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1


HOMEM, ANIMAL DE DUAS CABEÇAS<br />

GALENO PROCÓPIO M. ALVARENGA<br />

www.galenoalvarenga.com.br<br />

Esse livro faz parte do acervo de publicações do Psiquiatra e Psicólogo<br />

<strong>Galeno</strong> <strong>Alvarenga</strong>. Disponibilizamos também a versão impressa, que<br />

pode ser adquirida através do site do autor.<br />

Visite www.galenoalvarenga.com.br e saiba mais sobre:<br />

Publicações do Autor<br />

Transtornos Mentais<br />

Testes Psicológicos<br />

Medicamentos<br />

Galeria de Pinturas de Pacientes<br />

Vídeos / Programas de TV com participação de <strong>Galeno</strong> <strong>Alvarenga</strong><br />

Tags: Cérebro e Mente, Comportamento / Condutas, Desenvolvimento Cognitivo<br />

/ Cognição, Educação e Conhecimento, Emoções Sentimentos Controle,<br />

Informação Linguagem e comunicação, <strong>Livro</strong>s Neurociência, <strong>Livro</strong>s Online<br />

Grátis, <strong>Livro</strong>s Psicologia, <strong>Livro</strong>s Psiquiatria, Memória e Indivíduo, Neurotransmissores,<br />

Percepção Estímulo, Sinapses, Sistema Neural Neurônio, Sistema<br />

Sensorial<br />

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2


Índice<br />

6<br />

9<br />

16<br />

22<br />

26<br />

30<br />

35<br />

38<br />

42<br />

48<br />

57<br />

63<br />

71<br />

78<br />

84<br />

91<br />

94<br />

96<br />

100<br />

106<br />

110<br />

117<br />

Introdução<br />

Introdução<br />

Explicações das explicações<br />

Compreendendo os fatos e as pessoas: Nosso Processador de informações<br />

O Homem em Ação<br />

Organismo e início da vida<br />

Estudando cientificamente o cérebro<br />

As explicações das ciências<br />

O aparecimento dos seres vivos<br />

Organismo: O Homem<br />

Nascimento do Bebê: Primeiros contatos<br />

O Cérebro antigo e a evolução<br />

Interocepção: Constância do Organismo<br />

Ser vivo e Meio Ambiente<br />

Ser vivo: Ruídos e desorganizações<br />

Duas faces: mecanismo interno x externo<br />

Organismo: Evolução e genes<br />

Evolução<br />

Seleção e Evolução: Modos de reagirao Meio<br />

Evolução: Início e Datas<br />

Os grandes primatas africanos: Nasce o homem<br />

A notável mudança<br />

Genética: Genoma, Genes, Transcrição<br />

O Genoma e Genes<br />

Genes: informações e conduta<br />

Gene e conduta: Psicobiologia<br />

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126<br />

130<br />

133<br />

138<br />

144<br />

151<br />

155<br />

166<br />

168<br />

176<br />

183<br />

187<br />

196<br />

199<br />

201<br />

207<br />

210<br />

214<br />

222<br />

224<br />

226<br />

227<br />

231<br />

233<br />

239<br />

Sistema neural<br />

Informação Neural: unidade do SNC<br />

O organismo após o nascimento<br />

A viagem dos neurônios iniciais<br />

Por que envelhecemos?<br />

Sistema sensorial<br />

Sistema sensorial<br />

Operação, diversidade e tipos dos receptores<br />

Os Sentidos químicos<br />

Sinapse e plasticidade<br />

Plasticidade: O papel das sinapses neuronais<br />

Instalação de sinapses<br />

Remodelação do sistema nervoso<br />

Modificações de circuitos encefálicos: neuroplasticidade<br />

Períodos críticos<br />

Plasticidade de sinapses e circuitos maduros<br />

Percepção, estímulo e cognição<br />

Um pouco acerca da percepção<br />

Especulações acerca da percepção<br />

Filtros da mente: A censura interna<br />

Recepção de estímulos<br />

Processos mentais x rotina mental: (Cerebelo, Gânglios Basais e Hipocampo)<br />

Memória<br />

Introdução à memória<br />

Classificação: Tipos e subtipos de memória<br />

Duas grandes classes de memórias: Origem do conhecimento memorizado<br />

Categorias qualitativas da memória humana: Declarativa e procedimento<br />

Categorias temporais de memória<br />

A memória de trabalho<br />

Acerca da memória autobiográfica<br />

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246<br />

250<br />

256<br />

260<br />

263<br />

268<br />

278<br />

281<br />

292<br />

Memória autobiográfica e outras<br />

Objetivos e Memória<br />

Memória e Esquecimento: doenças e envelhecimento<br />

Cognição<br />

Conhecimento adquirido: Aprendido, secundário<br />

Cognição e Córtices Associativos<br />

Um espaço especial <strong>para</strong> os cortices pré-frontrais: Dorsais e Laterais<br />

Adendo<br />

Uma síntese dos sistemas neurais<br />

Estruturas básicas: funções <strong>esse</strong>nciais (regiões cerebrais importantes)<br />

Algumas subdivisões do Sistema Nervoso Central (snc): A MELHOR,<br />

VOCÊ ESCOLHE<br />

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Introdução<br />

Quando estudava Medicina já era um curioso acerca do funcionamento<br />

do cérebro. Assim, ao me formar em Medicina e, posteriormente,<br />

em Filosofia, trabalhei nos primeiros anos de minha vida profissional<br />

na área de psiquiatria e neurologia. Estudei como um burro, mas, aos<br />

poucos, notei que pouco ou nada compreendia a respeito do funcionamento<br />

de meu cérebro.<br />

Às vezes, deixava, por algum tempo, meus estudos, pois continuava um<br />

ignorante quase-perfeito a respeito dessa área. Teimoso, retornava à<br />

procura d<strong>esse</strong> conhecimento que me atraía. Sempre, depois de esforços<br />

prolongados, eu continuava ignorante quanto ao meu (meu principal<br />

objetivo) e o seu cérebro.<br />

Muitas vezes pensei em desistir do estudo, mas o desânimo era seguido<br />

por impulsos <strong>para</strong> aprender. Eu insistia. Lia e lia; quase nada era<br />

compreendido acerca do funcionamento de meu cérebro e, evidentemente,<br />

do dos meus amigos, familiares e, por que não, de meus inimigos<br />

que começavam a aparecer e, aos poucos, foram aumentando.<br />

Depois de muitos anos de idas e vindas interrompi meu estudo desiludido.<br />

Entretanto, sem querer e sem notar, a partir da ‘Década do Cérebro’,<br />

retornei minhas leituras. Li alguns artigos, ocasionalmente, sérios<br />

e compreensíveis. Esses textos realmente forneciam alguma luz ao desejado.<br />

Mais animado, voltei à caça.<br />

A partir da nova safra de conhecimentos notei que todos os que escreviam<br />

anteriormente sobre o cérebro pouco ou nada conheciam; davam<br />

palpites, especulavam, pois as opiniões dadas não se assentavam em<br />

pesquisas bem elaboradas. Percebi, ainda, com alguma alegria, que eu<br />

não era o único a não entender nada acerca d<strong>esse</strong> maravilhoso órgão<br />

que nos comanda.<br />

Somente há mais ou menos vinte anos que as principais revistas de<br />

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Medicina e Biologia do mundo começaram a despejar sobre os leitores<br />

curiosos textos acerca de pesquisas mostrando a anatomia e as funções<br />

de diversas regiões do encéfalo. Os estudos mais bem elaborados<br />

só começaram a aparecer há quinze anos, a partir do aparecimento<br />

de técnicas bastante diferentes dos chamados “testes psicológicos” e,<br />

também, dos estudos usando pacientes neurológicos, bem como as<br />

observações feitas em animais portadores de lesões cerebrais propositadamente<br />

provocadas.<br />

Foi aí então que surgiram as primeiras pesquisas fazendo uso da TEP<br />

(Tomografia por Emissão de Pósitrons), da TFRM (Tomografia Funcional<br />

por Ressonância Magnética), do exame do fluxo sanguíneo em regiões<br />

específicas do cérebro e, ao mesmo tempo, tarefas <strong>para</strong> provocar<br />

medo, alegria, raiva, previsões, felicidade, etc., nos sujeitos examinados.<br />

Esse livro nada mais é que um livro que eu, como leitor, gostaria de ter<br />

encontrado <strong>para</strong> comprar. Escrevi, <strong>para</strong> mim, uma série de idéias lidas,<br />

resumidas, reunidas e organizadas de certo modo peculiar. É claro que<br />

dei uma melhorada <strong>para</strong> publicá-lo.<br />

Li, cuidadosamente, reli e resumi textos diversos sobre <strong>esse</strong> assunto<br />

durante alguns anos. Foram lidos e relidos algumas dezenas de livros<br />

sobre o assunto e, principalmente, centenas de artigos modernos escritos<br />

pelos grandes pesquisadores d<strong>esse</strong> assunto no vasto mundo de<br />

Deus.<br />

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Explicações das explicações<br />

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Compreendendo os fatos e as<br />

pessoas: Nosso Processador de<br />

informações<br />

Muitos imaginam o ser humano (modelo antigo) como dotado de diversos<br />

compartimentos psíquicos isolados ou em comunicação: mente,<br />

alma, razão, sentimento, consciência, instinto, ego, id, superego e<br />

muitos outros nomes. Isso não foi dado pela natureza. Cada um d<strong>esse</strong>s<br />

conceitos mostra uma acentuada tendência explicativa nossa e, ao<br />

mesmo tempo, esconde o caráter especificamente funcional do que<br />

chamamos “psique“, razão, “alma”, “mente” ou qualquer outro nome<br />

semelhante. Esses termos nos levam a pensar em algo em repouso,<br />

uma idéia de substâncias. Não é bem assim; há uma interação constante<br />

das partes do organismo e d<strong>esse</strong> com o meio ambiente (outras<br />

pessoas e coisas).<br />

Portanto, a conceituação da informação depende da maneira pela qual<br />

organizamos o universo em nossa mente, do princípio (<strong>para</strong>digma) que<br />

usamos ao formular nosso modo de adquirir o conhecimento. Há várias<br />

maneiras de olhar e organizar os “fatos” do universo e o princípio<br />

da organização deste varia, portanto, do intérprete e, muitas vezes, do<br />

momento. A organização do universo realizada por intermédio de nossas<br />

abstrações (nosso conhecimento) varia de cultura <strong>para</strong> cultura e de<br />

pessoa <strong>para</strong> pessoa; o mundo do psiquiatra é diferente do mundo do<br />

matemático.<br />

O modo com que organizamos os fatos torna-se, portanto, o modo<br />

como nós o compreendemos. Nossas construções mentais, nossas teorias,<br />

baseia-se em fatos, pois são eles que nós desejamos explicar. Entretanto<br />

as construções apresentam uma independência da realidade,<br />

isto é, elas têm uma vida própria; ao propor inter-relações entre pessoas<br />

ou objetos, as teorias vão muito além dos fatos. A maneira usada<br />

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<strong>para</strong> organizar e explicar os dados acabam por criar uma nova “realidade”,<br />

e fazer <strong>esse</strong>s modos descritivos tão convincentes que torna, muitas<br />

vezes, difícil refutá-los, mesmo quando claramente verificamos que<br />

estamos diante de informações contraditórias; muitas inexistentes.<br />

O homem e suas relações com outros: o meio<br />

ambiente já interpretado<br />

Uma das condições fundamentais da existência humana é a presença<br />

simultânea de diversas pessoas inter-relacionadas. Isoladamente uma<br />

pessoa seria, na melhor das hipóteses, um animal humano selvagem,<br />

pois poderia crescer fisicamente, mas em sua composição mental e ou<br />

psicológica permaneceria como uma criança de poucos anos de idade.<br />

Nós, os gerados no século XX ou XXI, ao nascer, somos atirados, sem a<br />

nossa escolha, num ambiente social interpretado de certo modo. Uma<br />

vez fazendo parte d<strong>esse</strong> ambiente, o indivíduo começa a se relacionar<br />

com as coisas e pessoas que encontra conforme certos princípios ou<br />

normas ali plantadas há muito tempo. Portanto, querendo ou não, as<br />

interpretações existentes acerca do mundo e relações, com seus princípios<br />

implícitos, são impressas em nossa mente, <strong>para</strong> sempre, segundo<br />

as regras usadas por uma determinada cultura ou comunidade.<br />

Nascida sem nenhum conceito, sem nenhuma regra cultural ou educacional,<br />

a criança vai se habituando com as crenças vigentes e, sem<br />

outras <strong>para</strong> com<strong>para</strong>r, passa a achá-las corretas. Às vezes, mas nem<br />

sempre, pode acontecer que a crença, antes aceita sem crítica, se torna<br />

problemática; n<strong>esse</strong> caso aparece a dúvida, a partir da entrada de crenças<br />

antagônicas.<br />

A vida: a crença e o pensar<br />

Considerando a crença como uma convicção profunda e que nos fornece<br />

grande segurança (sem justificativas racionais), podemos deduzir<br />

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que, enquanto crê, o homem não precisa pensar, pois ele não tem dúvida<br />

acerca do que crê. O surgimento da incerteza irá obrigá-lo a isso.<br />

Por conseguinte, quando o homem perde suas crenças, pois elas não<br />

mais conseguem explicar o encontrado, o homem pensa, medita, especula.<br />

N<strong>esse</strong> momento, diante da incerteza e falta de compreensão dos<br />

fatos, o indivíduo procura, através de nova explicação (novo princípio,<br />

<strong>para</strong>digma, modelo), colocar ordem ao ambiente causador do problema<br />

surgido.<br />

Desprovida da crença, ao promover um novo arranjo ou ordem na sua<br />

arrumação do ambiente, e ainda, caso a nova composição ou organização<br />

dos fatos seja inteligível <strong>para</strong> a pessoa, esta se acalma; sua mente<br />

retorna ao estado anterior de segurança ou tranquilidade, agora apoiada<br />

em novo modelo.<br />

Assim vivemos: dançamos de um estado estável e seguro (organização<br />

e equilíbrio) <strong>para</strong> um instável (desorganização e desequilíbrio) e retornamos<br />

à tranquilidade. Isso ocorre sem <strong>para</strong>r; caso a pessoa pense<br />

mais e tenha menos fé. O pensar (bem como a fé) seria então um método<br />

que o homem usa <strong>para</strong> tornar efetivo o seu ajuste intelectual com<br />

o meio ambiente externo, ou mesmo interno. Esse processo é, muitas<br />

vezes, não uma “arrumação” concreta do ambiente, mas sim, uma<br />

reorganização mental, cognitiva, isto é, do novo modo de organizar as<br />

coisas. O uso de um modelo pode nos acalmar e nos estacionar; um<br />

outro pode nos excitar e progredir.<br />

Esta adaptação mental (boa ou má, certa ou errada) ao meio é uma<br />

necessidade imperiosa <strong>para</strong> se poder viver. Desde cedo o homem se<br />

preocupa com o saber quem ele é, como ele deve se situar no meio<br />

das coisas e, principalmente, das pessoas.<br />

Na vida da humanidade e de cada homem em particular, assistimos<br />

períodos de relativa calma, estagnação, com aceitação do modo de<br />

conceber a “realidade”, e outras fases carregadas de questionamentos.<br />

Portanto, as certezas que adquirimos quanto ao arranjo do mundo va-<br />

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cilam, variando de indivíduo <strong>para</strong> indivíduo, de época <strong>para</strong> época.<br />

O modo comum de representar a ligação entre as noções teóricas (nosso<br />

mapa mental criado) aos procedimentos observáveis (o território<br />

focalizado) consiste no uso de modelos ou interpretações. O vocábulo<br />

modelo tem sido usado nas ciências conforme a idéia de “configuração”,<br />

idealizada <strong>para</strong> representar, de forma simplificada, algo que tenha<br />

uma estrutura complexa, conservando os aspectos selecionados importantes<br />

do que se busca representar. Os modelos simplificam a teoria<br />

configurada, reduzindo-a a seus traços mais notáveis, conforme o desejado.<br />

Os modelos podem, mais facilmente, ser submetidos aos testes<br />

empíricos (pesquisas) que a teoria global.<br />

As explicações<br />

Ao explicarmos algo, deixamos de lado vários aspectos do objeto a ser<br />

explicado e, ao mesmo tempo, selecionamos outros por nós escolhidos;<br />

jamais daremos uma explicação plena. Portanto, nunca teremos<br />

uma explicação da conduta correta e <strong>para</strong> sempre. O sonho, ou fé, de<br />

uma descrição correta não existe nas ciências. A ciência é um projeto<br />

em constante desenvolvimento sem jamais atingir a plenitude do conhecimento.<br />

Um trabalho científico sempre critica o outro e, fatalmente,<br />

será criticado por outros e outros; não haverá nenhum certo <strong>para</strong><br />

todo o sempre. Apesar d<strong>esse</strong> conhecimento básico nós continuamos a<br />

explicar, pois <strong>esse</strong> é um dos objetivos da ciência; assim as explicações<br />

proliferam e morrem.<br />

Sendo função, “ela” (a alma, a consciência ou outro nome qualquer) se<br />

dirige constantemente <strong>para</strong> outras pessoas e coisas, pois tudo que fazemos<br />

(nossa conduta) visa a alguma coisa. De outro modo, os processos<br />

no interior do nosso organismo buscam modos de se auto-regular,<br />

isto é, a função básica de todas as partes do organismo sempre inclui a<br />

pessoa (ela mesma, a que atua) em relação a outras pessoas e a outras<br />

coisas. Do mesmo semelhante, o estômago age em relação ao organismo,<br />

bem como o coração, pulmão, rins, etc., isto é, todos os órgãos<br />

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do organismo. Também, o que chamamos de instintos ou inconsciente<br />

constituem uma forma específica de auto-regulação em relação a outras<br />

pessoas e coisas; existem órgãos e funções que servem <strong>para</strong> manter<br />

e reproduzir (através do acasalamento) o próprio organismo.<br />

O ser humano nasceu de elementos do mundo exterior e é organizado<br />

como parte de um mundo exterior maior; relaciona-se com <strong>esse</strong><br />

mundo de várias formas, seja diretamente na conduta, como todos os<br />

outros animais, seja de forma simbólica (sua diferenciação mais fundamental<br />

das outras espécies). Diferente dos outros animais, ele tem<br />

maior flexibilidade devido ao maior aprendizado armazenado, pronto<br />

<strong>para</strong> ser usado e, também, passado <strong>para</strong> outras pessoas, como faço<br />

<strong>aqui</strong>. As funções psíquicas do homem são construídas, em grande parte,<br />

pelo alimento social bem ou mal assimilado.<br />

O homem está mais liberto do controle rígido dos mecanismos dos<br />

genes, isto é, dos caminhos organicamente prescritos. Não devemos<br />

depreciar nem exagerar o poder dos genes (o pangeneticismo) e, também,<br />

não dar crédito ou ter fé exagerada no culturalismo (o antigeneticismo).<br />

As duas posturas são correntes antagônicas levando à mesma<br />

atitude simplista, exprimindo a realidade de modo singularmente superficial<br />

e inadequado.<br />

Pode-se imaginar a mente (geneticamente humana) através das relações<br />

entre os indivíduos e os fatos ou situações, entre cada um e seu<br />

ecossistema. Neste, como é bem conhecido, alguns grupos, ou pessoas,<br />

conquistam o monopólio da violência; outros da intelectualidade;<br />

outros ainda do poder; da arte; da força física; das armas; da alienação;<br />

das drogas; do “show” (cantores, comediantes, esportes); dos bens e<br />

valores sociais. Vivemos n<strong>esse</strong> meio complexo; dependemos dele.<br />

Afirma-se que todos os nossos pensamentos e conceitos são evocados<br />

por experiências sensoriais e só têm significado com referência a elas.<br />

Por outro lado, no entanto, os pensamentos ou conceitos são produtos<br />

de atividade espontânea de nossas mentes, isto é, não são sensoriais.<br />

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Assim, nossa fala não mantém relação lógica criteriosa com os conteúdos<br />

das experiências sensoriais. Portanto, se quisermos apreender a<br />

essência de um complexo de noções abstratas, nós devemos, por um<br />

lado, investigar as relações mútuas entre os conceitos e as afirmações<br />

feitas a seu respeito e, por outro lado, investigar como essas noções<br />

abstratas se relacionam com as experiências vivenciadas (reais ou sensoriais).<br />

De acordo com essa idéia, percebe-se que os sem-terra, <strong>aqui</strong> no Brasil,<br />

também têm suas explicações do seu movimento; no século XXI invadem<br />

terras e destroem plantações, matam gado; rápidos e felizes por<br />

cumprirem um desígno ou vontade (propósito, intenção) mais alta.<br />

Depois de expulsos de um lugar invadem outros: o INCRA, o Banco de<br />

Brasil, os laboratórios de genética. Eles agem sonhando com o Nirvana:<br />

um mundo utópico onde só existem homens bons, naturais, sem distinção<br />

de classes, puros, ainda não corrompidos pela sujeira do homem<br />

das grandes cidades. Suas ações no campo e na cidade são muito mais<br />

simbólicas que reais.<br />

Chegam, quebram e pre<strong>para</strong>m a terra <strong>para</strong> o plantio; eles sabem que<br />

sairão de lá antes de colher qualquer cereal “plantado” de mentirinha.<br />

Subjacente à realidade agressiva, entre eles habita a paz, a irmandade<br />

unida que “sabe” o que deseja. São todos bons <strong>para</strong> os irmãos da luta;<br />

vivem <strong>para</strong> um sonho: salvar os homens d<strong>esse</strong> planeta do pecado da<br />

desigualdade, da injustiça, das contaminações d<strong>esse</strong> mundo de doentes.<br />

Tornaram-se os novos deuses. Os sem-terra imaginam realizar um<br />

movimento que mudará o mundo <strong>para</strong> um outro melhor. Tudo parece<br />

simbólico: a pregação da missão celestial através dos discursos inflamados<br />

e os rituais que lembram Jesus no templo investindo bravamente<br />

contra os negociantes. Eles, como Cristo, imaginam poder salvar o homem<br />

perdido no inferno e no pecado. Unidos a outros homens santificados<br />

como eles, salvarão a humanidade.<br />

Dentro do cosmo geral as pessoas, com seus genes específicos, criam<br />

seu cosmo particular que molda os que aí nascem e crescem. Toda<br />

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sociedade, como cada organismo individual, é muito firme e muito<br />

elástica; no seu interior se abre um espaço <strong>para</strong> as decisões individuais<br />

(ordem e desordem). Quando os poderes são muito desiguais, grupos<br />

fracos no meio dos fortes, os sem-poder passam a ter uma margem<br />

reduzidíssima de mudança no todo social por absoluta falta de oportunidade<br />

e, assim, não podem se desenvolver, ou só podem através de<br />

ações anti-sociais do ponto de vista da estrutura vigente (bandidos ou<br />

chefe deles), se consegue agir significativamente. O resultado indivíduo<br />

x sociedade depende do que vem de fora e do que vem de dentro. Somente<br />

assim <strong>esse</strong> grupo consegue agir significativamente..<br />

O novo mundo imaginado será governado pelos mais fracos, os injustiçados,<br />

os pobres e iletrados, isto é, pelos homens simples. Segundo<br />

suas concepções, são <strong>esse</strong>s puros, os que ainda não foram maculados<br />

(poluídos) pela ambição, desonestidade, falsidade e outras mazelas dos<br />

impuros e ricos. Coitados! Não sabem o que dizem; uma vez no poder<br />

todos eles serão picados pela mosca azul. Em pouco tempo, irão apresentar<br />

os mesmos sintomas, as mesmas “doenças” que tanto combatem.<br />

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O Homem em Ação<br />

Enquanto vivo o organismo dos animais está sempre ativado; pronto<br />

<strong>para</strong> receber estímulos e <strong>para</strong> dar respostas a essas informações. Nós<br />

nos movimentamos continuadamente, caminhando numa ou noutra<br />

direção. Portanto, um animal encontra-se, enquanto estiver vivo e sem<br />

doenças graves, alerta e atuando em alguma coisa e de algum modo.<br />

No homem, sistemas cerebrais, situados na região subcortical do encéfalo<br />

(abaixo do córtex), trabalhando em parceria com substâncias<br />

chamadas de neurotransmissores e peptídeos (serotonina, dopamina,<br />

oxitocina, endorfina, etc.), têm um importante papel n<strong>esse</strong> estado<br />

corporal de vigilância constante. Durante as doenças mais graves geralmente<br />

há uma diminuição d<strong>esse</strong> estado tido como ótimo; todo animal<br />

busca aproximar-se do padrão conhecido.<br />

O homem, quando caminha <strong>para</strong> seus objetivos (aproximar ou fugir),<br />

automaticamente, visa a atingir um retorno ao estado corporal de equilíbrio,<br />

de bem-estar, de sossego possuído por ligeira excitação. Portanto,<br />

nossas ações (condutas, inclusive as especulativas) visam a reduzir<br />

desarmonias ocorridas no organismo, isto é, eliminar as perturbações<br />

corporais provocadas por problemas externos (uma briga ou um encontro<br />

muito esperado) e ou internos (uma dor, a fome, um problema<br />

a resolver). Assim é que uma pessoa, uma vez ativada pela fome, age<br />

procurando, ao se alimentar, retornar ao estado anterior de saciedade<br />

(calmaria).<br />

Os eventos provocadores de desarmonias corporais, internos e externos,<br />

são causados por diversos motivos. Entre <strong>esse</strong>s fatores desequilibradores<br />

encontram-se os aspectos fisiológicos como o sono, a sede,<br />

sexo, o mal-estar devido ao cansaço físico e os determinantes mentais<br />

e emocionais, por exemplo, problemas <strong>para</strong> resolver (estr<strong>esse</strong>s variados).<br />

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Mas interna e profundamente há ainda outros fatores que podem desarmonizar<br />

o organismo, como, por exemplo, as pressões <strong>para</strong> que nosso<br />

“eu dever” (“eu obrigação”; tenho que fazer isso ou <strong>aqui</strong>lo) aja de<br />

modo a ficar de acordo com as regras sociais (preciso ir ao velório; ao<br />

casamento). Por último, existem também as pressões internas (intenções)<br />

<strong>para</strong> se chegar a um ponto ou outro determinado (vou escrever<br />

um livro; farei o vestibular).<br />

O organismo irá restabelecer o equilíbrio (bem-estar) caso ele inicie<br />

uma atividade em direção à meta imaginada e comece a perceber que<br />

tudo indica que o pretendido vai ser alcançado. Assim, uma vez iniciada<br />

a caminhada, mesmo antes de conseguir o desejado, como, por<br />

exemplo, passar no vestibular, ou falar com a vizinha adorada, a tranquilidade<br />

vai retornando.<br />

De outro modo, as pessoas, periodicamente, percebem ou sentem<br />

– consciente ou inconscientemente -, num certo momento, sinais corporais<br />

brandos ou intensos, com respeito ao funcionamento do organismo<br />

(intestinos, respiração, batimentos cardíacos, contrações musculares,<br />

etc.). Estas pistas aparecem devido a estímulos internos como<br />

sede, sono, frio etc., e, também, emoções como a raiva, o medo, a<br />

alegria, diante de frustrações, perigos, atrações. São <strong>esse</strong>s fatos, monitorizados<br />

pelo organismo, que levam o indivíduo a agir; faz parte d<strong>esse</strong><br />

processo a produção de emoções, positivas ou negativas.<br />

Estamos, a todo o momento, empurrados pelas desarmonias caminhando<br />

na direção de uma ou outra meta. Os desequilíbrios iniciais<br />

provocam primeiramente mudanças corporais físicas, químicas e biológicas<br />

e, posteriormente, quase instantâneas, no homem, surgem as<br />

desarmonias psicológicas e cognitivas.<br />

As emoções produzidas durante as desarmonias, boas ou ruins, funcionam<br />

como “controladores de qualidade” do sistema individual, isto é,<br />

como sinais indicadores da tomada da decisão. A qualidade avaliada do<br />

estado corporal (somática e mental) nos orienta que caminho deverá<br />

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ser escolhido <strong>para</strong> conseguirmos o desejado (as motivações), isto é,<br />

nada mais que um ponto mais próximo possível do padrão fornecido<br />

pelo sistema de referência do indivíduo. Por exemplo, após agir e retornar<br />

a calmaria: “Comi o que queria”; “Falei com ele tudo que necessitava”;<br />

“Estudei como imaginei”; “Arrumei a namorada ideal”.<br />

Todas as nossas ações, sejam puramente instintivas e/ou biológicas,<br />

bem como as de níveis mais elevados, como as cognições sofisticadas,<br />

são construídas <strong>para</strong> minimizar ou, se possível, eliminar as discrepâncias<br />

e o mal-estar que as acompanham, conforme o modelo preferido<br />

“eu ideal” da pessoa e das regras do seu “eu dever”.<br />

Mesmo quando procuramos, por exemplo, assistir um filme ou ler um<br />

livro que nos assusta, carregado de cenas tristes, chocantes, de fato<br />

estamos nos desequilibrando em uma área, – as cenas do filme ou livro<br />

– e nos re-equilibrando em outra, induzidos por impulsos internos<br />

biológicos de exploração, de esperança, de pequenas auto-excitações,<br />

de identificação com um ou mais personagens. N<strong>esse</strong> caso podemos<br />

sentir as emoções vividas pelos personagens (chamadas de emoções<br />

vicariantes), ficarmos mais animados e alertas; em resumo, somos levados<br />

a um estado mais agradável que o tédio antes existente. Além<br />

disso, ao assistirmos o filme, acalmamos ao ficarmos ligados a algum<br />

personagem com o qual formamos laços afetivos, também com outras<br />

pessoas que também assistiram ao filme e, talvez, com as quais talvez<br />

discutamos o visto ou lido.<br />

Podemos afirmar que uma pessoa age – movimenta-se – <strong>para</strong> “ser” o<br />

que ela necessita ser conforme seu organismo biológico e os padrões<br />

do seu “eu ideal” e do “eu dever”: “como estou agora”, “como gostaria<br />

de estar” e “como devo me comportar”. Resumindo, citando uma frase<br />

já transcrita em diversos lugares, de Kierkgaard a Mac Luhman: “Nós<br />

caminhamos <strong>para</strong> o futuro, orientados pelo nosso espelho retrovisor”.<br />

A mente ajuda o organismo biológico a alcançar o estado desejado. A<br />

escolha da conduta deriva do desenvolvimento da pessoa, principal-<br />

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mente, com a assimilação da cultura e de pressões psicológicas, além<br />

das forças biológicas. Geralmente denominamos de “homem civilizado”<br />

aquele que consegue exercer um poderoso domínio sobre seus<br />

impulsos biológicos conforme os padrões culturais.<br />

No início da vida o ser humano recém-nascido funciona munido apenas<br />

da memória genética (inata). Aos poucos ele adquire novos conhecimentos<br />

através de experiências singulares vividas no mundo exterior.<br />

Assim, lentamente, vamos aprendendo novos fatos e muitos d<strong>esse</strong>s<br />

são armazenados e formam novas memórias, muito diferentes das iniciais.<br />

D<strong>esse</strong> modo, o cérebro inicial da criança ao nascer vai se transformando<br />

num outro diferente do anterior (plasticidade neural).<br />

O aprendido é transferido e armazenado <strong>para</strong> nosso sistema de memória<br />

(autobiográfica; que diz respeito a nossa história de vida) e aí<br />

permanece disponível <strong>para</strong> ser ativada (usada) e, assim, ajudar o “eu”<br />

em ação da pessoa <strong>para</strong> analisar, avaliar, julgar e com<strong>para</strong>r as situações<br />

vividas com as experimentadas no momento.<br />

Durante <strong>esse</strong> aprendizado armazenamos fatos, eventos e teorias acerca<br />

de valores, isto é, o que é importante <strong>para</strong> a pessoa: profissão, dinheiro,<br />

religião, droga, sexo, etc. Esses objetivos possíveis passam a ser<br />

buscados e, naturalmente, deixa-se de lado outros objetivos que se<br />

tornam de menor importância.<br />

Os valores cognitiva e culturalmente aprendidos, uma vez buscados e<br />

ou alcançados, geralmente produzem também emoções. A execução<br />

da meta cognitiva (relacionada ao pensar), anatomicamente, encontra-<br />

-se ligada às antigas regiões encefálicas produtoras das emoções (subcorticais).<br />

As emoções, subjacentes às cognições, sendo geradas pelas estruturas<br />

e circuitos biológicos do organismo, geram energias necessárias<br />

às ações. Se anestesiarmos, ou também no caso de lesões graves em<br />

certas estruturas cerebrais encarregadas de determinadas emoções, o<br />

organismo, sem senti-las, não agirá. N<strong>esse</strong>s casos o organismo não re-<br />

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ceberá informações (sinais corporais) <strong>para</strong> provocar a conduta exigida.<br />

Também, o mesmo acontece, em grau menor, caso a pessoa use, exageradamente,<br />

ansiolíticos, álcool, etc. O uso dessas drogas, bem como<br />

de outras, pode provocar modificações nas sensações e sentimentos e,<br />

portanto, menos variedade de ações mais sofisticadas.<br />

Parece que a produção de dopamina, que geralmente facilita a liberação<br />

de endorfinas, bem como de outros peptídeos e neurotransmissores,<br />

nos leva a ficar tranquilos (bem-estar corporal), como, por exemplo,<br />

após o término de uma ação esperada (o fim da prova, o término<br />

da ginástica). Pois bem. Relatos mostram que o viciado em heroína ou<br />

morfina, que tem ações semelhantes às endorfinas existentes em nosso<br />

organismo, após o uso dessas substâncias, praticamente não se movimenta.<br />

Ele passa a não dar respostas aos eventos desorganizadores<br />

do meio interno (isolamento, frio, fome). Sob o efeito dessas drogas, o<br />

indivíduo entra num estado de calma absoluta (Nirvana), sem desejos,<br />

sem ações; ele se torna imune aos eventos possíveis de criarem desarmonias<br />

internas.<br />

Pesquisas mostram que a estimulação elétrica de algumas regiões cerebrais<br />

desperta o organismo à ação, fazendo com que ele fique eufórico;<br />

a mesma estimulação, feita em outra região cerebral, leva o animal a<br />

tentar fugir das estimulações por serem elas desagradáveis.<br />

Para terminar, procuro n<strong>esse</strong> livro mostrar como diversos setores<br />

anatômicos do cérebro (gânglios, circuitos, neurotransmissores, hormônios,<br />

neurônios, etc.), em conjunto, trabalham <strong>para</strong> movimentar<br />

o organismo, fugindo do “trombadinha”, indo ao encontro da amada,<br />

realizando a prova do concurso, frequentando a Igreja, vibrando com<br />

uma partida de futebol, chorando a perda do ente querido, bem como<br />

tudo o mais que fazemos até que a morte nos leve.<br />

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Organismo e início da vida<br />

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Estudando cientificamente o<br />

cérebro<br />

Felizmente, apesar dos pesares, a história sinistra do cérebro, com respeito<br />

à explicação de seu funcionamento, mudou <strong>para</strong> melhor. O campo<br />

da neurociência, após um longo período de quase-estagnação, novamente<br />

abraçou a emoção, entre outras áreas, como uma importante<br />

região <strong>para</strong> pesquisa. O progresso d<strong>esse</strong> campo foi gerado, em parte,<br />

na área das emoções, após estudos sobre o medo e, especialmente, do<br />

medo condicionado. Essas pesquisas colocaram a amígdala (região do<br />

cérebro relacionado ao medo) como um componente importante; tudo<br />

faz crer que sua importância foi até exagerada. Outros progressos surgiram<br />

a partir do conhecimento dos mecanismos celulares e moleculares<br />

que estão subjacentes ao condicionamento do medo.<br />

As pesquisas cerebrais<br />

As pesquisas no cérebro, mais recentes, especificamente, de quinze<br />

anos <strong>para</strong> cá, quando elas se tornaram muito mais ativas e sérias, agora<br />

têm sido referidas como parte da neuropsicologia, da ciência cognitiva,<br />

da psicobiologia e, principalmente, da neurociência. Os estudos<br />

do cérebro se tornaram muito mais bem elaborados nos últimos anos<br />

em virtude do avanço de novas técnicas de neuro-imagens, tais como<br />

a ressonância magnética (IRM) ou (MRI) em inglês, e a tomografia por<br />

emissão de pósitrons (TEP) ou (PET) como sigla inglesa. D<strong>esse</strong> modo, os<br />

neurocientistas têm sido mais capazes de localizar funções específicas<br />

envolvendo pensamento, percepção, linguagem, imagem mental, memória<br />

e outras habilidades. Muito mais tem sido aprendido, por outro<br />

lado, acerca do papel dos neurotransmissores em nossa vida.<br />

A cada ano, novas técnicas dessas derivadas surgem e melhoram as<br />

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possibilidades da coleta de dados antes impossíveis. Além disso, novas<br />

tarefas são inventadas pelos pesquisadores <strong>para</strong> ativar uma ou outra<br />

zona cerebral: filmes com cenas eróticas, observações de filmes acerca<br />

de catástrofes ou de cenas leves ou alegres; participação em jogos nos<br />

quais há ganhos e perdas de dinheiro; relatos de casos onde se pede<br />

aos sujeitos <strong>para</strong> lembrar e descrever casos vividos com emoções alegres,<br />

tristes, de medo, raiva, e outras, pedidos <strong>para</strong> tentar controlar,<br />

através de pensamentos, as emoções que foram anteriormente ativadas;<br />

fazer contas simples e complicadas, etc.<br />

Ao mesmo tempo em que se pede ao sujeito “normal” da experiência<br />

(ou a um paciente neurológico ou psiquiátrico) uma ou outra tarefa,<br />

através de técnicas de neuro-imagens sofisticadas, os examinadores<br />

colhem mudanças (disfunções) em diferentes áreas cerebrais.<br />

Outros estudos utilizam técnicas diferentes. Certas regiões do cérebro<br />

humano, as denominadas de subcorticais (localizadas abaixo do córtex),<br />

são muito semelhantes às regiões subcorticais de outros mamíferos.<br />

Por isso, essa pesquisa pode ser realizada com cérebros de animais<br />

que não o homem: r<strong>esse</strong>cção de uma ou outra área; uso de uma ou<br />

outra droga que pode ativar ou desativar essa ou aquela região (cocaína,<br />

cafeína, crack), etc. Também se estuda o funcionamento cerebral<br />

dos animais durante a realização de certas tarefas exigidas pelo experimentador,<br />

como, por exemplo, a capacidade <strong>para</strong> adiar o fim de uma<br />

tarefa <strong>para</strong> conseguir um alimento de melhor qualidade (uma ração<br />

mais apreciada) e numa quantidade maior.<br />

D<strong>esse</strong> modo, muitos e muitos enigmas anteriores têm sido decifrados<br />

ou, pelo menos, parcialmente esclarecidos. Assim, não em definitivo,<br />

funções do cérebro normal do homem; dos cérebros “anormais” de<br />

pacientes psiquiátricos (depressão, esquizofrenia etc.); de idosos sadios<br />

e com doenças cerebrais (Alzheimer – demência ou caduquice), Parkinson<br />

(dificuldades musculares e depressão, relacionados ao neurotransmissor<br />

dopamina), Huntington (um tipo de Coréia devido à mutação<br />

genética), Síndrome de la Tourrete (tiques nervosos) e outros, hoje são<br />

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mais bem conhecidos.<br />

Além disso, tem sido mais bem esclarecido o cérebro dos indivíduos<br />

impulsivos, como de diversos criminosos, dos viciados em drogas,<br />

bem como as lesões e áreas dos usuários dessas drogas, tanto dos que<br />

assim nascem (anti-sociais desde o nascimento), como dos que adquiriram<br />

a personalidade anti-social em virtude de acidentes cerebrais,<br />

tumores, alcoolismo, drogas e outros fatores.<br />

Essas pesquisas citadas acima se somam a outras, como, por exemplo,<br />

as que tentam esclarecer como tomamos decisões; como deciframos a<br />

face de nosso interlocutor; porque temos lapso de memória; de onde<br />

vem a “preguiça”; a indiferença aos sofrimentos alheios que levam alguns<br />

a matar o próprio pai, mãe.<br />

Mas tem mais. O estudo moderno e sofisticado do cérebro tem permitido<br />

localizar funções específicas do cérebro envolvendo o pensamento,<br />

a linguagem, a percepção, as emoções, memória e outras habilidades.<br />

Muitos d<strong>esse</strong>s estudos têm sido esclarecidos através da melhor<br />

compreensão do papel dos neurotransmissores, tais como serotonina,<br />

dopamina e outros.<br />

Tudo isso e muito mais tem produzido na mente dos investigadores<br />

da neurociência uma nova visão acerca do homem. A partir d<strong>esse</strong>s estudos,<br />

um ser humano mais real e menos mítico começa a aparecer e<br />

vai, aos poucos, deixando <strong>para</strong> trás o antigo homem formado não por<br />

pesquisas científicas, mas sim por especulações religiosas, filosóficas,<br />

psicológicas e culturais.<br />

Há, por outro lado, críticas a <strong>esse</strong> novo campo de estudo, de como reconciliar<br />

a possível contradição entre a imensa riqueza das experiências<br />

subjetivas do homem, incluindo o autoconhecimento, e as explicações<br />

científicas puras acerca das funções cerebrais baseadas nas novas técnicas<br />

e nos estudos com outros animais além do homem.<br />

Mas tudo indica que <strong>esse</strong> caminho não tem retorno. Essas pesquisas<br />

