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dulce prepara o reencontro com a sociedade - Sebrae

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DULCE PREPARA O REENCONTRO COM A SOCIEDADE<br />

”Sonho de Liberdade”<br />

Corações, flores, uma floresta, borboletas<br />

ou logomarcas em projeções ortogonais.<br />

A técnica oriental para dobraduras<br />

no papel, o origami, e os<br />

presos do Carandiru – emblema<br />

da tragédia prisional brasileira<br />

- mudaram a vida de Dulce Ramos,<br />

da Ramblas Propaganda<br />

e Marketing.<br />

A empresa tem nos inovadores<br />

cartões tridimensionais,<br />

produzidos por pessoas encarceradas,<br />

o carro-chefe<br />

da produção voltada ao<br />

mercado de brindes.<br />

A entrada no ramo da<br />

publicidade e a crença<br />

no trabalho <strong>com</strong>o um<br />

dos melhores instrumentos<br />

de recuperação<br />

dos detentos marcam<br />

a vida da empreendedora<br />

paulistana Dulce<br />

Ramos.<br />

“Tive acesso a livros<br />

de origami e, encantada<br />

<strong>com</strong> a idéia,<br />

contratei um engenheiro<br />

mecânico para<br />

desenvolver cartões<br />

<strong>com</strong> 180 graus de<br />

abertura - os origamis<br />

abrem apenas<br />

90º- que permitissem<br />

a projeção da figura e<br />

patenteei o produto”.<br />

40


A DOUTORA ENSAIA OS PRIMEIROS<br />

PASSOS NA PUBLICIDADE<br />

Aos 20 anos, <strong>com</strong> o fim do casamento<br />

e <strong>com</strong> uma filha pequena<br />

para criar, Dulce retornou ao<br />

mercado de trabalho <strong>com</strong>o recepcionista<br />

de uma agência de publicidade.<br />

Passou por todos os departamentos<br />

da agência e firmou-se <strong>com</strong>o contato<br />

publicitário, a responsável pelo atendimento<br />

aos clientes.<br />

Em pouco mais de um ano, abriu a própria<br />

agência: a Três Toques – a seis mãos<br />

- em <strong>sociedade</strong> <strong>com</strong> amigos.<br />

A editoração de textos – algo bem mais<br />

<strong>com</strong>plicado numa época que não dispunha<br />

dos recursos dos <strong>com</strong>putadores de<br />

hoje – era o principal produto oferecido<br />

pela pequena agência.<br />

A conquista de um grande cliente – uma<br />

gigante do ramo químico e farmacêutico<br />

– garantiu por oito anos a prestação<br />

de serviços na editoração de publicações<br />

de um dos mais significativos projetos de<br />

divulgação científica que o país já conheceu,<br />

o Ciranda da Ciência.<br />

A iniciativa de responsabilidade social<br />

do projeto chamou a atenção de Dulce<br />

<strong>com</strong>o estratégia de inserção empresarial<br />

na <strong>com</strong>unidade.<br />

Quando ela atendeu uma empresa do<br />

mesmo grupo, que necessitava de peças<br />

promocionais <strong>com</strong> acabamento manual,<br />

ela se lembrou dos seus tempos de estudante<br />

de Direito e de um grupo que certamente<br />

poderia executar aquele paciente<br />

trabalho. Recordou-se da frase que mais<br />

ouvia no estágio na Casa de Detenção<br />

do Carandiru: “Doutora, nós precisamos<br />

de trabalho”.<br />

41<br />

41<br />

Divinéia: Carandiru<br />

mon’amour<br />

Com o passar do tempo, o diploma de Direito<br />

tinha ficado <strong>com</strong>o uma lembrança na<br />

formação de Dulce, assim <strong>com</strong>o o curso de<br />

balé clássico. Mas o rigor de um e a leveza<br />

de outro impulsionaram Dulce a ensaiar os<br />

primeiros passos e argumentos para a defesa<br />

da laborterapia nos presídios brasileiros.


