos políticos a reservarem 30% de suas<br />

vagas para candidaturas de mulheres, com o objetivo<br />

de diminuir a distorção na participação feminina na<br />

política. No entanto, na prática a medida ainda não<br />

é respeitada.<br />

Para tentar reverter esse quadro, a lei será <strong>revista</strong><br />

<strong>por</strong> uma comissão interministerial criada pela Secretaria<br />

Especial de Políticas para Mulheres. A<br />

novidade pode ficar <strong>por</strong> conta da criação de<br />

penalidades para as legendas que desrespeitarem as<br />

cotas destinadas às Mulheres nas câmaras federal e<br />

municipais e nas assembleias legislativas. A revisão<br />

da legislação pretende pôr fim à armadilha que<br />

transformou em teto o que deveria ser piso, como<br />

demonstra a pesquisa Mulheres sem espaço no<br />

poder, do Instituto Brasileiro de Geografia e<br />

Estatística (IBGE).<br />

[ Mulheres na política ]<br />

Pouca participação na política<br />

De acordo com essa pesquisa, a pouca participação<br />

feminina na política nacional – em torno de 12% do total<br />

das cadeiras para deputados federais e estaduais – devese<br />

fundamentalmente à forma como a lei foi redigida.<br />

Para os pesquisadores, a subrrepresentação feminina<br />

na política – as Mulheres são 51,5% do eleitorado<br />

brasileiro – poderia ser corrigida com a adoção da<br />

política de cotas <strong>por</strong> assento para parlamentares do<br />

sexo feminino. Apesar de os partidos estarem obrigados<br />

há 11 anos a destinar três de cada dez vagas a mulheres,<br />

muitos burlam a norma <strong>por</strong> falta de punição e reservam<br />

mais vagas a candidaturas de homens.<br />

A cota dos 30% trouxe uma melhora no percentual<br />

de participação de mulheres na política. Os<br />

números saltaram de 7,4% de mulheres no total de<br />

vereadores nas eleições de 1992 – antes da lei – para<br />

12,7% nas eleições de 2004. Mas esse incremento não<br />

bastou para tirar o Brasil da 142ª posição no ranking<br />

de participação feminina nos parlamentos do mundo,<br />

vindo atrás de países como Equador e Moçambique,<br />

como demonstra um levantamento da União Interparlamentar.f<br />

48 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


[ Perfil ]<br />

Júnia Marise: exemplo<br />

da força feminina na política<br />

<strong>por</strong> Júnia Leticia<br />

Governo no qual o poder e a responsabilidade<br />

sobre os rumos de uma nação são exercidos <strong>por</strong> todos<br />

os cidadãos, diretamente ou <strong>por</strong> intermédio dos seus<br />

representantes livremente eleitos. Assim é o regime<br />

democrático, que deve caracterizar-se pela parti ci -<br />

pação política e representação social. Entretanto, a<br />

realidade mostra outro cenário, devido ao, ainda,<br />

pequeno número de mulheres que disputam cargos<br />

eletivos. Em Minas Gerais, uma das mulheres que há<br />

mais de 40 anos contribui para reverter esse quadro<br />

é a ex-senadora Júnia Marise.<br />

Im<strong>por</strong>tante personalidade que contribui para a<br />

emancipação feminina, Júnia Marise começou bem<br />

jovem na política. Aos 21 anos foi eleita vereadora,<br />

cargo que ocupou durante dois mandatos (1966 a<br />

1970 e 1970 a 1974). Ela também foi a deputada<br />

estadual mais votada em Minas (1974 a 1978, 1979<br />

a 1982 e 1982 a 1986) e a primeira mulher a se tornar<br />

senadora (1991 a 1999) no país.<br />

Entre 1987 a 1991, ela também foi vice-gover -<br />

na dora. “Neste período, mostrei com o meu tra balho<br />

so cial que este não era apenas um cargo decorativo.<br />

Quando assumi interinamente o governo do Estado,<br />

enfrentei com serenidade e responsa bi lidade as<br />

reivindicações das professoras e do funcionalismo que<br />

estavam em greve há 90 dias. Aten di as reivindicações<br />

e eles puderam voltar ao trabalho. Este foi o maior<br />

desafio de quem, no passado participava das greves<br />

justas e reivindicatórias.” Ela também foi fundadora<br />

e a primeira presidente do Conselho Estadual da Mulher<br />

em Minas, durante o governo Tancredo Neves.<br />

Júnia Marise conta que o primeiro desafio que<br />

teve de enfrentar na vida pública foi o preconceito<br />

contra a mulher na política. “Cheguei a encontrar um<br />

ou outro eleitor que dizia que a mulher deveria se<br />

preocupar mais com o lar. Quando me elegi vereadora,<br />

diziam que eu seria uma ‘flor’ na Câmara. Provei com<br />

minha atuação que não estava lá para embelezar o<br />

plenário, mas para trabalhar pela cidade, p<strong>elas</strong><br />

regiões mais carentes”, lembra.<br />

Nascida em uma região pobre, a Vila Oeste, em<br />

Belo Horizonte, Júnia Marise diz que foi a pobreza que<br />

a politizou. Segundo ela, seu mandato de vereadora<br />

foi um marco, <strong>por</strong>que subia morros de fav<strong>elas</strong>,<br />