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têm germinado e produzido novas especulações e progressos. Tudo<br />

isso destrói antigas e duradouras crenças plantadas há muitos anos no<br />

fundo de nosso cérebro plástico.<br />

Parece que as novas idéias em efervescência continuarão a dar frutos.<br />

Por tudo isso, elas deverão mudar a antiga maneira de julgar, com<strong>para</strong>r<br />

e avaliar os comportamentos dos nossos amigos e inimigos.<br />

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As explicações das ciências<br />

As entidades do mundo provocam padrões de energia que alcançam os<br />

órgãos sensoriais. A informação detectada e captada n<strong>esse</strong>s padrões<br />

pelo sistema nervoso central vai construir um modelo (parcial) dos<br />

fatores ou entidades provocadoras da mensagem que alcançou o organismo.<br />

Alguns teóricos acreditam que toda informação que é necessária<br />

choca-se contra o sensorial; outros acreditam que a recuperação do<br />

“mundo” depende, em grande parte, do conhecimento à priori, isto é,<br />

anterior a <strong>esse</strong> estímulo.<br />

A ciência moderna baseia-se em experiências mais estritamente controladas;<br />

ela precisa de fatos <strong>para</strong> construir suas teorias, isto é, sensações<br />

<strong>para</strong> dar origem às abstrações ou simbolismos. A maior parte do<br />

equipamento usado pelos cientistas visa a eliminar fatores estranhos<br />

ao que se deseja observar, focalizando apenas os de inter<strong>esse</strong> da pesquisa.<br />

Ocorre que, distraidamente, a ciência esqueceu que o homem é, ele<br />

próprio, um estranho. Essa “descoberta” recente colocou todos os outros<br />

conhecimentos sob suspeita, pois o encarregado da pesquisa, o<br />

cientista, o explicador das explicações, não é bem conhecido. Portanto,<br />

o executor da investigação é um fator estranho à pesquisa; um ruído<br />

importante capaz de prejudicar a informação contida na pesquisa. Assim,<br />

a presença, durante a investigação, do cientista fatalmente poderá<br />

falsificar, em parte, os dados observados. Em resumo: a disposição natural<br />

(tendência) espúria do pesquisador irá influenciar o que se quer<br />

selecionar, organizar e estudar, contaminando, portanto, o resultado<br />

obtido.<br />

Somente agora, pouco mais de quinze anos, a ciência começou a demonstrar<br />

maior respeito pelo homem que executa a ciência, isto é,<br />

pelo que acontece dentro da mente do experimentador realizador da<br />

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pesquisa. Portanto, só recentemente a ciência começou a tentar explicar<br />

o realizador e explicador da experiência.<br />

Apesar d<strong>esse</strong> alerta, os olhos da ciência continuam a perscrutar friamente<br />

as experiências de laboratório como se essas pertenc<strong>esse</strong>m a<br />

Ets, a seres de outro mundo, que não o nosso ou, de outro modo, livres<br />

dos fatores que nos forçam a pensar e a agir conforme somos, isto é,<br />

como seres humanos. O que o cientista observa na pesquisa, como<br />

qualquer homem, sempre será alterado pelo seu modo de pensar e de<br />

emocionar-se durante o desenrolar de seu trabalho.<br />

Somos todos assim. O espírito que está por trás dos olhos, supostamente<br />

frio e imparcial, na verdade está nervoso e tenso diante de cada<br />

nova observação. Durante seu trabalho nascem emoções, imagens<br />

mentais e pensamentos: “Penso que estou descobrindo um fato notável!<br />

Meu trabalho chamará a atenção de toda a comunidade científica.<br />

Viva!”. Mas os pesquisadores da mente dos pesquisadores ainda pouco<br />

conhecem do autor da pesquisa do homem; dele mesmo.<br />

O físico atual faz coisas mais valiosas que o alquimista “fabricante” do<br />

ouro dos bobos e, também, descobre fatos antes profetizados. Contudo,<br />

não vai muito longe; nem mesmo a ciência pode penetrar muito na<br />

natureza. O pesquisador “penetra” apenas nas idéias ou representações<br />

produzidas por seu cérebro; só lhe resta trabalhar com a “natureza”<br />

observada e imaginada e não com a natureza que existe independente<br />

da atividade humana.<br />

As concepções do homem são limitadas ao que lhe é revelado pelos<br />

seus sentidos. A verdade, pragmaticamente considerada, é o que pode<br />

ser provado. Agora, vivendo distante do Iluminismo, percebe-se que o<br />

homem é, por natureza, limitado em demasia. Ele é incapaz de construir<br />

uma teoria integral da realidade. Este era seu sonho.<br />

Vivendo na corda bamba, sem terra firme <strong>para</strong> pisar, os cientistas tendem<br />

a considerar a verdade como um conglomerado de coisas (fatos<br />

reais, possíveis de serem observados), sobre as quais podemos ter<br />

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idéias. Mas, se a verdade somente existe no plano material, de onde<br />

vêm nossas idéias que examinam as coisas? Do reino das ilusões? Precisamos<br />

explicar a gênese das idéias dos homens e de cada um deles.<br />

Por tudo isso, a neurociência, criada há pouco tempo, tenta buscar<br />

algumas respostas <strong>para</strong> <strong>esse</strong> desconcertante e estimulador quebra-<br />

-cabeça.<br />

Acredita-se que toda a alegria e a finalidade de viver é experimentar a<br />

realidade. Os intelectuais que fogem da realidade têm todo o direito<br />

de criticar essa crença, pois eles são exemplos dos que vivem fora do<br />

mundo real. As crianças, ligadas ao real, sabem muito bem que viver é<br />

conviver e, por isso, talvez, vivam mais alegres e felizes. O sentimento<br />

de uma criança sobre a vida é mais imediato e efêmero – semelhante<br />

aos outros animais – quanto a própria vida; o menino não precisa, e<br />

nem quer, saber que um dia morrerá.<br />

O cérebro: algumas explicações<br />

O estudo do cérebro encontra-se dentro dos erros terríveis (falsa<br />

aprendizagem) realizados pelo homem “cientista” de uma época, das<br />

grandes lideranças das culturas européias e asiáticas. Tudo indica que<br />

ainda continuamos utilizando as explicações das condutas humanas<br />

nos baseando em premissas, <strong>para</strong>digmas, crenças falsas e estranhas<br />

passadas de cabeça em cabeça, acerca da conduta humana, principalmente,<br />

da função do cérebro e sua relação com a conduta. O comando<br />

de nossas ações já foi colocado, segundo famosos sábios, nos ventrículos<br />

cerebrais, na glândula pineal e no coração. Ainda presos a idéias<br />

muito e muito antigas, continuamos a dar explicações mágicas, superficiais,<br />

enganadoras e simples acerca da função do encéfalo.<br />

Ao de<strong>para</strong>rmos com um viciado em drogas, nosso filho, irmão, pai,<br />

amigo, sempre nos vem à cabeça a pergunta: “Porque e <strong>para</strong> que essa<br />

conduta?”, “Que explicação se tem <strong>para</strong> isso?”<br />

As respostas são muitas, a maioria baseada em deduções de princípios<br />

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falsos, pois são os fundamentos aprendidos cedo que dirigem a <strong>aqui</strong>sição<br />

dos posteriores e, como a maioria dos iniciais é equivocada, os<br />

posteriores, neles plantados, serão, também, falsos. Kant, a muitos e<br />

muitos anos, disse, o que repetimos constantemente: “Pau que nasce<br />

torto, torto crescerá”. Logicamente, o resultado será uma tolice assentada<br />

numa lógica defeituosa, pois partiu de uma afirmação não comprovada,<br />

apenas idealizada.<br />

Num artigo do jornal do Estado de Minas, recolhi parte de um texto,<br />

“Crimes em família”, escrito por um professor de ética e doutor em<br />

comunicação. O artigo, a princípio sério, bem escrito, após descrever<br />

alguns dos crimes em família, principalmente dos pais, quase no seu<br />

final, deu “explicações” acerca dos motivos <strong>para</strong> isso: “Não quero julgar<br />

ninguém. Mas meu “feeling” profissional indica a presença de um<br />

elo que dá unidade a <strong>esse</strong>s dramáticos episódios: a ausência de afeto<br />

verdadeiro. Desequilíbrios e patologias independem da boa vontade de<br />

pais e filhos. A regra no entanto mostra que o crime hediondo costuma<br />

ser o fecho de um silogismo que se fundamenta nas premissas do egoísmo<br />

e da ausência. A desestruturação da família está, de fato, na raiz<br />

da tragédia…”<br />

Paro <strong>aqui</strong>; não vale a pena prosseguir.<br />

Não basta boa vontade e entusiasmo <strong>para</strong> explicar; é preciso, pelo menos,<br />

saber que não conhece, ser mais humilde ao emitir uma opinião<br />

(uma intuição adivinhatória), sem nenhum respaldo científico. As explicações<br />

que começaram tímidas, aos poucos, ganharam força devido à<br />

crença do autor sobre suas especulações. De observador neutro, o articulista<br />

tornou-se um pregador, conhecedor da verdade e da conduta<br />

certa. Deu no que deu!<br />

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O aparecimento dos seres<br />

vivos<br />

Aparecimento da vida<br />

A Paleontologia, a Antropologia, a Paleoantropologia e a Pré-história,<br />

bem como outras ciências do homem, nos ensinam que a vida nem<br />

sempre existiu, e mais, sabemos que a organização do Universo nem<br />

sempre existiu.<br />

A matéria manifestou-se de um caos primordial e, sem um nome melhor<br />

<strong>para</strong> dar, essa explosão tem sido chamada de “Big Bang”. Muitos<br />

criticam essa idéia e, pior ainda, todos sabem que este é um péssimo<br />

nome, mas acabou por cristalizar-se. Da explosão inicial originou-se,<br />

pouco a pouco, tudo que existe no Universo. A expansão continua com<br />

uma velocidade 15% mais rápida do que a iniciada há quinze bilhões<br />

de anos atrás. Os produtos reconstruídos dessa explosão inicial são<br />

bilhões de corpos celestes: estrelas, planetas, cometas, luas, etc., incluindo<br />

aí, naturalmente, nossa galáxia, contendo o planeta Terra entre<br />

milhões de espécies já existentes. A maioria das espécies produzidas<br />

pelo Universo não resistiu ao meio ambiente; entre as que sobreviveram<br />

encontra-se o homem, a barata, lagartixa e milhares de outros que<br />

você conhece.<br />

Antes da explosão<br />

Alguns decretam que Deus criou o mundo; outros, que ele não teve<br />

começo e sempre existiu. O bigue-bangue (“big bang” em inglês), há 15<br />

bilhões de anos, foi a explosão primordial claramente detectável hoje,<br />

pois o Universo está ainda hoje se expandindo e encontra-se preenchido<br />

por uma incandescência de calor irradiante. Mas porque detonou<br />

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o bigue-bangue? “Deus estava, antes, pre<strong>para</strong>ndo o Inferno <strong>para</strong> os<br />

perguntadores”. Agostinho de Hipona. Com o bigue-bangue surgiu também<br />

o tempo; não há nenhum antes. Por que o tempo foi, subitamente,<br />

ligado?<br />

Há muitos eventos físicos do dia-a-dia que não possuem causas bem<br />

explicadas; são os do ramo da física quântica. Esses eventos ocorrem<br />

principalmente no nível atômico; nós não os percebemos no dia-a-<br />

-dia. Na escala de átomos e moléculas, não valem as regras habituais<br />

de causa e efeito, que fazem parte do nosso senso comum, de nossas<br />

intuições; assim, como não conseguimos explicar com nossos conhecimentos<br />

mínimos, imaginamos que o fato não podia ter existido.<br />

Ele é substituído por um tipo de anarquia ou caos, e as coisas acontecem<br />

espontaneamente – sem razão específica. As partículas de matéria<br />

podem pipocar do nada, inesperadamente, e depois sumir de modo<br />

igualmente abrupto. Ou, ainda, uma partícula pode se materializar em<br />

outro local, ou inverter a direção de seus movimentos. Acontece que<br />

essa incerteza não resulta apenas de nossa ignorância das pequenas<br />

forças e influências que atuam <strong>para</strong> fazer isso ou <strong>aqui</strong>lo; ela inerente à<br />

natureza, um aspecto básico da realidade quântica. Portanto, o melhor<br />

é imaginar que antes do bigue-bangue não existia e nem aconteceu<br />

nada. Estamos conversados.<br />

Após a explosão<br />

No início havia “quarks” (partículas elementares), depois átomos, mais<br />

tarde, compostos físico-químicos. Ainda não haviam sido formados os<br />

vegetais e animais.<br />

A antiga distinção entre a matéria inerte e viva está chegando ao fim.<br />

Na Terra, da matéria inerte existente, por motivos aleatórios e ainda<br />

não esclarecidos, surgiram os seres vivos. Estes foram construídos com<br />

alguns poucos elementos do mundo físico, entretanto, estão organizados<br />

de maneira bastante diferente das chamadas substâncias físicas.<br />

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A vida, portanto, nasceu da matéria e todos os seres vivos que existem<br />

ou existiram pertencem a uma só árvore genealógica; sua filiação tem<br />

recebido o nome – de grande parte dos cientistas – de “evolução”. Para<br />

alguns religiosos o mundo foi criado por Deus, por desejos ainda não<br />

claramente conhecidos, daí o nome de “criacionismo”.<br />

Se adotarmos a explicação científica como princípio do Universo, sabemos<br />

que a couve, a bananeira, a pulga, a aranha e o homem, bem<br />

como as rochas e as terras (local onde nascem as plantas) são todos<br />

formados por átomos facilmente identificáveis pelos químicos. As moléculas<br />

biológicas (diferentes de outras) ou moléculas gigantes, como<br />

as proteínas, agrupam, de certo modo, milhões de átomos (basicamente<br />

C, N, O e H).<br />

Um organismo, qualquer que seja ele, uma vez formado, trabalha <strong>para</strong><br />

sua manutenção e reprodução. Verificou-se que certos aminoácidos, os<br />

que dão origem às proteínas, podem ser facilmente formados quando<br />

a energia elétrica passa através de uma simples mistura de gases. A<br />

absorção ou a emissão de radiação faz com que os sistemas passem de<br />

um estado a outro.<br />

Os registros fósseis mostram que a Terra deve ter surgido há quatro<br />

bilhões de anos. Os organismos vivos demoraram mais a aparecer.<br />

Após a Terra ter surgido, por mais de três bilhões de anos, ela foi, inicialmente,<br />

habitada somente por organismos muito simples, como os<br />

seres unicelulares que se assemelham às bactérias e algas. Portanto,<br />

no início não havia vegetais nem animais; <strong>esse</strong>s últimos começaram<br />

a aparecer milhões ou bilhões de anos após o aparecimento de seres<br />

unicelulares segundo a ordem: árqueo-bactérias e bactérias; aparecimento<br />

das algas azuis. Ao surgirem as algas azuis, houve a produção<br />

de oxigênio que transformou a cor cinzenta da atmosfera <strong>para</strong> a azul<br />

atual. D<strong>esse</strong> modo houve o aparecimento de diversas outras espécies<br />

que utilizam o oxigênio <strong>para</strong> viver. Só muito mais tarde apareceram os<br />

mamíferos e, finalmente, os homens.<br />

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Os homens são os caçulas dessa sequência evolutiva. Segundo os estudos,<br />

após sucessivas transformações dos seres vivos, apareceram,<br />

possivelmente, diversas espécies diferentes antes do nascimento dos<br />

homens há cerca de quatro ou seis milhões de anos.<br />

Agora, estuda-se em cada organismo como a matéria é composta e organizada<br />

de modo a dar origem à bactéria, à laranjeira ou ao homem,<br />

ou a uma única célula.<br />

Os diversos organismos vivos – farinha do<br />

mesmo saco<br />

Os seres vivos contêm informações ao nascer necessárias <strong>para</strong> realizar<br />

as duas tarefas: conservação da vida e manutenção da espécie. Para<br />

realizar essa tarefa (sobrevivência), os seres vivos dependem de suas<br />

trocas com o meio. Uma vez formado, basicamente, o organismo trabalha<br />

<strong>para</strong> sua manutenção e reprodução.<br />

Para realizar essas duas tarefas as células dos seres vivos contêm informações<br />

necessárias <strong>para</strong> a realização d<strong>esse</strong>s dois objetivos básicos que<br />

orientam todas as condutas. Pois bem. Essas instruções estão escritas<br />

através de um alfabeto composto de quatro letras: A, C, G, T (adenina,<br />

citosina, guanina e timina). Cada letra é formada por uma molécula de<br />

quinze átomos denominados nucleotídeos.<br />

O alinhamento dessas quatro letras em uma ordem resulta nas “palavras”,<br />

que são os genes. Terminando o raciocínio: no núcleo de cada<br />

célula viva existem várias dezenas de cromossomos (46 no homem),<br />

onde cada um é formado por milhares de genes, ou seja, bilhões de<br />

nucleotídeos, que, no total, englobam trilhões de quarks e de elétrons.<br />

Existe uma sequência própria em cada indivíduo nessa construção.<br />

Olhando por <strong>esse</strong> prisma (químico), as células vivas não passam de elementos<br />

químicos organizados de certa combinação, uma maneira única<br />

de composição das substâncias. Por exemplo: entre os mamíferos há<br />

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cerca de mais de duzentas espécies de células diferentes que, agrupadas<br />

de certo modo, originam as “palavras” cães, gatos, elefantes, etc.<br />

Com o acréscimo de algumas variedades suplementares, não muitas,<br />

englobamos todos os seres vivos da Terra: unicelulares, vegetais e animais.<br />

Os seres vivos, <strong>para</strong> sobreviverem, dependem de suas trocas com o<br />

meio ambiente. Através dessas trocas ocorrem transformações, evoluções<br />

e emergências. No começo houve formas de estruturas e comportamentos<br />

mais primitivos; <strong>esse</strong>s modos rudimentares se desenvolveram,<br />

se enriqueceram e se diversificaram. Entretanto, jamais largaram<br />

ou, se quisermos, livraram-se totalmente de sua origem.<br />

O ser vivo é um ponto de troca; por seus orifícios, moléculas e fótons<br />

penetram o alimento, a respiração, o calor, etc. A vida é um estado<br />

excitado da matéria e sabemos que um átomo excitado transmite sua<br />

energia <strong>para</strong> outro organismo, células ou átomos.<br />

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Organismo: O Homem<br />

Antes de tudo, <strong>para</strong> iniciarmos nossa caminhada pela estrada que nos<br />

leva ao conhecimento de nossa mente ou, de outro modo, ao estudo<br />

e compreensão de “nossa burrice”, temos que entender o que é um<br />

organismo vivo qualquer, como o organismo da bactéria, roseira, capim<br />

meloso, lombriga, escorpião, mosca doméstica, peixe, sapo, cobra e,<br />

também, o nosso. O homem é uma mistura complexa de todos <strong>esse</strong>s<br />

seres vivos e mais alguma coisa.<br />

Nossa espécie é uma entre várias, parte da natureza, com parentes e<br />

ancestrais reconhecíveis. A linguagem é possível graças às estruturas<br />

físicas do sistema nervoso humano, o qual nos permite ainda construir<br />

imagens mentais do mundo. Isso ocorre também com os sistemas sensoriais<br />

de morcegos, sapos e cascavéis, cada um ligeiramente diferente<br />

do outro.<br />

Muitas vezes é possível descobrir o sentido de um termo procurando<br />

seu antônimo. A natureza é frequentemente entendida como o oposto<br />

de cultura ou educação. Ora, como pode existir uma educação não<br />

natural? As características da espécie humana que nos diferencia de<br />

outras também têm sua base na natureza.<br />

A morte de um pardal não parece trágica; ele deve ter vivido sua vida<br />

mais integralmente. As tartarugas, logo que nascem, correm <strong>para</strong> o<br />

mar onde terão de percorrer muitos mil quilômetros; sabemos que durante<br />

o percurso, do nascimento à vida adulta, a maioria delas morrerá.<br />

O instinto leva a tartaruga <strong>para</strong> botar os ovos numa praia; o instinto,<br />

por sua vez, conduz as crias <strong>para</strong> o mar longínquo.<br />

Nossa vida, como é vivida, é trágica, muitas vezes, porque é irreal;<br />

abandonamos nossos instintos, a parte biológica do organismo; não<br />

tomamos conhecimento das pistas fornecidas pelos mapas cerebrais,<br />

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do conhecimento inato e dirigido pelos genes (primeiro cérebro). O<br />

homem possui dois cérebros bem diferenciados. Nós assimilamos, através<br />

de nossa natureza, pela aprendizagem, outras metas, bastante diferentes<br />

das “naturais” (segundo cérebro). Desprezando as orientações<br />

corporais podemos nos apegar ao aprendido.<br />

Entretanto, é impossível nos descartar inteiramente do natural, apesar<br />

de acreditarmos que é possível estar fora da natureza, isto é, ficarmos<br />

acima das contingências comuns; fugir das realidades naturais como<br />

a doença e a morte. De certo modo, tudo é natural; se não fosse, não<br />

existiria.<br />

A natureza é contraposta, por muitos, com algo fabricado, um artefato.<br />

Mas <strong>para</strong> criar artefatos temos que trabalhar dentro das condições<br />

naturais mesmo na produção de sonhos e fantasias. E, por sua vez,<br />

muitos artefatos são chamados “naturais”, isto é, não influenciados<br />

por atos humanos. Isso é quase impossível, pois as florestas (naturais)<br />

atuais foram, em parte, influenciadas pela mão humana devido às<br />

habitações pelas espécies de aves, insetos e plantas introduzidas pelos<br />

homens. A marca humana está em tudo, praticamente. A “comida<br />

natural” é afetada pelo homem, assim como a maioria dos produtos<br />

alimentares foi produzida por cruzamentos seletivos ao longo dos séculos.<br />

A natureza não faz o trabalho <strong>para</strong> o fazendeiro “orgânico”. Sem a<br />

invenção da agricultura, que substituiu a natureza primitiva, não teríamos<br />

o que comer. Da mesma forma, não estaríamos vivos sem as<br />

técnicas médicas, saúde pública, imunizações: tudo isso bastante não-<br />

-naturais. Também, o “parto natural” é, de fato, artificial, pois teve a<br />

ajuda de técnicas médicas, hospitalares, aparelhagens, enfermagens,<br />

luz, água pura da Copasa, idéias modernas de higiene, treinamento,<br />

retaguarda <strong>para</strong> emergências, uso do relógio <strong>para</strong> contar as contrações,<br />

etc. Também não são mais naturais, apesar de falarmos que são, o arroz,<br />

alface, tomate e a carne que comemos, e todos os outros nossos<br />

alimentos. Todos <strong>esse</strong>s comestíveis ditos “naturais” foram “cultivados”<br />

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pela técnica humana não-natural (adubos, irrigação, etc.). As técnicas<br />

foram aprendidas e são modificadas, de tempos em tempos, pelo homem<br />

através de sua história. Tudo isso é “não natural”, criado conforme<br />

a cultura do homem moderno.<br />

O mesmo acontece com nossa casa, com os “remédios naturais” cultivados<br />

com técnicas modernas, a praia “natural”, o nudismo natural, o<br />

sexo natural, tudo foi aprendido conforme os ensinamentos da cultura<br />

onde vivemos; tudo foi arrumado, criado, inventado, <strong>para</strong> agradar os<br />

que não suportam o “natural”, mas, através dos discursos, também<br />

“não-naturais”, defendem o naturalismo. Somos muito engraçados.<br />

O homem, como os outros animais, nasceu pre<strong>para</strong>do <strong>para</strong> viver na e<br />

<strong>para</strong> a realidade, <strong>para</strong> penetrar nesta, <strong>para</strong> entrelaçar-se a ela. Entretanto,<br />

devido ao aprendido através da cultura-educação, ele se recusa<br />

a agir conforme foi pre<strong>para</strong>do. Ele construiu um novo mundo <strong>para</strong> si,<br />

uma nova natureza, muitas e muitas vezes, estranha ao mundo concreto<br />

e natural existente. Esse foi o grande desastre ocorrido com o<br />

ser humano: a sua queda do <strong>para</strong>íso (segundo cérebro: conhecimento<br />

aprendido pós-natal).<br />

Estamos aprisionados em duas poderosas vertentes: uma biológica<br />

bastante abandonada, mas, querendo ou não, se constitui num formidável<br />

poder assentado há milhões de anos; uma outra constituída por<br />

uma rede de idéias, princípios e deveres, que nos foram impostos durante<br />

nossa educação durante o pequeno tempo que passamos <strong>aqui</strong> na<br />

Terra. Em alguns momentos essas duas forças trabalham em harmonia,<br />

entretanto, em outros, as duas não combinam, uma sobrepuja a outra;<br />

ora uma ganha, ora outra.<br />

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Nascimento do Bebê: Primeiros<br />

contatos<br />

Estímulos sensoriais e memória<br />

Durante os últimos meses de sua vida aquática, o feto torna-se assustado<br />

quando a mãe fala. O que acontece é que a baixa frequência do som<br />

provocado pela voz da mãe é transmitida através do corpo e do líquido<br />

amniótico, que filtra a alta frequência. Esse som que viaja através do<br />

corpo, e não do ar, vibra contra a boca, mãos e corpo do feto. Esta bem<br />

sentida estimulação tátil – não auditiva – causa uma aceleração do coração<br />

e, em seguida, uma resposta exploradora quando o feto agarra o<br />

que está flutuando (cordão umbilical e seu próprio dedo), sugando-os e<br />

provando o fluido amniótico.<br />

No estágio de desenvolvimento embrionário, a duração da memória<br />

biológica não excede a poucos minutos, pois durante <strong>esse</strong> estágio do<br />

desenvolvimento a memória existente é de curta duração. Portanto,<br />

caso as emoções da mãe provoquem excitação no feto, assim que a<br />

mãe se acalmar, o feto também ficará tranquilo.<br />

O feto não pode armazenar memórias capazes de serem evocadas<br />

através de palavras, pois, n<strong>esse</strong> período de vida, ainda não se acha<br />

desenvolvida a memória semântica (composição, através de símbolos,<br />

do percebido). Esta inicia seu desenvolvimento a partir dos dois ou<br />

três anos de idade. Nós só lembramos e comentamos, mesmo assim<br />

de forma rudimentar, eventos a partir d<strong>esse</strong> período. A idéia de que<br />

existe uma “memória fetal” capaz de ser recuperada mais tarde através<br />

de palavras não tem nenhum suporte empírico, ou seja, é uma crença<br />

idiota inventada pelo hemisfério esquerdo de alguns desocupados, isto<br />

é, essa afirmação não é sustentada pelos conhecimentos científicos.<br />

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Mais estranho ainda é a vida em outras épocas.<br />

Nascimento<br />

Morre um ser aquático expulso da vida intra-uterina, nasce uma criança<br />

desvalida, necessitando de extrema ajuda externa. O recém-nascido<br />

esforça-se <strong>para</strong> sobreviver na atmosfera terrestre desconhecida: grita,<br />

agita-se, chora, contrai-se, esperneia irado, chuta, agarra, solta, sofre,<br />

parece não ter alegria. Tem fome e frio; busca calor humano. Expele<br />

sobras desnecessárias; inicia, fora da proteção intra-uterina, uma jornada<br />

altamente estimulante, mas mais perigosa.<br />

Estruturas neurais selecionadas pela evolução, juntamente com órgãos,<br />

neurotransmissores, hormônios, peptídeos, canais, células, água, muita<br />

água, sais, condutores, eletricidade, energia, tudo impele o recém-nascido<br />

<strong>para</strong> explorar o ambiente, informar-se acerca dele, aproximar-se<br />

ou afastar-se de áreas do mundo onde foi arremessado e abandonado<br />

à sua própria sorte.<br />

É aceita a idéia de que o indivíduo entra no mundo equipado com um<br />

conjunto rudimentar de estruturas genéticas e padrões neurais inatos,<br />

juntamente com programas de processamento de informações<br />

rudimentares que, por sua vez, começam a desenvolver a relação com<br />

o meio ambiente, conforme um curso genético controlado. Este programa<br />

inicial permite ao recém-nascido lidar, de forma adaptada, com<br />

estimulações fornecidas por grande parte das informações as quais ele<br />

está exposto; assim ele consegue sobreviver.<br />

Primeiras condutas: relação mãe/filho<br />

Para agir é preciso que haja um motor interno impulsionando a pessoa<br />

<strong>para</strong> explorar ou investigar o ambiente externo e interno. O recém-<br />

-nascido experimentará e avaliará o que lhe proporciona prazer ou<br />

desprazer. A exploração do ambiente, caso provoque uma ansiedade<br />

ligeira, agrada o organismo, entretanto, diante de grandes perigos, a<br />

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ansiedade se torna desagradável e tende a provocar a fuga.<br />

A criança é ativada internamente por necessidades básicas ou fisiológicas<br />

de seu organismo, como fome, sede, contato e segurança, mas,<br />

também, exploração e curiosidade acerca do meio e a expectativa de<br />

que as ações irão obter o desejado. Para isso, a criança movimenta-se<br />

em direção às metas possíveis de produzir alívio às necessidades produtoras<br />

de desarmonias e sofrimentos.<br />

Os recém-nascidos são atraídos pelas novidades do meio. Ainda muito<br />

cedo eles começam a “explorar” o ambiente em busca de recompensas;<br />

nessa busca são ativadas suas “esperanças” de encontrar algo que<br />

lhes dê satisfação, alegria ou felicidade. Durante suas explorações encontrarão<br />

também situações provocadoras de sofrimento; n<strong>esse</strong> caso,<br />

seus organismos, automaticamente, produzem vocalizações (gritos,<br />

choros, etc.) sinalizando pedido de socorro.<br />

Os sinais que a criança possui ao nascer são poucos <strong>para</strong> indicar seus<br />

desejos: ela olha, pega, chora, movimenta-se, engole, rejeita e excreta.<br />

Meses após nascer, por não possuir ainda a linguagem simbólica usada<br />

pelos adultos, ela não saberá explicar o que sente ou o que deseja através<br />

de palavras. Seu sofrimento é informado ao criador através da linguagem<br />

corporal, concreta e no presente, desajeitadamente e em bloco.<br />

A mãe, <strong>para</strong> entendê-la, precisa decodificar as informações usando<br />

seu assimilador mental sem-palavras que pode ser ótimo ou péssimo.<br />

O choro das crianças foi medido após o nascimento. Algumas choram 3<br />

minutos por hora, outras, 20 minutos. A curva de choro cai no segundo<br />

trimestre e torna a subir no terceiro. Os meninos que são mais cuidados<br />

e tocados fisicamente (abraços, contato com as mãos) durante as<br />

interações dificilmente aumentam a quantidade de choro no terceiro<br />

trimestre, enquanto os mais isolados choram mais.<br />

A criança começa a mostrar seu modo de ser (temperamento) como<br />

indivíduo diferente logo após o nascimento. Certos recém-nascidos<br />

mostram-se alertas e cheios de emoções e vigor; eles entram facil-<br />

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mente em contato com outras pessoas. Outros, por sua vez, exibem<br />

tranquilidade e ordem, são mais fechados e mostram menos repostas<br />

emocionais <strong>para</strong> seus criadores. Alguns bebês desistem facilmente<br />

quando não conseguem produzir uma resposta esperada nas pessoas,<br />

outros se esforçam e tentam inúmeras vezes antes de desistir. Os pais<br />

que dominam seus filhos podem produzir crianças ansiosas e submissas,<br />

mas, também, filhos desafiantes e antagonistas; isso mostra que<br />

essas diferenças dependerão do próprio estilo da criança ao responder<br />

ao ambiente.<br />

De um lado temos o recém-nascido com suas características inatas,<br />

geradas por genes particulares e diferentes <strong>para</strong> cada indivíduo; de outro<br />

lado, há o externo à criança, a maneira como o mundo existe e vai<br />

tratá-la ou estimulá-la.<br />

Pesquisas modernas constatam que certos indivíduos são mais sensíveis<br />

que outros aos estímulos provenientes de uma ou mais fontes.<br />

Assim, alguns são mais propensos a reagir com raiva a fatos insignificantes<br />

do meio; outros estão sempre atentos e supersensíveis aos<br />

sorvetes e pudins e, outros, ainda, à presença de pessoas. Um estímulo<br />

interessante e atraente <strong>para</strong> uma determinada criança pode não ser<br />

um excitante <strong>para</strong> outra.<br />

O estado do organismo, uma vez estimulado, fará com que ele responda<br />

a determinados estímulos sensoriais e não a outros, por estar mais<br />

sensibilizado em virtude das alterações nos sensores capazes de gerarem<br />

respostas específicas e apropriadas à nova situação vivida. Se o<br />

sistema receptor da criança estiver estimulado internamente com respeito<br />

à fome, seu organismo ficará mais atento à possível presença de<br />

alimento no meio externo: a presença da babá, a geladeira, o barulho,<br />

cheiro peculiar na cozinha. Do mesmo modo, a criança poderá estar<br />

superestimulada com respeito à frustração, ficando desperta e atenta<br />

aos estímulos irritantes. Os seres humanos não são máquinas orgânicas<br />

que dão respostas constantes aos estímulos; eles respondem aos estímulos<br />

conforme <strong>esse</strong>s são definidos e interpretados por ele.<br />

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O Cérebro antigo e a evolução<br />

Não podemos esquecer que o cérebro é muito, muito antigo mesmo,<br />

pelo menos parte dele. Podemos pensar que as partes foram depositadas<br />

em sequência, como estratos geológicos. Carregamos lá no porão,<br />

profundamente enterrados, abaixo da camada superficial do cérebro (a<br />

que nos permite raciocinar), antigos e poderosos centros automáticos<br />

de defesa: instintivo, motivacional e emocional.<br />

Esses centros, prontos <strong>para</strong> entrar em ação, agem em <strong>para</strong>lelo com a<br />

parte mais nova do cérebro (córtex cerebral), ou isoladamente. Em algumas<br />

ocasiões, quando somos surpreendidos com um acontecimento<br />

muito desagradável ou agradável, somos pressionados a agir rápido,<br />

portanto, não temos tempo <strong>para</strong> pensar. Quando tiramos a mão rápido<br />

da chapa quente fazemos uso da parte antiga do cérebro, a parte que<br />

compartilhamos com vários outros animais, como, por exemplo, os<br />

répteis. Estes teriam mais ou menos a mesma conduta diante da chapa<br />

quente.<br />

É a região subcortical que nos comanda quando somos invadidos por<br />

pura raiva ou paixão. N<strong>esse</strong>s casos, bem como outros nos quais ocorrem<br />

fortes emoções, partimos <strong>para</strong> a agressão violenta, o sexo animalesco,<br />

o medo, a esperança ou o pânico da se<strong>para</strong>ção, isto é, uma série<br />

de condutas primitivas, ações que a região cortical (a mais nova, a do<br />

pensamento ou raciocínio) não conseguiu exercer controle.<br />

Muitas vezes, depois de um ato animalesco, retorna a calma. Só então<br />

iremos criticar, <strong>para</strong> nós mesmos, a ação “não pensada” ou impulsiva.<br />