“Tive acesso a livros de origami e, encantada<br />

<strong>com</strong> a idéia, contratei um engenheiro<br />

mecânico para desenvolver cartões <strong>com</strong><br />

180 graus de abertura - os origamis abrem<br />

apenas 90º- que permitissem a projeção da<br />

figura e patenteei o produto”,<br />

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Dulce iria se deparar <strong>com</strong> as contradições e os paradoxos da diversidade<br />

humana do Carandiru bem antes de ler o livro ou assistir o<br />

filme. Conheceria os códigos próprios do presídio.<br />

O primeiro passo na divinéia – nome dado pelos presidiários do Carandiru<br />

ao pátio amplo, em forma de funil, onde ficava a sala de<br />

revista corporal logo na entrada - serviu para recuperar a firmeza no<br />

modo de andar e o controle da respiração. Os primeiros trabalhos de<br />

acabamento <strong>com</strong> os presos já tinham dado bons resultados, mas ela<br />

queria ir mais além.<br />

Dessa vez, enquanto atravessava a divinéia, ela queria dar um<br />

salto ambicioso: montar uma linha de produção dentro do presídio.<br />

Para isso, mais do que conversar <strong>com</strong> os futuros empregados<br />

ou <strong>com</strong> a direção do presídio, era preciso conversar <strong>com</strong> o patrão<br />

do pavilhão dois.<br />

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Os patrões, explicava Dulce, eram geralmente os presos mais antigos<br />

e de melhor <strong>com</strong>portamento dos pavilhões, que exerciam liderança<br />

tolerada pela direção dos presídios por organizarem uma série de tarefas<br />

do cotidiano e do convívio dos detentos.<br />

No contato seguinte, havia 200 presos interessados em trabalhar<br />

<strong>com</strong> aquela idéia de Dulce, os cartões de brinde. Em 1989, e <strong>com</strong><br />

apenas 20 presos, <strong>com</strong>eçaria a nascer o Estúdio Ramblas, a nova<br />

empresa de Dulce.<br />

“O projeto consiste em montar cartões tridimensionais <strong>com</strong> a logomarca<br />

da empresa-cliente para eventos especiais em ações de marketing.<br />

Os cartões são montados à mão pelo sistema de encaixe,<br />

sem utilizar uma gota de cola. Para executar, os presos recebiam por<br />

milheiro produzido e tinham um dia reduzido na pena a cada três<br />

trabalhados. Quando saiam em liberdade montavam pequenas empresas<br />

de acabamento em seu bairro”.<br />

Contando <strong>com</strong> economias próprias, Dulce investiu em ferramentas,<br />

<strong>com</strong>prando facas a laser, para <strong>prepara</strong>r previamente o papel e o plástico,<br />

a matéria-prima antes da montagem. Levou mesas e cadeiras<br />

para dentro do presídio, montando as bancadas. Capacitou pessoas<br />

para o trabalho. A linha de produção estava pronta para dobrar.<br />

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Em todos os momentos que passou dentro<br />