Júnia Marise: primeira mulher a se tornar senadora no Brasil<br />

conversava sobre os problemas urbanos e sociais com<br />

a população e defendia os melhoramentos e a<br />

cidadania. “Na campanha, os adversários da antiga<br />

Arena me chamavam de subversiva <strong>por</strong>que minha<br />

postura de cobrança e de defensora das liberdades<br />

democráticas incomodava.”<br />

O trabalho desenvolvido pela política e também<br />

jornalista, que trabalhou na Rádio Itatiaia,<br />

Bandeirantes e no Diário de Minas, serve como exemplo<br />

para outras pessoas. “Para as mulheres, serviu para<br />

mostrar que temos competência para administrar ,<br />

legislar e defender os interesses populares. Para os<br />

homens, acho que foi uma surpresa satisfatória a minha<br />

identidade com a cidade e a defesa da demo-<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 49<br />

Arquivo pessoal


cracia, no momento em que vivíamos o silêncio da<br />

ditadura”, ressalta.<br />

Apesar desse avanço de mentalidade, Júnia Ma -<br />

ri se observa que a participação das mulheres na po lítica<br />

é muito pequena. Dados do Tribunal Superior Eleitoral<br />

(TSE) comprovam o que ela diz. Em 2008, enquanto<br />

no total do eleitorado brasileiro as mulheres superam<br />

os homens (51,8% a 48,2%), o balanço parcial do registro<br />

de candidatos para as eleições municipais indicaram<br />

que a participação feminina na disputa pelos cargos<br />

eletivos representava 20,8% do total.<br />

Ciente da im<strong>por</strong>tância da representatividade<br />

feminina na política, Júnia Marise foi autora, no<br />

Senado, do Projeto de Lei 322/95, que estipulava cotas<br />

de 20% para mulheres em candidaturas de todas as<br />

eleições pro<strong>por</strong>cionais. “Meu objetivo era incentivar<br />

todos os partidos, de todas as ideologias, a destinarem<br />

cotas para as eleições pro<strong>por</strong>cionais, além de incentivar<br />

as mulheres a participar da vida pública.”<br />

No Senado, sua atuação ficou marcada <strong>por</strong> uma<br />

postura política e ética. “Fui contra as privatizações,<br />

conta a reforma da Previdência, que prejudicava trabalhadores<br />

e aposentados, líder da oposição e, além de<br />

tantos projetos apresentados, o que incluiu o Vale do<br />

Jequitinhonha, no Norte de Minas, na área da<br />

Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste<br />

(Sudene), que foi um momento histórico para o<br />

Estado”, enumera. O resultado de seu trabalho foi a<br />

sua indicação, <strong>por</strong> vários anos, como uma das “100<br />

cabeças do Congresso”.<br />

Desafios a superar<br />

No Brasil, a história da participação da mulher<br />

no Parlamento tem como marco inicial a conquista<br />

do direito ao voto, que se deu em 1932. Essa<br />

conquista é resultado da luta contínua do movimento<br />

[ Perfil ]<br />

sufragista – movimento social, político e econômico<br />

de reforma, com o objetivo de estender o direito de<br />

votar às mulheres –, que emergiu no país em 1919.<br />

Mas apesar de o Brasil outorgar o direito ao voto às<br />

mulheres antes de países tidos como de primeiro<br />

mundo, como a França (1945), ainda há muito a se<br />

conquistar.<br />

A experiência na vida pública fez com que<br />

Júnia Marise apontasse a disputa desigual como<br />

principal entrave para que as mulheres participem<br />

mais da política. “O poder econômico que influencia<br />

nas eleições e candidatos que têm dinheiro são os<br />

principais problemas das mulheres que, sem recursos<br />

financeiros, não podem sustentar suas campanhas”,<br />

sinaliza. Outro aspecto destacado <strong>por</strong> ela é a ética que<br />

sempre norteou a dignidade das mulheres e não as<br />

permite acordos com grupos econômicos que sempre<br />

querem favores posteriores.<br />

Para reverter esse quadro, a senadora fala que<br />

o financiamento público das campanhas ajudaria as<br />

mulheres a se engajarem mais na participação<br />

eleitoral. Com relação aos desafios na vida pública,<br />

Júnia Marise diz “meu primeiro desafio foi provar que<br />

tinha competência, seriedade e honestidade para<br />

participar da vida pública”, recorda-se.<br />

Dentre os muitos desafios que as mulheres<br />

ainda têm de enfrentar atualmente, Júnia Marise<br />

aponta o enfrentamento das desigualdades sociais<br />

como o maior deles. “Nos colocam no leque das<br />

minorias, mas se esquecem que representamos mais<br />

de 50% do eleitorado brasileiro e que estamos aptas<br />

para ocupar cargos de empresárias, juízas,<br />

desembargadoras e até ministras do Supremo”.<br />

Segundo ela, tem havido um avanço nas conquistas,<br />

mas as trabalhadoras ainda têm como desafio lutar<br />

<strong>por</strong> igualdade de salários com os homens, ocupando<br />

as mesmas funções que eles e com a mesma<br />

graduação.f<br />

Júnia Marise começou bem jovem na política. Aos 21 anos foi eleita vereadora,<br />

cargo que ocupou durante dois mandatos (1966 a 1970 e 1970 a 1974). Ela também<br />

foi a deputada estadual mais votada em Minas (1974 a 1978, 1979 a 1982 e 1982 a<br />