N<strong>esse</strong> caso, após o fato indesejado ser efetuado, nós deixamos de usar<br />

a região subcortical e passamos a utilizar a região cortical do cérebro,<br />

isto é, a relacionada às normas sociais, valores e outras regras aprendidas<br />

na cultura na qual fomos educados. Geralmente interpretamos<br />

que os atos tomados no momento de grande emoção não pareciam ser<br />

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nossos. Há certa razão nessa interpretação, pois as ações impulsivas<br />

são estranhas à região que raciocina ou que pensa; elas fazem parte do<br />

homem, do felino selvagem que nos habita.<br />

Evolução do cérebro: nascimento do cérebro<br />

selvagem<br />

Os sistemas cerebrais primitivos dos animais foram construídos aos<br />

poucos, não pela experiência ganha por cada organismo particular<br />

durante uma vida. Eles foram mantidos durante a seleção natural em<br />

função do chamado reforço embrionário, isto é, a expressão (a utilização)<br />

de condutas que ajudaram os indivíduos de uma mesma espécie a<br />

sobreviverem. Entre as experiências vividas e conservadas pelo reforço<br />

embrionário encontram-se os ataques ofensivos, fugas, vocalizações<br />

(choro nos humanos) expressando sofrimento, a postura e sons indicando<br />

conquista ou poder, os jogos grosseiros, as atividades exploratórias<br />

em busca de alimento e parceria, o abatimento e a tristeza diante<br />

da dor, a alegria ou esperança em alcançar o cobiçado, etc. Essas ações<br />

permaneceram porque elas se mostraram úteis e necessárias à preservação<br />

do indivíduo e da espécie; todas elas são realizadas, fundamentalmente,<br />

através de regiões subcorticais, isto é, nosso cérebro antigo<br />

(a nossa cabeça primitiva).<br />

Fazem parte dessa antiga região a produção e liberação de certas substâncias<br />

químicas fundamentais <strong>para</strong> a execução e sensações de nossos<br />

comportamentos (dopamina, serotonina, acetilcolina, adrenalina, etc.).<br />

Essas unidades químicas informativas básicas fazem parte do organismo<br />

dos animais, inclusive de alguns vegetais. Elas estão associadas às<br />

transmissões no sistema nervoso (cérebro/espinhal do homem), sendo<br />

que algumas delas estão relacionadas às emoções. Esses neurotransmissores<br />

(substâncias químicas informacionais) são muito antigos, nos<br />

reportando ao período cambriano iniciado há 570 milhões de anos.<br />

Alguns acreditam que as moléculas transmissoras clássicas evoluíram<br />

há um bilhão de anos.<br />

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Essas substâncias básicas permaneceram fazendo parte de todos os<br />

organismos atuais descendentes dos antigos; as novas formas de neurotransmissores<br />

nascidos através de mutações genéticas conservaram<br />

as propriedades que antes elas já tinham: estimular, excitar ou inibir as<br />

células vizinhas, ou seja, onde se encontram os receptores apropriados.<br />

Animais superiores e inferiores<br />

A classificação de animais em inferiores ou primitivos e superiores ou<br />

modernos tem muito a ver com o desenvolvimento cerebral. Os mais<br />

arcaicos tinham ou têm um cérebro mais simples, com funções muito<br />

relacionadas à sobrevivência. As antigas estruturas cerebrais dos<br />

animais mais primitivos continuam a fazer parte do cérebro humano.<br />

Essas regiões arcaicas cumprem as funções existentes nos animais mais<br />

simples, como o equilíbrio homeostático, sexo, emoções, tais como<br />

raiva, medo, expectativa e busca de proximidade com outros da mesma<br />

espécie.<br />

Nós, por sorte ou azar, não sei, somos a única criatura no Universo que<br />

sabe o que o Universo foi, bem como as versões de nossa história; uma<br />

tarefa executada pelo nosso córtex cerebral. Criamos, assim, diferentes<br />

dos outros animais, uma segunda natureza (pensamentos sobre os fatos,<br />

ou seja, a nossa segunda cabeça) que é mais visível que a primeira<br />

delas, a subcortical. Esta outra natureza permite à pessoa se tornar<br />

mais diferenciada da outra, pois cada uma viveu num tempo e lugar<br />

diferente, ou seja, receberam estimulações diversas, portanto armazenaram<br />

conhecimentos desiguais.<br />

Uma galinha, uma barata, peixe ou percevejo, vivendo no Brasil ou na<br />

China, tendo nascido n<strong>esse</strong> século ou há dez mil anos atrás, irá se expressar<br />

(falará a mesma “língua”) e, também, terá conduta semelhante<br />

– não igual – a todas suas irmãs que vivem e que já viveram. Em resumo,<br />

o aprendido, produto de dotações genéticas, faz com que o memorizado<br />

e usado possa controlar, em grande parte, a primeira natureza,<br />

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a que compartilhamos com diversos outros animais. Nós, seres humanos,<br />

numa época e outra, num país e outro, somos esculpidos por fatos<br />

muito diferentes.<br />

O uso de uma e outra parte do cérebro: subcortical<br />

e cortical<br />

Existem duas maneiras, profundamente diferentes, de construir a casinha<br />

do João-de-Barro: a maneira seguida pelos Joões-de-Barro e a<br />

humana. As diferenças <strong>aqui</strong> discutidas não dizem respeito à construção<br />

melhor, isto é, acerca do produto final, mas sim às estruturas cerebrais<br />

envolvidas no controle de um tipo e outro de construção. Um bom e<br />

hábil observador, com um pouco de talento, poderá estudar o modo de<br />

o João-de-Barro construir sua casa. A partir das observações poderá,<br />

ele mesmo, reproduzir uma casa semelhante à construída pelo pássaro.<br />

Para isso precisará, além de habilidade, da terra certa e de água<br />

adequada <strong>para</strong> fazer o barro. Assim, o curioso artista, através das mesmas<br />

etapas, fará uma casa semelhante ao modelo; poderá até enganar<br />

o próprio pássaro.<br />

Uma filmagem dos dois processos de construção, ocorrendo <strong>para</strong>lelamente,<br />

poderia nos levar a uma impressão de que estaríamos assistindo<br />

o mesmo evento duas vezes. O erro seria atribuir ao pássaro a<br />

utilização de um tipo de processo mental que sabemos, ou que imaginamos<br />

estar em operação na mente do adulto construtor. Os processos<br />

mentais <strong>para</strong> a construção irão variar muito conforme um e outro construtor.<br />

O pássaro é (aparentemente) dotado de um conjunto de sub-rotinas,<br />

numa certa época de sua existência, quando há determinada mudança<br />

química no seu organismo com o propósito especial de procurar o<br />

barro adequado e, aos poucos, colocá-lo no lugar correto; todo <strong>esse</strong><br />

processo é comandado por instruções genéticas ditadas pela evolução,<br />

até finalizar o projeto instintivo. A estratégia usada pelo homem é mui-<br />

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tíssimo diferente.<br />

Os sistemas de controle concebidos segundo o princípio existente no<br />

cérebro do pássaro podem ser surpreendentemente eficazes – os ninhos<br />

do João-de-Barro, sabiá, ou de qualquer outro pássaro, afinal,<br />

provam isso – mas ele será completado desde que sempre o meio for<br />

simples e regular o bastante e, portanto, previsível <strong>para</strong> favorecer a<br />

rigidez da pré-concepção de todo o sistema. O sistema biológico existente<br />

por trás das ações do pássaro trabalha com essa crença, apostando<br />

na verdade de que o meio será da maneira que precisa ser <strong>para</strong><br />

que o sistema funcione e a casa termine. Cada parte de seu cérebro<br />

executa uma atividade que vai sendo somada até completar o todo que<br />

é a casa.<br />

Entretanto, quando há complexidade dos meios encontrados aparece a<br />

imprevisibilidade, produzindo um problema mais grave. O pássaro esbarra<br />

com a dificuldade, geralmente intransponível <strong>para</strong> ele: é preciso<br />

utilizar um outro comando cerebral que ele não possui; um comando<br />

que concebe o problema de um modo diferente, um outro princípio de<br />

concepção precisa aparecer na mente do construtor, o antigo não mais<br />

serve.<br />

O João-de-Barro não é possuidor de um cérebro que tem um outro<br />

princípio de comando; o cérebro terá que trabalhar com conjuntos e<br />

etapas interligadas, mantidas e disponíveis na mente a todo instante.<br />

O homem, em outras palavras, tem um cérebro onde cada região trabalha<br />

associada a outras; ele tem um conhecimento total do projeto, o<br />

quanto possível, <strong>para</strong> que a mente tenha a chance de agir de maneira<br />

apropriada diante de obstáculos não previstos.<br />

Voltando ao João-de-Barro, ele inicia a construção de casas respondendo<br />

a substâncias químicas determinadas injetadas no seu organismo,<br />

independente de acasalamento ou não. Os chimpanzés, que observaram<br />

homens esquentando seus corpos diante do fogo, aprenderam<br />

essa conduta e imitaram <strong>esse</strong>s homens, os outros, que nunca viram e<br />

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usufruíram o calor do fogo, temem este. Mas há duas maneiras diferentes<br />

de lidar com o fogo: a nossa e a dos chimpanzés.<br />

O nosso cérebro tem o potencial de ser provido por representações<br />

que não só retratam o meio ambiente externo, mas, também, que antecipa<br />

o resultado de nossas ações, que nos permite saber, com alguma<br />

precisão, o nosso futuro. O cérebro antigo do João-de-Barro dispõe<br />

apenas de circuitos automáticos, rígidos, utilizando velhas conexões<br />

<strong>para</strong> resolver problemas práticos e usuais, não os aleatórios ou não<br />

esperados. Eles não possuem meios de escapar do programado há séculos.<br />

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Interocepção: Constância do<br />

Organismo<br />

A constância ou harmonia do organismo<br />

Se por um lado o corpo e o cérebro interagem continuadamente entre<br />

si, por outro, o organismo total (mente e corpo) interage, de forma<br />

continuada, com o ambiente externo próximo. Qualquer ambiente, dependendo<br />

de sua importância <strong>para</strong> o indivíduo, num certo momento,<br />

pode deixar sua marca no sistema nervoso do organismo de diferentes<br />

modos: estimulando a atividade neural dos olhos (dentro dos quais<br />

está a retina); dos ouvidos (onde se encontra a cóclea, órgão sensível<br />

ao som); do vestíbulo (órgão sensível ao equilíbrio) e de milhares de<br />

terminações nervosas da pele, gustativas, da mucosa nasal, da dor, calor,<br />

etc.<br />

Os estímulos informativos, uma vez recebidos através dos órgãos<br />

sensoriais, atravessam diversos núcleos do cérebro situados no setor<br />

subcortical. Assim, o estímulo, uma vez captado, como a observação<br />

da chuva que cai ou do sol que se põe no horizonte, viaja por diversas<br />

regiões do sistema nervoso central antes de chegar ao seu ponto final<br />

(não termina num local, pois a informação retorna aos pontos de onde<br />

partiu): a parte alta do cérebro, isto é, os córtices cerebrais.<br />

A informação, durante seu percurso através de diversas regiões do<br />

sistema nervoso, poderá ser ativada, atenuada ou mesmo abolida e,<br />

frequentemente, distribuída <strong>para</strong> outros núcleos no encéfalo. A informação<br />

(pôr do sol), uma vez tendo alcançado outras regiões, irá gerar<br />

nessas outras ativações (informações) que, por sua vez, ativam outros<br />

setores do organismo: centro emocional, sistema cardiovascular, gastrintestinal,<br />

urinário, muscular, atentivo e outros mais.<br />

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É assim que a chuva que cai, ou o pôr do sol, atinge não só nossos<br />

olhos, mas muito mais: a informação inicial – chuva – ao irradiar-se<br />

por todo o corpo, pode – não obrigatoriamente – ativar os sistemas<br />

emocionais, vegetativos, hormonais, músculo-esquelético, a cognição<br />

(“Como é acolhedora essa chuva”; “Estou feliz, depois de apreciar o pôr<br />

do Sol”).<br />

Propositalmente, nos exemplos, terminei com a declaração do indivíduo<br />

acerca do percebido; uma opinião sua acerca da chuva ou do sol<br />

que presenciou num fim de tarde. Essa ação, especificamente, a idéia<br />

acerca do observado, recruta, como disse, os centros corticais, que,<br />

por sua vez, recebem e enviam informações <strong>para</strong> as outras áreas do<br />

sistema nervoso (vegetativas, musculares, emotivas, etc.). Portanto, o<br />

trabalho final do recebimento do estímulo geralmente é uma síntese e<br />

a identificação do evento observado, muitas vezes, mas nem sempre,<br />

com a conscientização do fato presenciado.<br />

O estímulo inicial que focalizamos provoca, como todo estímulo captado,<br />

inúmeras respostas. Estas podem ser lentas ou rápidas e fazer uso<br />

de diversas estações/passagens apropriadas, cada uma delas capaz de<br />

produzir funções diversas. Todo <strong>esse</strong> sofisticado mecanismo foi elaborado<br />

pela evolução <strong>para</strong> colocar o organismo pre<strong>para</strong>do <strong>para</strong> decodificar<br />

e reagir aos diferentes estímulos que nos atingem continuamente.<br />

A interpretação do estímulo (“Como é bela a chuva”) – ponto final da<br />

estimulação – é uma atividade dos córtices sensoriais da visão, audição,<br />

etc., que utilizam os conhecimentos adquiridos após o nascimento<br />

por cada indivíduo através da educação recebida, da cultura e, mesmo,<br />

do ambiente do momento. É através dessa rede complexa de conhecimentos<br />

(inato e aprendido) que o estímulo inicial – a chuva ou o pôr do<br />

sol – recebe seu significado particular: “Chuva! Detesto! Que coisa mais<br />

enjoada”; “Adoro chuva! Ela me acalma e me faz feliz”.<br />

Os estímulos e a transmissão neural são semelhantes <strong>para</strong> todos os homens.<br />

Entretanto, culturas diferentes e situações experimentadas antes<br />

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do evento podem fornecer significados e condutas diferentes <strong>para</strong> cada<br />

indivíduo diante do mesmo estímulo.<br />

A chuva que cai manhosa será sentida e interpretada, diferentemente,<br />

por exemplo, pelo lavrador que rezava por ela e pelo favelado que não<br />

a desejava, pois sua casa poderia cair caso chegasse.<br />

Deve ser lembrado que o aprendizado dos diversos estímulos, como o<br />

sol nascendo, o rosto conhecido (mãe, pai irmãos), uma face amistosa,<br />

uma face irada, a melhor maneira de sugar o leite materno e milhares<br />

de outros aprendizados, associa-se a uma mudança nos circuitos<br />

neurais e, também, nas inter-relações entre eles; em resumo, sempre<br />

haverá uma mudança anatômica do cérebro durante cada uma dessas<br />

aprendizagens. De outro modo: não há aprendizagem sem modificação<br />

das células nervosas (do cérebro de um modo mais amplo).<br />

Relação entre o interior do organismo e o<br />

meio ambiente<br />

As relações entre o organismo e o meio ambiente externo são efetivadas<br />

pelos sistemas sensoriais (sensório/motivacional) e através<br />

de ações ou condutas (sistema motor e seus movimentos/respostas)<br />

atuando no meio. Portanto, o organismo não só é informado do que<br />

ocorre (estímulos) no meio interno e externo, como também atua continuadamente<br />

no meio ambiente externo e interno do organismo. No<br />

mundo externo o organismo atua através de movimentos resultantes<br />

do seu corpo, como os membros, o aparelho vocal, etc., controlados<br />

pelos córtices motores 1, 2 e 3 com o auxílio de vários núcleos subcorticais<br />

motores, isto é, localizados logo abaixo do córtex cerebral.<br />

O recém-nascido, desde cedo, atua no ambiente externo <strong>para</strong> modificá-lo<br />

conforme seu gosto, isto é, orientado pelo seu ambiente interno.<br />

Por exemplo: caso tenha fome (ambiente interno), ele chora ou pede<br />

de alguma forma, pois d<strong>esse</strong> modo poderá receber o alimento que irá<br />

aliviar sua fome. Poderá sorrir (meio interno) <strong>para</strong> rostos conhecidos<br />

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(meio externo), obtendo d<strong>esse</strong>s um tratamento amistoso e agradável<br />

como era desejado. Adianto que nem todas as pessoas são peritas nessa<br />

arte de conviver bem com o meio externo influenciando-o ou sendo<br />

influenciado por ele; muitos fracassam.<br />

As informações <strong>para</strong> o organismo não são somente as relacionadas aos<br />

chamados órgãos sensoriais externos (dos sentidos) e motores. Sem<br />

cessar, diversos setores cerebrais são atingidos por inúmeras informações<br />

vindas do interior do corpo propriamente dito, ou seja, dos diversos<br />

órgãos do organismo. Esta função é realizada através dos sistemas<br />

interoceptivos (sistemas sensoriais ou percepções internas, tais como<br />

as dores, sensação de sede, fome, frio, movimentos, sensação de prazer<br />

e de sofrimento, de energia, de desanimo, tédio, etc.).<br />

Os circuitos neurais antigos do cérebro (os que são comuns a diversos<br />

animais) regulam, sem nosso esforço ou desejo, os mecanismos homeostáticos<br />

(um sistema que permite ao organismo manter o estado de<br />

equilíbrio das variáveis <strong>esse</strong>nciais, como a pressão arterial, a temperatura<br />

corporal, etc.), sem os quais não haveria sobrevivência. Como<br />

se sabe, sem o funcionamento d<strong>esse</strong> mecanismo complexo, nós não<br />

seríamos capazes de respirar, regular o ritmo cardíaco e a pressão arterial,<br />

entre outras, e, portanto, morreríamos. As regiões citadas são importantes<br />

<strong>para</strong> a distribuição apropriada de fluxo sanguíneo no corpo,<br />

ajustamentos da acidez ou da alcalinidade do meio interior (os fluidos<br />

que circulam no sangue e nos espaços entre as células) e o armazenamento<br />

e distribuição de proteínas, lipídios e carboidratos necessários<br />

<strong>para</strong> abastecer o organismo de energia. Caso tudo isso dê certo, o organismo<br />

poderá movimentar-se, fabricar outras proteínas <strong>para</strong> manter e<br />

renovar a estrutura do organismo.<br />

Mas o mecanismo da homeostase não fica só nisso. Os circuitos inatos<br />

antigos têm importante papel no desenvolvimento e na atividade de<br />

estruturas evolutivamente modernas do cérebro. Determinadas regiões<br />

cerebrais têm sido chamadas de “alto nível” e estas, <strong>para</strong> funcionarem<br />

adequadamente, precisam estar em harmonia como as regiões<br />

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denominadas de “baixo nível”, ou seja, as que vão do córtex pré-frontal<br />

(alto nível ou cortical) ao tálamo, hipotálamo, tronco cerebral e outros<br />

núcleos (baixo nível ou subcortical). Por conseguinte, os sistemas cerebrais<br />

“altos” e “baixos” precisam funcionar adequadamente e juntos,<br />

um complementando o outro, <strong>para</strong> produzir e facilitar as atividades<br />

necessárias à sobrevivência do organismo diante de problemas nascidos<br />

do meio interno e externo.<br />

A palavra “homeostasia” (também chamada de homeostase) tem<br />

sido usada <strong>para</strong> conceituar tudo isso, ou seja, o processo biológico de<br />

regulação pelo qual um organismo mantém constante seu equilíbrio<br />

interno, ou ainda, o estado de equilíbrio das diversas funções e composições<br />

químicas do corpo, como, por exemplo, os batimentos cardíacos,<br />

a taxa de açúcar no sangue, do colesterol, da uréia, etc.<br />

Região subcortical e cortical<br />

Tudo indica que o homem primitivo de quatro milhões de anos atrás<br />

possuía um cérebro contendo praticamente apenas o sistema subcortical<br />

e não o atual sistema cortical. O primeiro sistema – subcortical<br />

– que continua a fazer parte de nosso encéfalo, trabalha em conjunto<br />

com o novo cérebro humano, o sistema cortical, a região do cérebro<br />

que nos possibilitou pensar, raciocinar, falar, planejar, etc. A criança<br />

quando nasce, como o homem primitivo, apresenta já pronto o sistema<br />

subcortical que mantém o organismo vivo funcionando adequadamente.<br />

Ela ainda não conta com a ajuda do segundo sistema, pois seu<br />

sistema cortical, após o nascimento, ainda não se desenvolveu, pois ele<br />

só se desenvolve em contato com o meio ambiente e, como se sabe, o<br />

meio simples e pobre da placenta produzirá uma estimulação pequeníssima<br />

em seus córtices cerebrais. A capacidade de raciocinar e julgar,<br />

por exemplo, só será adquirida muito mais tarde.<br />

É fácil e lógico imaginar que durante o desenvolvimento de uma criança<br />

o projeto e a função dos circuitos cerebrais que representam nosso<br />

corpo em evolução e sua interação com o meio ambiente dependerá<br />

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tanto da experiência tida pelo organismo externamente, como da ação<br />

dos circuitos bio-reguladores inatos que estavam prontos ao nascer.<br />

Para que ocorra um desenvolvimento adequado é preciso que não<br />

haja, ao nascer, um “defeito de fabricação” do sistema neural. Além<br />

disso, é necessário que exista um “ninho” acolhedor, tranquilo e, também,<br />

ativador, <strong>para</strong> colocar em ação o sistema nervoso já existente. Só<br />

assim ocorrerá o desenvolvimento pleno do setor secundário e superior<br />

do córtex cerebral.<br />

Como os níveis subcorticais (setores antigos) mantêm conexões diretas,<br />

indiretas e recíprocas com todos os setores ou pontos do corpo, eles<br />

criam, d<strong>esse</strong> modo, relações continuadas entre as diversas funções<br />

do organismo; por extensão, também com os setores cognitivos (pensamento,<br />

raciocínio, tomadas de decisões, julgamentos, avaliações,<br />

com<strong>para</strong>ções) e ainda mais, como consequência, com a conduta social,<br />

ética e a capacidade criadora . Assim, uma água fria, uma dor de barriga,<br />

uma suave massagem, uma comida saborosa, um trav<strong>esse</strong>iro macio<br />

e muito mais, através dos circuitos do sistema subcortical, que se<br />

interligam com os corticais, darão tonalidades diferentes nos estados<br />

corporais, nas nossas emoções e nos nossos pensamentos e comportamentos.<br />

Nos porões do cérebro, a região subcortical coordena processos diversos<br />

visando a manter o equilíbrio químico não só no interior de cada<br />

célula, como no conjunto total de células que trabalham pelo desempenho<br />

global da “fábrica/organismo”. Entre as ações mais básicas da<br />

homeostasia encontram-se as respostas simples, como a excitação (ativação,<br />

estimulação) ou a inibição (inativação, entorpecimento).<br />

Nos níveis mais altos da organização encontramos respostas competitivas,<br />

com<strong>para</strong>doras ou de cooperação entre os seres vivos. Outras<br />

reações reguladoras são respostas a um objeto ou situação interna, isto<br />

é, dentro do organismo, como, por exemplo, a sensação da redução da<br />

quantidade de nutrientes necessários <strong>para</strong> a produção de energia; essa<br />

percepção do organismo provoca a fome e esta, por sua vez, a procura<br />

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de alimentos. Tanto a detecção do desequilíbrio, como as ações tomadas<br />

pelo organismo, buscam fazer com que a economia interna da vida<br />

prossiga com eficiência e prazer. Essa interligação permite que vários<br />

sistemas trabalhem em conjunto e em harmonia e, principalmente, de<br />

modo mais eficiente na solução dos problemas enfrentados por cada<br />

indivíduo.<br />

Circuitos reguladores: sensações e emoções<br />

Os circuitos reguladores inatos têm como função fundamental a sobrevivência<br />

do organismo, mesmo antes do nascimento. Por isso, <strong>esse</strong>s circuitos<br />

precisam estar bem informados, antes e após o nascimento, do<br />

que está ocorrendo “lá fora” e “lá dentro” do organismo. Esse acesso à<br />

informação irá facilitar uma convivência mais harmoniosa do organismo<br />

individual com o meio ambiente exterior. A informação boa ou má<br />

promove internamente mudanças estruturais transitórias (mudança<br />

na estimulação de receptores pelos peptídeos ou neurotransmissores),<br />

mas também permanentes (ativação de genes, produção de proteínas,<br />

etc.). Todo <strong>esse</strong> processo busca manter ou modificar as ações conforme<br />

as necessidades do organismo particular, ou num momento ou num<br />

tempo maior.<br />

Fica claro que o indivíduo só poderá “crescer” intelectualmente caso<br />

ele seja submetido a situações as quais ele nunca antes tinha enfrentado;<br />

uma experiência que “desorganiza”, por momentos, o habitual<br />

ou conhecido. Somente expondo o organismo às dificuldades serão<br />

construídas mudanças anatômicas, nos neurotransmissores, bem como<br />

em outros setores, <strong>para</strong> que haja uma melhor adaptação ao meio ambiente.<br />

A partir dessa interação do organismo, que ao nascer é apenas<br />

biológico, são construídas, de uma forma melhor ou pior, as partes<br />

modernas e moldáveis do cérebro. O conjunto é fabricado harmonicamente<br />

no sentido de que as estruturas antigas e inatas trabalhem em<br />

cooperação com as estruturas mais novas – as que irão se desenvolver<br />

a partir do nascimento – visando a, em última análise, sobrevivência do<br />

organismo da maneira mais eficaz e prazerosa possível.<br />

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Não adianta darmos uma boa educação e alimentação a uma barata,<br />

percevejo ou pardal, pois eles continuarão a seguir as orientações<br />

de seus genomas. Não adianta treinarmos o cão mais inteligente: ele<br />

continuará a se comportar conforme a espécie da qual faz parte; o cão<br />

jamais aprenderá a ler ou a falar como o homem, somente irá latir. Do<br />

mesmo modo, não adianta treinar um homem <strong>para</strong> ser mulher, pois<br />

seu organismo masculino continuará a produzir um corpo, um cérebro<br />

e diversos hormônios próprios do homem.<br />

O mesmo ocorre com a criação e educação de uma mulher com<strong>para</strong>da<br />

com a do homem; ela será sempre diferente de um gênero e outro.<br />

Também a educação de Pedro e de Paulo, caso eles não sejam gêmeos<br />

iguais e gerados na mesma placenta, sempre formará pessoas diferentes,<br />

pois a educação “semelhante” foi aplicada a organismos diferentes.<br />

A nossa cultura, erroneamente, enfatizou em épocas passadas, exageradamente,<br />

a variável “educação”, em detrimento da “biologia”.<br />

Uma nova revolução, mais atual, voltou a enfatizar o enorme papel do<br />

biológico, ainda que considere, como muito importante, o processo<br />

educacional. As professoras que alfabetizam meninos e meninas sabem<br />

a diferença de um e outro <strong>para</strong> aprender a ler, escrever, conversar, dissertar,<br />

aprender abstrações, conceitos éticos, etc.<br />

Apesar de estarmos aprisionados <strong>para</strong> sempre aos genes da espécie, as<br />

experiências singulares enfrentadas por cada um de nós irão estimular,<br />

de modo diferente, os nossos cérebros. Cada cérebro particular será<br />

marcado diferentemente, provocando mudanças distintas, sejam físicas,<br />

anatômicas, bioquímicas e micro-estruturais nos circuitos de neurônios<br />

(corpos celulares, dendritos, axônios e sinapses). Assim, fazemos<br />

parte de uma mesma espécie, possuímos uma organização corporal<br />

que nos leva a ser classificados como seres humanos. Entretanto, como<br />

construímos durante nossa história particular, que vai do nascimento à<br />

morte, estruturas distintas, frutos das experiências diferentes que temos,<br />

somos categorizados como indivíduos não-iguais, ou seja, enxergamos<br />

e resolvemos os problemas do dia-a-dia de formas diversas.<br />

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O que é aprendido através das experiências, entre essas, a percepção<br />

de uma pessoa, a fala ouvida numa conversa, a dor da se<strong>para</strong>ção, a alegria<br />

de um encontro desejado, tudo isso, e muito mais, irá modificar a<br />

estrutura física, química e anatômica do cérebro humano. Essa mudança<br />

poderá ser por algum tempo ou por toda a vida, dependendo de sua<br />

importância e do impacto que teve <strong>para</strong> a pessoa.<br />

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Ser vivo e Meio Ambiente<br />

Podemos afirmar, do ponto de vista neural, não cognitivo, que resolver<br />

um problema, isto é, usar o pensamento ou o raciocínio <strong>para</strong> solucionar<br />

uma dificuldade ou entender um novo fato, significa nada mais<br />

nada menos que pôr em execução o funcionamento de certas representações<br />

neurais existentes no cérebro. É impensável ao enfrentar<br />

essa ou aquela questão (perturbação) utilizar-se das representações<br />

– estruturas cerebrais – existentes no cérebro do nosso amigo ou inimigo,<br />

mesmo sendo leitor de mentes, adivinho, hipnotizador, etc.<br />

As estruturas existentes no cérebro de cada adulto se desenvolveram<br />

de diferentes modos conforme as experiências vividas exclusivas <strong>para</strong><br />

cada pessoa. Estas estruturas, por sua vez, sendo peculiares, produzirão,<br />

uma vez estimuladas, a exibição e a composição de imagens internas<br />

e, logicamente, raciocínios e comportamentos conforme aquele<br />

indivíduo único num determinado local e tempo.<br />

Além disso, as estruturas formadas <strong>para</strong> serem postas em ação num<br />

dado momento diante de um problema, por cada um de nós, no dia-<br />

-a-dia, podem ser eficientes ou não-eficientes, isto é, ter êxito ou falha<br />

<strong>para</strong> alcançar a solução imaginada.<br />

O termo “representações neurais” – que não deve ser confundido com<br />

“representações psicológicas” – tem sido conceituado como as consequências<br />

produzidas no cérebro devido às modificações elétricas,<br />

bioquímicas e anatômicas nele produzidas devido a estímulos diversos.<br />

Por outro lado, as mudanças existentes e observadas externamente,<br />

isto é, do “lado de fora” do organismo, pelo espectador, têm sido popularmente<br />

chamadas de condutas, ações ou comportamentos.<br />

Ser vivo e fábrica: sistemas autopoiéticos<br />

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Os seres vivos (vistos sob o prisma da Biologia) são fábricas funcionando<br />

dia e noite, que, utilizando-se de substâncias do meio ambiente,<br />

produzem seus componentes. A fábrica viva é uma continuada realização<br />

de si mesma, pois incessantemente produz e renova seus componentes.<br />

Os organismos-fábricas têm recebido o nome de Sistemas<br />

Autopoiéticos (“autopoiesis” = “autoprodução” ou “auto-renovação”).<br />

Os sistemas autopoiéticos apresentam como característica mais importante<br />

a sua capacidade de organização.<br />

Todo organismo trabalha <strong>para</strong> manter seu estado de equilíbrio; assim,<br />

as reações homeostáticas detectam dificuldades ou oportunidades,<br />

que são resolvidas por meio de ações, <strong>para</strong> eliminar os problemas ou<br />

aproveitar as oportunidades.<br />

O que diferencia um organismo de outro é a maior ou a menor complexidade<br />

percebida (maior estoque de diagnósticos) por ele diante das<br />

perturbações enfrentadas, de suas avaliações e respostas, umas mais<br />

bem ou mais mal elaboradas que outras. Os organismos com maior número<br />

de conhecimentos mais bem fundamentados – de complexidade<br />

maior – serão mais capazes de antecipar cognitivamente as consequências<br />

possíveis e um fato que ainda não se realizou.<br />

Enquanto o sistema autopoiético produz a si mesmo (roseira, homem,<br />

sociedade, mosquito), o sistema alopoiético, seu oposto, é construído<br />

pelo homem. O sistema alopoiético resulta da produção de algo diferente<br />

do produtor, como o computador, a mesa, o avião, a caneta, etc.<br />

Um avião supermoderno, cheio de sensores <strong>para</strong> todos os lados, tem<br />

alguma semelhança com um organismo, mas há algumas diferenças<br />

fundamentais. O sistema autopoiético, diferente do alopoiético, é autônomo,<br />

isto é, ele próprio coordena e subordina as mudanças ocorridas<br />

nele visando a manter a sua organização e evitar sua morte. Por outro<br />

lado, alguns componentes do avião são “animados” como o leme ou<br />

freios, mas nenhum d<strong>esse</strong>s componentes é feito de células vivas cuja<br />

integridade depende da presença do oxigênio e de nutrientes. Cada<br />

uma das partes elementares de um organismo, cada uma das células<br />

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de um corpo, tem mais que animação, ela tem vida. Isso é fundamental.<br />

Cada uma das células de organismo vivo individual é ela própria um<br />

organismo individual, com um ciclo de vida. Cada célula é um organismo<br />

que necessita lutar pela própria vida, e cuja sobrevivência depende<br />

das instruções do seu próprio genoma e das circunstâncias do ambiente<br />

no qual ela vive (seu nicho).<br />

Lembro ao leitor que cada organismo começa sua existência como uma<br />

célula e, como tal, tem também certas estruturas iniciais que são o resultado<br />

de uma história da espécie da qual ele pertence: roseira ou carrapato.<br />

Os dispositivos de regulação da vida estão presentes em todos<br />

os níveis do organismo, sistemas, órgãos, tecidos e células.<br />

A partícula elementar de um organismo vivo é uma célula viva (ainda<br />

que cheia de átomos e quarks); no avião é um átomo; as funções de<br />

um e outro são bem diferentes, pois são constituídos com fins também<br />

diferentes. Os nossos cérebros preocupam-se com a integridade do<br />

nosso corpo vivo total e, por sua vez, cada um dos setores ou pontos<br />

do corpo preocupa-se com a sua própria vida, a vida de cada célula.<br />

Os sensores nervosos que transmitem informações do corpo <strong>para</strong> o<br />

cérebro e os núcleos e feixes nervosos que mapeiam essa informação<br />

são, eles próprios, feitos de células vivas, sujeitos ao mesmo risco de<br />

vida de qualquer outra célula. Esses precisam também de regulação<br />

homeostática, cuidar deles próprios; como eles vivem num conjunto<br />

precisam cuidar dos outros companheiros e vizinhos, pois, do contrário,<br />

cada um deles morrerá.<br />

Pedro (ou Maria) também precisa cuidar de si mesmo, mas como seu<br />

bem-estar depende de outros, ele, inteligentemente, cuida de quem<br />

lhe dá apoio e prazer.<br />

Os neurônios têm algo a realizar conforme os estímulos e o desejado.<br />

As atividades do corpo dão certa forma ao mapa geral e, portanto, às<br />

ações e reações do organismo total e de cada célula. Para a célula, que<br />

olha as vias de comunicação que a constitui, o ruído é negativo; mas<br />

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<strong>para</strong> o órgão, que olha a célula, o ruído nas vias do interior da célula é<br />

positivo (desde que não mate a célula), pelo fato de aumentar o grau<br />

de variedade e, portanto, os desempenhos reguladores de suas células.<br />

Do mesmo modo, <strong>para</strong> a pessoa, isolada – um tipo do “eu”, o do<br />

momento, que tem apenas uma visão do mundo – o ruído pode ser<br />

visto como ruim (ir à escola <strong>para</strong> estudar), pois é um estr<strong>esse</strong>, um aborrecimento<br />

levantar cedo e ir à escola. Entretanto, <strong>para</strong> o sujeito total,<br />

(composto por outros “eus” além do que estuda), o ruído (estudar) é<br />

positivo, pois irá aumentar sua capacidade geral e o grau de variabilidade<br />

<strong>para</strong> lidar com as desordens sociais. Um segundo exemplo: <strong>para</strong><br />

uma função do sujeito que tem medo do contato com outros, o isolamento<br />

na Internet é bom, mas <strong>para</strong> ele mesmo e seus outros objetivos<br />

e valores este afastamento, ou este “medicamento”, provisório, pode<br />

ser ruim.<br />

Organização e assimilação: perturbação das<br />

estruturas<br />

Portanto, por um lado existe uma espécie de organização – tipo máquina<br />

– que é fabricada pelo homem, designada <strong>para</strong> nos servir e que<br />

produz algo externo a ela mesma (computador, telefone, caneta). Por<br />

outro, existe uma segunda forma de organização, a natural, na qual se<br />

inclui o organismo vivo e, também, os ecossistemas, como as sociedades,<br />

que se autoproduzem. As organizações naturais, como o homem,<br />

a sociedade, o mosquito, foram criadas por elas mesmas, através da<br />

evolução e de mudanças continuadas; elas se auto-reproduzem, sendo<br />

sua identidade inseparável de sua história. As substâncias fabricadas<br />

participam, transitoriamente, da renovação dos componentes do organismo<br />

impedindo o encerramento da produção que acontece com a<br />

morte.<br />

Se, por qualquer motivo, ocorrer a morte, a produção encerra-se; a fábrica<br />

fecha-se, os componentes – matérias-primas – que tornavam possíveis<br />

a vida daquele determinado organismo, substâncias como o H,<br />

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N, C, O, Ca, Fe, K e outros, se se<strong>para</strong>m daquelas ligações anteriormente<br />

existentes. As substâncias, uma vez liberadas do habitat anterior, passam<br />

a fazer parte de outras organizações; vão habitar e trabalhar em<br />

outra fábrica, reaproveitadas <strong>para</strong> a constituição de outros seres vivos<br />

