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João Cabral<br />
saúde<br />
Paulo Oom<br />
Pediatra<br />
da Clínica<br />
Gerações<br />
Tel. 21 3583910<br />
paulo.oom@geracoes.net<br />
“Todas as crianças mentem, pelo que não é<br />
a mentira que nos deve preocupar. O que nos deve<br />
verdadeiramente preocupar é a criança que nunca<br />
mente ou a que mente com muita frequência„<br />
MENTIR<br />
Todas as crianças até aos cinco anos mentem. Nos<br />
primeiros anos de vida a fantasia da criança pode<br />
levá-la a acreditar em factos que não aconteceram.<br />
A sua cabeça está cheia de histórias de encantar,<br />
que o pai, a mãe ou a educadora não se cansam de<br />
contar e por vezes existe alguma indefi nição entre a<br />
realidade e a fi cção. Teve medo de um cão que era<br />
quase do tamanho de um elefante? Pois bem. Não<br />
lavou os dentes porque o tubo de pasta não devia<br />
ter nada no interior? Pois é. São mentiras inocentes,<br />
fruto da imaginação fértil, própria dessa idade, e de<br />
certa forma saudáveis, sinais de saúde emocional.<br />
Não devem preocupar os pais.<br />
Outras vezes a criança mente porque não entendeu<br />
a pergunta. Quando, antes do jantar, a mãe pergunta<br />
à fi lha: “Já lavaste as mãos?”, esta pode ser uma<br />
pergunta traiçoeira. A criança de 4 anos pode dizer<br />
que sim, mesmo que a última vez que o tenha feito<br />
tenha sido à hora do almoço. Mas não o faz por<br />
mal. A mãe é que devia ter perguntado: “Foste lavar<br />
as mãos agora, antes do jantar?”, para não dar<br />
azo a mal-entendidos.<br />
Nas crianças mais velhas e nos adolescentes a mentira<br />
pode surgir por razões completamente diferentes.<br />
Nestas idades, as mentiras são muitas vezes estratégicas.<br />
Seja porque podem ser úteis para conseguir<br />
alguns benefícios –“Já fi zeste os trabalhos de<br />
casa?”– ou porque podem permitir não assumir<br />
algumas responsabilidades –“Quem partiu o candeeiro?”.<br />
E aqui o signifi cado da mentira é tanto<br />
mais grave quanto mais velha é a criança e quanto<br />
mais frequente se torna.<br />
Os pais não podem fugir às suas responsabilidades,<br />
pois eles são o modelo preferencial dos seus<br />
fi lhos. Quando o telefone toca e o pai diz para o<br />
fi lho: “Atende, mas se for para mim diz que não<br />
estou”, está a passar a mensagem de que mentir<br />
é aceitável em determinadas condições. Que condições,<br />
e até que grau, é muitas vezes subjectivo<br />
e pode dar azo a muitas interpretações. O principal<br />
papel dos pais é dizer a verdade, elogiar a verdade<br />
e ensinar a dizer a verdade. Em seguida, elogiar<br />
a criança quando, numa situação difícil, ela não<br />
mentiu e disse a verdade, mesmo sendo inconveniente.<br />
Por fi m, ter a preocupação em não deixar<br />
que a mentira funcione, ou seja, que a criança não<br />
tenha qualquer benefício ou não consiga fugir às<br />
suas responsabilidades por ter mentido.<br />
Uma mãe, ao ouvir um relato contado por uma fi lha,<br />
sobre acontecimentos que tiveram lugar no recreio<br />
da escola, e que motivaram uma nota da professora,<br />
pode indagar alguns pormenores e tecer algumas<br />
considerações. Mas deve depois verifi car se a história<br />
é verdadeira. Caso verifi que que a criança mentiu<br />
deve-lhe fazer ver que a mentira é desnecessária, não<br />
pode ser tolerada, não altera a realidade e não é uma<br />
forma de resolver os problemas e fugir às responsabilidades.<br />
Tudo isto deve ser dito com calma e com<br />
a preocupação de condenar o acto (a mentira) e não<br />
a fi lha. Ela mentiu, não é uma mentirosa. Ela errou,<br />
não é uma falhada. Ao mesmo tempo, a mãe pode<br />
aproveitar para conhecer melhor a fi lha; tentar perceber<br />
porque é que a situação chegou àquele ponto,<br />
e descobrir com ela que outras atitudes poderá<br />
ter no futuro que lhe permitam contornar ou resolver<br />
os seus problemas sem chegar à necessidade de bater<br />
nas amigas ou de mentir à mãe. Neste sentido,<br />
esta situação representa uma oportunidade excelente<br />
para educar a fi lha pela positiva, mostrando que<br />
continua a confi ar nela.<br />
Obviamente que se a fi lha mentiu, não poderá<br />
passar por tudo isto sem sofrer algum tipo de<br />
penalização. Poderá ser apenas uma reprimenda<br />
ou, em alternativa, ser colocada de castigo ou retirado<br />
algum privilégio de forma temporária. A mãe<br />
tem de ser criativa e, conhecendo a fi lha, perceber<br />
qual a atitude que poderá ser mais efi caz. Uma coisa<br />
é certa: a criança tem de perceber que a mentira<br />
não é tolerada e tem consequências. Mas tem de<br />
o perceber de uma forma tranquila e sem medo,<br />
para que numa próxima vez possa contar tudo<br />
à mãe sem rodeios e não se torne, com o tempo,<br />
numa mentirosa cada vez mais elaborada. Por<br />
fi m, a criança deve reparar o seu erro. Se bateu na<br />
colega, deve pedir desculpa, de preferência de uma<br />
forma natural e espontânea.<br />
Todas as crianças mentem, pelo que não é a mentira<br />
que nos deve preocupar. O que nos deve verdadeiramente<br />
preocupar é a criança que nunca mente<br />
ou a que mente com muita frequência. Ambos<br />
os casos podem ser sinais de ansiedade e receios<br />
subjacentes a um ambiente familiar demasiado<br />
punitivo para com a criança, que se torna incapaz<br />
de se expressar livremente, por receio das consequências,<br />
ou que utiliza a mentira como forma<br />
natural para distorcer uma realidade em que vive,<br />
mas de que não gosta.