1986) e a primeira mulher a se tornar senadora (1991 a 1999) no país.<br />

50 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


Hours concours em Cannes, um dos filmes de<br />

maior sucesso no badalado festival francês foi<br />

“Ágora”, direção de Alejandro Amenabar. A estrela<br />

é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006<br />

de melhor atriz coadjuvante em “O jardineiro fiel”,<br />

dirigido <strong>por</strong> Fernando Meirelles.<br />

Em “Ágora” ela interpreta Hipácia, única mulher<br />

da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma,<br />

física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu<br />

em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista<br />

de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela<br />

cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos<br />

30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre<br />

Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de<br />

corpos celestes e teria inventado novos modelos de<br />

[ Crônica ]<br />

Difícil arte de ser mulher<br />

Frei Betto<br />

Cena do filme francês Ágora, dirigido <strong>por</strong> Alejandro Amenabar e estrelado <strong>por</strong> Rachel Weiz.<br />

astrolábio, planisfério e hidrômetro. Neoplatônica,<br />

Hipácia defendia a liberdade de religião e de<br />

pensamento. Acreditava que o Un<strong>ive</strong>rso era regido <strong>por</strong><br />

leis matemáticas. T ais idéias suscitaram a ira de<br />

fundamentalistas cristãos que, em plena decadência<br />

do Império Romano, lutavam <strong>por</strong> conquistar a<br />

hegemonia cultural.<br />

Em 415, instigados <strong>por</strong> Cirilo, bispo de Alexandria,<br />

fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja,<br />

esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após<br />

assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua<br />

morte selou, <strong>por</strong> mil anos, a estagnação da matemática<br />

ocidental. Cirilo foi canonizado <strong>por</strong> Roma.<br />

O filme de Amenabar é pertinente nesse<br />

momento em que o fanatismo religioso se revigora<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 51<br />

Divulgação


mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais<br />

profundo: a opressão contra a mulher . Hoje, ela se<br />

manifesta <strong>por</strong> recursos tão sofisticados que chegam<br />

a convencer as próprias mulheres de que esse é o<br />

caminho certo da libertação feminina.<br />

Na sociedade capitalista, onde o lucro impera<br />

acima de todos os valores, o padrão machista de<br />

cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a<br />

imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é<br />

deslocada para o sentir -se desejada; seu corpo é<br />

violentamente modelado segundo padrões consu mis -<br />

tas de beleza; seus atributos físicos se tor nam onipresentes.<br />

Onde há oferta de produtos – TV , internet,<br />

outdoor, <strong>revista</strong>, jornal, folheto, cartaz afixado em<br />

veículos, e o merchandising embutido em telenov<strong>elas</strong><br />

– o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios,<br />

coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em<br />

sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos,<br />

e agora dilacerada p<strong>elas</strong> conveniências do mercado.<br />

É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição.<br />

Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu<br />

Lobo e Chico Buarque, “Procurando bem / todo<br />

mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e<br />

tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina<br />

que não tem”. Se t<strong>ive</strong>r, será execrada pelos padrões<br />

machistas <strong>por</strong> ser gorda, velha, sem atributos físicos<br />

que a tornem desejável. Se abre a boca, deve falar de<br />

emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de<br />

realidade; da vida privada e não da pública (política).<br />

E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracio na -<br />

lidade analógica: “gata”, “vaca”, “avião”, “melancia”<br />

etc.<br />

Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar<br />

o peso à custa de enormes sacrifícios (quem<br />

dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...),<br />

mudar o vestuário o mais frequentemente possível,<br />

submeter-se à cirurgia plástica <strong>por</strong> mera questão de<br />

vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi<br />

criado para corrigir anomalias físicas e não para<br />

dedicar-se a caprichos estéticos).<br />

Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é<br />

ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista.<br />

Supõe solidariedade e não competitividade; partilha<br />

[ Crônica ]<br />

e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo<br />

impregnado nessa cultura voltada ao consumismo<br />

teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto<br />

(de consumo).<br />

Na guerra dos sexos, historicamente é o homem<br />

quem dita o lugar da mulher. Ele tem a posse dos bens<br />

(patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio)..<br />

E, é claro, ela é incluída entre os bens...<br />

Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir<br />

o sobrenome do marido ao nome da mulher.<br />

No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor<br />

de escravos era permitido sair de casa apenas<br />

três vezes: para ser batizada, casada e enterrada....<br />

Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e<br />

Na sociedade capitalista,<br />

onde o lucro impera acima de<br />

todos os valores, o padrão<br />

machista de cultura associa<br />

erotismo e mercadoria.<br />

A isca é a imagem<br />

estereotipada da mulher.<br />

filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que<br />

não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos<br />

de vontades e parcos de inteligência, ainda que<br />

cultos.<br />

Se o atrativo é o que se vê, <strong>por</strong> que o espanto<br />

ao saber que a média atual de durabilidade conjugal<br />

no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se<br />

interessem <strong>por</strong> mulheres que carecem de atributos<br />

físicos ou quando estes são vencidos pela idade?<br />

Pena que ainda não inventaram botox para a<br />

alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade.f<br />

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais. Autor de 53 livros,<br />