(vegetais ou animais) ou fazer parte de outra coisa qualquer.<br />

Tudo o que ocorre em um organismo acontece em função do aparecimento,<br />

em cada momento, de determinadas mudanças nas estruturas.<br />

São essas mudanças que originam ou promovem o que percebemos,<br />

visto de fora, como comportamentos observados através dos órgãos<br />

dos sentidos e organizados pela cognição. D<strong>esse</strong> modo, a conduta<br />

observável do homem, ou da barata, em um contexto determinado,<br />

é, digamos assim, a representação externa, visível <strong>para</strong> o observador,<br />

originária de mudanças estruturais internas sofridas pelo organismo;<br />

notamos apenas o verniz possível de ser percebido e não os mecanismos<br />

internos.<br />

Maria, caminhando junto ao marido, o observa entrando no supermercado.<br />

Ali ele pega um pacote de feijão e o leva até o caixa. Paga e volta<br />

<strong>para</strong> casa. Em resumo, isso foi o observado por Maria. Entretanto, ela<br />

não teve como “observar” o que se passou dentro do organismo (o<br />

mecanismo interno) de seu marido José, isto é, como o organismo dele<br />

foi estimulado e o que determinou as decisões observadas; não se sabe<br />

que forças o “empurraram” até o supermercado <strong>para</strong> pegar o feijão e<br />

retornar, ou, ainda, se essa conduta foi a melhor, a mais inteligente, ou<br />

o contrário.<br />

Os seres vivos são redes fechadas de produção de seus componentes;<br />

utilizam substâncias retiradas do meio ambiente: ingeridas, inspiradas,<br />

absorvidas pela pele, etc. O homem, além disso, assimila do meio ambiente<br />

palavras, idéias, princípios e outras informações importantes<br />

<strong>para</strong> sua sobrevivência. No caso da auto-observação, o observador é<br />

o próprio agente das ações; ele examina com atenção o resultado das<br />

mudanças estruturais que ocorrem nele próprio.<br />

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Mesmo quando há uma ação do meio externo sobre o meio interno do<br />

organismo, o ocorrido – o produto final – nunca é determinado pelo<br />

meio ambiente. Exemplificando: um cão, isto é, um organismo como<br />

qualquer outro, por mais treinado que seja, nunca aprenderá a ler ou a<br />

falar, pois seu meio interno (estrutura interna) não o capacita a realizar<br />

tal proeza. O organismo do cão, sendo diferente dos homens, não tem<br />

condições de alcançar <strong>esse</strong> aprendizado próprio dos seres humanos.<br />

Portanto, não adianta a ação do meio externo sobre o organismo; nós<br />

não instruímos um sistema, não especificamos o que vai acontecer<br />

nele. A cadeira funciona como um móvel <strong>para</strong> assentar; uma casa,<br />

como moradia. De maneira semelhante, se você põe um toca-fitas <strong>para</strong><br />

tocar, você não o instrui; você o aciona e ativa o que o toca-fitas é capaz<br />

ou foi pre<strong>para</strong>do <strong>para</strong> fazer; suas funções são as determinadas e<br />

possibilitadas pela sua estrutura.<br />

Se aceitarmos <strong>esse</strong> princípio, não podemos exigir certas condutas de<br />

certas pessoas, quando sua estrutura o orienta <strong>para</strong> outro. Não adianta<br />

existir um meio X ou Y caso não haja um acoplamento entre o meio e<br />

o organismo <strong>para</strong> a produção de certa conduta. Não adianta eu amar<br />

Teresa se ela não tem o menor inter<strong>esse</strong> por mim, um modo que faz<br />

parte de sua estrutura.<br />

João e Maria agem conforme as estruturas existentes (os programas,<br />

roteiros) em cada um deles; não conseguiremos instruí-los <strong>para</strong> agirem<br />

diferentes do determinado pelas suas estruturas; caso eles mudem,<br />

significa que a estrutura se transformou, tornou-se outra; <strong>para</strong> mudá-<br />

-los, necessitamos mudar suas estruturas.<br />

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Ser vivo: Ruídos e desorganizações<br />

A conservação da organização do ser vivo representa a sua constante<br />

fundamental, seu processo básico, isto é, preservar a si próprio, evitar<br />

sua morte. O ser vivo é conservador. Quando a coordenação <strong>para</strong><br />

sustentar a organização fracassa por algum tempo, ou seja, quando as<br />

disposições e funcionamento das partes passam a trabalhar anormalmente,<br />

fora do padrão habitual, surge o que chamamos de doença. E<br />

mais, quando a desorganização atinge um grau elevado, ou seja, essa<br />

passa a ser muito intensa, “sem remédio”, ocorre o que chamamos de<br />

morte do sistema individual.<br />

Os organismos não só resistem aos ruídos (desorganizações, problemas,<br />

caos, desordens) como também se utilizam deles a ponto de<br />

transformá-los num fator de organização: “princípio da ordem através<br />

do ruído”. Isso serve <strong>para</strong> explicar as propriedades mais singulares dos<br />

organismos vivos como os sistemas auto-organizadores, em especial<br />

sua adaptabilidade que se alimenta do não regular (do caos).<br />

Os sistemas auto-organizadores (homem e outros seres vivos) não se<br />

alimentam apenas da ordem; o ruído, como os problemas, estr<strong>esse</strong>s,<br />

desorganizações e desordens, também faz parte de seu cardápio. A<br />

criança se desenvolve enfrentando – não sendo protegida em excesso<br />

– os problemas existentes no seu meio ambiente. Assim ela aprende.<br />

O organismo tem certo número de respostas à sua disposição diante<br />

das diferentes perturbações. Perante cada sequência de transtorno há<br />

uma resposta mais adequada, ou seja, o sistema é colocado num estado<br />

determinado de prontidão, fuga, ataque, aproximação. Dentre os<br />

estados possíveis apenas alguns são “aceitáveis” do ponto de vista da<br />

finalidade do organismo no momento; pode ser sua simples sobrevi-<br />

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vência ou a realização de alguma função, como ir ao cinema ou comer<br />

uma feijoada.<br />

A regulação (o equilíbrio ou a regra) do sistema consiste em escolher,<br />

dentre as respostas possíveis, as que colocam o sistema num estado<br />

aceitável (a resposta de deixar o sangue jorrar não é uma boa resposta<br />

<strong>para</strong> o organismo diante de um corte). A doença ou o transtorno, n<strong>esse</strong><br />

ponto de vista, seria viver num estado mais ou menos continuado<br />

de perturbação. De outro modo, na doença estabeleceu-se uma má<br />

escolha do organismo vivo. Na doença ocorreu uma resposta na qual o<br />

organismo foi colocado num estado inaceitável <strong>para</strong> a sobrevivência ou<br />

finalidade do sistema.<br />

A variedade das respostas disponíveis de um organismo deve ser tanto<br />

maior quanto mais forem as perturbações possíveis e quanto menor<br />

for a de estados aceitáveis. Ora, se qualquer estado passa a ser aceitável,<br />

o número de respostas passa a ser enorme. Em outras palavras,<br />

uma grande variedade de respostas disponíveis dentro dessa idéia<br />

torna-se indispensável <strong>para</strong> assegurar uma regulação de um sistema<br />

que vise a mantê-lo num número limitado de estados, embora ele seja<br />

submetido a uma grande variedade de agressões ou perturbações.<br />

De outro modo, por mais que o organismo seja atingido por diversas<br />

desordens, ele apresenta apenas algumas respostas viáveis (saudáveis),<br />

devido à sua flexibilidade que busca o melhor <strong>para</strong> si. N<strong>esse</strong> caso, o<br />

organismo ignora ou incorpora a perturbação com a finalidade última<br />

de se tornar mais forte, mais capaz e resistente dentro de um número<br />

limitado de estados. Ele se pre<strong>para</strong>, treina, <strong>para</strong> sofrer o mínimo possível<br />

de perturbações internas diante das mais diversas provocações<br />

externas, mantendo assim sua unidade, seu “eu” o mais íntegro e desejável<br />

possível como seu agente e administrador.<br />

O organismo necessita utilizar certa redundância (rigidez, repetição)<br />

<strong>para</strong> identificar e corrigir eventuais erros na transmissão das mensagens<br />

e <strong>para</strong> ficar mais complexo. Por tudo isso, torna-se necessário um<br />

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equilíbrio entre um bom conservadorismo junto a uma boa variedade<br />

de respostas. Isso não é fácil.<br />

Na ausência de interação com o ambiente não haverá auto-organização,<br />

como ocorre num sistema fechado, onde informações externas<br />

não entram. As únicas mudanças capazes de implicar na organização de<br />

si têm de ser produzidas fora dos sistemas e de não serem simplesmente<br />

mudanças de estados do sistema que fazem parte de sua organização<br />

constante. Os mesmos fatores responsáveis pela desorganização<br />

progressiva do sistema, que posteriormente conduzem à sua morte,<br />

são os que, antes, alimentam seu desenvolvimento, com uma progressiva<br />

complexidade. Por isso a vida corre junto à morte.<br />

Alguns pais são tão bondosos que não ajudam os filhos a crescer. Sendo<br />

protetores, eles não permitem que o filho enfrente problemas, corra<br />

riscos; <strong>esse</strong>s pais temem expor o filho a uma possível desorganização<br />

temporária, às vezes, à morte. D<strong>esse</strong> modo, o filho estará impedido de<br />

viver; assimilar os problemas ou estr<strong>esse</strong>s. Tudo indica que crescemos<br />

e nos pre<strong>para</strong>mos <strong>para</strong> enfrentar o mundo real e complexo caso possamos<br />

defrontar as desorganizações do meio ambiente: elas são nossos<br />

principais alimentos <strong>para</strong> desenvolvermos.<br />

Ora, numa aprendizagem nova, adaptativa, não-dirigida, onde o indivíduo<br />

adapta-se a uma situação radicalmente nova, não há como<br />

recorrer a um programa preestabelecido. O programa vem de fora, do<br />

meio ambiente (faz parte de outra natureza), modifica-se sem <strong>para</strong>r,<br />

de maneira aleatória, não pré-estabelecida, sob o efeito dos fatores<br />

imprevisíveis do meio. A lógica de certas classes de organização, entre<br />

elas a dos seres vivos, deve obedecer a uma particularidade; o acaso<br />

deve contribuir de alguma maneira <strong>para</strong> a organização do sistema.<br />

Automanutenção, desorganização e morte<br />

A meta máxima do organismo vivo é a automanutenção e a auto-<br />

-renovação de si mesmo. Para que exista a conservação da organização,<br />

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o organismo assimila informações (alimentos, idéias, desorganizações)<br />

produzidas no meio externo e interno devido às desordens resultantes<br />

dessas trocas ou, de modo mais simples, em virtude do sistema estar<br />

vivo.<br />

Um sistema autopoiético perde sua identidade ao perder sua organização;<br />

a barata deixa de ser barata ao ser esmagada por um sapato. N<strong>esse</strong><br />

caso, sua organização de barata transforma-se, entre outras coisas,<br />

em restos alimentícios <strong>para</strong> formigas, mosquitos e bactérias. Da mesma<br />

forma, o sistema alopoiético (mesa, computador, edifício) também<br />

se mantém como uma unidade apenas enquanto sua organização não<br />

variar; uma cadeira só será cadeira enquanto a sua organização for a de<br />

uma cadeira (assento, encosto, pés). Ela, uma vez quebrada, poderá virar<br />

lenha, bengala e porrete, o mesmo acontece com uma casa que se<br />

torna entulho. N<strong>esse</strong> caso, elas perderam sua identidade de “cadeira” e<br />

de “residência”. A organização de um sistema é a relação entre os seus<br />

componentes (encosto, assento e pés), os que lhe dão sua identidade<br />

de classe, como as cadeiras, uma fábrica de bonecas, os seres vivos.<br />

O modo particular pelo qual se realiza a organização de um sistema<br />

particular – classe de componentes e as relações concretas que se dão<br />

entre eles – constitui sua estrutura.<br />

Mudanças estruturais e interações<br />

Dois sistemas totalmente iguais – duas baratas ou dois homens – terão<br />

histórias diferentes de interações pessoais e de mudanças estruturais<br />

que foram iniciadas de formas diferentes quando o organismo começou<br />

sua existência como uma célula; portanto, cada sistema terá uma<br />

história de vida singular.<br />

Os seres vivos sempre estiveram imersos num meio onde interagem.<br />

Em virtude de sua própria dinâmica interna e, em parte, devido às interações<br />

com o meio, o ser vivo sofre constantes mudanças estruturais<br />

(não da organização). Um ser vivo somente conserva sua organização<br />

(não as estruturas) se a sua estrutura e a do meio ambiente estiverem<br />

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em harmonia; do contrário ele morrerá. Seguindo <strong>esse</strong> raciocínio, não<br />

há liberdade de um e outro sistema <strong>para</strong> agir independentemente, pois<br />

um está preso e é modificado pelo outro, mais ou menos ao acaso; as<br />

estruturas ficam dependendo das transformações do outro.<br />

De um modo mais prático, se João encontra Maria, os organismos dos<br />

dois se modificarão em função das interações que se estabelecem.<br />

Caso haja o casamento deles, as interações devem aumentar e, consequentemente,<br />

as transformações em um e outro, também, aumentarão.<br />

A harmonia existente entre o ser vivo e o meio ambiente se chama<br />

adaptação; a preservação da adaptação é fundamental <strong>para</strong> a manutenção<br />

da organização; a conservação de uma envolve a conservação<br />

de outra. Sendo assim, o equilíbrio e ou as perturbações possíveis num<br />

e noutro sistema – ser vivo e meio ambiente – dependerão das mudanças<br />

estruturais ocorridas em um e outro conjunto ou sistema.<br />

Algumas mudanças estruturais ocorridas no organismo são devidas às<br />

interações d<strong>esse</strong> com o meio ambiente (incluindo <strong>aqui</strong> outro ser humano);<br />

outras modificações surgem em virtude de sua própria dinâmica<br />

interna. Isso aconteceu comigo n<strong>esse</strong> instante: “Agora vou <strong>para</strong>r: estou<br />

cansado; Irei espichar as pernas”. N<strong>esse</strong> caso surgiram mudanças internas<br />

e eu as percebi e, em seguida, tomei a decisão. Nossa “inteligência”,<br />

a todo instante, é acionada; tentamos nos adaptar às novas exigências<br />

que ocorreram no meio ambiente externo e no interno, como<br />

as pernas doendo, a sede, etc.<br />

Portanto, ser vivo e meio ambiente (incluindo os outros seres vivos)<br />

formam sempre uma unidade apropriada ao fim que se propõe, isto é,<br />

a um troca-troca harmônico (muitas vezes há desarmonia). Os componentes<br />

da estrutura do organismo e do meio existem se adaptando um<br />

ao outro, de acordo com as transformações surgidas; o que acontece<br />

no sistema depende de como ele foi feito.<br />

As interações sofridas, acionadas externa ou internamente, desenca-<br />

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deiam mudanças conforme uma coincidência de fatores existentes,<br />

num e noutro sistema. Por exemplo: de um lado o organismo tem<br />

fome, de outro, o meio ambiente oferece o alimento. Como as interações<br />

são, muitas vezes, aleatórias, dois sistemas iguais terão histórias<br />

diferentes de interações pessoais, consequentemente, de mudanças<br />

estruturais; mesmo nos caso de dois gêmeos idênticos, cada um deles<br />

irá experimentar situações de vida diferentes e, consequentemente,<br />

passam a ter estruturas mentais e mesmo físicas desiguais.<br />

Na relação particular de dois sistemas que têm estruturas diferentes e,<br />

também, independência com respeito à interação, cada um seleciona<br />

no outro o caminho da modificação estrutural respectiva. A conduta<br />

adequada é a que é congruente com as circunstâncias nas quais ela se<br />

realiza. João percebe e procura José <strong>para</strong> lhe pedir dinheiro emprestado;<br />

José empresta, pois tem este de sobra e é bonzinho; Maria está<br />

com fome e vai até a padaria; lá tem o alimento, ela tem o dinheiro e a<br />

padaria quer vender.<br />

Mas pode não haver coerência entre duas estruturas independentes e<br />

diferentes com respeito à interação; um casal pode viver em harmonia<br />

ou em desequilíbrio, isto é, sem coerência entre eles, bem como o professor<br />

e seus alunos.<br />

Durante um programa do “Chaves” pude observar exemplos simples de<br />

desarmonia entre os alunos e o professor:<br />

- Como se escreve “bala”? Perguntou o professor. – Com o lápis, respondeu<br />

um aluno. – Não! Com esferográfica, respondeu um outro. – A<br />

palavra “bala” se escreve com maiúscula ou minúscula? O professor,<br />

desanimado, fez uma nova pergunta. – Depende da bala, respondeu<br />

um aluno e continuou: – As grandes se escrevem com maiúsculas, as<br />

pequenas, com minúsculas.<br />

N<strong>esse</strong> caso, como se observa, não havia um consenso ou concordância<br />

de opiniões entre o perguntado e o respondido, se examinarmos o “diálogo”<br />

sob a “estrutura de ensino”. Entretanto, se a olharmos sob a “es-<br />

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trutura de piada”, ela está correta, pois, n<strong>esse</strong> último caso, as respostas<br />

não seriam “corretas” caso fossem as esperadas <strong>para</strong> o “bom aluno”.<br />

No caso do programa “Chaves” o professor especificou de um modo<br />

o que ele imaginava ser uma interação com os alunos; os alunos imaginaram<br />

outra forma de interação. Nas situações não-cômicas cada<br />

participante de um diálogo especifica o que ele admite ou imagina ser<br />

uma interação; mas isso nem sempre se consegue e pode-se repetir o<br />

existente no programa “Chaves”.<br />

A estrutura e o meio ambiente que lhe faz o<br />

papel de nicho<br />

Todo sistema determinado por sua estrutura existe em um meio; nasce<br />

e cresce num local. Esse contato implica numa condição de complementaridade<br />

estrutural entre a organização do sistema e a que funciona<br />

como meio ambiente. As interações, num e noutro sistema, são<br />

nada mais nada menos que perturbações nos dois sistemas envolvidos;<br />

seus repousos ou equilíbrios, momentaneamente, são alterados.<br />

O chamado acoplamento estrutural (junção, união, influência recíproca<br />

que exercem dois sistemas, intercâmbio, conexão) é a condição<br />

fundamental <strong>para</strong> a existência de qualquer sistema. Caso desapareça<br />

a complementaridade estrutural, ou ela é anômala (ocorra uma interação<br />

destrutiva), o sistema poderá ficar perturbado em suas funções,<br />

ou mesmo se desintegrar, deixar de existir. A parte do meio ambiente<br />

que é complementar ao ser vivo tem recebido o nome de “nicho”. Os<br />

exemplos dos defeitos dos intercâmbios (acoplamentos) são diversos:<br />

uma companhia ruim, um mau casamento ou emprego, um ambiente<br />

físico poluente, as drogas, um trabalho exagerado, um lazer tedioso,<br />

uma mãe ou pai perverso, uma escola dogmática, etc. Inúmeros estudos<br />

têm sido realizados descrevendo os bons e maus nichos existentes<br />

na relação mãe/filho. Há concordância de que uma relação defeituosa<br />

do criador/criatura produz sérios problemas comportamentais (emo-<br />

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cionais e cognitivos) no futuro.<br />

As mudanças ocorridas nas estruturas de um sistema vivo durante seu<br />

contato com o meio ambiente (mãe, escola e tudo o mais), isto é, a ontogenia<br />

de um sistema vivo (desenvolvimento de um indivíduo desde a<br />

concepção até a idade adulta), constitui seu desvio do repouso anterior<br />

(junção do óvulo com o espermatozóide), quando se inicia sua mudança<br />

estrutural. Para ser categorizado de um sistema organizado X ou Y<br />

(homem, ou cavalo), ele sempre deve manter a conservação de sua<br />

organização e adaptação.<br />

As mudanças estruturais ocorrem sem <strong>para</strong>r (repouso/mudança e novo<br />

repouso/mudança). Exemplificando: Estou bem, senti sede, levantei-<br />

-me, tomei água; retorno ao estado de equilíbrio. O sol entra na janela<br />

e me perturba ao escrever no computador; levanto-me, fecho a janela<br />

e tranquilizo-me. Toca o telefone, atendo, termina a conversa…<br />

Enquanto vivo, o ser vivo jamais poderá estar fora de seu lugar, ou seja,<br />

fora de seu ninho. Viver é uma continuada caminhada à procura de um<br />

nicho <strong>para</strong> nele se abrigar. O homem, bem como outros animais, sempre<br />

sonhou em habitar ou acomodar-se num confortável <strong>para</strong>íso. Lá<br />

no <strong>para</strong>íso, possivelmente, não mais precisaria atender tantos e tantos<br />

telefonemas chatos e inúteis; ir a tantos aniversários sem graça ou a<br />

velórios <strong>para</strong> se despedir de um morto que mal conhecia; ouvir conversas<br />

repetitivas e sem graça; escutar lições de vida idiotas e ingênuas;<br />

receber elogios desnecessários e já sabidos. Tudo isso desequilibra e<br />

interrompe as ações desejadas, as que nos fornecem o equilíbrio, que<br />

agradam, isto é, as que fazem parte do ninho que sonhamos. Para um<br />

observador de fora, muitas dessas interações podem parecer harmoniosas,<br />

ser interpretadas como se o indivíduo, José ou Maria, estiv<strong>esse</strong><br />

bem adaptado a <strong>esse</strong> meio ambiente.<br />

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Duas faces: mecanismo interno<br />

x externo<br />

As mudanças de estado de um organismo, como sua fome e, consequentemente,<br />

sua conduta – ir ao restaurante comer – ocorrem em<br />

domínios fenomênicos distintos (fome e ida ao restaurante) que não se<br />

intersectam (cruzam). A conduta de um indivíduo não é um aspecto da<br />

operação motora que está em andamento no seu sistema nervoso.<br />

A rede neuronal, por permanecer fechada – interna – gera apenas<br />

mudanças internas no organismo, relações de uma atividade interna<br />

com a outra. Entretanto, há uma conjunção (acoplamento, conexão) do<br />

sistema nervoso com o restante do organismo; entre a estrutura sensorial<br />

e a motora (a realizadora, executora) e os setores encarregados da<br />

tomada de decisões.<br />

A ligação do sistema nervoso com a via sensorial e a motora (executora)<br />

produzirá, necessariamente, uma conexão entre as mudanças estruturais<br />

internas do organismo (mecanismos subjacentes envolvidos)<br />

<strong>para</strong> provocar o comportamento observado do lado de fora. D<strong>esse</strong><br />

modo, os comportamentos mostrados pelo organismo, visíveis <strong>para</strong><br />

um observador (João sai à procura de água), são determinados, basicamente,<br />

em virtude das perturbações internas que estão ocorrendo no<br />

organismo (sede) e, em parte, devido ao meio ambiente (presença de<br />

água).<br />

Existimos dominados (presos) por nossas interações e relações. Estas<br />

são vistas por um observador como condutas humanas (como decisões<br />

livres; de vontade livre), mas toda conduta decorre do que se passa<br />

no interior do organismo em virtude de mudanças estruturais. Somos<br />

governados por essas mudanças internas, independentes de nossos<br />

ideais; são essas modificações que nos forçam (levam) a fazer isso ou<br />

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<strong>aqui</strong>lo: ir ao cinema, tomar um café, estudar <strong>para</strong> a prova ou namorar.<br />

Os dois aspectos (duas faces da moeda), o primeiro o da existência<br />

de trocas internas ou biológicas ocorridas nas estruturas (desequilíbrios<br />

provocados por situações internas ou externas ao organismo); o<br />

segundo, o comportamento observado de fora, a vida psicológica ou<br />

social exibida (possível de ser observada) pelo organismo que, uma vez<br />

desorganizado ou desequilibrado, busca o equilíbrio temporariamente<br />

perdido, isto é, a conduta. Nós descrevemos geralmente o visível do<br />

lado de fora, a superfície ou verniz percebido.<br />

Os atributos, ou faces, são distintos. Cada uma pertence a um conjunto<br />

de atividades diferentes e, também, utiliza conceitos e leis diferentes.<br />

Além disso, o que é de um não pertence ao outro. Daí discussões intermináveis<br />

que jamais se encontram.<br />

Postado em um lado está a biologia ou sua fisiologia. Ela é a que coordena<br />

o ser vivo, dando, como resultado, a constituição dele como totalidade.<br />

De outro lado, encontra-se a outra totalidade, a outra face. Esta<br />

se caracteriza (contém) pela relação observada percebida pelo observador,<br />

ou seja, a conduta, o modo de vida deste ou daquele indivíduo.<br />

A fisiologia não só faz nascer, como dá origem ao comportamento observado<br />

ou percebido exteriormente. Além disso, ela torna possível e,<br />

ao mesmo tempo, limita a vida de relação do ser vivo com seu meio<br />

ambiente. Entretanto, a fisiologia não determina, não provoca, nem<br />

contém a conduta visível. Está confuso leitor? Vou tentar explicar o desejado<br />

de outra forma.<br />

Devido ao determinismo estrutural, aspecto ou face biológica do organismo,<br />

qualquer mudança estrutural ocorrida no interior do ser vivo<br />

resultará ou provocará alguma mudança na sua vida de relação (no seu<br />

comportamento), isto é, com o meio ambiente. Portanto, a mudança<br />

estrutural irá modificar o que chamamos de “conduta” (sua totalidade),<br />

na sua busca de realização de seu modo de viver (reorganizar-se, retornar<br />

a harmonia) devido ao que está ocorrendo no interior de seu or-<br />

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ganismo biológico. Um exemplo simples é a fome. Esta, internamente,<br />

perturba o organismo devido a transtornos em alguns pontos do corpo,<br />

mas a totalidade do organismo acaba sendo alterada no seu conjunto<br />

(pensamento sobre alimentos, focalização das percepções, emoções de<br />

mal-estar, movimentos <strong>para</strong> procurar alimento, etc.). Esta é a segunda<br />

face, a que sai à procura do alimento <strong>para</strong> providenciar o retorno ao<br />

equilíbrio anterior: extinguir a fome. Uma vez alimentando-se, se fecha<br />

o mecanismo interno e termina a conduta externa. Estamos submetidos<br />

a <strong>esse</strong> vai-e-vem o dia todo; sem <strong>para</strong>r nós nos desequilibramos e<br />

nos reequilibramos.<br />

A vida de relação ocorre nos atos (comportamentos); n<strong>esse</strong>s são encontrados<br />

os meios necessários à obtenção de determinados resultados<br />

nas ações do ser vivo como totalidade, segundo as propriedades<br />

ou as características do organismo. Resumindo: existem dois aspectos<br />

ou domínios: o fisiológico e o comportamental.<br />

Quando dois ou mais organismos interagem, José e Maria, atuando<br />

como sistemas moldáveis ou plásticos, cada um deles se torna o meio<br />

necessário (o nicho) <strong>para</strong> a realização da autopoiese do outro. O resultado<br />

é um acoplamento (conexão, ligação) estrutural mútuo que recebe<br />

o nome de domínios consensuais (os dois estão casados; ou, um é<br />

patrão, o outro, empregado, etc.). N<strong>esse</strong> caso qualquer um dos membros<br />

pode ser substituído por um sistema novo, desde que tenha uma<br />

estrutura semelhante à do sistema anterior (trocar uma mulher ou um<br />

homem por outro; arrumar um novo patrão ou empregado).<br />

Entretanto, se considerarmos o sistema sob o ponto de vista determinista<br />

(a face fisiológica do sistema humano, comandada pelo sistema<br />

subcortical e que não depende de nossa vontade) a escolha está fora<br />

de cogitação, como exemplificado nos exemplos: “Tenho fome”; “Estou<br />

furioso”; “Estou com sono”; “Meu estomago dói”, etc. N<strong>esse</strong>s casos<br />

não há o que substituir por um semelhante.<br />

Criatividade e interações<br />

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Criatividade é uma característica difundida entre os sistemas vivos;<br />

o ser vivo “escolhe” mesmo havendo, por trás dele, o determinismo<br />

interno. Exemplo: Se tenho fome, posso comer uma feijoada <strong>para</strong> matar<br />

minha fome, mas posso ainda comer um pastel. Diante de minha<br />

“fúria” posso agredir fisicamente meu inimigo, ou, ainda, agredi-lo por<br />

palavras, matá-lo, contar até dez e esquecer, rezar e pedir a Deus que<br />

o perdoe, entender melhor o acontecido, tomar um remédio <strong>para</strong> me<br />

tranquilizar, etc.<br />

Os sistemas políticos/ideológicos, religiosos e familiares são coercitivos.<br />

Eles procuram limitar, reduzir ou acabar com a criatividade e<br />

a liberdade de escolhas diante de inúmeras situações existentes no<br />

“menu” do meio ambiente. Essas várias forças do poder especificam<br />

<strong>para</strong> as crianças e os mais humildes os nichos “apropriados” e “corretos”,<br />

os que devem (têm de usar) ser escolhidos, sendo, muitas vezes,<br />

um somente. As ideologias não permitem outras escolhas segundo<br />

nosso inter<strong>esse</strong> ou desejo, mas sim, segundo a “sabedoria” dos mais<br />

“importantes”.<br />

A mente do indivíduo, desde cedo, é pre<strong>para</strong>da <strong>para</strong> aceitar as decisões<br />

advindas do poder que se apresentam como “mais sábias”, das<br />

mudanças que ocorrem no organismo dos detentores do poder (rei,<br />

presidente, ministro, padre, pastor, papa, etc.). Em resumo, os “superiores”<br />

obrigam os “inferiores” a “escolher”, dogmaticamente, as<br />

interações sociais oferecidas como sendo as melhores e ideais do meio<br />

ambiente <strong>para</strong> solucionar os problemas da vida de cada um: o que<br />

fazer no domingo, que livro devo ler e que livro não posso ler, o filme<br />

indicado <strong>para</strong> assistir, o dia de comer carne e o dia do bacalhau, etc.<br />

Parece que tudo isso busca tornar as pessoas mais parecidas e, consequentemente,<br />

mais fáceis de serem domesticadas.<br />

A política e a religião oferecem e pressionam, <strong>para</strong> a maioria da população,<br />

a busca de um meio ambiente mágico e solucionador de tudo<br />

<strong>para</strong> o ingênuo seguidor do político ou do religioso. Essa panacéia,<br />

receitada pelo líder – não escolhida pelo indivíduo – vai provocar<br />

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uma limitação da ação da pessoa no seu meio ambiente, uma menor<br />

liberdade e, portanto, um impedimento <strong>para</strong> a diversificação do crescimento<br />

através do “alimento” possível de desorganizar o comum ou a<br />

mesmice.<br />

A estrutura de um sistema se identifica com seus componentes reais<br />

e com as efetivas relações entre estes (as normas aceitas como adequadas<br />

à relação); isso mantém um sistema. Se os jogadores de um<br />

time de futebol, em vez de jogar com os pés, começarem a correr com<br />

a bola nas mãos, desorganizou-se o futebol; ele deixa de existir. N<strong>esse</strong><br />

caso houve a produção de mudança de estrutura, uma perda da organização<br />

anterior; desintegrou-se o que havia e nasceu uma nova organização,<br />

talvez um novo jogo (as regras ou normas estabelecidas foram<br />

modificadas). Se o patrão casa com a secretária, o primeiro sistema se<br />

findou e formou-se um novo sistema, com outras regras, outros direitos<br />

e obrigações.<br />

Do mesmo modo, Luiz um dia é eleitor e, como tal, critica e combate<br />

o governo. No outro dia é Presidente da República e, portanto, chefe<br />

do governo. N<strong>esse</strong> caso sua estrutura mudou (sua fisiologia) e, consequentemente,<br />

ocorreu também uma mudança na sua conduta. O ninho<br />

escolhido era um que se modificou conforme o resultado da eleição.<br />

Também pudera, ninguém é de ferro!<br />

Na relação particular de dois sistemas que têm estruturas diferentes<br />

e independência com respeito à interação, cada sistema seleciona no<br />

outro o caminho da modificação estrutural respectiva. N<strong>esse</strong> caso a<br />

conduta adequada é a congruente com as circunstâncias nas quais ela<br />

se realiza. Um bom exemplo disso é o comportamento denominado<br />

“amor”. Ele é a fonte da socialização humana e, ao mesmo tempo, um<br />

simples, humilde e desprestigiado fenômeno biológico. A competição,<br />

por outro lado, nega o amor e a aceitação do outro sem exigências. As<br />

diferentes emoções, como o amor, se distinguem precisamente porque<br />

especificam domínios de ações distintas.<br />

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Toda ação é determinada por uma emoção agradável ou desagradável,<br />

intensa ou fraca; isso ocorre inclusive quando raciocinamos, levando-<br />

-nos a correr de medo, bater de raiva, abraçar por amor, etc.<br />

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Organismo: Evolução e genes<br />

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Evolução<br />

A evolução pode ser pensada em termos de alteração do programa<br />

de desenvolvimento, de maneira que estruturas sejam modificadas e<br />

novas estruturas formadas. São apenas os genes que mudam na evolução;<br />

portanto, compreender como eles controlam o desenvolvimento é<br />

fundamental <strong>para</strong> compreender a evolução dos animais e plantas.<br />

A chave do desenvolvimento é a célula. Desde que as proteínas <strong>esse</strong>ncialmente<br />

determinam o comportamento celular, o desenvolvimento<br />

pode ser imaginado como o controle de quais proteínas serão produzidas<br />

e onde, ou seja, o controle da atividade dos genes que as codificam.<br />

Quantos genes estão envolvidos no controle de quais proteínas do desenvolvimento<br />

e não na manutenção das funções normais da célula?<br />

Não sabemos a resposta, mas podemos conjeturar. Estimativas do número<br />

de genes são de 4 mil <strong>para</strong> a Escherichia coli, 7 mil <strong>para</strong> levedura<br />

e 15 mil <strong>para</strong> o verme nematódeo. Não é absurdo pensar que dos 60<br />

mil (falava-se em 100.000) do homem cerca de 30 mil podem estar<br />

relacionados com o desenvolvimento. Sabemos que a embriologia dos<br />

insetos sugere que apenas cerca de 100 genes estão envolvidos no<br />

controle dos padrões; no nematódeo, 50 genes controlam o desenvolvimento<br />

da vulva.<br />

Nos humanos existem aproximadamente 250 tipos diferentes de células,<br />

e se cada célula é caracterizada por dez proteínas diferentes, e<br />

cada proteína precisa de dez genes <strong>para</strong> a sua especificação, sendo estes<br />

valores bem modestos, então chegamos ao número de 25 mil genes<br />

<strong>para</strong> o desenvolvimento. Um pressuposto central é o de que o estado<br />

de uma célula é determinado pelos genes ativados e, portanto, pelas<br />

proteínas presentes. Desenvolvimento significa, em grande parte, células<br />

tornando-se diferentes da maneira ordenada.<br />

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Ativar um gene é um acionamento que pode resultar na produção de<br />

uma nova proteína, a qual, por sua vez, pode alterar totalmente o comportamento<br />

da célula. Uma nova proteína produzida pela ativação de<br />

um gene pode modificar e interagir com outras proteínas e assim gerar<br />

uma cascata de eventos, os quais, junto com a proteína inicial, podem<br />

modificar o comportamento celular que leva ao próximo estado.<br />

Evolução: esclarecimentos<br />

A evolução não é uma lei, ela é um fenômeno ocorrido. Ao contrário da<br />

crença de muitos, o privilégio dos seres vivos não é o de evoluir, mas<br />

sim o de se conservar, isto é, possuir uma estrutura e um mecanismo<br />

que lhes asseguram duas coisas: reprodução fiel ao tipo da própria estrutura<br />

(continuar a ser homem, gato, pulga) e reprodução, igualmente<br />

fiel, ao tipo de qualquer acidente ocorrido na estrutura (formação de<br />

outra espécie ou um indivíduo modificado, mais eficiente ou menos<br />

capacitado).<br />

A “teoria” da evolução de Darwin é uma teoria de segunda ordem, por<br />

ser uma teoria cujo objetivo é o de explicar um fenômeno que nunca<br />

foi e nem jamais será observado, a saber, o da própria evolução. Podemos<br />

observar no laboratório situações criadas que nos permitem<br />

isolar mutações numa dada linhagem de bactérias – um fato isolado,<br />

concreto – mas isso não é o mesmo que observar a evolução – uma<br />

generalidade que inclui todos os organismos vivos e milhões de outros<br />

desaparecidos, uma grande parte antes do aparecimento do homem.<br />

Os livros sobre evolução partem sempre de certos dados reais: a estrutura,<br />

o comportamento e a anatomia de determinado animal, passando<br />

em seguida a examinar o registro fóssil e daí as considerações clássicas<br />

da anatomia com<strong>para</strong>da; assim se infere filiações desta ou daquela<br />

característica. Essa reconstrução não pode ser provada e nem refutada;<br />

mas uma teoria precisa, segundo Karl Popper, ter uma estrutura tal que<br />

torne possível a refutação. Esse não é o caso da teoria da evolução; ela<br />

não tem como ser provada e nem negada, portanto, não se encaixa<br />

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nessa prisão de Karl Popper. Não fiquem tristes; isso não a invalida. Ela<br />

