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Untitled - História da Medicina

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Vou começar por uma curta digressão introdutória<br />

do tema deste encontro, servindo-me <strong>da</strong> pena<br />

autoriza<strong>da</strong> de Jean Starobinski, aliás abun<strong>da</strong>ntemente<br />

citado.<br />

O homem teria sofrido o assalto <strong>da</strong> doença e o medo<br />

<strong>da</strong> morte antes de poder ter delas uma representação<br />

racional, e assim a intervenção terapêutica, longe de<br />

ser cientifica integrava-se num sistema geral de<br />

crenças, de mitos e ritos. A medicina mágico-religiosa<br />

foi pratica<strong>da</strong> desde tempos imemoriais e ain<strong>da</strong> persiste<br />

no mundo contemporâneo. O êxito renovado de<br />

curandeiros, charlatões, astrólogos, videntes, etc.<br />

indica como é precária a crença na ciência que muitos<br />

pensadores consideraram caracteristica do mundo<br />

moderno. Não há diferença fun<strong>da</strong>mental entre um<br />

homem “civilizado” <strong>da</strong> nossa época que pede conselho<br />

a uma vidente, um papua que se dirige ao feiticeiro e<br />

um egípcio do 2°.milénio que consulta um sacerdote,<br />

(Starobinski), asseverando também que dentro de<br />

certos limites, os comportamentos mágicos em face<br />

<strong>da</strong> doença pouco se alteraram ao longo dos séculos,<br />

e permaneceram todos eficazes. No entanto, não se<br />

pode falar em progresso, <strong>da</strong>do que <strong>da</strong> prática mágica<br />

não há pontos de parti<strong>da</strong> para novos avanços capazes<br />

de permitir reforçar o poder humano face à<br />

adversi<strong>da</strong>de. O espírito mágico estaria pois ligado às<br />

culturas tradicionais, que não possuem a noção do<br />

devir histórico e para as quais, como mostrou Mircea<br />

Eliade, o tempo é ritmado pelo eterno regresso dos<br />

acontecimentos miticos sucedidos no começo do<br />

mundo. Pelo contrário, e continuando a seguir de perto<br />

Jean Starobinski, o desenvolvimento histórico <strong>da</strong><br />

<strong>Medicina</strong> não se pode compreender senão como efeito<br />

duma recusa activa oposta ao pensamento mágicoreligioso<br />

e a todos os príncipios tradicionais.. Recusa<br />

que foi muitas vezes luta contra os erros transformados<br />

em dogmas, e à custa de uma constante revisão dos<br />

métodos e dos príncipios filosóficos <strong>da</strong> investigação.<br />

Dogmas de que também a ciência e a medicina foram<br />

responsáveis, nomea<strong>da</strong>mente quando pretenderam<br />

20<br />

A DOENÇA E A CONDIÇÃO FEMININA EM AMATO<br />

por José Morgado Pereira*<br />

eliminar em nome de uma concepção objectivista <strong>da</strong><br />

ciência (cientismo) invadindo outros domínios do<br />

conhecimento, a subjectivi<strong>da</strong>de individual, e<br />

substituindo-se à religião, à filosofia e até às Ciências<br />

Humanas, e relegando para o plano <strong>da</strong> simples<br />

superstição, a ser elimina<strong>da</strong> pela educação e pelo<br />

progresso, todo um conjunto de crenças, saberes e<br />

práticas, que de um ponto de vista etno-antropológico<br />

fazem parte <strong>da</strong> cultura popular, e do património dos<br />

povos e <strong>da</strong>s nações.<br />

Por tudo isto, alguns autores <strong>da</strong> antropologia médica,<br />

hoje disciplina com um estatuto de importância<br />

crescente nos currículos médicos, vêm dizer-nos que<br />

a medicina é arte, ciência e magia. E a magia radica<br />

logo no próprio médico, na medicação prescrita, no<br />

tipo de terapêutica imposta, e na fé desperta<strong>da</strong> pelo<br />

remédio recomen<strong>da</strong>do e tomado. Aos efeitos<br />

provocados no organismo há que juntar os efeitos<br />

“afectivos”: a confiança, o desejo intimo de curar-se,<br />

etc...<br />

Existem resíduos <strong>da</strong> esfera afectiva que persistem<br />

enquistados nas cama<strong>da</strong>s mais profun<strong>da</strong>s e intimas<br />

<strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de. E a crença na simpatia e na magia<br />

estão em correlação estreita. E então, astros e terra,<br />

animais, plantas e minerais seriam forças em<br />

correspondência mútua e influentes na atracção e<br />

repulsa, ou na simpatia e antipatia que governariam<br />

assim os reinos <strong>da</strong> natureza. Algo ficou de tudo isto<br />

na prática diária.<br />

O médico actua assim pela confiança, compreensão,<br />

e também pessoalmente no terreno do simbólico, do<br />

“irracional”. É, só por sí, ver<strong>da</strong>deiro medicamento e<br />

possuí virtudes curativas.<br />

Tudo isto me ocorreu,e está sintetizado em<br />

Starobinski, a propósito de algumas <strong>da</strong>s<br />

extraordinárias curas nas Centúrias de Amato<br />

Lusitano, que de acordo com o tema proposto para o<br />

encontro, de alguma forma tem a ver com as mulheres<br />

e com a condição feminina (em Amato, nas histórias,<br />

nos comentários do médico, nas concepções <strong>da</strong>

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