editados no Brasil e no exterior, tendo recebido vários prêmios.<br />

52 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


Guarda compartilhada:<br />

realidade para algumas famílias<br />

<strong>por</strong> Júnia Leticia<br />

Com a responsabilização conjunta, pai compartilha a guarda dos filhos<br />

A quem compete a guarda dos filhos? Com a<br />

aprovação da Lei nº 11.698, em 13 de junho de 2008,<br />

tanto a mãe como o pai assumem direitos e deveres<br />

em relação aos filhos com responsabilização conjunta.<br />

De acordo com a lei da guarda compartilhada, as<br />

atribuições de cada um dos pais e os períodos de<br />

convivência são definidos pelo juiz. Pelo texto da lei,<br />

tanto a guarda unilateral como a compartilhada<br />

podem ser tem<strong>por</strong>árias (<strong>por</strong> período específico).<br />

Apesar de ter sido aprovada em 2008, a guarda<br />

compartilhada já é uma realidade para algumas<br />

famílias. Segundo dados das Estatísticas do Registro<br />

Civil 2007, publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia<br />

e Estatística (IBGE), no Brasil, do total de<br />

[ Com<strong>por</strong>tamento ]<br />

74.880 divórcios concedidos em 1ª instância a casais<br />

com filhos menores de idade, 2.384 cônjuges se<br />

tornaram responsáveis pela guarda dos filhos. Entretanto,<br />

os dados não diferenciam a guarda compartilhada<br />

(pelo pai e pela mãe ao mesmo tempo) da<br />

guarda alternada (ora com o pai, ora com a mãe).<br />

A lei da guarda compartilhada nasceu da iniciativa<br />

do fotógrafo Rodrigo Dias, de Belo Horizonte. Segundo<br />

ele, quando se separou, em 2000, a mãe de seu filho<br />

achou que a criança não precisava mais do pai. “Só<br />

podia ver meu filho a cada 15 dias e não era permitido<br />

que eu opinasse na vida dele. Então resolvi pesquisar<br />

o tema”, conta. A partir daí, Dias fundou a Associação<br />

Pais para Sempre. Apoiado <strong>por</strong> membros da<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 53<br />