é uma “teoria” especulativa importantíssima que mudou a maneira de<br />

perceber os seres vivos, entre eles,<br />

Quando Darwin publicou a primeira edição da “A Origem das Espécies”,<br />

ele jamais podia imaginar o grande conteúdo preditivo de sua teoria.<br />

Após a publicação surgiram críticas pesadas e destrutivas. Lord Kelvin,<br />

religioso e cientista da época, o refutou alegando que a vida não podia<br />

exceder a 25 milhões de anos como se imaginou. Darwin, confuso,<br />

aceitou as críticas como certas. Isso o obrigou a reexplicar suas suposições,<br />

pois, segundo sua teoria, era preciso muito mais tempo <strong>para</strong> que<br />

ocorr<strong>esse</strong>m as<br />

Muitos criticaram a teoria por desconhecerem as idéias mendelianas<br />

(o religioso das ervilhas), descritas num estudo quase completamente<br />

ignorado quando Darwin publicou seus próprios princípios. As críticas<br />

foram tão violentas que Darwin chegou a voltar atrás; estranhamente<br />

defendeu as idéias de Lamarck acerca da transmissão dos caracteres<br />

adquiridos. Mas com as novas descobertas no campo da genética,<br />

surgiram novas teorias da evolução afirmando que a unidade de transmissão,<br />

conservação em hereditariedade e a unidade de mutação é a<br />

mesma: o gene. E, ainda, que a unidade de seleção é o indivíduo, e<br />

As idéias acima são diferentes das descritas ingenuamente por Darwin<br />

e pelo seu grande defensor, Spencer, quando <strong>esse</strong>s utilizaram o conceito<br />

simplificado – que se vulgarizou – da luta pela vida, pelo poder, ou o<br />

da sobrevivência do mais apto. O que importa não é a sobrevivência do<br />

indivíduo, que em si mesmo não tem inter<strong>esse</strong> <strong>para</strong> a seleção; importa<br />

a manutenção do gene <strong>para</strong> que <strong>esse</strong> tenha a oportunidade de estar<br />

presente na primeira, segunda e enésima geração. Isto é o que precisamos<br />

<strong>para</strong> ter a evolução, ou seja, pressões seletivas modulando a probabilidade<br />

dos genes, provenientes d<strong>esse</strong> ou daquele indivíduo, serem<br />

encontrados na geração ulterior, depois de uma, duas, três ou “n”<br />

gerações. A unidade de evolução não é o gene, nem o indivíduo, mas a<br />

população, não qualquer uma, a que partilha de certo genoma, a saber,<br />

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a “mendeliana”, com recombinação sexual conduzindo a contínua produção<br />

de novos genomas, através de recombinação; esta é capaz de<br />

A teoria da evolução e associações de outras<br />

ideologias<br />

A resistência à Teoria da Evolução tem surgido em virtude de crenças<br />

de que “tudo quanto existe e, em particular, o homem, tem boa razão<br />

<strong>para</strong> estar aí ou permanecer no genoma”. Ora, se aceitarmos a teoria<br />

da evolução, somos forçados a concluir que o surgimento de vida na<br />

Terra foi, provavelmente, imprevisível, antes de ter ocorrido. Os defensores<br />

dessa teoria (grande maioria dos biólogos) aceitam a idéia de<br />

que a existência de qualquer espécie particular decorreu de um evento<br />

singular, um evento que se manifestou apenas uma vez em todo o Universo.<br />

Consequentemente, um acontecimento que é, ainda, fundamental<br />

e inteiramente imprevisível; essa afirmação inclui a espécie a que<br />

pertencemos, ou seja, o homem, bem como qualquer outra espécie faz<br />

parte d<strong>esse</strong> conglomerado.<br />

Somos uma espécie singular, um acontecimento único, e, como todas<br />

as espécies, éramos imprevisíveis antes de aparecermos; “Pequenas<br />

diferenças levam as grandes diferenças”, como afirmou Darwin. Somos<br />

inteiramente contingentes com respeito não apenas ao resto do Universo,<br />

mas também com respeito aos demais seres vivos. Poderíamos<br />

não estar <strong>aqui</strong>, não ter aparecido, não ter escrito o acima, nem você<br />

lido.<br />

Entretanto, devemos nos precaver. A evolução, bem como qualquer<br />

área de ciência, não é capaz de sondar certas questões, como a das<br />

origens fundamentais ou a dos significados éticos. A ciência busca explicar<br />

fenômenos e regularidades do universo empírico (não do imaterial,<br />

do mundo fantástico), sob o pressuposto de que leis naturais são<br />

uniformes no espaço e no tempo. D<strong>esse</strong> modo, a evolução não deve<br />

ser olhada como visando o aparecimento do homem, sendo essa sua<br />

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função principal. Para a teoria da evolução não existem motivos <strong>para</strong><br />

isso ou <strong>aqui</strong>lo e nem acerca de que uma espécie é mais importante que<br />

as outras. Essas e muitas outras questões escapam da área científica,<br />

pois são problemas filosóficos (metafísicos) e ou teológicos.<br />

Além disso, como toda idéia espalhada entre os povos, na qual se inclui<br />

a científica, a evolução também invadiu a mente popular. Nesta,<br />

as idéias evolucionistas foram misturadas por idéias espúrias (falsas) já<br />

existentes. D<strong>esse</strong> modo, na mente popular – nós todos fazemos parte<br />

– se infiltraram, como é frequente, ideologias simples, versões de fácil<br />

digestão, que serviram de fundo <strong>para</strong> o entendimento e as explicações<br />

populares; uma série de conceitos e significados que representam antigos<br />

preconceitos sociais e crenças psicológicas das diversas culturas.<br />

Entre essas idéias está a de que a evolução associa-se ao progresso.<br />

Assentada na crença do progresso apareceu a noção de que a evolução<br />

possui uma motivação, ou manifesta uma poderosa tendência, de<br />

caminhar em direção à maior complexidade, ao projeto biomecânico<br />

mais eficiente, a cérebros maiores, ao maior poder ou alguma outra<br />

definição paroquial como forma de maior desenvolvimento usada na<br />

nossa cultura. Essas intromissões na teoria da evolução (comum em<br />

qualquer teoria científica) mostram a contaminação do nosso desejo,<br />

intenção, principalmente na sociedade ocidental, de nos colocar sempre<br />

no ápice do mundo natural, pois, segundo a crença, “somos os<br />

mais importantes” ou “os mais inteligentes”.<br />

Resumindo: evolução <strong>para</strong> Darwin é a adaptação dos seres vivos a<br />

ambientes que mudam, não de “progresso” universal. Um exemplo é<br />

o de elefantes que evoluíram <strong>para</strong> adquirir uma pelagem mais densa<br />

à medida que se esfriou o tempo, até que eles se tornaram mamutes<br />

peludos, uma espécie classificada com outro nome. N<strong>esse</strong> exemplo,<br />

os mamutes não são superiores nem inferiores aos elefantes, mas sim,<br />

animais melhor adaptados às condições locais, isto é, um frio muito intenso.<br />

De modo semelhante, a cor branca da pele do homem “branco”<br />

foi uma adaptação ao clima frio (menor quantidade de melanina, pois<br />

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esta dificulta a penetração dos raios solares no organismo). A região<br />

mais fria, com menos Sol, exigia uma adaptação que facilitasse a penetração<br />

dos raios solares.<br />

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Seleção e Evolução: Modos de<br />

reagir ao Meio<br />

Introdução: Surgem novos organismos: Plasticidade<br />

Podemos conjeturar que no começo havia a evolução “selvagem” ou<br />

natural, ditada pela seleção das espécies. Imagina-se que, no início<br />

do Universo, um número enorme de organismos/candidatos foram<br />

gerados a torto e a direito, em virtude de processos mais ou menos<br />

aleatórios de recombinação e mutação de genes. Esses organismos,<br />

uma vez produzidos, foram testados pelo meio ambiente aconchegante<br />

ou hostil, conforme a formação aleatória de cada um. Sabe-se que<br />

apenas alguns poucos, os mais bem adaptados, os que encontraram<br />

um meio apropriado à sua estrutura ou, de outro modo, tiveram mais<br />

sorte, sobreviveram. Esse processo ocorreu ao longo de milhões de<br />

ciclos, produzindo várias formas, inicialmente de seres microscópicos,<br />

como diversas bactérias; bilhões de anos depois, vegetais e animais.<br />

Esse é o nível térreo da evolução, de criaturas primitivas. Houve, antes<br />

disso, um subsolo ou palco onde deveriam tentar a vida os organismos<br />

recém-formados.<br />

Entre os novos organismos gerados ao acaso, vagarosamente, foram<br />

aparecendo criaturas um pouco diferentes das anteriores; essas possuíam<br />

uma nova característica importante e ainda não existente: a<br />

plasticidade fenotípica. Explicando melhor: surgiram alguns organismos<br />

que não foram moldados totalmente no nascimento, isto é, neles havia<br />

elementos em seu projeto que poderiam ser ajustados após o nascimento<br />

conforme o meio ambiente enfrentado. Esses organismos estavam<br />

pre<strong>para</strong>dos <strong>para</strong> viver e se modificar durante suas vidas conforme<br />

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os eventos ocorridos durante suas experiências ou confrontos com o<br />

mundo externo.<br />

Animais condicionados<br />

Muitos dos antigos organismos/candidatos, largados a sua própria sorte,<br />

não possuíam equipamentos ou estruturas capazes de facilitar, e<br />

muito menos selecionar as opções comportamentais <strong>para</strong> “competir”;<br />

internamente eles eram incapazes de perceberem recompensas ou<br />

punições <strong>para</strong>, através dessas, aprenderem a procurar ou fugir do meio<br />

atraente ou perigoso. Outros organismos foram mais felizes, como os<br />

possuidores de plasticidade (modificações durante a vida), pois tinham<br />

estruturas neurais capazes de produzir<br />

aprendizagens, de possuírem “reforços” que favoreciam ações mais<br />

adequadas <strong>para</strong> sua sobrevivência e sucesso; eram capazes de perceber<br />

quais condutas davam melhores resultados <strong>para</strong> eles. Esses indivíduos<br />

enfrentavam o meio do tipo “ensaio e erro”, isto é, gerando as<br />

mais variadas ações que eram testadas, uma a uma, até encontrarem<br />

aquela que “funcionava” melhor <strong>para</strong> aproximar ou fugir.<br />

Podemos inferir que entre essas criaturas havia algumas cuja informação<br />

produtora da conduta herdada (comandada pelo seu genoma<br />

puro) era mais fraca, isto é, ela não dominava o indivíduo totalmente;<br />

permitia certa modificação da pressão do herdado. Essas novas<br />

estruturas, fazendo parte de certos organismos, permitiram nascer a<br />

conduta condicionada (aprendida conforme prazer ou sofrimento).<br />

A conduta, antes de ser realizada, era examinada segundo a previsão<br />

de que um fato precede o outro, tanto <strong>para</strong> ser punido como <strong>para</strong> ser<br />

gratificado (um cheiro de leão; a possibilidade de ser comido; um canto<br />

indicando possibilidade de se acasalar). O condicionamento é uma<br />

forma ótima de crescer e desenvolver; o grande risco era que a criatura<br />

poderia ser morta em razão de erros antes de aprender no encontro<br />

inicial, o produtor de aprendizagem. Mas surgiram outras criaturas capazes<br />

de fazer previsões antes de entrar “numa fria”.<br />

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Animais capazes de conjeturar (inferir)<br />

Surgiram, na evolução, indivíduos carregando sistemas com equipamentos<br />

mais sofisticados que os condicionados, capazes de, antes dos<br />

testes ou experiências diretas, fazer uma pré-seleção delas entre várias<br />

condutas ou ações possíveis. Assim, nessas criaturas, antes da ação<br />

direta com o estímulo, pode ocorrer crítica e eliminação de possíveis<br />

opções, pois a conduta poderia ser estúpida. N<strong>esse</strong>s indivíduos há possibilidade<br />

de evitar o risco, imaginando o que poderá ocorrer: chover,<br />

diante de certas nuvens e ventos, antes de se molhar.<br />

Nós, seres humanos, somos criaturas capazes d<strong>esse</strong> terceiro refinamento,<br />

mas provavelmente não sozinhos. Podemos chamar os beneficiários<br />

dessa terceira história de criaturas dotadas de hipóteses ou<br />

de conjeturas; não de certezas. Os seus possuidores estão capacitados<br />

<strong>para</strong> que suas hipóteses morram em lugar deles ou, de outro modo:<br />

antes de molhar-me, prevejo e abro o guarda-chuva ou não saio de<br />

casa. Nem todos os seres humanos possuem, eficientemente, essa capacidade.<br />

Certos indivíduos se entusiasmam com ganhos fantásticos,<br />

que quase sempre falham; a psiquiatria tem chamado <strong>esse</strong>s indivíduos<br />

de portadores do Transtorno de Personalidade Anti-social.<br />

As criaturas capazes de fazer previsões adequadas (hipotéticas) são<br />

bem diferentes das criaturas apenas condicionadas, as que sobrevivem<br />

porque têm sorte, isto é, têm que tomar chuva <strong>para</strong> aprender que não<br />

era o que queriam, e, se a chuva for muito forte, podem morrer na enchente<br />

junto com o aprendizado. Nós, criaturas capazes de criar hipóteses,<br />

temos mais chances de escapar porque temos mais informações;<br />

é claro que temos sorte de termos a capacidade de ficar mais bem<br />

informados, muitas vezes antes de ter a experiência. Mas como se deve<br />

realizar essa previsão, essa pré-seleção dos nossos atos? De onde vem<br />

a previsão do que poderá acontecer, o retorno?<br />

Ela vem de um ambiente íntimo, interno, de memórias estruturadas<br />

junto com emoções e consciência de si mesmo e do mundo externo<br />

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que permite que percebamos antes de simbolizarmos a experiência,<br />

ou seja, uma percepção sensorial, sem palavras. Nosso cérebro tem<br />

estruturas permitindo, devido ao seu projeto, que, em lugar de partir<br />

concretamente <strong>para</strong> realizar a ação diretamente, e só depois saber o<br />

que acontecerá, saber se ela será ou não prazerosa antes de realizá-la.<br />

O cérebro, diante de representações formadas por uma tarefa futura<br />

imaginada, produzirá internamente sentimentos e emoções agradáveis<br />

ou desagradáveis antes da ação ventilada. Portanto, antes da realização<br />

da ação concreta, temos consciência se ela será benéfica ou maléfica<br />

<strong>para</strong> nós ao representar a ação em nossa mente. D<strong>esse</strong> modo, as ações<br />

substitutas, ou seja, puramente imagéticas (virtuais) e emocionais,<br />

favorecidas pelo nosso cérebro, passam a ser mais frequentes que as<br />

próprias ações concretas, pois muitas dessas são imaginadas como indesejáveis:<br />

“Tudo indica que seria um desastre caso casasse com Adelaide;<br />

vou terminar o noivado”.<br />

Assim, o ambiente interno, <strong>para</strong> ser eficiente, qualquer que seja ele,<br />

precisa conter muita informação a respeito do ambiente externo, bem<br />

como do interno. Somente assim poderemos ter uma boa pré-seleção,<br />

a não ser fazendo uso de diversas magias que estão por aí, mas, mesmo<br />

no uso destas, precisamos ter uma boa pré-seleção delas.<br />

Diversos fatores podem prejudicar essas estruturas: uma má-formação<br />

neural hereditária, problemas diversos durante a gravidez, parto e nos<br />

primeiros meses de vida e, também, acidentes, uso de drogas, etc.<br />

Não devemos pensar que o ambiente interno é uma mera réplica do<br />

mundo externo, com reproduções de todas as suas contingências físicas.<br />

Nada disso. É claro que a informação sobre o mundo tem de<br />

estar presente, (presente e disponível, pois ela de nada servirá se nós<br />

não nos lembrarmos dela no momento preciso), mas essa informação<br />

também tem de estar estruturada de tal forma que permita uma explicação<br />

– não milagrosa – de como chegou e se formou, como se estabeleceu<br />

e se manteve e, também, como ela trabalha <strong>para</strong> realizar efetivamente<br />

a previsão, que efeito terá essa ou outra conduta; isso tem sido,<br />

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exaustivamente, estudado pela neurociência.<br />

Animais capazes de associar eventos<br />

Chegamos agora, uma vez que já conhecemos as criaturas conjeturais,<br />

cujos cérebros têm o potencial de ser moldados em ambientes<br />

internos com habilidade pré-seletiva, a uma pergunta: O que vem em<br />

seguida? Como a nova informação sobre o ambiente externo pode ser<br />

incorporada n<strong>esse</strong> cérebro de modo a ser mais bem utilizada, como é o<br />

caso das associações entre os eventos?<br />

Foram surgindo conexões entre regiões mais desenvolvidas, que permitem<br />

um controle preventivo mais bem adaptado e sofisticado. São<br />

<strong>esse</strong>s altos níveis de controle que possuem o potencial <strong>para</strong> grandes<br />

aumentos de versatilidade. É n<strong>esse</strong> nível, em particular, que deveríamos<br />

procurar o papel ocupado pela linguagem (quando ela finalmente<br />

entra em cena há mais ou menos 50.000 anos), transformando nossos<br />

cérebros em hábeis pré-seletores. Temos nossa parte de comportamentos<br />

rotineiros e estúpidos, mas temos também alguns atos inteligentes.<br />

N<strong>esse</strong>s, frequentemente, nossa intervenção no mundo se faz<br />

com inacreditável acuidade, compondo projetos primorosamente concebidos<br />

sob a influência de vastos conjuntos de informações a respeito<br />

do mundo e de nós, mas como isso é difícil e trabalhoso…<br />

As ações instintivas, que compartilhamos com alguns animais superiores,<br />

podem mostrar os benefícios da informação recolhida não apenas<br />

por nossos ancestrais, mas também por nossos grupos sociais ao longo<br />

das gerações, transmitidas de maneira não genética por uma “tradição”<br />

de imitação. Porém, nossos atos mais deliberadamente planejados<br />

mostram os benefícios da informação recolhida e transmitida por<br />

membros de nossa própria espécie em cada cultura, incluindo, além<br />

disso, itens de informação que nenhum indivíduo isolado foi capaz de<br />

aprender ou compreender em qualquer sentido que seja. E, enquanto<br />

uma boa parte dessa informação pode ser de <strong>aqui</strong>sição bem antiga,<br />

boa parte dela é nova em folha.<br />

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Os sucessores mais desenvolvidos das criaturas hipotéticas são aqueles<br />

cujos ambientes internos são informados pelas partes escolhidas do<br />

ambiente externo. Podemos chamar a <strong>esse</strong> sub-sub-subconjunto de<br />

seres hipotéticos de criaturas inteligentes, que alguns chamam de inteligência<br />

potencial – na criação de movimentos inteligentes ou, ainda,<br />

inteligência cinética. Observe uma chave de fenda, como um artefato<br />

bem concebido; ela não é o mero resultado da inteligência, mas um<br />

provedor de inteligência (inteligência potencial externa), em um sentido<br />

bem direto e intuitivo. Quando alguém dá a outro uma chave de<br />

fenda, ele aumenta o potencial do recebedor <strong>para</strong> realizar, de modo<br />

mais seguro e tranquilo, movimentos inteligentes e complexos, muito<br />

difíceis, ou impossíveis, de serem realizados sem sua ajuda.<br />

Entre as ferramentas mais importantes, a usada em todo <strong>esse</strong> livro,<br />

está o que tem sido chamado de ferramenta mental, que nada mais é<br />

do que o uso das palavras. O que acontece ao cérebro humano quando<br />

ele se torna equipado com palavras? As palavras, bem como o martelo,<br />

a faca e o serrote podem ser mal-usadas. Quando isso acontece há geração<br />

de disfunções e de condutas não-eficientes: marteladas na cabeça<br />

e cortes na língua.<br />

Encéfalo em desenvolvimento: inteligência<br />

O organismo, à medida que se desenvolve e dá origem à produção de<br />

comportamentos mais complicados, forçosamente necessitará, também,<br />

de um processador de informações intermediário (uma rede de<br />

neurônios interposta entre a entrada e a saída da informação) mais<br />

bem desenvolvido e sofisticado. Para processar (entender e explicar<br />

<strong>para</strong> si ou <strong>para</strong> outro) informações complexas, formadas em grupos ou<br />

áreas se<strong>para</strong>das do encéfalo, é necessário contar com um grande número<br />

de interconexões (ligações) entre as diferentes áreas estimuladas<br />

e as respostas possíveis de serem efetuadas conforme os problemas<br />

enfrentados.<br />

Alguns teóricos acreditam que certos indivíduos nascem mais “inteli-<br />

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gentes” que outros. Segundo essa explicação, eles teriam, já ao nascer,<br />

seus cérebros diferenciados (mais capacitados) <strong>para</strong> notar as características<br />

sutis e não semelhantes entre um fato e outro, isto é, tais sortudos<br />

apresentariam uma maior sensibilidade à percepção de diferentes<br />

aspectos das situações; não enxergam tudo igual.<br />

Para essa especulação, os encéfalos d<strong>esse</strong>s indivíduos nasceram com<br />

uma rede neuronal mais rica em circuitos e associações entre eles, isto<br />

é, eles teriam, ao nascer, um cérebro potencialmente mais bem equipado<br />

<strong>para</strong> dar origem a uma nova rede neural mais sofisticada, a que é<br />

construída após o nascimento.<br />

De outro modo: parece que alguns cérebros, desde o nascimento,<br />

estão melhor pre<strong>para</strong>dos ou equipados <strong>para</strong> serem mais sensíveis às<br />

filigranas dos acontecimentos. O organismo virtualmente mais bem dotado,<br />

quanto ao seu sistema neural, deverá formar do nascimento até<br />

próximo dos dez<strong>esse</strong>is anos mais conexões entre as diferentes células<br />

nervosas (neurônios), desde que submetido a um meio ambiente rico<br />

em diferentes situações. Portanto, trilhões de novas formações nervosas<br />

intermediárias podem ser produzidas entre os pólos de entradas e<br />

de saídas, ou seja, entre os estímulos e as respostas, havendo um bom<br />

substrato inicial e uma boa escola do mundo <strong>para</strong> ativar os neurônios,<br />

isto é, a rede final e adulta dependerá do arranjo inicial e da experiência<br />

posterior.<br />

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Os grandes primatas africanos:<br />

Nasce o homem Evolução: Início<br />

e Datas<br />

A paleontologia refuta o pressuposto histórico de que a inteligência<br />

tem valor. Prova disto é que as espécies animais, realmente bem-<br />

-sucedidas na Terra, como os besouros e ratos, encontraram melhores<br />

caminhos <strong>para</strong> chegar à dominância atual gastando pouca energia em<br />

seus cérebros.<br />

Durante a história da vida na Terra, um enorme número de espécies<br />

apareceu e desapareceu. Seus organismos não suportaram as condições<br />

do meio ambiente, isto é, suas estruturas biológicas foram incapazes<br />

de tolerar ou adaptarem-se às condições d<strong>esse</strong> ambiente hostil.<br />

Há milhões de anos, éramos menores que agora; também, nosso cérebro<br />

era muito pequeno e primitivo. O homem não falava, guinchava.<br />

Os cientistas deram o nome de Tupaiídeo, isto é, uma família de mamíferos<br />

da ordem dos escandêntias, que compreende as tupaias (semelhantes<br />

aos esquilos), de focinhos longos, encontradas no Sudeste asiático.<br />

Esse grupo tem sido frequentemente incluído entre os primatas<br />

ou entre os insetívoros, os que se alimentam de insetos. O Tupaiídeo,<br />

nosso ancestral, existiu há setenta milhões de anos; o homem primitivo<br />

apareceu há quatro ou seis milhões de anos. O Tupaiídeo era uma<br />

criatura trepadora, vivia comendo insetos; tinha o tamanho de um<br />

rato. Devagar fomos mudando e adquirindo outros substratos cerebrais<br />

(núcleos, circuitos, córtex), um novo organismo: bem mais sofisticado e<br />

eficiente que o do nosso ancestral mais afastado dos homens.<br />

Aparecimento dos primatas<br />

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Sabemos que há um hiato entre os homens e os macacos. O ancestral<br />

comum do homem ou macaco não foi humano ou macaco. Os primatas<br />

fazem parte de uma ordem de mamíferos que compreende o homem,<br />

os macacos, os lêmures e formas relacionadas, especialmente arborícolas<br />

e onívoros. Eles são dotados de cérebro grande e diferenciado,<br />

olhos bem desenvolvidos e voltados <strong>para</strong> a frente, permitindo a visão<br />

binocular, e membros com cinco dedos, o primeiro geralmente oponível<br />

aos demais.<br />

Um primata fóssil, que viveu há 10 a 14 milhões de anos, chamado de<br />

Ramapithecus, parece ser o ancestral direto dos homens. Ele existiu<br />

antes de as linhagens dos grandes macacos terem se se<strong>para</strong>do umas<br />

das outras. Concluindo: os humanos formam um grupo irmão de todos<br />

os grandes macacos; não descendemos deles, somos irmãos. A surpresa<br />

dos estudos foi a descoberta de que a espécie irmã <strong>para</strong> os humanos<br />

não é o grupo de grandes macacos, como a taxonomia sugeriu, mas<br />

sim apenas o chimpanzé (99,5 do nosso genoma) é nosso irmão; os<br />

outros, como os gorilas e orangotangos, são primos.<br />

Há muito tempo na África…<br />

Era uma vez na África: a terra se abriu provocando uma imensa fenda<br />

de milhares de quilômetros. De um lado e outro, uma imensa cordilheira<br />

foi formada; ela se<strong>para</strong>va uma região da outra e, em cada lado, habitava<br />

uma população de macacos. Como a chuva vinha mais do Oceano<br />

Atlântico, os macacos de um lado da montanha não sentiram muito o<br />

acontecimento: a floresta manteve-se como estava. Entretanto, a região<br />

da outra parte teve sua floresta cada vez menos irrigada. Aos poucos<br />

ela foi se acabando.<br />

Como se pode imaginar, os macacos que moravam na região seca tiveram<br />

que mudar seus hábitos <strong>para</strong> sobreviver. Foi n<strong>esse</strong> novo ambiente<br />

hostil que nasceram os primeiros hominídeos. Em resumo: o homem<br />

não viveu sempre <strong>aqui</strong>. Antes dele, milhões de outras espécies o precederam<br />

e a presença de algumas famílias foi fundamental <strong>para</strong> o nosso<br />

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aparecimento. Inferindo de outro modo: se certas espécies tiv<strong>esse</strong>m<br />

desaparecido numa época – ou se não tiv<strong>esse</strong>m existido -, eu não estaria<br />

agora escrevendo essas idéias, nem você estaria lendo-as.<br />

Assim é que nos quatro ou seis bilhões de anos da história da vida em<br />

nosso planeta, o homem foi precedido por moluscos flutuantes, estranhas<br />

florestas de samambaias, imensos dinossauros, lagartos voadores,<br />

mamíferos gigantes e milhões de outros animais cujos ossos de muitos<br />

jazem sob as pedras caídas de placas de gelo continentais desaparecidas.<br />

Portanto, todos os seres vivos, sem exceção, como os unicelulares,<br />

vegetais, animais, e, logicamente, todos os homens (brancos, negros,<br />

amarelos) que existem ou existiram, pertencem a uma única árvore<br />

genealógica. Cada espécie ocupa nessa árvore ramos francamente diferentes,<br />

por vezes, muito afastados uns dos outros, mas todos partilham<br />

da mesma origem; somos parentes de todos; fomos fabricados pelos<br />

mesmos ingredientes, ou seja, pós da natureza (elementos químicos);<br />

são pequenas as variações entre um organismo e outro com respeito<br />

aos componentes. Em resumo: somos farinha do mesmo saco.<br />

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Os grandes primatas africanos:<br />

Nasce o homem<br />

Podemos nos considerar um dos grandes símios africanos. Temos as<br />

mesmas partes anatômicas que eles e as mesmas (ou quase) proteínas.<br />

Das proteínas até hoje sequenciadas em símios africanos e em humanos<br />

– cinco cadeias de hemoglobinas, mioglobina, citocromo C, anidrase<br />

carbônica e fibrinopeptídeos A e B – a maioria não exibe sequer uma<br />

diferença de aminoácidos entre espécies, e o número total de substituição<br />

de aminoácidos é de apenas cinco em um total de 1.271.<br />

Com base na evidência fóssil e molecular, percebemos agora que nossos<br />

ancestrais divergiam dos ancestrais dos símios africanos atuais há<br />

apenas sete milhões de anos. Isso não passa de um piscar de olhos na<br />

escala de tempo evolutiva, bem menos que 1% da história da vida na<br />

Terra. Consequentemente, nosso DNA é hoje 98,4% (ou 99,5 %) idêntico<br />

ao das outras espécies de chimpanzés, o comum e o pigmeu. Se<br />

<strong>aqui</strong> vi<strong>esse</strong> um extraterrestre, <strong>para</strong> classificar os animais, ele nos colocaria<br />

junto com os chimpanzés. Na verdade, nossos atributos únicos,<br />

a nossa diferença <strong>para</strong> com os chimpanzés, é muito menor do que os<br />

1,6%.<br />

Cerca de 90% do nosso DNA é sucata não-codificante, ou seja, uma<br />

parte de pouquíssima importância no nosso comportamento. Assim<br />

sendo, <strong>para</strong> muitos cientistas, apenas a minúscula fração de 0,1do nosso<br />

DNA poderia explicar por que agora estou discutindo evolução na<br />

linguagem de “O Alienista” de Machado de Assis, em vez de estar catando<br />

folhagens e frutos, sem pronunciar uma só palavra, pulando de<br />

galho em galho na selva e tirando pulgas dos irmãos chimpanzés.<br />

A pergunta é: Como é que <strong>esse</strong>s poucos genes causam uma diferença<br />

de comportamento tão imensa? Esse é um problema interessante da<br />

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iologia moderna.<br />

Uma primeira resposta seria: os genes são os responsáveis pelo nosso<br />

cérebro grande, quatro vezes maior que o do chimpanzé, e muito<br />

maior em proporção ao resto do corpo. Também nossa bacia foi modificada<br />

<strong>para</strong> a postura ereta, levando à liberação das mãos <strong>para</strong> outros<br />

usos; além disso, as características sexuais, como menopausa, ovulação<br />

não-evidente e a formação de casais, rara entre os mamíferos, facilitaram<br />

a criação de nossas indefesas crianças.<br />

Mas a postura ereta tem quatro milhões de anos e o aumento do nosso<br />

cérebro dois milhões de anos, entretanto, só há 500.000 (quinhentos<br />

mil) anos alcançamos a arcaica categoria do Homo sapiens. O homem<br />

de Neandertal, mais moderno, tinha o cérebro um pouco maior que o<br />

nosso atual, mas ele continuou a produzir ferramentas de pedras rudimentares;<br />

depois foi dizimado. Portanto, o cérebro grande é antigo. O<br />

homem, nesta época, caçava pequenos animais, apenas os que podiam<br />

ser mortos de perto: antílopes, animais muito novos ou muitos velhos,<br />

isto é, fracos. Os animais mais perigosos, porcos selvagens ou rinocerontes,<br />

não eram visados, pois o caçador poderia ser caçado antes de<br />

agarrar a caça. Assim também acontecia com os peixes e aves, pois as<br />

armas modernas e anzóis não haviam sido inventados em todas as regiões<br />

onde o homem antigo viveu, apesar do grande cérebro, pois suas<br />

ferramentas ainda eram semelhantes.<br />

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A notável mudança<br />

Somente nos últimos 10.000 (dez mil) anos se produziram diferenças<br />

culturais extraordinárias. Entretanto, antes disso, há 100.000 (cem mil)<br />

anos, geneticamente, 99,9% do cérebro antigo era semelhante ao nosso<br />

atual. Faltava algo.<br />

Cada espécie aprende certas coisas mais facilmente que outras. Há cerca<br />

de trinta e oito mil anos, apareceram na Europa os primeiros Homo<br />

sapiens anatomicamente modernos. Fabricados por <strong>esse</strong> novo grupo<br />

surgiram os primeiros instrumentos musicais, pinturas rupestres, pequenas<br />

estátuas e outros objetos nunca antes criados. Há também evidência<br />

de que o enterro intencional dos mortos, antes não existente,<br />

apareceu, sugerindo a possibilidade, n<strong>esse</strong> período, da emergência da<br />

religião, da idéia de Deus, antes inexistente.<br />

As ferramentas, antes mal feitas, tornaram-se mais eficientes e delicadas.<br />

Nessa época surgiram os anzóis, as agulhas e instrumentos <strong>para</strong><br />

polir pedras e furar couro. Também a corda foi criada e meios de navegação<br />

foram inventados.<br />

Mas nem tudo são flores. Houve um avanço sinistro da nova conduta<br />

humana (inteligente) e, consequentemente, de maior poder. Ocorreu a<br />

extinção de 90% das espécies de grandes animais da Austrália e Nova<br />

Guiné após a colonização dessas regiões. Uma extinção semelhante<br />

apareceu na Europa e África. Finalmente, o homem de cérebro grande<br />

de Neandertal foi exterminado com o uso de novas técnicas e armas<br />

pelo novo grupo, os mais inteligentes e criativos. Os homens de Neandertal<br />

foram expulsos ou mortos. Não há nenhum homem atual que<br />

descende do homem de Neandertal, indicando que não sobrou nenhum<br />

<strong>para</strong> semente.<br />

Mas o novo homem, mais apto e sempre criativo e, ao mesmo tempo,<br />

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destruidor, não tinha uma anatomia moderna quando com<strong>para</strong>do com<br />

a de milhares de anos atrás; todos eram parecidos. Portanto os 0.1dos<br />

genes não atuaram na anatomia. Tudo indica que os 0.1 dos genes<br />

responsáveis pela mudança mais importante ocorrida diz respeito ao<br />

aperfeiçoamento da linguagem. A fala, n<strong>esse</strong> grupo, tornou-se muito<br />

mais rica do que era antes em todos os grupos de homens descritos:<br />

combinamos algumas unidades de vogais e consoantes <strong>para</strong> formar<br />

unidades maiores de milhares de palavras, que são reorganizadas em<br />

orações e, finalmente, em períodos.<br />

Um fato interessante: o homem atual, após o nascimento, nós todos,<br />

repetimos o estágio ontogeneticamente existente nos antigos mamíferos.<br />

Inicialmente temos apenas ações dominadas pelo cérebro antigo,<br />

o subcortical (emoções, funções corporais); engatinhamos e depois andamos<br />

em pé. Ao nascer, nada falamos. Aprendemos primeiro a soltar<br />

alguns sons; depois aprendemos alguns termos <strong>para</strong> designar a mãe, a<br />

comida, etc., até conseguirmos, em torno dos três anos, formar frases<br />

e períodos, do mesmo modo que o homem primitivo de 50.000 (cinquenta<br />

mil) anos atrás aprendeu.<br />

Atualmente, mesmos os povos tecnologicamente mais primitivos possuem<br />

linguagens semelhantes à nossa. Existem várias línguas inventadas<br />

pelos homens. Em certas regiões, onde se fala uma língua, alguns<br />

utilizam outra, que é uma língua simplificada que permite a expressão<br />

e a compreensão razoável. Os primeiros escritos sumerianos apareceram<br />

nos anos 3.000 a C; os egípcios, também, 3.000 a. C.<br />

Um resumo das datas após a se<strong>para</strong>ção dos<br />

primatas-irmãos<br />

O aparecimento e evolução do homem, a partir de sua se<strong>para</strong>ção dos<br />

chimpanzés, podem ser resumidos da seguinte maneira:<br />

1. 6 a 4 milhões de anos: se<strong>para</strong>ção dos chimpanzés;<br />

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2. Surge o Australopiteco – o mais primário hominídeo relatado – há<br />

cerca de 4 a 1.5 milhões de anos (postura ereta; alimento compartilhado;<br />

divisão de trabalho; estrutura da família nuclear; maior número<br />

de crianças; maior período de inatividade);<br />

3. Há 2 milhões de anos surge o Homo habilis, mas este era ainda parecido<br />

com os australopitecos: ferramentas de pedras <strong>para</strong> cortar sem<br />

cuidado; cérebro variável e maior;<br />

4. Homo erectus, surgiu de 1.5 milhão a 300.000 anos (cérebro cresceu,<br />

uso de ferramentas mais elaboradas, migração da África; campos sazonais,<br />

uso de fogo e divisão de funções elementares);<br />

5. Homo Sapiens Arcaico, nosso imediato ancestral, cerca de 250.000<br />

anos (segundo maior aumento do cérebro; mudança na anatomia da<br />

corda vocal; início <strong>para</strong> assumir a forma moderna);<br />

6. 50.000, homem moderno;<br />

7. 38.000, primeiros Homo sapiens sapiens anatomicamente modernos<br />

na Europa;<br />

8. 10.000, produção de diferenças culturais marcantes.<br />

Concluindo: pode-se afirmar que a origem do homem tanto é a origem<br />

do Universo há 15 bilhões de anos; como da Terra há 5 bilhões; da vida<br />

há 4 bilhões; do aparecimento dos primeiros animais com coluna vertebral<br />

há 500 milhões de anos; dos mamíferos, que surgiram há 200<br />

milhões de anos; da nossa família (de nossos parentes mais próximos),<br />

isto é, dos primeiros primatas, há 70 milhões de anos e, finalmente,<br />

dos nossos ascendentes mais diretos ou avós, que apareceram há 35<br />

milhões de anos.<br />

O gênero humano não apareceu em diversos sítios do planeta, modelou-se,<br />

pouco a pouco, num único lugar ocupado atualmente pela<br />

Etiópia, Quênia e Tanzânia. Todos os homens, ao que tudo indica, vieram<br />

do leste da África. Nosso ramo mais próximo há 10 milhões; nosso<br />

gênero há 6 ou 4 milhões de anos.<br />

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A capacidade do ser humano <strong>para</strong> aprender é muitas vezes maior que<br />

a existente nos outros animais. Não devemos nos esquecer que a capacidade<br />

<strong>para</strong> aprender foi selecionada, como todos os outros traços; os<br />

nossos genes permitiram <strong>esse</strong> aprendizado do homem diferente do dos<br />

outros animais.<br />

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Genética: Genoma, Genes,<br />

Transcrição<br />

Uma célula-ovo fertilizada pesa cerca de cinco centilmilionésimos de<br />

uma onça (uma onça equivale a, aproximadamente, 28,349 g. Faça as<br />

contas). Assim, o peso de uma célula-ovo fertilizada pesa em torno de<br />

cinquenta bilhões de vezes menos que o peso de um adulto. Você, leitor<br />

especial, que não é tão burro como os outros, deduz que <strong>esse</strong> peso<br />

restante do adulto é adquirido através do meio externo, isto é, dos alimentos.<br />

Um óvulo, uma vez fertilizado, origina uma multidão de células – bilhões<br />

nos seres humanos. Devemos observar células e genes. O comportamento<br />

celular é controlado pelos genes. As células são as unidades<br />

básicas do embrião em desenvolvimento. Nosso corpo possui 250<br />

tipos de células diferentes que se submetem à morfogênese, padrão<br />

corporal, conforme uma organização especial, cada uma no seu lugar. É<br />

essa organização na formação corporal e consequentemente na organização<br />

espacial que nos distingue de outros vertebrados. Não há em<br />

nosso cérebro nenhum tipo de célula que os chimpanzés não possuem.<br />

Todas as células possuem a mesma informação genética recebida do<br />

ovo. Portanto, as diferenças entre elas resultam de diferentes genes<br />

serem ligados e desligados. As diferenças entre certos genes da mosca<br />

e do homem são sutis: os da asa da mosca e os membros de um vertebrado<br />

são semelhantes.<br />

Gene é o que de fato transmitimos aos nossos filhos. Mas o gene,<br />

por si só, é incapaz de agir; não engordamos apenas devido ao gene.<br />

Aceita-se, com muita facilidade, a equivalência entre noção de “gene”<br />

e a de “programa”. Mas o gene não é mais que uma reunião passiva de<br />

moléculas químicas que poderá reagir frente a outros produtos quími-<br />

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cos provenientes do meio ambiente externo. É um erro “personalizar”<br />

o gene atribuindo a <strong>esse</strong> um destino e uma vontade própria (fantasma,<br />

homúnculo, alma). Também, erra-se ao acreditar que o gene impõe,<br />

através do programa que carrega consigo, este ou aquele comportamento<br />

complexo. Essa idéia está errada.<br />

Ovos são estruturas biológicas pouco complicadas, com<strong>para</strong>dos com<br />

o que sai deles, como o cérebro ou o rim, por exemplo. Como pode<br />

a complexidade surgir da simplicidade? Há um princípio de vida, um<br />

princípio organizador. Este é formado por moléculas imensamente<br />

compridas, ao longo das quais há uma enorme quantidade de informação,<br />

escrita numa língua de quatro letras (que são os nucleotídeos)<br />

presentes no núcleo de cada célula. Essa molécula, supostamente, diz<br />

ao organismo em desenvolvimento, a mosca, o pintinho, você, como se<br />

construir. O organismo então é a informação de DNA transformada em<br />

carne e osso.<br />

Mas na verdade não é assim que o DNA atua no desenvolvimento. O<br />

DNA não faz a mosca, e não basta um pouco de DNA de dinossauro<br />

<strong>para</strong> fazê-lo, assim como estrogonofe não é feito do papel e da tinta<br />

do livro de receita. O DNA da bactéria é repleto de ferramentas químicas;<br />

algumas lêem a fita de DNA; outras fazem novas ferramentas em<br />

função do que foi lido na fita, inclusive as próprias ferramentas <strong>para</strong><br />

ler a fita. Outras são estruturais, ou bombas químicas, ou lidam com a<br />

comida e energia. A pequena oficina produz novas peças <strong>para</strong> ela mesma,<br />

como máquinas e tijolos <strong>para</strong> suas paredes; ela cresce. Algumas<br />

ferramentas duplicam o DNA; em certo momento algumas ferramentas<br />

realizam uma divisão.<br />

A maior parte do que acontece na formação da mosca é igual ao que<br />

acontece <strong>para</strong> formar você e eu. Por que os organismos são diferentes?<br />