do presídio, Dulce fez o que chama<br />

colegas de trabalho. Conta que nunca<br />

foi assediada pelos presos. Afirma que<br />

nunca recebeu um assobio, um gracejo.<br />

Sempre foi chamada de doutora pelos<br />

presos. O clima de assédio ela conheceria<br />

nos presídios femininos.<br />

Declarações de amor dos presos foram<br />

inúmeras, mas por carta. E para continuar<br />

a recebê-las, ela pedia aos presos<br />

que não se identificassem. Guardou muitas<br />

<strong>com</strong>o recordação.<br />

Direção e funcionários dos presídios sempre<br />

seriam o problema e a solução de<br />

Dulce num relacionamento quase tão intrincado<br />

<strong>com</strong>o as dobraduras de papel.<br />

Panacéia: Carandiru brucutu<br />

Quando o Carandiru ficou fechado por<br />

dois meses, depois do massacre policial à<br />

rebelião de 1992, <strong>com</strong> a morte oficial de<br />

111 presos, Dulce ficou abalada.<br />

Abertas as portas do presídio, 20 presos<br />

que prestavam serviços à Ramblas estavam<br />

mortos. Eram do pavilhão nove, detentos<br />

de primeira condenação.<br />

Para sua surpresa, três mil peças – cartões<br />

que projetavam corações – estavam intactos,<br />

“sem uma gota de sangue”. Cartões<br />

<strong>com</strong> cerca de 50 encaixes e que levavam<br />

cerca de 40 minutos para montar.<br />

“Não tive nenhuma ajuda financeira, pois<br />

as pessoas não acreditavam em meu projeto<br />

de trabalho <strong>com</strong> os presos. Muitas<br />

tinham preconceitos e, devido à <strong>com</strong>plexidade<br />

do produto, achavam impossível<br />

que criminosos pudessem ter tamanha<br />

sensibilidade na montagem dos cartões”.<br />

Com o produto pronto, ele era enviado<br />

por mala-direta a grandes empresas do<br />

mercado. Os clientes <strong>com</strong>eçavam a se<br />

encantar <strong>com</strong> a idéia e as en<strong>com</strong>endas<br />

eram crescentes.<br />

Dos dois mil cartões no ano de 1989<br />

para os um milhão de cartões em 2005,<br />

muitas oportunidades foram geradas<br />

para pessoas que jamais imaginaram tais<br />

perspectivas e encaixes.<br />

Dulce não milita em nenhuma organização.<br />

Ela é uma empresária e não engata<br />

discursos propondo novas legislações.<br />

Nesse aspecto, ela lê e ouve tudo <strong>com</strong> muita<br />

atenção, mas acredita firmemente que<br />

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pode ajudar a recuperar a maioria da população<br />

carcerária, se essa tiver trabalho.<br />

Ela sabe os valores para a manutenção de<br />

um preso no Brasil e até em outros países.<br />

Acha muito caro investir tanto numa pessoa<br />

para torná-la pior. E quer mudar isso.<br />

A principal arma seria o trabalho, a laborterapia<br />

nos presídios.A busca por penas<br />

alternativas ou prestações de serviço à<br />

<strong>com</strong>unidade também seriam caminhos.<br />

Diante de sua inusitada experiência empresarial,<br />

convites para entrevistas e palestras<br />

se tornariam <strong>com</strong>uns. Em cada<br />

oportunidade, ela busca e conquista parceiros<br />

e aliados para os seus sonhos de<br />

“Não tive nenhuma ajuda financeira, pois as pessoas não acreditavam<br />

em meu projeto de trabalho <strong>com</strong> os presos. Muitas tinham preconceitos e,<br />

devido à <strong>com</strong>plexidade do produto, achavam impossível que criminosos<br />

pudessem ter tamanha sensibilidade na montagem dos cartões”.<br />

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liberdade. Em 2000, ganhou o prêmio<br />

Cláudia, <strong>com</strong>o mulher do ano.<br />

Carandiru: uma marca, microempresários<br />

e um negócio<br />

A partir de 1996, os cartões da Ramblas<br />

trazem a inscrição ‘Hand made by<br />

Carandiru Prisioners’ (“montado à mão<br />

pelos presidiários do Carandiru’)”. Virou<br />

uma marca da empresa mesmo <strong>com</strong> o<br />

presídio desativado.<br />

É uma marca de orgulho para Dulce. Ela<br />

<strong>com</strong>eçou trabalhando <strong>com</strong> 20 presos e já<br />

chegou a ocupar quase 1 mil e 500 deles.