Saulo Martins


Associação, ele esboçou o projeto de lei, que foi<br />

apresentado à Câmara dos Deputados em 2001.<br />

Para a psicóloga, psicanalista, mestranda em<br />

Direito Civil, terapeuta de casal e família e diretora<br />

do Instituto Brasileiro de Direito de Família<br />

(IBDFAM), Giselle Câmara Groeninga, o principal ganho<br />

da nova lei é a crescente consciência da<br />

responsabilidade de ambos, pai e mãe, na criação dos<br />

filhos. “O que antes ficava como um direito do<br />

genitor não guardião, o de visitas, com a nova lei, em<br />

que a guarda compartilhada é preferencial, fica<br />

claramente expresso como responsabilidade”, pontua.<br />

Giselle Groeninga ressalta que a guarda compartilhada<br />

tem um enorme valor num país em que<br />

aproximadamente um terço dos lares contam somente<br />

com as mães para exercer a função parental. “Os<br />

benefícios são a possibilidade de diminuir a carga de<br />

trabalho que costumam tomar para si, mais tempo livre<br />

e ‘espaço’ mental, e consciência destes direitos.<br />

Há uma crise em nossa sociedade relativa à<br />

responsabilidade dos homens em relação à família e<br />

aos filhos, que a nova lei tende a contribuir para<br />

modificar”.<br />

Entre os benefícios da Lei no 11.698, a advogada<br />

com especialidade em Direito de Família, Djanete<br />

Soares Pereira da Silva Melo, destaca o equilíbrio na<br />

formação da personalidade e no caráter psicossocial<br />

da criança ou do adolescente, com influência direta<br />

na formação do seu caráter e personalidade. “Com a<br />

guarda compartilhada o pai e a mãe são igualmente<br />

responsáveis pelos direitos e deveres relativos aos filhos<br />

e decidem conjuntamente sobre a sua vida<br />

cotidiana. Situação essa que não costuma acontecer<br />

[ Com<strong>por</strong>tamento ]<br />

quando a guarda é unilateral (apenas de um dos pais),<br />

o outro pode atribuir a responsabilidade <strong>por</strong> atitudes<br />

negativas no filho àquele que ficou com a sua guarda.<br />

Isso gera um desgaste emocional que, independente<br />

da vontade, atinge a criança”.<br />

Diferenças culturais<br />

Mesmo já sendo aplicada com êxito em outros<br />

países, como Inglaterra, França, Estados Unidos e<br />

Canadá, a advogada ressalta que diferenças culturais<br />

podem influenciar na hora de se cumprir a lei. “Há<br />

magistrados que não comungam da guarda compartilhada”,<br />

conta. Por isso, também visando à proteção<br />

de crianças e adolescentes, a Comissão de Seguridade<br />

Social e Família da Câmara Federal aprovou o<br />

Projeto de Lei 4.053/08, que regulamenta a Síndrome<br />

da Alienação Parental. Ela é caracterizada quando o<br />

pai ou mãe, após a separação, leva o filho a odiar o<br />

outro. O projeto de lei estabelece d<strong>ive</strong>rsas punições<br />

para a má conduta, que vão desde advertência e multa<br />

até a perda da guarda da criança.<br />

Desde que a Lei nº 11.698 entrou em vigor ,<br />

Djanete Melo observa que não há muitos pedidos da<br />

guarda compartilhada. De acordo com ela, é uma<br />

situação cultural, relativa à posição atribuída à mulher<br />

na sociedade. “Ou seja, a mulher não teria a<br />

capacidade para exercer funções outras a não ser a<br />

de ser mãe e dona de casa. E, apesar de ela provar<br />

o contrário e ocupar espaço no mercado de trabalho<br />

em condições de igualdade com o homem e dividir<br />

responsabilidades, sendo às vezes a única provedora<br />

LEI Nº 11.698, DE 13 DE JUNHO DE 2008.<br />

“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.<br />

§ 1º Compreende-se <strong>por</strong> guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que<br />

o substitua (art. 1.584, § 5º) e, <strong>por</strong> guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o<br />

exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto,<br />

concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.<br />

54 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


da casa, delegam somente a ela a difícil missão de<br />

educar e cuidar do filho”, acrescenta.<br />

Para que um juiz dê a guarda dos filhos a um dos<br />

pais, é necessário que ele ou ela tenha, além de<br />

condições financeiras, emocionais. “Há casos em que<br />

o pai consegue provar que a mãe não reúne essas<br />

condições para cuidar dos filhos. Tenho uma cliente<br />

que está requerendo a guarda compartilhada. Ela saiu<br />

de um estado psicótico, provou que está em outro<br />

estado emocional e, depois de ser tratada <strong>por</strong><br />

médicos e psicólogos, conseguiu autorização para<br />

passar os finais de semana prolongados com os filhos”,<br />

conta a advogada.<br />

Responsabilidade compartilhada<br />

A psicóloga do Serviço Social e Psicologia<br />

Judicial da comarca de Betim e conselheira do<br />

Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais<br />

(CRP-MG), Ana Letícia Seiler Poelman Pinheiro,<br />

destaca que, psicologicamente, a lei também tem um<br />

efeito. “Para os filhos, em geral, tem reflexos positivos<br />

<strong>por</strong> não os colocar em um lugar quase de escolha pela<br />

mãe ou pelo pai. Eles sentem que são filhos dos dois,<br />

que não perde um <strong>por</strong> ficar com o outro”, diz.<br />

Conforme Ana Letícia Pinheiro, um dos<br />

benefícios tanto para a mãe quanto para o pai, é não<br />

perder seu lugar na vida dos filhos. “Além disso, as<br />

crianças se sentem cuidadas <strong>por</strong> eles”, assinala. Entretanto,<br />

ela destaca a guarda compartilhada como<br />

uma maneira para resolver conflitos relacionados à<br />

educação dos filhos. “Cada caso é um caso. A solução<br />

ideal não está tanto no campo das leis, mas, sim, no<br />

das relações entre pessoas que se separaram, e entre<br />

pais e filhos”.<br />

Para a psicóloga, nem o homem, nem a mulher<br />

dão conta sozinhos do papel de provedor e educador.<br />

“Cada um deles tem seu papel. Saiu-se do pressuposto<br />

de que só a mulher pode cuidar dos filhos. Cada caso<br />

tem de ser analisado e é muito im<strong>por</strong>tante o papel do<br />

psicólogo nesse contexto. É ele quem vai contribuir<br />

na decisão do juiz”, diz.<br />

A design gráfico Carla Aquino concorda com Ana<br />

Letícia Pinheiro. Mãe de um menino de 7 anos, ela<br />

gostaria de que, no seu caso, a guarda fosse compartilhada.<br />

“Acho a lei ótima. Assim as tarefas ficam bem<br />

divididas entre o pai e a mãe e eles podem acompanhar<br />

melhor os filhos. Além disso, não sobrecarrega<br />

a mãe, nem os avós, que acabam tendo que ajudar<br />

também”, completa. No seu caso, a guarda não é<br />

compartilhada <strong>por</strong>que não houve interesse do pai da<br />

criança.<br />

Mãe de uma menina de 9 anos, a professora de<br />

artes do ensino médio, Cláudia França, diz que no seu<br />

caso a guarda ainda não é compartilhada, mas ela<br />

procura fazer com que seja. “O ideal é que haja um<br />

bom relacionamento entre os pais, senão pode haver<br />

uma espécie de fogo cruzado”, diz, fazendo referência<br />

ao com<strong>por</strong>tamento que observou em alguns de seus<br />

alunos. Segundo ela, eles ficam com o pai, <strong>por</strong><br />

exemplo, até quando lhes convém. Caso queiram fazer<br />

algo que ele não deixe, recorrem à mãe.f<br />

Giselle Groeninga destaca a im<strong>por</strong>tância da guarda compartilhada num país<br />

onde um terço dos lares contam só com as mães<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 55<br />