Não são devido a grandes mudanças no DNA. É o controle inicial<br />

onde os caminhos se divergem – moscas e galinhas poderiam usar o<br />

mesmo DNA – um kit de DNA não nos indicará que organismo será<br />

formado. O DNA do ovo não consegue iniciar o desenvolvimento por<br />

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101


conta própria; as ferramentas <strong>para</strong> ler e trabalhar o DNA devem estar<br />

disponíveis e funcionando perfeitamente – fornecidas pelas regiões do<br />

ovo ao redor do núcleo original. O desenvolvimento de quase todos os<br />

animais começa no ovário da mãe, quando as células são construídas,<br />

não requerendo mensagens do seu próprio DNA até que a estrutura<br />

do ovo tenha moldado a arquitetura básica do futuro animal. Só então<br />

os genes homeobox – homeóticos, que controlam o desenvolvimento,<br />

sabem onde estão e o que devem fazer.<br />

A fertilização ocorre tardiamente no desenvolvimento; o ovo estava<br />

pre<strong>para</strong>do <strong>para</strong> começar a construção do animal e o espermatozóide<br />

serviu apenas <strong>para</strong> dar um cutucão, além de sua contribuição de DNA,<br />

que difere pouco da do ovo. O ovo é como uma arma carregada. O<br />

DNA é a fita, o ovo o toca-fitas. É preciso que a fita seja colocada no<br />

local certo <strong>para</strong> ser tocada, ajustar o volume, escolher quais trechos<br />

serão ouvidos e em que ordem; então, aperta-se a tecla. O DNA de dinossauros<br />

obtido de sangue de dinossauro preservado num carrapato<br />

em âmbar não faz um dinossauro. Para tocar a fita de DNA de um dinossauro<br />

você precisa de um ovo dele da mesma espécie: o toca-fitas<br />

adequado. O DNA é a metade do caminho.<br />

De onde vem a espantosa diversidade dos homens? Dos dois fatores<br />

gerais: hereditariedade e meio ambiente. Herdamos os genes que as<br />

células sexuais contêm. Mas os genes não são as granulações pigmentares<br />

da pele, nem a essência da inteligência; os genes condicionam ou<br />

permitem o aparecimento d<strong>esse</strong>s e de outros aspectos que exibimos.<br />

Eles forçam (obrigam) o desenvolvimento que deverá ser seguido de<br />

um determinado caminho (a pele poder ser um pouco mais clara, ou<br />

mais escura; podemos ter um grau maior, ou menor, de inteligência).<br />

Os genes são bastante estáveis, resistentes à mudança do ambiente<br />

e mesmo independente deste, isto é, são conservadores. Eles constroem<br />

seus próprios “edifícios” fazendo uso de substâncias que não<br />

são genes, em última análise, do alimento. Os genes estão entre os<br />

constituintes celulares mais quimicamente ativos; eles trabalham <strong>para</strong><br />

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transformar as partes suscetíveis do ambiente – o alimento – em reproduções<br />

suas.<br />

Ocasionalmente o processo dessa reprodução sai errado; há um erro<br />

de montagem. Na maioria das reproduções imperfeitas dos genes ocorre,<br />

também, a incapacidade de se reproduzir, como uma mercadoria<br />

fabricada com defeito que não tem saída, não é vendida; é jogada no<br />

lixo. Por isso, no caso de erro de fabricação, eles se tornam não-genes.<br />

Passando a não ser mais genes essas substâncias se tornam produtos<br />

imprestáveis e, d<strong>esse</strong> modo, <strong>esse</strong>s são abortados espontaneamente.<br />

Entretanto, uma minoria dos genes alterados se reproduz; é comprada<br />

pelo mercado. Sendo os genes mutáveis, alguns deles, numa população<br />

(grande número de compradores), fornecem a matéria-prima <strong>para</strong> o<br />

processo evolutivo (mudança do gene, reprodução, novo indivíduo, de<br />

nova espécie, etc.). O desenvolvimento do organismo é efetuado através<br />

da atividade de uma constelação de genes. Estes se acham integrados,<br />

formando um todo coerente.<br />

O desenvolvimento do indivíduo, ao contrário da estrutura dos genes,<br />

é, de certo modo, facilmente modificado pela influência do ambiente:<br />

alimentação, doença sofrida, criação, educação, relação com outras<br />

pessoas. Tudo isso afetará o desenvolvimento final. Além disso, o efeito<br />

do ambiente sobre uma pessoa é cumulativo. Os genes que você tem<br />

no corpo são reproduções dos que você nasceu com eles, mas sua personalidade<br />

e seu modo de ser podem continuar sendo transformados<br />

continuamente.<br />

Genótipo, fenótipo e patogênese<br />

O genótipo é a composição genética de um indivíduo; mais frequentemente<br />

usado a respeito de um gene ou grupo de genes. O fenótipo é<br />

a aparência do organismo em um dado momento ou fase da evolução;<br />

uma projeção dos ambientes que você viveu até a medida realizada e<br />

julgada.<br />

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As características pessoais são tanto herdadas como devidas ao ambiente,<br />

como, por exemplo, um resfriado. Uma pessoa precisa expor-se<br />

a um ambiente que contém o vírus <strong>para</strong> adquirir a infecção, mas ela<br />

precisa ter genes humanos <strong>para</strong> ser invadida pelo vírus. O vírus de nossa<br />

gripe não atinge gatos e ratos, como também o vírus da gripe aviária<br />

não atingia o homem; agora, alguns mutantes começaram a invadir o<br />

organismo de alguns homens. O que ocorrerá é uma incógnita, pois<br />

alguns homens são, provavelmente, mais sujeitos a se resfriarem que<br />

outros (grupos de risco). Haveria outra peste (gripe aviária) negra? Ninguém<br />

sabe.<br />

Há certa proibição implícita das relações incestuosas (por exemplo,<br />

com filhos) entre as culturas diversas e também entre alguns primatas.<br />

Isso impede, em parte, os nascimentos de crias portadoras de mutações<br />

perniciosas à espécie. Ao mesmo tempo, devido à ação da cultura<br />

(governo, religião), há também uma rejeição <strong>para</strong> o comportamento<br />

dos diferentes dos normais. O desviante (transviado, divergente) não é<br />

aceito pela sociedade, pois sua conduta peculiar põe em risco a saúde<br />

e recursos da comunidade ordeira e homogênea. Tudo isso visa à preservação<br />

ou conservação da espécie como ela é.<br />

A depressão está relacionada à diminuição dos neurotransmissores,<br />

serotonina e noradrenalina (mecanismo), mas não revela o processo<br />

subjacente (causa ou etiologia). A alteração biológica, diminuição da<br />

utilização dos neurotransmissores, pode ser um produto final comum<br />

refletindo uma etiologia do meio ambiente ou genética, ou de ambos.<br />

Por exemplo: sabe-se que há mais mulheres deprimidas que homens;<br />

sabe-se ainda que as depressões estão associadas a um menor poder<br />

social. Concluindo: as mulheres, historicamente, desfrutaram e ainda<br />

desfrutam de menos poder político. Assim, estudos mostram que a<br />

serotonina (associada à depressão) está alterada devido a mudanças<br />

no status social (diminui com a submissão). Por outro lado, os níveis de<br />

testosterona e cortisol sobem em resposta a uma variedade de eventos<br />

sociais. Essas mudanças químicas, por sua vez, alteram a probabilidade<br />

de comportamentos, tais como a vigilância e as respostas a outros.<br />

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Certas interações sociais são <strong>esse</strong>nciais <strong>para</strong> a homeostase fisiológica<br />

e psicológica dos adultos e das crianças. As pessoas vulneráveis às doenças<br />

mentais tendem a ter capacidade reduzida <strong>para</strong> manipular seu<br />

meio ambiente <strong>para</strong> produzir homeostase (equilíbrio interno) e uma<br />

maior probabilidade de desenvolver um transtorno; parece que essas<br />

dificuldades associam-se a genes mutantes. Tudo isso são especulações<br />

que começam a ser estudadas.<br />

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105


O Genoma e Genes<br />

O genoma (conjunto de todos os genes de uma espécie de ser vivo; de<br />

todas as moléculas de DNA presentes em uma célula de determinada<br />

espécie de ser vivo) exerce duas funções básicas. A primeira é replicar-<br />

-se, mantendo fidelidade ao tipo e, segundo, transferir suas informações<br />

e suas “ordens” à célula e ao indivíduo. De outro modo, numa<br />

função ele replica mantendo iguais os genes; numa outra, ordena ou<br />

informa mensagens que podem ser ou não desenvolvidas conforme as<br />

ações do indivíduo; uma informação do que fazer e do que deixar de<br />

fazer.<br />

Os genomas de uma população, que partilhem determinados genes,<br />

podem sofrer mutações (mudanças, transformações, alterações, modificações<br />

súbitas no genótipo de um indivíduo, sem relação com os ascendentes,<br />

mas passível de ser herdada pelos descendentes) de genes<br />

individuais, alterando, de maneira descontínua, a informação contida<br />

no genoma original.<br />

No genoma há um evento chamado de transcrição, por meio do qual o<br />

genoma se transcreve (escrever novamente – um determinado conteúdo<br />

– em outro lugar; traslada, copia, reproduz) em uma sequência de<br />

ácido nucléico. Depois a sequência de ácido nucléico se converte numa<br />

sequência correspondente em molécula de proteína; um processo chamado<br />

de tradução (translação).<br />

As proteínas apresentam várias, na verdade, todas as atividades funcionais<br />

básicas necessárias <strong>para</strong> compreender como atuam e se desenvolvem<br />

os seres vivos. Algumas têm função catalítica (modificações<br />

da velocidade de uma reação química provocada por uma substância<br />

que está presente em pequenas quantidades e pode ser recuperada ao<br />

final), outras reguladora, outras, ainda, ambas as funções, e algumas<br />

morfogênica (forma, estrutura).<br />

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106


É somente devido às funções reguladoras das proteínas que a pessoa<br />

torna-se um sistema de totalidade coerente, trabalhando dentro de<br />

si mesma, <strong>para</strong> si mesma, em virtude de grande número de realimentação<br />

(feedback) entre as proteínas e outras funções celulares, outras<br />

remontam ao gene; de outro modo, sem <strong>esse</strong> processo não haveria o<br />

indivíduo organizado.<br />

Em resumo, a evolução pode ser pensada em termos de alteração do<br />

programa de desenvolvimento, de maneira que determinadas estruturas<br />

sejam modificadas, formando novas estruturas. São apenas os<br />

genes que mudam na evolução; portanto, compreender como eles controlam<br />

o desenvolvimento é fundamental <strong>para</strong> compreender a evolução<br />

dos animais e plantas. Um pressuposto central é o de que o estado<br />

de uma célula é determinado pelos genes ativados e, portanto, pelas<br />

proteínas presentes.<br />

É importante notar que a m<strong>aqui</strong>naria básica é a mesma nos diversos<br />

seres vivos, desde que o código genético e o aparelhamento químico<br />

da herança operam conforme os mesmos princípios fundamentais, da<br />

bactéria ao homem. O que distingue uma espécie da outra, ou um indivíduo<br />

do outro, deve ser referido à informação existente no genoma.<br />

Esta é a única informação sobre a qual a seleção pode ser feita.<br />

Os genes sofrem recombinações (nova estruturação), de modo que as<br />

novidades aparecidas sob forma de mutações podem ser contrapostas<br />

umas às outras, ou seja, as novidades que aparecem em diferentes<br />

indivíduos da população podem passar a ser recombinadas, desfeitas<br />

e submetidas a testes, sob a forma de novos genótipos; o número de<br />

combinações possíveis é enorme.<br />

As mutações que ocorrem ao nível de moléculas isoladas não podem,<br />

por sua própria natureza, ser previstas e não podem ser individualmente<br />

controladas; as mutações físicas são irreversíveis. Assim, se nós<br />

temos isso ou <strong>aqui</strong>lo novo e não o antigo, haverá evolução, pois há a<br />

conservação dos acidentes (mutações). Os acidentes surgidos podem<br />

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107


ser recombinados e expostos à seleção natural; testados à realidade do<br />

meio ambiente. N<strong>esse</strong>s casos os novos organismos produzidos pelas<br />

mutações são desafiados pelo meio ambiente. O meio, interno e externo,<br />

colocará o organismo modificado (novo) sob teste, investigando se<br />

nova forma resistirá ou fracassará no ambiente onde ele se encontra. A<br />

imprensa popular frequentemente relata casos de indivíduos formados<br />

de modo diferente (mal-formados) do esperado; alguns resistem, outros<br />

não. A experiência mostra que uma grande quantidade de mutações<br />

desaparece por não resistir ao ambiente inadequado.<br />

A capacidade do ser humano <strong>para</strong> aprender é muitas vezes maior que<br />

a existente nos outros animais. Não devemos nos esquecer que a capacidade<br />

<strong>para</strong> aprender foi selecionada, como todos os outros traços,<br />

pelo nosso genoma; os genes que possuímos permitiram <strong>esse</strong> tipo de<br />

aprendizado diferente de outros animais. Sabemos que cada espécie<br />

aprende certas coisas mais facilmente que outras. O cientista questiona:<br />

como essa resposta particular, não outra, pode ser facilmente<br />

aprendida? Por exemplo: qualquer criança aprende, sem esforço (naturalmente),<br />

a falar, em todos os lugares. Mas nenhuma criança aprende<br />

“naturalmente” a tocar piano, ou mesmo aprender a ler, escrever, ser<br />

um bom cantor, um craque de futebol, etc.<br />

A capacidade <strong>para</strong> absorver a cultura também é um traço da evolução.<br />

A maneira de criar filhos (os sapos e cobras não criam os filhos), bem<br />

como certos padrões estáveis de sexualidade (os outros mamíferos,<br />

com exceção do homem – raramente em chimpanzés – não têm relações<br />

sexuais como nós, isto é, um de frente <strong>para</strong> o outro) e outros, são<br />

comportamentos, em grande parte, culturais, mas sempre formados<br />

e possíveis de serem desenvolvidos por existir uma determinada base<br />

biológica. Daí ser um erro ver a biologia e a cultura como opostos.<br />

Nossa espécie, como as outras, é uma espécie singular. Entre suas características,<br />

talvez a mais notável e que provocou a “grande mudança”<br />

é sua capacidade exclusiva da linguagem simbólica falada e escrita. O<br />

homem é capaz de abstrair, deixar de lado o concreto imediato e pe-<br />

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netrar no mundo de idéias, no abstrato mundo da lógica, das teorias<br />

científicas e da matemática.<br />

Mas fica a pergunta: De que modo <strong>esse</strong> “Terceiro Mundo” mostra-se<br />

adequado <strong>para</strong> descrever o mundo real? Esta é uma questão difícil de<br />

ser respondida, pois não temos como escapar do uso do nosso binóculo<br />

humano: sempre percebemos e descrevemos o mundo com a estrutura<br />

biológica que possuímos conforme uma determinada época.<br />

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Genes: informações e conduta<br />

Os cientistas diziam que tínhamos cerca de cem mil genes. Nos últimos<br />

anos <strong>esse</strong> número caiu <strong>para</strong> bem menos, talvez cerca de s<strong>esse</strong>nta mil;<br />

pouco mais que os genes existentes na frágil e pequeninha drosófila,<br />

nossa querida e conhecida mosca das frutas (bananas, laranjas e outras).<br />

O genoma estabelece a estrutura exata ou próxima da exata de determinados<br />

sistemas e circuitos importantes nos setores evolutivamente<br />

antigos do cérebro humano: tronco cerebral, hipotálamo, o prosencéfalo<br />

basal e, provavelmente, a amígdala e a região do cíngulo. O principal<br />

papel dessas estruturas cerebrais é o de regular os processos vitais<br />

básicos (respiração, batimentos cardíacos, sexo, fome, etc.) sem ser<br />

necessário recorrer à mente ou à razão. Este é o comando mais simples<br />

e capaz de realizar condutas rápidas e intuitivas (nosso primeiro cérebro<br />

ou cabeça). Portanto, muitas especificações estruturais são determinadas<br />

pelos genes, isto é, nascemos com <strong>esse</strong> potencial.<br />

Por outro lado, temos cerca de dez trilhões de sinapses (conexões ou<br />

associações de neurônios formadas após o nascimento) determinadas<br />

pela atividade do organismo vivo – aprendizado – à medida que este se<br />

desenvolve em interação com o meio ambiente (nosso segundo cérebro<br />

ou cabeça). As sinapses podem ser modificadas (evolução temporal<br />

individual) ao longo do tempo. Não se deve esquecer que todo <strong>esse</strong><br />

segundo processo (o aprendido) é ajudado, formado ou regulado pelos<br />

circuitos inatos e mais antigos. Concluindo: os genes propiciam também<br />

a possibilidade do desenvolvimento de outros circuitos ainda não<br />

formados no nascimento (as sinapses); <strong>para</strong> que isso ocorra o organismo<br />

precisa ser estimulado ou ativado à medida que a pessoa interage<br />

com determinados ambientes físicos e sociais e, ainda, ser um organismo<br />

normal ou padrão. Todos sabem que a musculatura do bíceps irá<br />

aumentar somente se seu possuidor a usar, exercitando <strong>esse</strong> ou aquele<br />

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músculo; que a fala, no homem, só aparecerá caso ele seja estimulado<br />

pelas conversas de seus criadores (a criança surda não aprende a falar<br />

como a não-surda); aprenderá a ler se <strong>esse</strong> hábito for incentivado.<br />

Em resumo, os genes especificam e dirigem os circuitos inatos (coordenadores<br />

das funções vitais) a exercer uma poderosa influência sobre,<br />

virtualmente, todos os outros sistemas que sofrem modificações<br />

continuadas em virtude das experiências. Essa influência avaliadora e<br />

reguladora sofre modificações em virtude das interações do organismo<br />

total com o meio ambiente. Esse processo é realizado com a ajuda da<br />

produção de diversos neurotransmissores e peptídeos como a dopamina,<br />

noradrenalina, serotonina, acetilcolina, endorfinas e outros liberados<br />

em regiões do córtex cerebral e dos núcleos subcorticais.<br />

Genes e meio ambiente<br />

O córtex sensorial primário pode ser a parte do cérebro que é mais<br />

dependente dos estímulos (entradas, experiências) <strong>para</strong> um desenvolvimento<br />

adequado.<br />

Para que o fêmur adquira a forma apropriada <strong>para</strong> um bom funcionamento,<br />

torna-se necessário que a cabeça deste se articule, durante<br />

a gestação, com o acetábulo no quadril (cavidade do osso do quadril<br />

onde se articula o fêmur) que é moldado por outros genes diferentes<br />

dos que lhe dão certa forma. Portanto, a plasticidade (mudança devido<br />

ao contato) do fêmur permite a ele adquirir a forma que tem; ela não é<br />

especificada de maneira exata através dos genes; precisa relacionar-se<br />

com o acetábulo. Assim, a cabeça do fêmur e o acetábulo ajustam suas<br />

formas conforme fazem rotação, um contra o outro, quando o bebê se<br />

esperneia no útero de sua mãe. Num laboratório, se o animal, experimentalmente,<br />

for <strong>para</strong>lisado no útero, ele nascerá, muitas vezes, com<br />

as articulações deformadas; muitas outras situações são semelhantes.<br />

Os mecanismos que possuímos geneticamente não são projetados<br />

<strong>para</strong> permitir que ambientes variáveis moldem órgãos variáveis. Fazem<br />

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o oposto; os genes asseguram que apesar dos ambientes variáveis<br />

desenvolva-se um órgão que seja capaz de fazer seu trabalho corretamente.<br />

Assim como o fêmur e o cristalino e todo o restante do corpo,<br />

o cérebro, também, tem de usar circuitos de retorno (“feedback”) <strong>para</strong><br />

moldar-se e tornar-se um sistema que funcione efetivamente, e isso se<br />

aplica especialmente às áreas sensoriais que precisam lidar com os órgãos<br />

sensoriais (dos sentidos) em crescimento.<br />

O comportamento não provém diretamente da cultura ou da sociedade.<br />

A flexibilidade dos humanos existe por eles serem programados<br />

(determinados, sem escolha) <strong>para</strong> serem flexíveis; a estrutura dos<br />

programas não muda com as culturas. O comportamento inteligente<br />

é aprendido com êxito porque temos sistemas inatos que promovem<br />

<strong>esse</strong> aprendizado.<br />

Todas as pessoas podem ter motivos bons ou maus <strong>para</strong> agirem de um<br />

modo ou de outro, mas nem todas irão converter seus pensamentos ou<br />

intenções em comportamentos da mesma maneira; nem todos matam<br />

o inimigo asqueroso, ainda que, muitas vezes, tal idéia nos venha à cabeça.<br />

Hoje se pode afirmar que a atividade de processamento de informações<br />

do cérebro dá origem à mente que exibimos; nossa vida mental<br />

depende inteiramente de eventos fisiológicos existentes nos tecidos<br />

do cérebro. Todo aprendizado decorre de mudanças em algum lugar<br />

do cérebro, isto é, da sua estrutura inicial (ao nascer) e das mudanças<br />

ocorridas nessa estrutura original desenvolvida conforme as experiências<br />

ocorridas. Todo o potencial <strong>para</strong> pensar, aprender e sentir, que<br />

distingue os humanos dos irmãos chimpanzés, ou primos em primeiro,<br />

segundo e terceiro graus, dos outros animais, reside nas informações<br />

contidas no DNA do óvulo fertilizado. O cérebro monta a si mesmo sob<br />

orientação dos genes, antes de o córtex ser formado, isto é, ainda na<br />

vida intra-uterina. Nesta formação os neurônios destinados a compor<br />

diferentes áreas organizam-se em um “protomapa” (modelo primário,<br />

anterior); os axônios são atraídos e repelidos.<br />

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A comunicação emocional “genética” social<br />

entre os indivíduos<br />

As características grupais da comunicação evoluem pela seleção de características<br />

individuais através da evolução da comunicação. A comunicação<br />

emocional origina-se, ou funda-se, pela exibição inata e pré-<br />

-ajustada, por parte do emissor (produtor e exibidor da informação), e<br />

pré-afinada (em harmonia) com o receptor (o que recebe e decodifica<br />

a mensagem). De outro modo: sinais inatos e fixos emitidos por um<br />

possuidor de determinada emoção (raiva, medo), pré-ajustados nos<br />

seus genes onde estão codificados, são exibidos, expostos, <strong>para</strong> um<br />

receptor ou destinatário. Assim, se José ficar irritado com algo que ele<br />

desejava e não conseguiu, ele deverá ficar com raiva e seu organismo<br />

informará <strong>para</strong> ele e <strong>para</strong> João, seu inimigo, seu estado emocional. Por<br />

outro lado, João já nasce, também, com dispositivos corporais capazes<br />

de notar que José está com raiva. Este último está também pré-afinado<br />

geneticamente <strong>para</strong> perceber a mensagem e decodificá-la (entender).<br />

Sendo tanto o emissor da mensagem, quanto o receptor, da mesma<br />

espécie, cultura e meio ambiente, eles expressam e compreendem a<br />

mesma linguagem emocional: raiva, medo, vergonha, etc. Traços dessa<br />

linguagem estão armazenados nos genes da espécie; há também<br />

aspectos das emoções aprendidos conforme a cultura vivida, inclusive<br />

ocultar ou dissimular o sentimento. Portanto, nós automaticamente<br />

expressamos pela face nossas emoções e, também, sabemos ler as<br />

emoções a nós transmitidas pela face do outro.<br />

Embora a comunicação emocional seja geneticamente estabelecida<br />

nos indivíduos de cada espécie, <strong>para</strong> que essa funcione são necessários<br />

grupos, especificamente, troca de informação ou comunicação.<br />

Vamos a exemplos: diante de ameaça, na submissão, no acasalamento<br />

(namoro, corte) e na advertência, tanto o emissor como o destinatário<br />

precisam estar dispostos e atentos à comunicação <strong>para</strong> que sejam<br />

envolvidos nessa troca de informações. Na seleção da informação teremos,<br />

simultaneamente, tanto a exatidão e a clareza do emissor <strong>para</strong> ex-<br />

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pressar a informação com seus diversos veículos, como a habilidade do<br />

destinatário <strong>para</strong> recebê-la sensorialmente e interpretá-la adequadamente.<br />

Podemos afirmar, mais especificamente, que quando o animal<br />

ameaça (intimida), corteja (namora) ou adverte um outro animal, este,<br />

por sua vez, precisa decodificar, ou seja, interpretar acertadamente a<br />

mensagem dada: sentir-se ameaçado, aceitar o namoro ou a advertência;<br />

caso contrário, não houve informação.<br />

Assim, <strong>para</strong> que a informação inata, existente e trocada entre indivíduos<br />

da mesma espécie, seja conservada é preciso que ela funcione produzindo<br />

o que é esperado dela pelo emissor e pelo receptor, conforme<br />

os impulsos ou motivações/emoções de um e de outro. Só assim haverá<br />

seleção da informação e o resultado da troca de informações será<br />

relevante <strong>para</strong> a sobrevivência dos genes de ambos os indivíduos. O<br />

que é selecionado, o enviado e o recebido são características dos indivíduos<br />

envolvidos (exibição e pré-ajustamento, respectivamente), mas<br />

a seleção ocorre no nível da relação de ambos ou de mais indivíduos.<br />

As características do grupo, relação comunicativa entre o emissor e o<br />

destinatário, são mantidas na espécie através da seleção dos mecanismos<br />

individuais de enviar (codificar) e de receber (decodificar). De<br />

outro modo, é preciso codificar <strong>para</strong> expressar certos sinais e decodificar<br />

ao interpretar <strong>esse</strong>s sinais; agir conforme a existência das diversas<br />

posturas possíveis existentes na relação entre os indivíduos. Ocorrendo<br />

<strong>esse</strong>s relacionamentos continuados, em todos os tempos e lugares, tais<br />

como as relações de dominância (pais com filhos; do leão da receita<br />

federal com o fraco contribuinte) e de namoro (olhares, tom de voz,<br />

gestos e aproximação), os papéis são mantidos dentro do grupo, os<br />

quais, como os genes, são mantidos através das gerações (o aprendido<br />

culturalmente tem sido chamado por alguns de “memes”.)<br />

Exemplos extraordinários (muito bem estudados) da manutenção rígida<br />

dessa codificação e decodificação (da expressão de sinais e de recebimento<br />

d<strong>esse</strong>s) incluem as sociedades de insetos (formigas, abelhas,<br />

cupins). N<strong>esse</strong>s insetos os papéis de um e de outro dentro do grupo<br />

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têm sido mantidos por dez milhões de anos através de comportamentos<br />

fixos nas relações de comunicação entre indivíduos diferentes: rainha,<br />

operárias, zangões. Na realidade, as relações de comunicação e os<br />

papéis determinados são cópias ou réplicas que estão sendo mantidos<br />

virtualmente intactos nos genes, há milhões de anos, nas espécies, de<br />

geração em geração.<br />

Nós temos alguma semelhança com <strong>esse</strong>s insetos. D<strong>esse</strong> modo, o elemento<br />

de comunicação espontânea (não-aprendida) é, geneticamente,<br />

a qualidade codificada nos indivíduos emissores e recebedores, que<br />

funcionam no nível de inter-relação. Quando isso ocorre, a unidade da<br />

seleção natural não é o indivíduo, mas a relação de comunicação, um<br />

fenômeno grupal, baseado na comunicação.<br />

Filhotes de lobos, de ninhadas se<strong>para</strong>das, uma vez criados e crescendo<br />

juntos, sem um tutor adulto, desenvolvem, com naturalidade, os<br />

papéis sociais de uma matilha natural selvagem através de sua própria<br />

e solitária interação. A ninhada de lobo é, com efeito, uma unidade<br />

sócio-genética organizada pela comunicação. Portanto, o gene armazena,<br />

podendo promover, se estimulado <strong>para</strong> ser expresso, certa conduta<br />

que só tem sentido e função quando realizada no contato entre dois<br />

ou mais organismos. A produção e expressão de uma conduta, emitida<br />

por um e recebida por outro, mantém o gene selecionado <strong>para</strong> aquela<br />

conduta que está sendo atualizada e realizada com sucesso. De outro<br />

modo, uma conduta, emitida e recebida conforme o organismo de ambos<br />

os envolvidos, dando nascimento à resposta pretendida durante<br />

o contato, tende a ser preservada, como, por exemplo, a expressão de<br />

raiva e fuga, de poder e submissão, namoro e aceitação deste, cuidados<br />

de um lado e concordância em recebê-los de outro.<br />

Em resumo: As emoções inatas podem ser analisadas como maneiras<br />

pelas quais os genes influenciam ou persuadem o indivíduo <strong>para</strong> que<br />

ele se comporte de uma maneira conforme seu comando (do gene)<br />

<strong>para</strong> que a espécie seja preservada e, logicamente, o indivíduo possuidor<br />

do gene. O gene “passa a conversa” no indivíduo <strong>para</strong> que este o<br />

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obedeça, pois só assim ele, o gene, seu possuidor poderão sobreviver.<br />

N<strong>esse</strong> sentido, os afetos são vozes dos genes nos organismos. A conduta,<br />

nos animais ditos superiores, é flexível e modificável pela aprendizagem,<br />

mas, de fato, os organismos complexos, como os nossos, são<br />

pré-fixados pelos genes <strong>para</strong> serem flexíveis. Assim, nós apresentamos<br />

uma escolha “livre” que é, biologicamente, pré-fixada (não-livre),<br />

determinada pelos genes. Não temos como escapar d<strong>esse</strong> poderoso<br />

domínio genético. Onde está nossa liberdade? Talvez nos detalhes de<br />

menor importância: “Gosto de comer caviar”; “Eu prefiro saborear um<br />

mexidão”.<br />

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Gene e conduta: Psicobiologia<br />

Todo processo mental, mesmo o mais complexo, deriva de operações<br />

no cérebro. Nós geralmente chamamos de mente uma série de funções<br />

ocorridas no cérebro: essa é a afirmação primordial. As ações do cérebro<br />

incluem não só as funções motoras, como caminhar ou escrever,<br />

mas também as complexas ações cognitivas, conscientes ou inconscientes,<br />

que associamos com o comportamento específico do homem,<br />

tais como pensar, falar, criar trabalho literário, música, arte. Podemos<br />

então afirmar que os transtornos da conduta que caracterizam as doenças<br />

psiquiátricas são distúrbios das funções do cérebro, mesmo nos<br />

casos (existem muitos) onde os transtornos se originam das relações<br />

com o meio ambiente.<br />

Os genes e seus produtos protéicos são determinantes importantes do<br />

padrão de interconexões entre neurônios no cérebro e os detalhes de<br />

seu funcionamento. Genes, e especificamente combinações de genes,<br />

portanto, exercem um controle significativo sobre a conduta. Como<br />

corolário, a genética é um componente importante <strong>para</strong> o desenvolvimento<br />

da normalidade e das doenças mentais.<br />

Os genes alterados, não por eles próprios, explicam todas as variações<br />

de uma dada doença mental; os fatores sociais ou do desenvolvimento<br />

contribuem de modo importante. Como combinações de genes contribuem<br />

<strong>para</strong> o comportamento, incluindo a conduta social, também podem<br />

os fatores sociais e comportamentais exercerem ações no cérebro<br />

instigando-o (nutrindo-o) e estimulando-o <strong>para</strong> modificar a expressão<br />

dos genes e assim a função das células nervosas. A aprendizagem, incluindo<br />

a aprendizagem que resulta no comportamento disfuncional,<br />

produz alteração na expressão dos genes – a “nurture” (educação, criação)<br />

é expressa como “nature” (natureza, inato).<br />

As alterações na expressão dos genes induzidas pela aprendizagem dão<br />

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origem às mudanças nos padrões de conexões neuronais. Essas modificações<br />

nas células nervosas não somente contribuem <strong>para</strong> a base<br />

biológica da individualidade, mas, presumivelmente, são responsáveis<br />

<strong>para</strong> iniciação e manutenção de anormalidades da conduta que são<br />

induzidas pelas contingências sociais.<br />

Quando a psicoterapia (ou aconselhamento da mãe, amigo, etc.) é<br />

efetiva e produz alterações a longo termo na conduta, essa é, presumivelmente,<br />

feita através de aprendizagem, produzida pelas mudanças<br />

na expressão de genes. Por sua vez, a mudança na expressão de genes<br />

altera a potência das conexões sinápticas e mudanças estruturais que<br />

também vão alterar os padrões anatômicos de interconexões entre as<br />

células nervosas e o cérebro. De modo simples: podemos observar modificações<br />

provocadas pela psicoterapia através das imagens cerebrais<br />

ao mostrar mais ou menos modificações.<br />

Toda função da mente reflete funções do cérebro<br />

Lesões específicas no cérebro produzem alterações específicas na conduta<br />

e vice-versa. Toda sociologia deve ser, em algum grau, sociobiologia;<br />

o processo social deve, em algum modo, refletir as funções biológicas.<br />

Toda ação social está interligada à biologia.<br />

Eu, pessoalmente, mesmo sendo médico, vivi por muitos anos junto a<br />

sociólogos, antropólogos, filósofos, pedagogos e psicólogos (que também<br />

sou) na Faculdade de Filosofia, onde estudei e lecionei. Todos eles<br />

muito simpáticos, amáveis e civilizados. Entretanto, a maioria deles –<br />

uma inquietação dos cientistas sociais – deixava transparecer certa ojeriza<br />

quanto ao biológico. Tudo indica que essa postura julgadora, <strong>para</strong><br />

mim, deriva em parte de duas interpretações equivocadas, uma crença<br />

não existente apenas nos cientistas sociais. Primeiro: que os biólogos<br />

pensam que todos os processos biológicos são estritamente determinados<br />

pelos genes. Segundo: que a única função dos genes é a inexorá-<br />

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vel transmissão de informação hereditária de uma geração à outra.<br />

Essas idéias profundamente erradas conduzem à noção da não variação<br />

dos genes; uma conclusão equivocada. De fato os genes sofrem<br />

modificações conforme as condições ambientais, que, por sua vez,<br />

exercem uma influência inevitável na conduta dos indivíduos e na sua<br />

descendência. Nessa visão errada, as forças sociais exerceriam pouca<br />

ou nenhuma influência na conduta humana; entretanto, elas são importantíssimas.<br />

Para essas crenças as forças sociais seriam impotentes<br />

diante das ações predeterminadas inexoráveis e fortes dos genes. Essa<br />

visão fatalista e mítica está por trás dos movimentos eugênicos dos<br />

anos 1920 a 1930; ela decorre de falsas crenças de como o gene trabalha<br />

na sua função dupla: cópia igual e transcrição.<br />

Funções duplas dos genes: cópia igual e transcrição<br />

Primeiro: os genes servem como formas (códigos – cópia igual) estáveis<br />

que replicam com confiabilidade. A função de cópia igual é exercida<br />

por cada gene, em cada célula do corpo, incluindo os gametas (replicam<br />

ou reproduzem a si mesmos de forma igual, sempre a mesma, a<br />

não ser quando ocorrem as mutações). É essa função que produz gerações<br />

sucessivas com cópias de cada gene. A fidelidade da replicação da<br />

cópia é alta. Deve ser lembrado e enfatizado que as cópias iguais não<br />

são reguladas por experiências sociais de qualquer espécie. A replicação<br />

diferente ou genes alterados – mutações – são raros e ocorrem ao<br />

acaso. Esta função dos genes, suas cópias (função de transmissão), está<br />

fora do nosso controle social ou individual. Este é um aspecto.<br />

Segundo: os genes determinam também os fenótipos, ou seja, eles determinam<br />

ou são responsáveis pela estrutura, funções e outras características<br />

das células nas quais eles são expressos. Essa segunda função<br />

dos genes é referida como sua função de transcrição.<br />

Embora quase todas as células do corpo tenham todos os genes que<br />

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estão presentes nas outras células, em qualquer dada célula (do fígado<br />

ou do cérebro) somente uma fração dos genes, talvez 10 – 20%, é<br />

expressa ( genes são transcritos).Todos os outros genes estão reprimidos,<br />

efetivamente, isto é, não são expressos. Uma célula do fígado<br />

é uma célula do fígado porque cada célula tipo expressa somente um<br />

subconjunto particular da população total de genes. Quando um gene<br />

é expresso em uma célula ele dirige (administra, controla, governa) o<br />

fenótipo de toda a célula; a manufatura (fabricação, produção) das proteínas<br />

singulares que especificam a característica (gravam, inscrevem,<br />

caracterizam) daquela célula (os melhores conceitos você escolhe <strong>para</strong><br />

seu melhor entendimento).<br />

A função de cópias iguais, a sequência de um gene – e a capacidade do<br />

organismo replicar essa sequência – não é afetada pelas experiências<br />

do meio ambiente. Entretanto, a função de transcrição de um gene – a<br />

capacidade de um dado gene <strong>para</strong> administrar ou fabricar uma determinada<br />

proteína de certa célula – é altamente regulada por fatores<br />

externos, ou seja, essa regulação é sensível (responde) aos fatores do<br />

meio ambiente.<br />

Estímulos internos do organismo, bem como os externos do meio<br />

ambiente: hormônios, estr<strong>esse</strong>s, remédios (talidomida; um exemplo<br />

trágico), aprendizagem e interações sociais, alteram as ligações da regulação<br />

das transcrições. Dessa maneira, diferentes combinações de<br />

regulações de possíveis transcrições podem ser recrutadas ou utilizadas.<br />

De um modo mais simples: a regulação da expressão de um gene pelos<br />

fatores sociais é exercida em todas as funções corporais, incluindo,<br />

como não podia ser diferente, a cerebral. Essas influências sociais (e<br />

outras físicas e químicas) serão incorporadas biologicamente no organismo<br />

através de alterações na expressão de genes específicos em células<br />

nervosas específicas de regiões diferentes do cérebro.<br />

Essas alterações genéticas, <strong>aqui</strong> apenas as socialmente influenciadoras,<br />

