Prosa 2 - Academia Brasileira de Letras
Prosa 2 - Academia Brasileira de Letras
Prosa 2 - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A recepção <strong>de</strong> Os Sertões<br />
título da obra não espelha bem o conteúdo, que é muito mais amplo, inclui a<br />
filosofia e a sociologia, examina a história natural da terra e a tendência à formação<br />
<strong>de</strong> grupo para concluir: “a perfeita luta <strong>de</strong> raças é a lei da história, a paz<br />
perfeita é um sonho <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alista”.<br />
Uma lúcida análise é do antropólogo Clau<strong>de</strong> Lévi-Strauss que se encontrava<br />
exilado nos Estados Unidos e publicou em 1944 uma recensão na revista American<br />
Antropology sobre a tradução <strong>de</strong> Os Sertões <strong>de</strong> Samuel Putman. Lévi-Strauss fora<br />
professor visitante da Missão Francesa na fundação da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São<br />
Paulo em 1934.<br />
A parte inicial da recensão é <strong>de</strong>dicada a assinalar erros na tradução <strong>de</strong> expressões<br />
típicas <strong>de</strong> Os Sertões, mostrando que o autor bem se familiarizava com<br />
a linguagem do nosso país.<br />
No conteúdo dizia que não iria discutir propriamente o livro, que a seu ver não<br />
era um gran<strong>de</strong> trabalho literário, mas havia outras razões para se justificar a gran<strong>de</strong><br />
popularida<strong>de</strong> no país e no estrangeiro. Quando <strong>de</strong> sua elaboração a intelligenzia no<br />
Brasil estava sob a influência do ceticismo europeu, tentando imitar seus preciosismos<br />
e escapando do seu <strong>de</strong>stino nacional para esquecer sua gran<strong>de</strong>za com sua <strong>de</strong>ficiência<br />
e simular a sofisticação <strong>de</strong> Anatole France, Oscar Wil<strong>de</strong> e Eça <strong>de</strong> Queirós.<br />
“Eucli<strong>de</strong>s da Cunha foi diferente, um produto <strong>de</strong> vários sangues que fizeram<br />
o Brasil gran<strong>de</strong> e recusou ser o pupilo dos mestres estrangeiros; voltou-se<br />
da inspiração estrangeira e usando as palavras nativas como instrumento,<br />
a população local como tema e a paisagem como pano <strong>de</strong> fundo, iniciou<br />
uma autêntica literatura nacional brasileira.<br />
O primitivismo <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias científicas que no fundo eram as <strong>de</strong> seu<br />
tempo e o canhestro <strong>de</strong> seu estilo eram <strong>de</strong> pouca importância comparados<br />
com o resultado final, seu apelo generoso, sua vibrante indignação, um<br />
amor ar<strong>de</strong>nte pela sua terra e pelos seus humil<strong>de</strong>s habitantes, parcialmente<br />
obtendo que a elite brasileira se voltasse para a realida<strong>de</strong> brasileira, simbolizada<br />
pela história pouco amável do massacre pelos soldados da jovem república<br />
<strong>de</strong> um punhado <strong>de</strong> sertanejos místicos e atrasados.<br />
105