Criar condições para o ex-detento não<br />

reincidir no mundo do crime era o que<br />

Dulce buscava ao transformar 22 ex-presidiários<br />

em microempresários de acabamento<br />

gráfico para a Ramblas e outras<br />

empresas do ramo.<br />

Com a ajuda de um amigo contador, que<br />

doou trabalho voluntário, e por orientação<br />

do <strong>Sebrae</strong>, <strong>com</strong>o conta Dulce, surgiram<br />

22 microempresas.<br />

Em boas temporadas, cada microempresa<br />

chega a produzir 30 milheiros de cartões<br />

ao mês. Com o milheiro pago entre R$<br />

120 e R$ 150, dependendo da <strong>com</strong>plexidade<br />

da montagem, é possível faturar<br />

mais de R$ 4 mil.<br />

Valores idênticos são pagos aos presos por<br />

milheiros produzidos, embora os presídios<br />

fiquem <strong>com</strong> uma taxa de 10 a 15% do valor<br />

a título de administração e manutenção<br />

dos espaços cedidos para que o dinheiro<br />

seja depositado em contas e não entregue<br />

diretamente ao preso, até porque essa não<br />

é a moeda corrente dos presídios. Além<br />

disso, pela lei, os presos não podem receber<br />

mais que um salário mínimo.<br />

“Meu sucesso se deve à minha perseverança<br />

e a acreditar e a amar o que faço.<br />

Não tenho modelo de gestão”.<br />

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“Meu sucesso se deve à minha perseverança<br />

e acreditar e a amar o que faço. Não tenho<br />

modelo de gestão”.<br />

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Pelas Ramblas do<br />

mercado externo<br />

Para desenvolver um novo cartão, a empresa<br />

cobra pelo projeto e exige um número<br />

mínimo de três mil cartões. As papelarias<br />

e ex-detentos espalhados pelo país, que<br />

<strong>com</strong>ercializam o cartão, também formam<br />

uma frente de atuação da empresa. O valor<br />

unitário médio do cartão é de R$ 2,50.<br />

Do pequeno varejo, Dulce rompeu fronteiras<br />

e 20% dos cartões produzidos são<br />

exportados para os EUA, via Correios,<br />

onde abriu uma empresa em <strong>sociedade</strong><br />

<strong>com</strong> a filha. O mercado americano é<br />

apenas a primeira conquista externa. A<br />

abertura de um escritório em Barcelona<br />

é o próximo passo da Ramblas pelas ruas<br />

do mundo e pela via catalã, que inspirou<br />

o nome da empresa.<br />

Os sete funcionários da agência continuavam<br />

a todo vapor <strong>prepara</strong>ndo os kits<br />

de montagem encaminhados aos 1 mil<br />

e 500 detentos do presídio Adriano Marrey,<br />

em Guarulhos, a ‘nova fábrica’ desde<br />

o fim do Carandiru.<br />

“Hoje, toda a <strong>sociedade</strong> nos apóia. Incentivamos<br />

a laborterapia nos presídios. Nossas<br />

inovações são inúmeras. Somos os<br />

únicos no mundo no segmento tridimensional<br />

de brindes. Somos pioneiros em<br />

chamar a atenção de empresários para a<br />

necessidade de profissionalizar presos”.<br />

Com todo o seu empreendedorismo,<br />

Dulce não ficou rica <strong>com</strong> o negócio. Tem<br />

as contas em dia e a empresa cresceu.<br />

De micro transformou-se em pequena<br />

empresa. Mantém duas empresas <strong>com</strong>o<br />

fator de economia fiscal. O sítio onde<br />

gosta de descansar nos finais de semana<br />

já é uma herança de família.<br />

Mas seus planos de expansão eram no<br />

mínimo curiosos. Enquanto aguardava<br />

contatos <strong>com</strong> a penitenciária feminina<br />

do Carandiru – a grande unidade prisional<br />

que restará daquele antigo <strong>com</strong>plexo<br />

que já foi o maior da América Latina –<br />

ela confessava um desejo. Sonhava <strong>com</strong><br />

o dia que teria um presídio só para ela.<br />

Com todos os presos trabalhando.<br />

“Hoje, toda a <strong>sociedade</strong> nos apóia. Incentivamos a laborterapia<br />

nos presídios. Nossas inovações são inúmeras. Somos os únicos<br />

no mundo no segmento tridimensional de brindes. Somos pioneiros<br />

em chamar a atenção de empresários para a necessidade<br />

de profissionalizar presos”.<br />

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