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são transmitidas pela cultura onde mora o indivíduo (os memes). Mas<br />

elas não são incorporadas ao esperma e ao óvulo, portanto, não são<br />

transmitidas geneticamente <strong>para</strong> os descendentes.<br />

No ser humano a modificação na expressão dos genes através da<br />

aprendizagem (numa maneira não transmissível biologicamente) é particularmente<br />

importante e efetiva. Essa conduziu a uma nova espécie<br />

de evolução: a evolução cultural, diferente <strong>para</strong> cada cultura, como as<br />

orientais, ocidentais, latinas; <strong>para</strong> cada subgrupo como o Brasil, Argentina<br />

ou Bolívia; <strong>para</strong> cada sub-subgrupo como os mineiros, os cariocas,<br />

os paulistas, baianos, etc., <strong>para</strong> cada sub-sub-subgrupo como os itabiranos,<br />

campinenses, porto-alegrenses, etc., ou ainda <strong>para</strong> sub-sub-sub-<br />

-subgrupos da família dos filhos de José da Silva e de Maria de Souza.<br />

Por fim, a transcrição genética será ainda diferente <strong>para</strong> o José, João,<br />

Tereza e Maria, ou seja, pessoas particulares e diferentes de cada outra<br />

existente.<br />

A capacidade <strong>para</strong> aprender é tão desenvolvida nos seres humanos que<br />

nós nos modificamos muito pela cultura, controlando muito do biológico.<br />

O tamanho do cérebro humano não mudou nos últimos 50.000<br />

anos, mas a cultura se transformou dramaticamente, como sabemos, e<br />

o homem tornou-se outro, bem diferente do de 50.000 anos atrás.<br />

Genes: contribuição às funções mentais<br />

Vamos considerar a função da cópia exata do DNA; o aspecto hereditário<br />

da ação do gene. Este não codifica o comportamento de um modo<br />

direto. Um gene simples codifica uma proteína simples; ele não pode<br />

por si só codificar uma conduta.<br />

As condutas são geradas por circuitos que envolvem muitas células,<br />

cada uma das quais expressa genes específicos que dirigem a produção<br />

de proteínas específicas. Os genes expressos no cérebro codificam<br />

proteínas que são importantes em um e em outro estágio do desenvolvimento,<br />

manutenção e regulação dos circuitos neurais subjacente ao<br />

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121


comportamento. Uma ampla variedade de proteínas, estruturais, reguladoras<br />

e catalíticas, é requerida <strong>para</strong> a diferenciação de uma simples<br />

célula nervosa; muitas células e muito mais genes são requeridos <strong>para</strong><br />

o desenvolvimento e a função de um circuito neural.<br />

Estudos em gêmeos iguais têm esclarecido os aspectos genéticos da<br />

conduta: gostos, preferências religiosas, inter<strong>esse</strong>s vocacionais, isto é,<br />

considerados como culturalmente determinados. Mas os gêmeos podem<br />

variar muito um do outro.<br />

Há evidência dos aspectos hereditários em alguns dos transtornos<br />

mentais, como esquizofrenias, depressões graves, etc., mas também<br />

dependem muito do meio, não bastam apenas os aspectos herdados<br />

da família, pois outros aspectos têm sua importância: pobreza ou não;<br />

hábitos; valores; nutrição; etc. Um gêmeo pode herdar um conjunto<br />

de disposições genéticas <strong>para</strong> o crescimento físico, mas sem uma boa<br />

nutrição isso não será possível. Também, nas doenças em que atuam<br />

vários genes – poligênicas – como a hipertensão, diabetes, a maioria<br />

das formas de esquizofrenias, nessas são necessários não só a acumulação<br />

dos defeitos genéticos, mas também a ação de fatores do meio<br />

ambiente e do desenvolvimento. É preciso conhecer como os diversos<br />

genes combinam <strong>para</strong> tornar o organismo predisposto à doença e determinar<br />

como o meio ambiente influencia a expressão d<strong>esse</strong>s genes<br />

defeituosos.<br />

Deve ser lembrado que a própria conduta, ela mesma, pode modificar<br />

a expressão do gene. Não existem mudanças na conduta que não são<br />

reflexos de mudanças no sistema nervoso. Também, não há mudanças<br />

persistentes no sistema nervoso que não refletem mudanças estruturais<br />

em algum nível de resolução de problemas. Toda experiência<br />

sensorial, privação sensorial e aprendizagem pode, provavelmente,<br />

conduzir a um enfraquecimento das conexões sinápticas em algumas<br />

circunstâncias e num fortalecimento das conexões em outras. Por<br />

exemplo: ficará mais difícil <strong>para</strong> você lembrar de um nome caso você<br />

pare de usá-lo por um longo tempo. N<strong>esse</strong> caso, suas sinapses enfra-<br />

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queceram, foram desaparecendo; o contrário é verdade.<br />

O modelo da psiquiatria afirma que todo processo mental é biológico,<br />

portanto, qualquer alteração n<strong>esse</strong> processo é, necessariamente, orgânica.<br />

O orgânico não é detectado por observações anatômicas e histológicas<br />

grosseiras, mas sim por técnicas de imagens como a tomografia<br />

por emissão de pósitrons, imagens por ressonância magnética, bem<br />

como outros processos não-invasivos (sem lesar tecidos) que permitem<br />

essa exploração.<br />

Relação entre doença mental herdada e<br />

aprendida<br />

A esquizofrenia e o Transtorno Bipolar (maníaco-depressiva) têm forte<br />

componente hereditário. Refletem alterações na função da “forma”<br />

do gene – depende menos do meio – na sequência de nucleotídeos de<br />

um número de genes diferentes conduzindo a um mRNA anormal e a<br />

proteínas anormais. É tentador pensar que as doenças psiquiátricas,<br />

como Estr<strong>esse</strong> Pós-Traumático, sejam adquiridas pelas experiências<br />

que envolvem alterações na função de transcrição dos genes, isto é,<br />

regulação da expressão do gene, não obstante alguns indivíduos sejam<br />

muito mais propensos ou suscetíveis de padecer essa doença que outros,<br />

ou seja, a doença é devida a uma combinação de genes herdados<br />

(já defeituosos) e a fatores do meio ambiente. O desenvolvimento, as<br />

experiências sociais diversas, os estr<strong>esse</strong>s são todos fatores que podem<br />

alterar a expressão dos genes pela modificação das ligações da regulação<br />

da transcrição <strong>para</strong> cada outro e <strong>para</strong> as regiões reguladoras dos<br />

genes.<br />

O principal mecanismo que leva a uma alteração estável no processo<br />

mental por alteração na expressão do gene é o crescimento das conexões<br />

sinápticas. Certos hábitos podem levar a regressão e diminuição<br />

das conexões sinápticas, outros determinam o contrário. A distribuição<br />

dessas conexões pode expandir e contrair, dependendo do uso particu-<br />

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lar ou atividade das vias periféricas sensoriais. Como cada um de nós<br />

viveu num meio diferente, exposto às diferentes combinações de estímulos,<br />

e nós desenvolvemos habilidades motoras de modos diferentes,<br />

cada cérebro é modificado de um modo único. Isso constitui a base<br />

biológica <strong>para</strong> a individualidade.<br />

Se a memória de longa duração conduziu a modificações anatômicas,<br />

implica que nosso cérebro está, anatomicamente, mudando quando<br />

aprendemos e, também, quando esquecemos. As experiências indicam<br />

que sim. O mapa cortical está sujeito a constantes modificações<br />

baseado no uso das vias sensoriais. Como todos nós somos criados em<br />

ambientes diferentes, somos expostos a combinações diversas de estímulos<br />

e, provavelmente, a exercitar nosso sensório e habilidades motoras<br />

de modos também variados, a arquitetura de cada um de nossos<br />

cérebros será modificada e se torna diferente de algum modo.<br />

Macacos treinados <strong>para</strong> usar apenas três dedos médios da mão <strong>para</strong><br />

ativar pontos num disco em rotação tiveram um crescimento da região<br />

do córtex devotado aos dedos usados e uma diminuição das áreas corticais<br />

antes usadas <strong>para</strong> os dedos que ficaram impedidos de serem usados.<br />

O cérebro dos macacos tornou-se, portanto, diferente do anterior.<br />

A psicoterapia e farmacoterapia podem induzir alterações semelhantes<br />

na expressão dos genes e mudanças estruturais no cérebro. Um meio<br />

ou outro tem sido mostrado como sucesso dependendo do paciente,<br />

medicamento e terapia. Talvez, o uso de um, somado ao outro, devido<br />

ao seu sinergismo, tenha mais efeito. A psicofarmacologia pode ajudar<br />

a consolidar as mudanças biológicas causadas pela psicoterapia.<br />

A memória não é uma função unitária da mente; ela tem pelo menos<br />

duas formas: explícita e implícita. A memória explícita (episódica) codifica<br />

a informação consciente acerca dos acontecimentos autobiográficos<br />

(história de vida de cada pessoa) e do conhecimento factual; ela é a<br />

memória acerca de pessoas, lugares, fatos e objetos, exigindo <strong>para</strong> sua<br />

expressão o hipocampo e o lobo temporal médio.<br />

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Já a memória implícita envolve <strong>para</strong> sua lembrança uma memória inconsciente<br />

<strong>para</strong> estratégias motoras e perceptuais (de processo), como<br />

pegar numa bola, andar e, talvez, julgamentos morais automáticos ou<br />

intuitivos. Esta depende de sistemas motores e sensoriais específicos,<br />

bem como do cerebelo e dos gânglios basais.<br />

Uma lesão no hipocampo ou no lobo temporal médio leva o paciente<br />

a não mais adquirir novas memórias explícitas <strong>para</strong> pessoas, lugares e<br />

objetos, mas pode aprender habilidades motoras e melhorar sua performance<br />

nas tarefas perceptuais. A memória implícita não é somente<br />

<strong>para</strong> tarefas simples, pois inclui as sofisticadas, como o “priming” (impressão),<br />

reconhecimento de palavras e objetos (eventos também <strong>para</strong><br />

fazer julgamentos e interpretações) sendo facilitada pela exposição<br />

anterior aos fatos.<br />

Sistema neural<br />

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Informação Neural: unidade<br />

do SNC<br />

Importância dos circuitos cerebrais íntegros<br />

Espera-se de um bom cérebro estar bem informado, avaliar adequadamente<br />

os fatos internos, que se passam no interior do organismo, e,<br />

também, os externos, que ocorrem no meio ambiente sócio-cultural,<br />

principalmente, as relações com as pessoas próximas e, por fim, tomar<br />

decisões conforme tudo isso. Toda essa tarefa do sistema nervoso do<br />

animal, homem ou outro, visa a beneficiar a sobrevivência e a satisfação<br />

de cada organismo particular. Através dessas informações o animal<br />

ou a pessoa poderá obter, da melhor maneira possível <strong>para</strong> ele, os<br />

suprimentos necessários à sua sobrevivência e, também, da espécie,<br />

ou, de modo mais simples, obter os frutos do meio e escapar dos sofrimentos.<br />

Logo após o nascimento, o recém-nascido é possuidor de padrões<br />

neurais iniciais ou inatos, importantes e <strong>esse</strong>nciais <strong>para</strong> sua sobrevida.<br />

O sistema nervoso, já pre<strong>para</strong>do ao nascer, tem como função principal<br />

atuar na regulação das diversas partes do organismo <strong>para</strong> evitar<br />

que o recém-nascido morra. Os circuitos cerebrais iniciais, como uma<br />

fiação elétrica de uma residência pronta <strong>para</strong> ser usada ao terminar a<br />

construção, permitem organizar e manter diversos comportamentos<br />

gerados pela ativação dos vários setores existentes (ações motoras,<br />

autônomas, hormonais) que vão se ajustando diante dos desafios da<br />

vida comum e da história evolucionária de cada espécie. Além do mais,<br />

principalmente no caso do ser humano, os circuitos iniciais podem<br />

também se desenvolver <strong>para</strong> realizar outras ações, antes não existentes;<br />

modos de pensar e de agir aprendidos durante a história de vida<br />

particular de cada indivíduo.<br />

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A rede elétrica e química observada no organismo recém-nascido do<br />

homem foi construída durante a gestação no útero da mãe, seguindo a<br />

orientação de uma planta, projeto e roteiro desenhado pela evolução<br />

de nossa espécie durante milhares de anos. D<strong>esse</strong> modo, após o nascimento,<br />

o organismo animal não está ajustado <strong>para</strong> enfrentar satisfatoriamente<br />

fenômenos não-usuais da espécie, como a queda de um<br />

avião, a guerra do Iraque ou uma luta de gangues. Entretanto, ele estará<br />

pre<strong>para</strong>do <strong>para</strong> se alimentar, dormir, chorar e sentir-se mal diante de<br />

certas situações e bem e relaxado diante de outras.<br />

Informação e unidade do sistema nervoso<br />

O propósito fundamental do encéfalo é adquirir, propagar, coordenar<br />

e distribuir informação sobre o corpo e seu ambiente. O cérebro, além<br />

de controlar muitas funções importantes, fornece, além disso, um significado<br />

<strong>para</strong> as coisas que ocorrem no mundo que nos circunda. As<br />

células dos nervos sensoriais enviam (abastecem) informação ao cérebro<br />

de todas as partes do corpo, internas e externas. O cérebro, após<br />

avaliar informações, envia orientações através das células dos nervos<br />

motores <strong>para</strong> os músculos e glândulas, produzindo alguma ação apropriada<br />

<strong>para</strong> ser efetivada, seja interna e ou externa. Ao mesmo tempo,<br />

alternativamente, o cérebro inibe ações, aquelas que a pessoa tenta<br />

não exibir, como um movimento de braço ou perna que nada tem a ver<br />

com a conduta desejada, um riso ou um choro num lugar onde tal ação<br />

não seria adequada, etc.<br />

Tanto as informações que chegam (sensoriais), como as respostas (as<br />

enviadas, motoras ou ações) viajam através do cérebro e do resto do<br />

sistema nervoso sob a forma de impulsos eletroquímicos. O corpo contém<br />

30.000 nervos, os quais são divididos em sensoriais, motores e de<br />

conexões. Temos 100 bilhões de neurônios (células nervosas) interligados<br />

com inúmeras extensões que têm duas importantes propriedades:<br />

excitação e condutividade, isto é, elas respondem à estimulação e<br />

propagam a atividade elétrica gerada pelo estímulo – impulso nervoso.<br />

Os dendritos recebem mensagens de outros neurônios e passam essas<br />

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<strong>para</strong> o corpo da célula e o axônio transmite o impulso nervoso do corpo<br />

celular <strong>para</strong> outros neurônios.<br />

O neurônio, a unidade sinalizadora do sistema nervoso, é uma célula<br />

especializada, possuidora, por um lado, de vários prolongamentos usados<br />

<strong>para</strong> a recepção de sinais e, por outro lado, de um único prolongamento<br />

<strong>para</strong> a emissão de sinais. Sua estrutura interna é semelhante à<br />

das demais células animais, com algumas peculiaridades próprias de<br />

sua natureza sinalizadora.<br />

Essa interligação de fibras nervosas e junções permite ao impulso nervoso<br />

seguir um número, virtualmente, ilimitado de vias. O efeito é fornecer<br />

aos seres humanos uma variedade infinita de respostas em virtude<br />

dos impulsos sensoriais recebidos, cada uma delas de uma maneira.<br />

O estoque de respostas dependerá da experiência particular vivida por<br />

cada indivíduo, do humor e da situação do momento, ou de qualquer<br />

um dos numerosos fatores que governam ou dominam cada pessoa em<br />

particular.<br />

A natureza integradora do neurônio é conferida por sua membrana<br />

plasmática. Esta é uma estrutura especializada na produção e na propagação<br />

de impulsos elétricos, tendo como característica mais importante<br />

a presença de diferentes tipos de canais iônicos, macromoléculas<br />

embutidas na membrana capazes de filtrar seletivamente a passagem<br />

de íons <strong>para</strong> dentro e <strong>para</strong> fora da célula (neurônio).<br />

Para realizar essa tarefa a evolução dotou os neurônios de sofisticados<br />

meios de gerar sinais elétricos e químicos. As células nervosas geram<br />

sinais elétricos que transmitem informação. Apesar dos neurônios não<br />

serem intrinsecamente bons condutores de eletricidade, eles desenvolveram<br />

mecanismos elaborados <strong>para</strong> a geração de sinais elétricos baseados<br />

nos fluxos de íons através de suas membranas plasmáticas.<br />

Numa situação hipotética de “repouso funcional”, o neurônio gera um<br />

potencial negativo chamado de “potencial de membrana de repouso”.<br />

Este pode ser medido registrando-se a voltagem entre o interior e o<br />

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exterior da célula nervosa. O potencial de ação, uma vez iniciado, anula<br />

o potencial de repouso negativo anterior, tornando o potencial transitoriamente<br />

positivo; assim se produz a informação.<br />

Como em todas as células, o interior do neurônio é negativo em relação<br />

ao exterior, uma diferença de potencial mantida constante pelo<br />

contínuo fluxo de íons através da membrana. Os potenciais de ação são<br />

propagados ao longo da extensão dos axônios, sendo que <strong>esse</strong>s sinais<br />

fundamentais carregam a informação de um lugar a outro no sistema<br />

nervoso.<br />

A geração tanto do potencial de repouso, como do potencial de ação,<br />

pode ser compreendida e explicada com base na permeabilidade seletiva<br />

da célula nervosa a diferentes íons, bem como na distribuição normal<br />

destes íons através da membrana celular. Em resumo: as células<br />

nervosas geram sinais elétricos que transmitem informação.<br />

O sinal elétrico que o neurônio utiliza como unidade de informação –<br />

impulso nervoso ou potencial de ação – é um episódio muito rápido de<br />

inversão da polaridade da membrana, produzido pela abertura seletiva<br />

e consecutiva de canais de Na+ (sódio) e K+ (potássio), causando um<br />

caudaloso fluxo iônico através da membrana que provoca a inversão de<br />

sua polaridade elétrica. O potencial de ação é propagável ao longo do<br />

axônio e, portanto, conduzido de uma extremidade a outra do neurônio.<br />

O sistema nervoso não é constituído apenas de neurônios, mas também<br />

de uma outra família de células chamadas coletivamente de neuróglia.<br />

A neuróglia é um conjunto polivalente de células não neuronais,<br />

cujas funções permitem garantir a infra-estrutura <strong>para</strong> o funcionamento<br />

dos neurônios. A função dos gliócitos é a nutrição dos neurônios, a<br />

absorção de substâncias do meio externo vizinho ao neurônio e transformação<br />

d<strong>esse</strong>s resíduos (lixos) em substâncias úteis ao sistema, entre<br />

eles, o isolamento da membrana dos axônios, a defesa imunitária do<br />

sistema nervoso e outras ações.<br />

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O organismo após o nascimento<br />

Ao nascer, o organismo encontra-se apto <strong>para</strong> procurar fontes de energia,<br />

incorporar e transformar energia (alimentar-se, respirar); manter<br />

no interior do organismo uma harmonia química compatível com a<br />

vida; substituir os subcomponentes que envelhecem e morrem, de forma<br />

a manter a organização e a defender o organismo dos processos de<br />

doença e de lesões físicas.<br />

Todos os organismos vivos, desde os constituídos por uma única célula<br />

até os pluricelulares, como o ser humano, nascem geneticamente<br />

prefixados com organizações apropriadas <strong>para</strong> responderem incondicionalmente.<br />

Assim, nosso organismo, sem experiência alguma (sem<br />

aprender), de modo automático e sem fazer uso de qualquer raciocínio,<br />

reage a alguns estímulos provocados por diversas circunstâncias de<br />

mudanças do meio ambiente externo (um corte, uma forte luz, o cheiro<br />

da criadora) e do próprio organismo (sensação de fome, frio, cólica).<br />

Ao nascer, <strong>esse</strong> organismo já possui uma central coordenadora do que<br />

acontece no interior do corpo, bem como diversos pontos emissores<br />

e receptores de informações (sinais) distribuídos em todas as células,<br />

tecidos e órgãos. Apesar d<strong>esse</strong> sistema nervoso inicial ser eficiente<br />

quanto ao equilíbrio do organismo interno, o recém-nascido tem pouquíssima<br />

capacidade <strong>para</strong> conviver de forma adaptada com o mundo<br />

externo (como os mamíferos e aves) e, caso não tenha um criador, fatalmente<br />

não sobreviverá.<br />

Uma parte d<strong>esse</strong> conjunto de circuitos está relacionada aos nervos motores<br />

e sensoriais periféricos. São essas vias que enviam sinais de todas<br />

as partes do corpo <strong>para</strong> o cérebro e deste <strong>para</strong> o corpo. Outras vias são<br />

as informações transmitidas pela corrente sanguínea (sinais químicos,<br />

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como os hormônios). Outras informações são transmitidas pelos neurotransmissores,<br />

ou seja, substâncias químicas liberadas difusamente<br />

de alguns neurônios transmitindo informações <strong>para</strong> diversos outros<br />

pontos, entre eles a dopamina, noradrenalina, acetilcolina, serotonina,<br />

etc.; entre os peptídeos encontram-se as endorfinas (relacionadas à<br />

dor e relaxamento) e a oxitocina (relacionada às paixões).<br />

Sabe-se que os sinais captados e enviados pelo sistema nervoso autônomo<br />

originaram-se de regiões evolutivamente mais antigas (amígdala,<br />

cíngulo, hipotálamo e tronco cerebral), enquanto que os sinais <strong>para</strong> o<br />

sistema músculo/esquelético, mais recentes, originaram-se nos córtices<br />

motores e núcleos motores subcorticais.<br />

Cada um d<strong>esse</strong>s “pontos” (centros, estações) encontra-se interligado e<br />

em comunicação, uns com os outros, através de uma extensa rede neural<br />

(circuitos) e química, permitindo a emissão e a recepção de sinais<br />

originários dos mais variados elementos e pontos do organismo. Cada<br />

grupo de células semelhante dá origem a tecidos, órgãos ou estruturas<br />

típicas. Esse conjunto interligado irá formar um organismo particular<br />

que recebe o nome de homem, abelha, peixe ou cobra. Todas as partes<br />

de um organismo interligadas, mesmo antes do nascimento, trabalham<br />

<strong>para</strong> a sobrevivência do organismo total, coordenador do conjunto.<br />

Entretanto, essa estrutura pronta <strong>para</strong> viver, logo ao nascer, durante<br />

a sua história <strong>aqui</strong> na Terra, desenvolve e adquire outras habilidades,<br />

todas elas assentadas ou presas às células e ao funcionamento das<br />

iniciais. De outro modo, utilizando-se da rede elétrica, dos pontos já<br />

existentes, poderemos, caso formos estimulados <strong>para</strong> isso, criar extensões,<br />

colocar uma ou outra iluminação, ligar aparelhos de TV, DVD, etc.<br />

N<strong>esse</strong>s casos, há necessidade de se fazer alguns “arranjos” na fiação<br />

original, pois sem estes o organismo não seria capaz de assentar uma<br />

cerca elétrica, o chuveiro elétrico, o telefone e outros aparelhos.<br />

Caso o sistema do recém-nascido estiver lesado no início da vida, o animal<br />

terá dificuldade em sobreviver de forma natural e, n<strong>esse</strong> caso, pre-<br />

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cisará receber cuidados especiais de seus criadores. No caso de lesões<br />

ao nascer, as reações da criança ao meio, bem como suas expressões<br />

<strong>para</strong> o criador, serão diferentes das esperadas <strong>para</strong> os possuidores de<br />

circuitos íntegros do sistema nervoso.<br />

O sistema existente no nascimento continua a operar no adulto, mesmo<br />

quando outros mecanismos, ditos superiores – os aprendidos – se<br />

desenvolvem e passam a funcionar.<br />

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A viagem dos neurônios iniciais<br />

O sistema nervoso do homem surge de umas poucas células do embrião<br />

e chega a atingir cerca de centenas de bilhões de células na vida<br />

adulta, formando muitos trilhões de circuitos de alta precisão. Depois<br />

que o espermatozóide penetra no óvulo, o zigoto adquire sua plena<br />

carga genética e inicia as transformações que darão origem ao embrião<br />

e depois ao indivíduo adulto.<br />

As transformações morfogenéticas do SNC (sistema nervoso central),<br />

resultantes de intensa proliferação e deslocamento celular na estrutura<br />

embrionária precursora, ocorrem durantes os primeiros quatro meses<br />

de gestação na espécie humana; essas etapas iniciais são muito semelhantes<br />

entre todos os vertebrados.<br />

Com oito semanas de vida intra-uterina o cérebro do bebê já desenvolveu<br />

suas três partes, época de tremenda produção de células, 250.000<br />

neuroblastos (células nervosas primitivas) a cada minuto. Durante e<br />

após <strong>esse</strong> período os neurônios se diferenciam <strong>para</strong> executar ações<br />

distintas; primeiro deslocando-se <strong>para</strong> áreas específicas e, depois, se<br />

ligando a neurônios da vizinhança; pequenas colônias começam a se<br />

desenvolver por conta própria e depois se alongam <strong>para</strong> entrarem em<br />

contato com outras comunidades migratórias. A maioria dos neurônios<br />

migra com o propósito deliberado de alcançar e incorporar-se ao córtex<br />

em desenvolvimento.<br />

No embrião humano de quatro a cinco meses as principais estruturas<br />

anatômicas estão já constituídas. O córtex cerebral (pensamento, etc.)<br />

e o córtex cerebelar (equilíbrio, etc.), nessa fase, ainda estão lisos,<br />

pois não se desenvolveram. Seu crescimento posterior adquire uma<br />

velocidade maior que o da caixa craniana, o que leva à formação das<br />

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dobraduras que constituem os giros e folhas e os sulco e fissuras, respectivamente.<br />

Enquanto se processa a morfogênese do SNC tem lugar<br />

também a do sistema nervoso periférico; células proliferam e migram<br />

ativamente afastando-se do tubo neural central.<br />

Ao longo do caminho algumas se fixam em uma determinada região<br />

e formam gânglios (ou núcleos), enquanto as outras continuam sua<br />

migração. Assim são formados os gânglios espinhais e os gânglios autonômicos,<br />

cujas células, logo em seguida, emitem axônios compactados<br />

em fascículos, que constituem os nervos. As células da glia (tecido de<br />

sustentação) formam a bainha de mielina dos nervos periféricos.<br />

Logo que a célula precursora de um neurônio pára de se dividir, inicia-<br />

-se um movimento migratório que leva o neurônio juvenil ao local definitivo<br />

onde se estabelecerá. Isso ocorre tanto <strong>para</strong> as células do tubo<br />

neural, que formarão as estruturas do SNC (sistema nervoso central),<br />

como <strong>para</strong> as células da crista neural, que formarão as estruturas do<br />

SNP (sistema nervoso periférico).<br />

A migração ainda é desconhecida em todas as suas etapas, parece que<br />

diversos fatores (drogas, medicamentos, por exemplo) podem atrapalhar<br />

<strong>esse</strong> caminho natural. A migração pode significar a diferença entre<br />

função normal e deficiente. A própria migração afeta o modo como os<br />

neurônios adquirem sua identidade; os neurônios visuais tornam-se<br />

neurônios visuais não inteiramente porque nasceram <strong>para</strong> isso, mas<br />

porque migraram <strong>para</strong> uma parte do cérebro aonde chega a informação<br />

visual. Portanto, a migração correta de neurônios é importante<br />

<strong>para</strong> o desenvolvimento da função cerebral normal.<br />

Há uma lista cada vez mais extensa de distúrbios, incluindo autismo,<br />

dislexia, epilepsia e esquizofrenia que podem ter sido causados, pelo<br />

menos em parte, por um problema (defeito) no sistema migratório;<br />

possivelmente, conforme a situação, um grande número de neurônios<br />

“erra” o caminho durante a viagem.<br />

Outras células com que os neurônios entram em contato durante o<br />

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percurso e os genes específicos no interior delas – que são ativados ou<br />

inibidos em resposta ao ambiente fetal – contribuem <strong>para</strong> possibilitar<br />

a futura forma e função que os neurônios irão assumir. Os hormônios,<br />

fatores do crescimento, moléculas de adesão celular que fazem com<br />

que os neurônios se conservem unidos, outros sinais entre células que<br />

ainda não são bem explicados e substâncias do sangue da mãe, todos<br />

têm um efeito sobre a determinação dos locais onde os neurônios irão<br />

ficar e das tarefas que lhes tocarão executar. Portanto, o meio interno<br />

guia os genes <strong>para</strong> construírem o cérebro.<br />

Durante a viagem os neurônios são alimentados e guiados por células<br />

gliais que, agindo como zeladoras, formam invólucros ao longo dos<br />

quais os neurônios migram. Uma vez chegando ao seu lugar predeterminado,<br />

as células gliais são mantidas, embora mudem de formato e<br />

propriedades moleculares a fim de desempenharem funções diferentes.<br />

Aparecem então dois tipos de glia: uma que controla o metabolismo<br />

e a função dos neurônios; a outra reveste os axônios com uma<br />

substância gordurosa chamada de mielina, que controla a rapidez com<br />

que os axônios conduzem a informação. Os dois principais tipos de<br />

células, neurônios e glias, compõem o cérebro, o qual está completamente<br />

formado no oitavo mês de gravidez. N<strong>esse</strong> ponto o número de<br />

neurônios é o dobro do cérebro adulto.<br />

À medida que o cérebro envelhece, os neurônios que são fracos, não<br />

usados ou simplesmente não ajustados à tarefa que precisa ser feita,<br />

são suprimidos a fim de deixar conexões mais eficientes <strong>para</strong> os que<br />

estão executando o trabalho cerebral. Começa a vigorar o princípio de<br />

“ou trabalhe ou desapareça”, com o definhamento e a eliminação das<br />

células sem trabalho, ao passo que as que estão em atividade ficam<br />

mais fortes e desenvolvem mais conexões.<br />

Milhões de neurônios ajudam a determinar nosso temperamento,<br />

talentos, fraquezas, espertezas individuais, assim como a qualidade<br />

dos nossos processos de pensamento. Se os neurônios se desencaminham<br />

durante suas longas caminhadas, podem resultar em distúrbios<br />

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e anomalias do desenvolvimento, razão pela qual é importante que<br />

uma mulher grávida não ingira substâncias nocivas. Uma determinada<br />

substância química no cérebro, num momento crítico, poderá levar os<br />

neurônios pelo caminho errado da bifurcação ou, simplesmente, deterá<br />

o processo e causará o caos: álcool, nicotina, drogas e toxinas, infecções<br />

como a rubéola e a falta de certos nutrientes como o ácido fólico<br />

podem interromper a migração normal programada por um organismo<br />

sadio.<br />

Geração de neurônios no encéfalo adulto<br />

Há muito é sabido que neurônios diferenciados, maduros, não se dividem.<br />

Isso não significa, no entanto, que todos os neurônios que constituem<br />

o encéfalo adulto sejam produzidos apenas durante o desenvolvimento<br />

embrionário, embora essa interpretação tenha sido muitas<br />

vezes presumida.<br />

Os méritos dessa interpretação foram questionados desde a década de<br />

1980. Foi mostrado que precursores marcados de DNA injetados em<br />

pássaros adultos podiam ser encontrados posteriormente em neurônios<br />

completamente diferenciados, indicando que <strong>esse</strong>s neurônios haviam<br />

sofrido o último ciclo da divisão celular após o precursor marcado<br />

ter sido injetado. Além disso, os novos neurônios eram capazes de estender<br />

dendritos e projetar longos axônios <strong>para</strong> estabelecer conexões<br />

apropriadas com outros núcleos encefálicos.<br />

A produção de novos neurônios no encéfalo adulto foi até hoje examinada<br />

em camundongos, ratos, macacos e, finalmente, em humanos,<br />

mas somente em duas regiões restritas do encéfalo: camada de células<br />

granulares do bulbo olfatório e giro dentado do hipocampo. Foi descoberto<br />

que a zona subventricular que produz neurônios durante o desenvolvimento<br />

ainda possui algumas células-tronco neurais no adulto.<br />

O termo “célula-tronco” refere-se à população de células que se auto-<br />

-renovam. Cada célula pode dividir-se simetricamente <strong>para</strong> produzir<br />

mais células como ela própria, mas também pode dividir-se assime-<br />

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136


tricamente produzindo uma nova célula-tronco e uma ou mais células<br />

diferenciadas. Certos vertebrados “inferiores”, como lampreias, peixes<br />

e rãs, por exemplo, podem regenerar uma medula espinhal ou nervo<br />

óptico seccionados.<br />

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137


Por que envelhecemos?<br />

Nem todos os organismos envelhecem e morrem num final de certo<br />

tempo. A morte não estava presente no início da vida, sinalizando dispersão<br />

e desintegração. Muitos permanecem jovens, pois não têm a<br />

morte programada: as bactérias, a maioria dos seres nucleados microscópicos,<br />

os protoctistas menores, os fungos, como o mofo, e as leveduras<br />

se reproduzem sem parceiro sexual.<br />

Uns dois bilhões de anos atrás, <strong>esse</strong>s ancestrais desenvolveram o sexo<br />

por fertilização e a morte programada. Não são animais ou plantas,<br />

nem mesmo fungos ou bactérias. Formam um grupo diverso, obscuro,<br />

de seres aquáticos, incluindo as amebas, euglenas, ciliados, diatomáceias,<br />

algas vermelhas, e algas em geral, fungos limosos e fungos<br />

aquáticos. Assim, em algum momento da evolução os micróbios ancestrais<br />

produziram células germinativas que freneticamente buscaram e<br />

encontraram-se umas às outras. Fundindo-se, restauram a juventude.<br />

Todos os animais herdaram <strong>esse</strong> mecanismo dos micróbios – meiose –<br />

divisão celular que reduz pela metade o número de cromossomos – e<br />

sexo – pela fertilização dobra o número de cromossomos.<br />

Todos sabem e notam que a morte programada ocorre em vários níveis:<br />

nas mulheres, mensalmente, onde células mortas são vertidas na<br />

menstruação; nossa pele continuamente morre e nasce outra; do mesmo<br />

modo nossas papilas gustativas morrem e nascem outras; as folhas<br />

das árvores caem e outras nascem, etc.<br />

A morte nada mais significa que a perda das fronteiras nítidas de um<br />

indivíduo. Com a morte o ser se dissolve; entretanto, a vida prossegue<br />

sob outras formas – como as bactérias ou fungos decompositores ou<br />

com um filho ou neto que permanece, ou, quem sabe, com alguma<br />

idéia válida que ficou.<br />

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138


Envelhecimento do SNC<br />

O sistema nervoso, após atingir a maturidade, vai aos poucos envelhecendo;<br />

um processo que se acentua com o passar da idade resultando<br />

na morte simultânea do indivíduo e do seu cérebro. A sobrevida maior<br />

ou menor do indivíduo está associada a diversos fatores, sendo um<br />

deles a espécie a que pertence, pois, como se sabe, a tartaruga pode<br />

alcançar mais de duzentos anos. Um segundo fator seria a possível<br />

existência de genes <strong>para</strong> cada fenótipo; o envelhecimento começaria<br />

com o esgotamento dos genes redundantes causado por sucessivas<br />

mutações espontâneas ou provocadas ao longo da vida, resultando na<br />

degeneração funcional e morfológica típica da velhice.<br />

De qualquer maneira, o sistema nervoso, bem como a pele, a medula<br />

espinhal e o resto do corpo, é também atingido pelo envelhecimento e<br />

a morte. Assim, o organismo, como um todo, vai aos poucos se transformando<br />

com o passar do tempo. Por isso, o desenvolvimento embrionário,<br />

a maturidade, o envelhecimento e a morte são fenômenos<br />

sequenciais da existência do sistema nervoso, totalmente previsíveis e<br />

impossíveis de serem evitados.<br />

O cérebro do idoso apresenta diferenças morfológicas em relação ao<br />

jovem quanto ao tamanho e, naturalmente, ao peso. Alguns giros situados<br />

no córtex tornam-se mais finos e se<strong>para</strong>dos por sulcos mais<br />

abertos e profundos. Os ventrículos cerebrais ficam, com a velhice,<br />

mais largos e, por seu lado, os córtices cerebrais apresentam menor<br />

espessura.<br />

Todos <strong>esse</strong>s dados têm sido obtidos através de análises feitas através<br />

de tomografia computadorizada e ressonância magnética e, também,<br />

após a morte, pela inspeção direta do cérebro. Além disso, a contagem<br />

do número de neurônios em diferentes regiões cerebrais mostra pronunciada<br />

queda, sendo menor também o número de sinapses formadas.<br />

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139


Como tem sido estudado, o sistema nervoso surge muito cedo no embrião<br />

como uma placa de células ectodérmicas que se prolifera e se<br />

transforma em uma estrutura composta de vesículas que são precursoras<br />

das grandes regiões do sistema nervoso.<br />

As células nervosas se dividem várias vezes, mas em certo momento<br />

interrompem o ciclo celular, migram <strong>para</strong> seus locais de destino, adquirem<br />

suas características morfológicas, funcionais e químicas, emitem<br />

axônios que crescem em locais distantes do corpo e lá emitem sinapses.<br />

A finalização do desenvolvimento consiste na eliminação seletiva<br />

de neurônios, axônios e sinapses excedentes, e, finalmente, na mielinização<br />

dos feixes.<br />

Pois bem. O envelhecimento representa uma sequência de etapas degenerativas<br />

que resultam na morte do sistema nervoso e do indivíduo.<br />

Uma análise mais refinada quanto ao nível bioquímico indica queda<br />

na quantidade de proteínas cerebrais, especialmente de enzimas que<br />

sintetizam e que degradam os neurotransmissores, resultando numa<br />

deficiência dessas substâncias importantes <strong>para</strong> a transmissão de mensagens<br />

ao cérebro. Para piorar a baixa produção aparecem ainda placas<br />

senis, com deposição de proteínas anômalas (inúteis e perniciosas) que<br />

possivelmente resultarão na quebra (destruição) de moléculas precursoras<br />

normais. A principal proteína anômala recebe o nome de beta-<br />

-amilóide e vai se acentuando com a idade, variando muito com indivíduos<br />

de mesma idade. Seu excesso e gravidade configuram os quadros<br />

de doença de Alzheimer e ou demência senil.<br />

Acredita-se que com o avançar da idade o indivíduo passa a apresentar<br />

deficiências no controle genético da produção de proteínas estruturais,<br />

de enzimas e de fatores tróficos. Esse déficit, por sua vez, repercute<br />

na função das células nervosas e da neuróglia (tecido de sustentação),<br />

tornando mais difícil a gênese, a condução e transmissão de impulsos<br />

nervosos e, muitas vezes, impedindo a transmissão sináptica entre os<br />

neurônios.<br />

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Deficitárias de proteínas <strong>esse</strong>nciais e depositárias de substâncias anômalas,<br />

as células se degeneram, acumulando fragmentos de organelas<br />

de novelos intracelulares de neurofibrilas e, finalmente, rompendo-se<br />

essas, há geração de detritos que se aglomeram nas placas senis. O<br />

processo se acentua porque tanto o sistema imunológico como a neuróglia<br />

– ambos atingidos pelo envelhecimento – tornam-se incapazes<br />

de remover os detritos (lixo) da degeneração. É <strong>esse</strong> o conjunto de alterações<br />

que resulta na diminuição observada do número de neurônios<br />

em várias regiões do sistema nervoso, e possivelmente também na<br />

queda generalizada do volume cerebral.<br />

Alguns sintomas, como as alterações da memória, devem-se ao fato de<br />

que certos circuitos cerebrais encontram-se particularmente atingidos<br />

por <strong>esse</strong> processo e doença, e <strong>esse</strong>s são reconhecidamente participantes<br />

dos mecanismos da memória, como é o caso dos neurônios<br />

colinérgicos centrais, isto é, aqueles cujo neurotransmissor principal é<br />

a acetilcolina.<br />

Com o aumento da idade, maior a probabilidade do idoso apresentar<br />

pequenos lapsos de memória, que pioram com o tempo, menor velocidade<br />

do raciocínio e, por fim, começam a ter episódios passageiros de<br />

confusão mental que, muitas vezes, não são percebidos pelos familiares<br />

e são tolerados socialmente. Essa deficiência do sistema nervoso e<br />

da totalidade do corpo pode provocar o aparecimento de dificuldade<br />

na locomoção e do equilíbrio, tremores nas mãos, insônia noturna com<br />

sonolência diurna e outras manifestações observadas entre os idosos.<br />

Além d<strong>esse</strong>s sinais e sintomas, não são raras as alterações motoras<br />