Arquivo


[ Direitos da Mulher ]<br />

Lei amplia licença-maternidade<br />

<strong>por</strong> Saulo Martins<br />

Com quase um ano de vigência, a lei que estabe -<br />

le ce a licença-maternidade de seis meses ainda não foi<br />

efetivamente implantada pela iniciativa privada. O<br />

benefício só entrará em vigor em 2010, <strong>por</strong>que a<br />

previsão de gastos com a mudança não foi incluída no<br />

orçamento da União para <strong>2009</strong>. Hoje, a concessão vale<br />

apenas para as funcionárias de empresas privadas e<br />

servidoras públicas federais.<br />

A licença-maternidade é um benefício reconhe cido<br />

pela Organização Internacional do T rabalho (OIT)<br />

desde 1921. O período de licença e a remune ração para<br />

as mães trabalhadoras diferem em cada país. Na<br />

Argentina, <strong>por</strong> exemplo, a licença é de 12 semanas, com<br />

remuneração. Já nos Estados Unidos, a licença é <strong>por</strong> três<br />

meses, mas as trabalhadoras não são remu ne radas.<br />

Atendendo a uma reivindicação das trabalhadoras<br />

brasileiras e dos movimentos sociais, foi criado, <strong>por</strong> meio<br />

da Lei 11.770, o Programa Empresa Cidadã. A iniciativa,<br />

sancionada pelo presidente Lula, em setembro de<br />

2008, propõe, em caráter facultativo, que as empresas<br />

prorroguem o período da licença-maternidade de suas<br />

funcionárias de 120, conforme está na Constituição de<br />

1988, para 180 dias. A medida também vale para todas<br />

as mulheres que adotam crianças. Nestes casos, <strong>por</strong>ém,<br />

seu período de licença varia de 30 a 120 dias,<br />

dependendo da idade do filho adotado. Trabalhadoras<br />

autônomas e empregadas domésticas, até o momento,<br />

não têm o mesmo direito.<br />

Conforme a Lei, o empresário que aderir ao programa<br />

poderá deduzir integralmente do Imposto de<br />

Renda Pessoa Jurídica a remuneração da funcionária<br />

referente aos dois meses de ampliação da licença. Além<br />

disso, não vão incidir os impostos: patronal, de 20%, nem<br />

o Seguro Social (INSS) sobre o valor bruto do salário.<br />

É necessário que o empregador faça a adesão ao Programa<br />

Empresa Cidadã para que a mãe possa pedir a<br />

prorrogação do benefício. O pedido deve ser feito no<br />

primeiro mês após o parto. A mãe continuará a receber<br />

integralmente o salário, sendo que os 120 primeiros dias<br />

serão pagos pela Previdência Social e os outros 60, pela<br />

empresa onde ela trabalha.<br />

De acordo com a Organização Mundial de Saúde<br />

(OMS), o aleitamento materno ajuda a reduzir o risco<br />

de desenvolvimento de tumores de mama e de ovário,<br />

<strong>por</strong> isso a amamentação é recomendada pelo tempo<br />

Campanha publicitária do Ministério da Saúde<br />

mínimo de seis meses. O aumento do tempo de<br />

afastamento do trabalho é uma das maneiras de garantir<br />

que as mulheres cumpram essa recomendação. “Como<br />

podemos amamentar <strong>por</strong> seis meses, se temos que voltar<br />

a trabalhar antes?”, indaga a professora un<strong>ive</strong>rsitária<br />

Joana Ferreira do Amaral.<br />

Segundo a professora, a ampliação da licença<br />

pode contribuir para a saúde do bebê e da mãe, que terá<br />

mais tempo para aumentar seus vínculos afetivos e cuidar<br />

da criança. Joana teve a sua licença concedida a partir<br />

de dezembro de 2008 entretanto, foram apenas quatro<br />

meses de afastamento da escola. Para ela, 60 dias a mais<br />

representariam um enorme ganho emocional para a<br />

relação entre mãe e filho.<br />

Desde 2005, a Sociedade Brasileira de Pediatria<br />

realiza uma campanha permanente em defesa da<br />

prorrogação da licença. Nesse período, d<strong>ive</strong>rsos estados<br />

e municípios já aderiram à medida. Um levantamento,<br />

de março de <strong>2009</strong>, aponta que 108 municípios brasileiros<br />

e 14 estados, além do Distrito Federal, transformaram<br />

em leis locais a licença-maternidade de 180 dias para as<br />

servidoras.f<br />

