18.04.2013 Views

Os Silêncios de Eça

Os Silêncios de Eça

Os Silêncios de Eça

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

juízos do narrador fanatizado por essa contrafacção do talento que em vida se chamou<br />

Alípio Severo Abranhos. <strong>Eça</strong> <strong>de</strong> Queirós apercebe-se, por certo, disso mesmo; e, sendo o<br />

escritor o que era em 1879, entre a publicação d’O Primo Basílio e a da terceira versão<br />

d’O Crime do Padre Amaro, o resultado do que chamei <strong>de</strong>sajustamento entre semântica e<br />

pragmática do relato só podia ser o silenciamento da palavra <strong>de</strong> Zagalo.<br />

6. Não serão consi<strong>de</strong>rados neste momento outros silêncios queirosianos, com forte<br />

incidência no plano doutrinário. O que neles observamos é o esboço, logo seguido <strong>de</strong><br />

suspensão e cancelamento, <strong>de</strong> reflexões metaliterárias e metaculturais. Textos como<br />

“I<strong>de</strong>alismo e Realismo” (texto <strong>de</strong> 1879, assim <strong>de</strong>signado pelo filho <strong>de</strong> <strong>Eça</strong>, que o incluiu<br />

nas Cartas Inéditas <strong>de</strong> Fradique Men<strong>de</strong>s e mais Páginas Esquecidas, <strong>de</strong> 1929), “O<br />

‘Francesismo’” (provavelmente <strong>de</strong> 1887) ou a carta <strong>de</strong> Fradique Men<strong>de</strong>s “A E…”<br />

(também publicada postumamente no mesmo volume <strong>de</strong> 1929) carecem <strong>de</strong> uma análise<br />

alongada, que agora não po<strong>de</strong> ser feita, análise que, por outro lado, faz <strong>de</strong>rivar a questão<br />

dos silêncios <strong>de</strong> <strong>Eça</strong> para esse campo doutrinário que, sendo por assim dizer paralelo (e<br />

interactivo) com o campo da criação literária propriamente dita, não se confun<strong>de</strong> com ele.<br />

Isto sem embargo <strong>de</strong> reconhecermos que a carta <strong>de</strong> Fradique “A E…” constitui um<br />

documento que, <strong>de</strong>ste ponto <strong>de</strong> vista, é um tanto híbrido, uma vez que a sua condição<br />

ficcional surge estrategicamente <strong>de</strong>svanecida por ser o <strong>de</strong>stinatário quem é: <strong>Eça</strong> <strong>de</strong><br />

Queirós.<br />

Com Fradique Men<strong>de</strong>s, com o fradiquismo entendido como pensamento e como<br />

poética <strong>de</strong>le <strong>de</strong>duzidos, chega, no tempo do que chamamos o último <strong>Eça</strong>, o momento<br />

culminante do silêncio e, por isso, termo <strong>de</strong> chegada <strong>de</strong> um fundamental veio evolutivo<br />

da obra e da estética queirosianas. Silêncio agora condividido, <strong>de</strong> forma algo ambígua,<br />

por <strong>Eça</strong> e por esse outro que <strong>de</strong>le tenta autonomizar-se, mas silêncio que, em registo <strong>de</strong><br />

ironia trágica, juntará numa única a morte do escritor e a falência da palavra literária,<br />

quando, em 1900, morre <strong>Eça</strong> e se conhece <strong>de</strong> Fradique Men<strong>de</strong>s o escasso legado que são<br />

as suas cartas, mas não a obra que ele, afinal, não tinha.<br />

A vocação para o silêncio que em Fradique Men<strong>de</strong>s surpreen<strong>de</strong>mos é, como se<br />

viu no início, confirmada por alguém que se assume como legatária, mas também como<br />

executora cúmplice <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> estética e <strong>de</strong> uma ética da criação literária. Depois <strong>de</strong>

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!