18.04.2013 Views

Os Silêncios de Eça

Os Silêncios de Eça

Os Silêncios de Eça

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

(talvez só um e na posição <strong>de</strong> ouvinte) que tiveram acesso a alguma coisa do texto.<br />

Relembro um passo da carta a Ramalho:<br />

Eu li o esboço ao Vaz, rapaz distinto, nosso attaché em Londres: estou<br />

a vê-lo no meu sofá, com as mãos apertadas na cabeça, murmurando com um<br />

ar azabumbado: - «Que escândalo! Que escândalo!» - Quando eu cheguei ao<br />

capítulo (li-o no plano-argumento) da fuga do rei, e da anarquia em Lisboa –<br />

o rapaz ergueu-se, pálido:<br />

- Oh, amigo! Oh, amigo!<br />

Et il avait <strong>de</strong>s larmes dans la voix!<br />

Despediu-se <strong>de</strong> mim, dizendo com um tom lúgubre: - Queime isso!<br />

Queime isso! 9 ”<br />

No caso d’A Tragédia da Rua das Flores a questão é talvez mais complexa,<br />

sobretudo se tivermos em conta que se trata agora <strong>de</strong> um texto mais <strong>de</strong>senvolvido e<br />

elaborado do que A Batalha do Caia. Ainda assim, não é certamente arriscado supor que<br />

a con<strong>de</strong>nação do manuscrito à vasta gaveta dos projectos para sempre inacabados teve<br />

que ver com cautelas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m moral, que são as inerentes ao tema que estrutura o relato.<br />

O testemunho <strong>de</strong> <strong>Eça</strong> a este propósito é elucidativo, testemunho expresso numa carta <strong>de</strong><br />

1877 ao seu editor, em que o escritor parecia querer contrariar os riscos da “imoralida<strong>de</strong>”<br />

que para outros eram evi<strong>de</strong>ntes: “Uma das novelas está quase pronta – é só copiá-la:<br />

chama-se O Desastre da Travessa do Caldas ou, talvez, não sei ainda, O Caso Atroz da<br />

Genoveva. Trata-se dum incesto involuntário. Alguns amigos a quem comuniquei a i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong>la e parte da execução, ficaram impressionados, ainda que um pouco escandalizados. –<br />

Não quer dizer que seja imoral. É cruel…” 10<br />

Além <strong>de</strong> silenciado, o romance-virtual A Tragédia da Rua das Flores foi<br />

compensado (ou redimensionado, em registo menos chocante) n’<strong>Os</strong> Maias, romance em<br />

que reconhecemos algumas situações e personagens recuperadas da Tragédia e o mesmo<br />

tema, reduzido, contudo, a um patamar menos chocante e talvez menos “absurdo”<br />

(expressão <strong>de</strong> João da Ega), se tal é possível: incesto entre irmãos.<br />

Bem diferente <strong>de</strong>ste é o caso d’A Capital!, a começar pelo facto <strong>de</strong> estarmos<br />

agora perante um texto que chegou a ter fronstispício impresso e provas já paginadas,<br />

embora, como sempre, muito emendadas. Porquê, então, o cancelamento ou (talvez<br />

melhor) o fracasso da publicação? Provavelmente por razões puramente aci<strong>de</strong>ntais, como

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!