56 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


Obama aprova lei que beneficia as mulheres<br />

<strong>por</strong> Saulo Martins<br />

Ao assinar a sua primeira lei como presidente dos<br />

Estados Unidos, o presidente Barack Obama ampliou<br />

as garantias jurídicas para que as mulheres exijam<br />

equiparação salarial em relação aos homens que<br />

ocupam o mesmo cargo. O nome da lei, Lilly Ledbetter,<br />

homenageia uma mulher do Alabama, que trabalhou<br />

<strong>por</strong> 19 anos como supervisora de uma fábrica de pneus<br />

e diz ter sido discriminada em relação aos colegas do<br />

sexo oposto. Hoje, com 70 anos, Lilly descobriu,<br />

pouco antes de se aposentar , que ganhava muito<br />

menos do que homens na mesma função. Inicialmente,<br />

um júri condenou a empresa em que ela trabalhava a<br />

pagar a diferença salarial, mas a decisão foi revertida<br />

em 2007 pela Suprema Corte. O Congresso tentou<br />

aprovar uma lei que invalidaria a decisão da Suprema<br />

Corte, mas a Casa Branca do ex-presidente George W.<br />

Bush se opôs. No entanto, o novo Congresso, sob o<br />

comando de Obama, aprovou o texto.<br />

“Faz muito sentido que a primeira lei que eu<br />

assino – a Lei Lilly Ledbetter de Pagamento Justo –<br />

assegure um dos primeiros princípios deste país: que<br />

todos somos criados iguais e merecemos uma chance<br />

de perseguir nossa própria versão da felicidade”, afirma<br />

o presidente, em janeiro deste ano, ao assinar a lei.<br />

Futuro pai terá estabilidade<br />

A Comissão de Constituição e Justiça e de Ci da -<br />

dania da Câmara aprovou, no dia 4 de dezembro de<br />

2008, em caráter conclusivo, o projeto de lei do de -<br />

putado Arlindo Chinaglia (PT-SP) que proíbe a dis -<br />

pensa arbitrária ou sem justa causa do trabalhador<br />

cuja mulher ou companheira esteja grávida, durante<br />

o período de 12 meses. Esse período será contado a<br />

partir da concepção presumida, comprovada <strong>por</strong> laudo<br />

de médico vinculado ao SUS. Conforme o projeto, o<br />

empregador que des res peitar a norma está sujeito à<br />

multa equivalente a 18 meses de remuneração do empregado.<br />

O projeto não se aplica ao trabalhador contratado<br />

<strong>por</strong> tempo determinado, que poderá ser<br />

dispensado se o prazo de seu contrato terminar antes<br />

que se complete o período de 12 meses. O projeto<br />

deve ser aprovado pelo Senado, para entrar em<br />

vigor.f<br />

[ Poucas e boas ]<br />

A primeira dama Michelle Obama disse, na<br />

ocasião, que a lei simboliza seu compromisso e o do<br />

presidente em garantir que sejam aprovadas políticas<br />

para “ajudar mulheres e homens a equilibrar o<br />

trabalho e as obrigações familiares sem colocar seus<br />

empregos ou segurança financeira em risco. O<br />

pagamento igualitário é uma prioridade crucial para<br />

mulheres de todas as raças e etnias, idosas, jovens,<br />

mulheres com deficiências e suas famílias”, afirmou.f<br />

Direito das mulheres pode virar<br />

disciplina no ensino médio<br />

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara<br />

Federal (CCJ) aprovou, no dia 10 de março de <strong>2009</strong>,<br />

o projeto de lei que determina a inclusão de disciplina<br />

sobre conscientização dos direitos das mulheres nos<br />

currículos escolares do ensino médio de escolas públicas<br />

e privadas. A proposta, de autoria da deputada<br />

Alice Portugal (PCdoB-BA), foi aprovada <strong>por</strong><br />

unanimidade e deverá ser levada a votação no<br />

plenário. Segundo o relator do projeto, deputado<br />

Flávio Dino (PCdoB-PE), a matéria é um im<strong>por</strong>tante<br />

passo para a redução de desigualdades e injustiças<br />

cometidas <strong>por</strong> causa de preconceito de gênero. “A<br />

educação representa caminho central para o pleno<br />

respeito aos direitos humanos”, afirmou o relator, na<br />

ocasião. O projeto deve ser aprovado pelo Senado,<br />

para entrar em vigor.f<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 57<br />

Agência Estado


Dicionário de<br />

Escritoras Portuguesas<br />

Conceição Flores; Constância Lima<br />

Duarte e Zenóbia Collares Moreir a<br />

Este Dicionário de Escritor as<br />

Portuguesas reúne cerca de duas<br />

mil escritoras nascidas do século<br />

XV à contem<strong>por</strong> aneidade,<br />

dispostas em ordem alfabética do<br />

primeiro nome. Estão aí, desde<br />

princesas, infantas , damas da corte , r eligiosas e<br />

burguesas, até ilustr es plebéias e desconhecidas .<br />

Algumas fizeram da escrita uma pr ofissão; outras<br />

foram a penas diletantes da pala vra. O Dicionário<br />

abriga <strong>por</strong>tuguesas nascidas no Br asil, nas antigas<br />

colônias da África, nos Açores, na Madeir a, em<br />

Portugal continental e até algumas que, nascidas no<br />

estrangeiro, fizer am de P ortugal a sua pátria ou,<br />

nascidas em Portugal, se fixaram no estrangeiro e publicaram<br />

em língua <strong>por</strong>tuguesa.<br />

Editora Mulheres (<strong>2009</strong>)<br />

Só para mulheres<br />

A publicação dá prosseguimen to<br />

ao resgate da obra jornalística de<br />

Clarice Lispector , iniciado em<br />

2006, com o livro Correio feminino.<br />

Esta nova coletânea – organizada<br />

<strong>por</strong> Aparecida Maria Nu nes,<br />

doutora em literatura brasileira<br />

pela USP – r ecupera as colunas<br />

femininas assinadas pela escritora<br />

sob os pseudônimos de Tereza Quadr os e<br />

Helen P almer, e como ghost-writer da atriz Ilka<br />

Soares, para o tablóide Comício e os jornais Correio<br />

da Manhã e Diário da Noite, nas décadas de 50 e 60.<br />

Uma verdadeira viagem ao tempo em que o dito “sexo<br />

frágil” tinha como sua única função ser a “rainha do<br />

lar”.<br />

Editora Rocco (2008)<br />

[ Publicações ]<br />

Mulheres em letras:<br />

antologia de escritoras<br />

mineiras.<br />

Constância Lima Duarte<br />

O pr esente li vro r esgata algu -<br />

mas escritoras do século XIX e<br />

se dedica especialmente às do<br />

século XX, chegando às contem -<br />

<strong>por</strong>aníssimas como Conceição<br />

Evaristo, Maria Esther Maciel e<br />

Ana Maria Gonçalves entre outras. A organizadora,<br />

Constância Lima Duarte, se tem especializado nes -<br />

sas buscas deteti vescas nos <strong>por</strong> ões da liter atura<br />

brasileira, salvando do esquecimento inúmeras escritoras.<br />

Deve-se a ela o ressurgimento da potiguar<br />

Nísia Floresta. Mas há ainda m uito trabalho a ser<br />

feito. Este li vro v em pr eencher uma lacuna em<br />

nossos estudos e, muito im<strong>por</strong>tante, sugerir novos<br />

nomes para novos trabalhos de análise, fortificando<br />

o resgate efetuado.<br />

Editora Mulheres (<strong>2009</strong>)<br />

Olga.<br />

Fernando Morais<br />

Editora Companhia das<br />

Letras (1987)<br />

Esta Imponderável Mulher<br />

Jô Moraes<br />

Editora Maza (2000)<br />

58 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong>


Indicação de filmes<br />

Doidas E Santas<br />

Martha Medeiros<br />

L&PM Editores (2008).<br />

A Razão da Minha Vida<br />

Evita Perón<br />

Editora Revisão (1999)<br />

As Faces do Feminismo<br />

Loreta Valadares<br />

Editora Anita Garibaldi<br />

(2007)<br />

A Hora da Estrela (Brasil, 1985, 96 min.)<br />

Direção: Suzana Amaral<br />

Carlota Joaquina (Brasil, 1995, 100 min.)<br />

Direção: Carla Camurati<br />

Dona Flor e seus Dois Maridos (Brasil, 1976, 120 min.)<br />

Direção: Bruno Barreto<br />

Eternamente Pagú (Brasil, 1987, 101min.)<br />

Direção: Norma Bengell<br />

Olga (Brasil, 2004, 141 min.)<br />

Direção: Jayme Monjardim<br />

Publicações eletrônicas<br />

Mulher e Trabalho<br />

http://www.seade.gov.br/produtos/mulher/in<br />

dex.php?bole=04<br />

Revista Estudos Feministas<br />

http://www.cfh.ufsc.br/~ref/<br />

Cadernos Pagú<br />

http://www.pagu.unicamp.br/<br />

Política Nacional de Atenção Integral à Saúde<br />

da Mulher - Princípios e Diretrizes<br />

http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2007/politica_mulher.pdf<br />

Revista Presença da Mulher e Revista Princípios<br />

http://www.anitagaribaldi.com.br/loja/<br />

II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres<br />

http://www.11conferenciadh.com.br/arquivos/deliberacoes/2plano_pol_mulheres.pdf<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong> 59


[ Retrato ]<br />

Mulher, negra e sertaneja. A pernambucana Vanete Almeida atualmente é coordenadora da Rede LAC (Rede de Mulheres Rurais da América<br />

Latina e Caribe). Seu trabalho com mulheres rurais começou em 1980, quando saía de casa de madr ugada e andava cerca de 30 quilômetros de<br />

carona para conscientizar mulheres de seus direitos, quebrando séculos de repressão.<br />

60<br />

ELAS POR ELAS - AGOSTO DE <strong>2009</strong><br />

Mark Florest


Mark Florest<br />

A Bela e a Fera<br />

eeeeeeee<br />

SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS<br />

Rua Jaime Gomes, 198 - Floresta - Belo Horizonte/MG - CEP: 31.015-240<br />

Fone: (31) 3115 3000 - www.sinpro<strong>minas</strong>.org.br<br />

Filiado à Fitee, Contee e CUT<br />

Deram-me um nome, um sobrenome,<br />

Um código de barra, um número,<br />

Um cartão magnético, uma senha,<br />

Um batom, um esmalte,<br />

Um vestido e um sonho...<br />

(Moldaram-me subordinada...)<br />

Adquiri um codinome, fundei outra<br />

linhagem,<br />

Decifrei o código, troquei o número,<br />

Perdi o cartão, esqueci a senha...<br />

(E mant<strong>ive</strong>-me acordada...)<br />

Com o batom, que era vermelho,<br />

Fiz poemas cubistas no espelho<br />

E, como não deram-me pincel nem<br />

tela,<br />

Com o esmalte, fiz aquar<strong>elas</strong><br />

(Ilusionistas, impressionistas,<br />

surrealistas e amar<strong>elas</strong>...)<br />

Quanto ao vestido azul-turquesa,<br />

Para provar que não sou sua,<br />

Rasguei e fiz uma “Tereza”<br />

E eis-me livre... e leve... e nua...<br />

Deram-me uma estrada ... e era<br />

torta...<br />

Deram-me uma <strong>por</strong>ta... e era<br />

fechada...<br />

Porém, saltei pela janela<br />

E desviei a minha rota!...<br />

IVONE MENDES

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