(Doença de Parkinson) e também falta de coordenação, movimentos<br />

anormais e a degeneração de neurônios dopaminérgicos localizados<br />

em regiões do cérebro que participam do controle da motricidade,<br />

bem como em outras regiões, uma delas, a relacionada à atenção e,<br />

consequentemente, à memória. O quadro de saúde do indivíduo se<br />

agrava aos poucos, levando-o à incapacidade de se locomover; com o<br />

tempo surgem dificuldades circulatórias, respiratórias, digestivas, dos<br />

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órgãos do sentido, como a visão, audição, gosto, equilíbrio, etc. O resultado<br />

final é a morte.<br />

Portanto, o cérebro envelhece por uma crescente dificuldade em sintetizar<br />

substâncias <strong>esse</strong>nciais à função neuronal e pela síntese de substâncias<br />

anômalas (prejudiciais e tóxicas) que se depositam no tecido.<br />

Como consequência, o indivíduo apresenta sintomas cada vez mais<br />

acentuados de deficiências sensoriais, motoras e psicológicas.<br />

Não se espante com tudo isso. Todas as estruturas biológicas do nosso<br />

corpo, incluindo o sistema nervoso, se modificam ao longo do tempo<br />

de vida de um indivíduo. A vida, que surge a partir de uma única célula-<br />

-ovo, sofre um crescimento explosivo que modifica inteiramente sua<br />

forma e sua função durante a vida embrionária, parece estável após o<br />

nascimento e durante a vida adulta (sem sê-lo realmente, pois muita<br />

coisa muda na microestrutura e no funcionamento dos circuitos cerebrais)<br />

e, lentamente, o organismo degenera e morre.<br />

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142


Sistema sensorial<br />

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Sistema sensorial<br />

A sensibilidade corporal (sentir o meio ambiente externo e interno) é<br />

possivelmente a modalidade sensorial mais antiga entre todos os animais.<br />

Originou-se da sensibilidade da própria célula, como nos protozoários<br />

(ameba, por exemplo), capazes de modificar o trajeto de seus<br />

movimentos quando são atingidos por estímulos físicos ou químicos do<br />

meio ambiente.<br />

Os organismos multicelulares, como as formigas, os lagartos, as aves e<br />

os mamíferos, entre outros, desenvolveram um sistema nervoso mais<br />

complexo <strong>para</strong> realizar essa tarefa. A característica dos receptores da<br />

sensibilidade corporal é a variedade e a distribuição dispersa no organismo.<br />

Alguns deles são simples terminações livres de fibras nervosas<br />

ramificadas, outros, entretanto, são mais complexos, associados às<br />

células não-neurais e compondo pequenos órgãos receptores, como os<br />

da visão e da audição.<br />

As sensações envolvem a capacidade de transduzir (conversão de um<br />

sinal externo à célula, geralmente químico, em um sinal interno), codificar<br />

e, por fim, perceber as informações geradas por estímulos oriundos<br />

do meio externo ou interno do organismo. Uma grande parte do<br />

encéfalo está devotada a essa tarefa.<br />

Embora os sentidos básicos – sensação somática, visão, audição, sensação<br />

vestibular e os sentidos químicos – sejam muito diferentes uns dos<br />

outros, umas poucas regras fundamentais determinam a forma como o<br />

sistema nervoso lida com essas diferentes modalidades.<br />

As células nervosas altamente especializadas, denominadas receptores,<br />

convertem a energia associada com forças mecânicas, luzes, ondas<br />

de som, moléculas odoríferas ou substâncias químicas ingeridas em<br />

sinais neurais sensoriais aferentes que, por sua vez, ativam neurônios<br />

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centrais capazes de representar tanto os aspectos qualitativos como<br />

quantitativos do estímulo – sensação somática, visão, audição – e a localização<br />

do estímulo no espaço (onde ele se encontra).<br />

A sensibilidade corporal: a percepção da realidade<br />

A percepção começa quando uma forma qualquer de energia incide<br />

sobre as interfaces (elementos, recursos, informações capazes de proporcionar<br />

uma ligação entre dois sistemas) entre o corpo e o ambiente,<br />

sejam elas externas ou internas. Nessas interfaces se localizam células<br />

especiais capazes de traduzir a linguagem do ambiente <strong>para</strong> a linguagem<br />

do sistema nervoso: os receptores sensoriais. São essas células<br />

especiais que definem o que comumente chamamos de sentidos: visão,<br />

audição, sensibilidade corporal, olfação e gustação.<br />

Mas nosso cérebro é capaz de sentir mais (consciente ou inconscientemente)<br />

do que <strong>esse</strong>s cinco sentidos clássicos permitem supor. O<br />

cérebro detecta também alterações sutis da posição do corpo quando<br />

nem nos damos conta disso, mudanças da pressão, da composição e<br />

temperatura do sangue que jamais chegam à nossa consciência e de<br />

diversos movimentos viscerais imperceptíveis (alguns são perceptíveis).<br />

Além disso, em cada um dos grandes sentidos percebemos diferentes<br />

aspectos (subtipos sensoriais), como, por exemplo, a visão de cores, de<br />

movimento, etc.; nos sons distinguimos a intensidade, o timbre, a suavidade<br />

e assim por diante.<br />

Os receptores são específicos (não podemos ativar com luzes os nossos<br />

ouvidos), isto é, eles são especializados <strong>para</strong> detectar somente algumas<br />

formas de energia. Os sensores captam, conforme a região, determinada<br />

espécie de energia específica (estímulo, mensagem ou informação):<br />

energia mecânica (mecanorreceptores), luminosa (fotorreceptores),<br />

térmica (termorreceptores) e química (quimiorreceptores).<br />

Cada tipo se subdivide em subtipos ainda mais específicos: há meca-<br />

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norreceptores que detectam sons (o feto no útero da mãe quando esta<br />

fala), há os que detectam estímulos sobre a pele, há os que detectam<br />

alongamentos dos músculos e vários outros. Também há fotorreceptores<br />

especializados em detectar radiação próxima do azul, outros mais<br />

sensíveis à radiação próxima do verde e assim por diante.<br />

Todos eles, uma vez estimulados (ativados), são capazes de produzir<br />

potenciais receptores. N<strong>esse</strong>s casos ocorrem alterações lentas da voltagem<br />

da membrana, proporcionais à potência do estímulo. As alterações,<br />

posteriormente, podem se transformar em potenciais de ação<br />

(unidade digital do código do sistema nervoso) enviando a informação<br />

<strong>para</strong> outras regiões do encéfalo. A tradução (transformação) da energia<br />

incidente (luz, som) em potenciais receptores é chamada transdução<br />

na linguagem da neurociência.<br />

A transdução consiste na absorção da energia incidente por certas proteínas<br />

da membrana plasmática dos receptores (local apropriado onde<br />

incide o estímulo), seguida do emprego dessa energia na abertura de<br />

canais iônicos, gerando assim o potencial receptor. Esse se irradia ao<br />

longo da membrana e ativa outros canais iônicos que produzem novos<br />

potenciais de ação, ou então provocam a liberação de neurotransmissores<br />

que ativam outras células nervosas da cadeia sensorial.<br />

Portanto, não há como “ouvir”, “ver” ou “sentir” algo que não seja<br />

transmitido pelas energias: luminosa, sonora, gustativa, odorífera, etc.<br />

Caso você tenha lido nos jornais que alguém viu, ouviu, conversou com<br />

algum ser, sem que houv<strong>esse</strong> contato com o corpo físico emissor dessa<br />

energia, você pode ter certeza que o “felizardo”, relator de visões ou<br />

sons sem objeto, ou estava mentindo, ou acreditando nos seus próprios<br />

pensamentos (representações mentais), ou, ainda, apresentando<br />

um sintoma psiquiátrico chamado de alucinações e ou idéias delirantes.<br />

Sem a presença de estimulação adequada, cientificamente pensando,<br />

é impossível a transmissão de informações. Entretanto a fé, como<br />

se sabe, “remove montanhas”.<br />

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Logo não há som sem a presença de um estímulo sonoro de um lado e<br />

uma pessoa de outro <strong>para</strong> escutar o possível ruído; não há gosto sem<br />

ninguém <strong>para</strong> provar algo; não há cores sem que alguém as veja. Isso<br />

parece esquisito, eu sei, mas existem explicações. As coisas do mundo<br />

existem independentemente umas das outras; todo mundo sabe disso.<br />

Não é?<br />

Sabe-se que existem atributos físicos e químicos que são próprios de<br />

objetos físicos. A água da torneira da pia da cozinha emite vibrações<br />

que se propagam pelos meios materiais circundantes até se dissiparem<br />

à distância. Mas essas vibrações só se transformam em sons se houver<br />

nas proximidades algum ser vivo dotado de um sistema nervoso com<br />

capacidade de senti-las e percebê-las como tal. Esta é a definição de<br />

som: é preciso alguém que escute algo. Do mesmo modo ocorre com o<br />

paladar, o cheiro da terra molhada, etc.<br />

Os atributos dos “sentidos” (sensoriais)<br />

Os sentidos correspondem à tradução <strong>para</strong> a linguagem neural das<br />

diversas formas de energia contidas no ambiente, o que torna possível<br />

classificá-los de acordo com essas formas de energias. Eles têm<br />

sido chamados de modalidades sensoriais, aceitando-se geralmente<br />

a existência de cinco tipos: visão, audição, somestesia (vulgarmente<br />

chamado de tato), gustação ou paladar e olfação ou olfato: essas são as<br />

modalidades que atingem a percepção, excluindo as que não atingem<br />

a consciência. O espectro audível, visual e outros variam com as espécies:<br />

cães, morcegos, beija-flores, águia, etc., cada um tem sua maior<br />

sensibilidade a um ou outro estímulo.<br />

A somestesia (sensações provenientes da estimulação da superfície e<br />

do interior do corpo) é uma modalidade sensorial ativada por diferentes<br />

formas de energia: mecânica, térmica e química. Uma importante<br />

parcela dessa ação é realizada pelo sistema nervoso autônomo (SNA),<br />

que, de fato, não é totalmente autônomo, pois suas ações são coordenadas<br />

por regiões superiores do sistema nervoso central (SNC). D<strong>esse</strong><br />

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modo, o termo “sistema nervoso autônomo” é um termo inadequado,<br />

mas consagrado. O organismo é uma máquina que funciona continuamente<br />

sob forte influência do ambiente externo.<br />

Sistema nervoso autônomo<br />

O SNA apresenta duas divisões clássicas e uma ainda controvertida. As<br />

duas divisões clássicas são a simpática e a <strong>para</strong>ssimpática; a controvertida<br />

é a divisão gastroentérica. Esta última é constituída por uma<br />

intrincada rede de neurônios situados nas paredes das vísceras, que<br />

participam do controle da função digestiva.<br />

A divisão simpática difere da <strong>para</strong>ssimpática em vários aspectos, entre<br />

os quais sua organização anatômica: a simpática ocupa a medula toracolombar,<br />

enquanto a <strong>para</strong>ssimpática tem uma parte no tronco encefálico<br />

e outra na medula sacra.<br />

Ambas as divisões apresentam uma sinapse entre o neurônio central e<br />

o alvo periférico, dando origem à sinapse ganglionar, mas seus círculos<br />

diferem: a simpática apresenta um neurônio pré-ganglionar curto e um<br />

pós-ganglionar longo, enquanto a <strong>para</strong>ssimpática apresenta um pré-<br />

-ganglionar longo e um pós-ganglionar curto. O neurotransmissor da<br />

sinapse ganglionar é geralmente a acetilcolina nas duas divisões, mas,<br />

no alvo, a divisão simpática libera geralmente a noradrenalina, enquanto<br />

a <strong>para</strong>ssimpática libera a acetilcolina.<br />

Funcionalmente, a divisão simpática atua fortemente em situações de<br />

emergências, embora participe também do controle orgânico do dia-<br />

-a-dia. A divisão <strong>para</strong>ssimpática faz o oposto: atua destacadamente na<br />

contínua regulação dos órgãos e sistemas, mas participa também das<br />

situações estressantes que aparecem.<br />

O SNA exerce o seu controle sobre os órgãos ativando fibras musculares<br />

(lisas na maioria das vísceras, estriadas no coração) e células glandulares.<br />

No sistema digestório, o SNA regula a secreção das glândulas<br />

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que dissolvem o bolo alimentar e lubrificam a sua passagem pelo trato<br />

gastrintestinal, além de produzir os movimentos peristálticos que propelem<br />

o bolo adiante.<br />

No sistema cardiovascular, o SNA regula a frequência e a força dos batimentos<br />

cardíacos, bem como o diâmetro dos vasos sanguíneos, controlando<br />

com isso a pressão arterial e a irrigação dos vários tecidos de<br />

acordo com as necessidades de cada momento.<br />

O SNA participa também do controle da função respiratória; neste<br />

caso, os movimentos ventilatórios dependem muito dos músculos<br />

estriados comandados por outras regiões neurais, mas a ativação das<br />

glândulas mucosas das vias aéreas e principalmente de suas variações<br />

de diâmetro são controladas pelo SNA.<br />

No sistema urinário, a principal participação do SNA é na micção: a<br />

contração da bexiga e o relaxamento de um dos seus esfíncteres são<br />

provocados no momento de urinar, e o oposto quando é o momento<br />

de armazenar a urina produzida pelos rins.<br />

Finalmente, o ato sexual conta também com a participação do SNA, o<br />

responsável pela ereção da genitália masculina e o ingurgitamento da<br />

feminina, bem como da produção do esperma e das secreções vaginais.<br />

Plano geral dos sistemas sensoriais<br />

Todo sistema sensorial, como qualquer parte do sistema nervoso, é<br />

composto de neurônios interligados formando circuitos neurais que<br />

processam a informação que chega do ambiente. Os estímulos sensoriais<br />

se originam no ambiente externo ou interno em relação ao organismo.<br />

Os estímulos geralmente incidem sobre uma superfície onde<br />

se localizam células especialmente adaptadas <strong>para</strong> captar cada tipo de<br />

energia acontecida; essas células são os primeiros elementos dos sistemas<br />

sensoriais, recebendo o nome de receptores sensoriais (denominadas<br />

também de células primárias ou de primeira ordem dos sistemas<br />

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sensoriais).<br />

Essas células nem sempre são neurônios, como, por exemplo, os receptores<br />

visuais, bem como os auditivos, os gustativos e os vestibulares<br />

(encarregados de avaliar a posição da cabeça) que são células epiteliais<br />

modificadas. Sendo neurônios, ou não, todas essas células se ligam<br />

através de sinapses com neurônios secundários ou de segunda ordem;<br />

estes, por sua vez, se ligam aos neurônios terciários ou de terceira<br />

ordem e assim por diante. Esses circuitos, em cadeia, levam a informação,<br />

de estação em estação, de lugar em lugar, traduzida do ambiente<br />

pelos receptores a regiões progressivamente mais complexas do encéfalo.<br />

Os receptores devem estar intactos e bem localizados no organismo:<br />

os que detectam a pressão sanguínea, por exemplo, estão nas paredes<br />

dos vasos. Enquanto os receptores estão posicionados em diferentes<br />

tecidos e órgãos, nervosos ou não, os neurônios subsequentes estão<br />

sempre localizados dentro do sistema nervoso, seja no periférico (SNP),<br />

seja no central (SNC).<br />

O ponto final d<strong>esse</strong> caminho informativo sensorial é o córtex cerebral.<br />

Nessa região serão realizadas as operações que resultarão na percepção<br />

e identificação do estímulo, ou respostas necessárias às funções<br />

de controle motor ou controle orgânico. “O cheiro é de café. Vou até a<br />

cozinha tomar uma xicrinha”; uma tomada de decisão <strong>para</strong> os córtices<br />

cerebrais.<br />

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Operação, diversidade e tipos<br />

dos receptores<br />

A função primordial dos sistemas sensoriais é realizar a tradução da informação<br />

contida nos estímulos ambientais (externos e internos) <strong>para</strong><br />

a linguagem do sistema nervoso (sentir calor, enxergar um rosto, detectar<br />

a carne podre, etc.). Esse mecanismo possibilita ao indivíduo utilizar<br />

essa informação codificada nas operações perceptuais. Em seguida<br />

podem ser provocados potenciais de ação na mesma célula, ou de outros<br />

potenciais no neurônio de segunda ordem, mediante transmissão<br />

sináptica. Daí em diante, os potenciais são conduzidos aos terminais<br />

sinápticos subsequentes e ocorre uma nova transmissão sináptica da<br />

informação aos neurônios de ordem superior. Ao longo dessa cadeia de<br />

transmissão entram em ação diferentes mecanismos de integrações sinápticas<br />

que possibilitam a análise dos diversos atributos dos estímulos<br />

e depois a sua utilização em outros processos fisiológicos ou na reconstrução<br />

mental de objetos, características da percepção.<br />

Os diversos tipos de sistemas sensoriais<br />

Os mecanorreceptores são sensíveis a estímulos mecânicos contínuos<br />

ou vibratórios (um aperto de mão, uma massagem corporal); os<br />

quimiorreceptores são sensíveis a estímulos químicos, ou seja, à ação<br />

específica de certas substâncias com as quais entram em contato direto<br />

(sal na boca, a queimadura pela soda cáustica); os fotorreceptores<br />

são sensíveis a estímulos luminosos (luz, cor), e geralmente ligados à<br />

modalidade visual, embora eles participem, também, da regulação dos<br />

níveis hormonais que oscilam sincronizados com o ciclo dia-noite (luz<br />

solar ou outra); os termorreceptores são aqueles sensíveis à variação<br />

térmica em torno da temperatura corporal (na maioria dos mamíferos<br />

em torno dos 37º); os nociceptores são sensíveis a estímulos de<br />

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diferentes formas de energia, mas que têm em comum sua extrema<br />

intensidade, que põem em risco a integridade do organismo causando<br />

lesões nos tecidos e nas células (cortar o dedo com a faca).<br />

Receptores somatossensoriais<br />

O sistema sensorial somático ou somatossensorial apresenta dois componentes<br />

principais: um subsistema <strong>para</strong> a detecção de estímulos mecânicos<br />

(por exemplo, vibração, pressão e tensão cutânea) e um subsistema<br />

<strong>para</strong> a detecção de estímulos dolorosos e da temperatura. Juntos,<br />

<strong>esse</strong>s dois subsistemas conferem aos humanos, e a outros animais, a<br />

capacidade de identificar formas e texturas de objetos, de monitorar<br />

forças internas e externas atuando sobre o corpo a cada momento e de<br />

detectar circunstâncias potencialmente nocivas.<br />

O processamento mecanossensorial de estímulos externos inicia-se<br />

pela ativação de um conjunto diversificado de mecanorreceptores<br />

cutâneos e subcutâneos na superfície do corpo, que retransmite a informação<br />

<strong>para</strong> o sistema nervoso central <strong>para</strong> interpretação e, por fim,<br />

<strong>para</strong> a ação. Receptores adicionais localizados nos músculos, articulações<br />

e estruturas profundas monitoram forças mecânicas geradas pelo<br />

sistema muscular esquelético, que recebem o nome de proprioceptores.<br />

Receptores somatossensoriais cutâneos e subcutâneos<br />

Os receptores sensoriais especializados nos tecidos cutâneos e subcutâneos<br />

são espantosamente diversos. Eles incluem terminais nervosos<br />

livres na pele, terminais nervosos associados com especializações que<br />

atuam como amplificadores ou filtros e terminais sensoriais associados<br />

com células transdutoras especializadas (que influenciam os terminais<br />

em virtude de contatos com as sinapses).<br />

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152


Os receptores somatossensoriais trabalham, de modo geral, da mesma<br />

maneira: estímulos aplicados à pele deformam ou alteram os terminais<br />

nervosos, o que por sua vez afeta a permeabilidade iônica da membrana<br />

do receptor. Alterações na permeabilidade geram uma corrente<br />

despolarizante no terminal nervoso, assim produzindo um potencial<br />

(ou gerador) de receptor que dis<strong>para</strong> potenciais de ação, como descrito<br />

anteriormente.<br />

Todo <strong>esse</strong> processo, no qual a energia de um estímulo é convertida em<br />

um sinal elétrico no neurônio sensorial, é o primeiro passo decisivo em<br />

todo o processamento sensorial; não existe outro modo.<br />

A qualidade de um estímulo mecanossensorial (ou de qualquer outro),<br />

isto é, o que ele representa ou onde se localiza, é determinada pelas<br />

propriedades dos receptores relevantes e pela localização de seus alvos<br />

centrais. A quantidade ou força do estímulo é transmitida pela taxa de<br />

descarga de potenciais de ação dis<strong>para</strong>dos pelo potencial de receptor<br />

(embora essa relação não seja linear e seja frequentemente bastante<br />

complexa). Alguns receptores dis<strong>para</strong>m rapidamente quando um estímulo<br />

é inicialmente apresentado e, a seguir, silenciam na presença de<br />

estimulação continuada (o que significa dizer que eles se “adaptam” ao<br />

estímulo; um exemplo é um toque no corpo), enquanto outros geram<br />

uma descarga sustentada na presença do estímulo que é mantido (uma<br />

luz). Assim, os receptores somatossensoriais e os neurônios que os<br />

apresentam são normalmente classificados em tipos de adaptação rápida<br />

ou lenta. Receptores de adaptação rápida, ou fásicos, respondem<br />

com intensidade máxima, porém breve, ao estímulo; suas respostas<br />

diminuem se o estímulo for mantido. Por sua vez, receptores de adaptação<br />

lenta (ou tônicos) continuam dis<strong>para</strong>ndo enquanto o estímulo<br />

estiver presente.<br />

Mecanorreceptores especializados em receber<br />

informação tátil<br />

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153


Quatro tipos principais de mecanorreceptores encapsulados são especializados<br />

em transmitir ao sistema nervoso central informações<br />

relacionadas a tato, pressão, vibração e tensão cutânea: os corpúsculos<br />

de Meissner, os corpúsculos de Pacini, os discos de Merkel e os corpúsculos<br />

de Ruffini. Esses receptores são coletivamente denominados<br />

mecanorreceptores de baixo limiar (ou alta sensibilidade), pois mesmo<br />

a estimulação mecânica fraca da pele induz a produzirem potenciais de<br />

ação.<br />

Mecanorreceptores especializados na propriocepção<br />

Propriocepção significa a sensibilidade própria aos ossos, músculos,<br />

tendões e articulações, que fornece informações sobre a estática, o<br />

equilíbrio, o deslocamento do corpo no espaço, etc. Essa classe de receptores<br />

mecanorreceptores fornece informação acerca de forças mecânicas<br />

que são originárias do próprio corpo, em especial do sistema<br />

músculo esquelético. O propósito dos proprioceptores é principalmente<br />

fornecer informação detalhada e contínua acerca da posição dos<br />

membros e de outras partes no espaço. Os receptores “mecanorreceptores”<br />

existem também no coração e nos principais vasos <strong>para</strong> fornecer<br />

informação acerca da pressão sanguínea, mas <strong>esse</strong>s neurônios são considerados<br />

parte do sistema motor visceral.<br />

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154


Os Sentidos químicos<br />

Os três sentidos sensoriais, associados com o nariz e a boca (olfato<br />

e gustação) e o sistema quimiossensorial, dedicam-se à detecção de<br />

substâncias químicas do ambiente. O sistema olfatório detecta moléculas<br />

presentes no ar denominadas odores. Para os humanos os odores<br />

fornecem informações sobre alimentos, sobre si próprio, outras pessoas,<br />

animais, plantas e muitos outros aspectos do meio ambiente. A<br />

informação olfatória pode influenciar o comportamento alimentar, as<br />

interações sociais e, <strong>para</strong> muitos animais, a reprodução.<br />

O sistema gustativo (ou da gustação) detecta principalmente moléculas<br />

hidrossolúveis ingeridas denominadas sabores. Os sabores fornecem<br />

informações adicionais sobre a qualidade, a quantidade, o prazer e a<br />

segurança acerca do alimento ingerido.<br />

O sistema quimiossensorial oferece informação sobre moléculas irritantes<br />

ou nocivas que entram em contato com a pele ou com as mucosas<br />

dos olhos, boca e nariz (amônia, por exemplo).<br />

Todos os três sistemas quimiossensoriais dependem de receptores presentes<br />

na cavidade nasal, na boca ou sobre a face que interagem com<br />

as moléculas apropriadas e geram potenciais de ação, transmitindo,<br />

d<strong>esse</strong> modo, os efeitos da estimulação química até as regiões pertinentes<br />

do sistema nervoso.<br />

A organização do sistema olfatório<br />

De um ponto de vista evolutivo, os sentidos químicos – em especial o<br />

olfato – são considerados os mais antigos sistemas sensoriais. Todavia,<br />

apesar de ser o olfato o mais estudado entre a tríade quimiossensorial,<br />

permanece sendo a modalidade sensorial menos compreendida. Ele<br />

processa informações sobre identidade, concentração e qualidade de<br />

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155


uma ampla gama de estímulos químicos. Estes estímulos, chamados<br />

de odorantes, interagem com neurônios receptores olfatórios em uma<br />

camada epitelial – o epitélio olfativo – que reveste o interior do nariz.<br />

Os axônios que saem dos receptores celulares projetam-se diretamente<br />

aos neurônios no bulbo olfatório, os quais, por sua vez, projetam-se<br />

no córtex piriforme no lobo temporal.<br />

Apesar de sua idade filogenética e trajetória incomum até o córtex<br />

cerebral, o sistema olfatório cumpre o mesmo princípio básico que governa<br />

outras modalidades sensoriais: interações de estímulos químicos<br />

com receptores periféricos são transduzidas (convertidas de um sinal<br />

externo à célula) e codificadas em sinais elétricos, os quais são transmitidos<br />

<strong>para</strong> os centros superiores.<br />

Percepção olfativa em humanos<br />

O olfato é frequentemente considerado o menos acurado dos sentidos<br />

e vários animais são claramente superiores aos humanos em suas habilidades<br />

olfatórias. Essa diferença pode possivelmente ser explicada em<br />

função do maior número de neurônios receptores olfatórios (e moléculas<br />

receptores de odores) no epitélio olfativo de muitas espécies e por<br />

uma área cortical relativamente maior dedicada ao olfato. O homem<br />

tem uma área da superfície do epitélio olfativo muito menor que a do<br />

gato, cão, lobo, etc. O limiar de concentração <strong>para</strong> detecção e identificação<br />

de odorantes varia amplamente. O etanol (um tipo de álcool)<br />

não pode ser identificado se sua concentração não atingir certo ponto.<br />

Uma complicação na percepção é a de que as qualidades percebidas<br />

podem mudar com a concentração. Assim, baixas concentrações de<br />

indol têm odor floral, enquanto em altas concentrações, odor pútrido.<br />

Além disso, a maioria dos odores naturais por nós percebidos é, de<br />

fato, uma mistura de vários odores singulares: violetas, pepinos, pimentas,<br />

mesmo quando nos parece ter um único cheiro (o buquê do<br />

vinho).<br />

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Embora a maioria das pessoas seja capaz de identificar adequadamente<br />

uma ampla faixa de odores testados, algumas falham em identificar<br />

um ou mais odores comuns. Tais deficiências quimiossensoriais, denominadas<br />

anosmias, são frequentemente restritas a um odor. Esse achado<br />

sugere que um elemento específico de receptor no sistema olfatório<br />

esteja ausente. Por exemplo: alguns felizardos, 1 pessoa em 1.000, são<br />

insensíveis ao butil-mercaptano, o forte odor liberado pelos gambás.<br />

Por outro lado, alguns azarados apresentam uma inabilidade de detectar<br />

gás cianeto (1 em 10 pessoas) que pode ser letal; outros são incapazes<br />

de perceber o etil-mercaptano, a substância química adicionada ao<br />

gás natural <strong>para</strong> permitir a detecção de vazamentos.<br />

A capacidade de identificar odores normalmente diminui com a idade.<br />

Se de alguma maneira indivíduos são desafiados a identificarem uma<br />

grande bateria de odores, as pessoas entre 20 e 40 anos de idade podem<br />

comumente identificar cerca de 50 a 75% dos odores, enquanto<br />

aqueles entre os 50 e 70 anos só vão identificar corretamente cerca de<br />

30 a 45%. Uma diminuição mais extrema, ou uma distorção do sentido<br />

olfatório, acompanha distúrbios alimentares, transtornos psicóticos,<br />

diabetes, uso de certos medicamentos e a doença de Alzheimer; as razões<br />

ainda não são bem conhecidas.<br />

Embora a perda da sensibilidade olfatória em humanos não seja um<br />

motivo maior de preocupação, ela pode diminuir o prazer pela comida<br />

e, caso seja grave, afetar a capacidade de identificar e responder adequadamente<br />

a odores de perigos potenciais, tais como comida estragada,<br />

fumaça, vazamentos de gás, etc.<br />

As respostas fisiológicas e comportamentais<br />

dos odores<br />

Além da percepção olfatória, os odores podem evocar uma variedade<br />

de outras respostas fisiológicas; os exemplos, os mais diversos, são respostas<br />

motoras viscerais ao aroma de uma comida apetitosa (salivação<br />

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157


e aumento da motilidade gástrica) e cheiros nocivos (causando náuseas<br />

e, em casos extremos, vômitos e, às vezes, raiva).<br />

O olfato pode influenciar o comportamento reprodutivo e as funções<br />

endócrinas; as mulheres que compartilham leitos em dormitórios femininos,<br />

por exemplo, tendem a sincronizar seus ciclos menstruais. Este<br />

fato parece ser mediado pela olfação. O olfato também influencia as<br />

interações mãe/filho; os neonatos reconhecem suas mães pelo cheiro<br />

já nas primeiras horas após o nascimento, preferencialmente orientados<br />

pelo seio materno, e exibem aumento na amamentação quando<br />

alimentados pela própria mãe em com<strong>para</strong>ção com a resposta a outras<br />

mulheres lactantes. Por sinal, as mães podem discriminar o cheiro dos<br />

próprios filhos entre os cheiros de crianças da mesma idade.<br />

Em outros animais, incluindo muitos mamíferos, odores específicos da<br />

espécie, denominados feromônios, exercem importantes papéis, afetando<br />

o comportamento social, reprodutivo e paternal. Embora haja<br />

muitas tentativas de identificar feromônios em humanos, há pouca<br />

evidência deles, apesar de que 8% dos humanos apresentam o órgão<br />

vomeronasal (OVN), um órgão existente em ratos e camundongos, encarregado<br />

de agir como receptor <strong>para</strong> os feromônios.<br />

A transdução de sinais olfatórios<br />

A m<strong>aqui</strong>naria celular e molecular da transdução olfatória está localizada<br />

nos cílios olfatórios. A transdução dos odores começa com a ligação<br />

da molécula odorante em receptores específicos na superfície externa<br />

dos cílios; vários passos adicionais geram, então, o potencial do receptor<br />

mediante a abertura de canais iônicos. Por fim, como outros receptores<br />

sensoriais, os receptores olfatórios se adaptam com a presença<br />

continuada de um estímulo. Subjetivamente, a adaptação manifesta-se<br />

como uma diminuição da capacidade de identificação ou discriminação<br />

dos odores durante uma exposição prolongada (por exemplo, a<br />

redução na percepção consciente de que se está em um ambiente com<br />

vários fumantes à medida que o tempo passa). Fisiologicamente, os<br />

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158


neurônios receptores olfatórios indicam estarem adaptados pela redução<br />

da taxa de potenciais de ação em resposta à presença continuada<br />

de um odorante.<br />

A organização do sistema gustativo<br />

O sistema gustativo, atuando em harmonia com o sistema olfatório,<br />

indica se o alimento deve ou não ser ingerido. Uma vez na boca, os<br />

constituintes do alimento se interagem com receptores nas células<br />

gustativas da língua. As células gustativas transduzem estes estímulos<br />

e provêm informações adicionais sobre a identidade, a concentração<br />

e a qualidade (se é agradável ou não) da substância. Essa informação<br />

também pre<strong>para</strong> o sistema gastrintestinal <strong>para</strong> receber o alimento,<br />

promovendo a salivação e a deglutição (ou causando náuseas e regurgitação<br />

se a substância for nociva). A informação sobre a temperatura<br />

e a textura do alimento é transduzida e transmitida da boca por meio<br />

de receptores somatossensoriais do trigêmeo e de outros nervos cranianos<br />

ao tálamo e ao córtex somatossensorial produzindo prazer ou<br />

desprazer.<br />

Obviamente, o alimento não é ingerido apenas por seu valor nutritivo;<br />

o “gosto” também depende de fatores culturais e psicológicos (além<br />

do prazer dele próprio e incondicionado); produz também prazer condicionado<br />

que dependerá do local (certo restaurante; a luz de vela; a<br />

mulher cheirosa ao lado, etc.)<br />

Assim como o sistema olfatório, o sistema gustativo inclui receptores<br />

periféricos e diversas vias centrais. As células gustativas (os receptores<br />

periféricos) são encontradas em botões gustativos distribuídos na superfície<br />

dorsal da língua, palato mole, faringe e parte superior do esôfago.<br />

A percepção gustativa nos humanos<br />

A maioria dos estímulos gustativos constitui-se de moléculas não-<br />

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159


-voláteis e hidrófilas – solúveis na saliva – como o cloreto de sódio (sal<br />

de cozinha), necessário ao balanço eletrolítico; aminoácidos, como o<br />

glutamato, necessário <strong>para</strong> a síntese de proteínas; açucares, como a<br />

glicose, necessária como fonte de energia; ácidos, como o cítrico, que<br />

indica a palatabilidade de vários alimentos (por exemplo, o citrato na<br />

laranja). Moléculas de sabor amargo incluem plantas alcalóides, como<br />

a atropina, o quinino e a estricnina, que podem ser venenosas. O contato<br />

de compostos amargos com a boca geralmente detém (impede)<br />

sua ingestão, a menos que a pessoa “adquira um gosto”, isto é, se habitue<br />

à substância (como eu e companheiros), como com o quinino da<br />

água tônica.<br />

O sistema gustativo codifica a informação sobre quantidade, bem como<br />

identidade dos estímulos. Em geral, quanto maior a concentração do<br />

estímulo maior será a percepção da intensidade do gosto. Entretanto,<br />

os limiares de concentração <strong>para</strong> a maioria dos estímulos gustativos<br />

são bastante altos; já os limiares <strong>para</strong> as substâncias perigosas (as<br />

amargas) são baixos, ou seja, as nutritivas e não perigosas são altas,<br />

por isso as ingerimos em grande quantidade; as outras baixas, por isso<br />

as evitamos.<br />

Há uma idéia errada de que o sabor doce é percebido na ponta da<br />

língua, o salgado nas margens posteriores laterais, o sabor azedo (ou<br />

ácido) nas margens médio-laterais e o sabor amargo no fundo da língua.<br />

De fato, todos <strong>esse</strong>s sabores podem ser detectados sobre toda<br />

a superfície da língua, entretanto, diferentes regiões têm diferentes<br />

limiares. A ponta da língua é mais sensível ao doce e, como <strong>esse</strong> sabor<br />

nos provoca sensações agradáveis, as informações desta região ativam<br />

comportamentos alimentares como movimentos da boca, secreção<br />

salivar, liberação de insulina e deglutição. Em contraste, as respostas a<br />

compostos amargos são mais acentuadas no fundo da língua. A ativação<br />

desta região por substâncias com sabor amargo causa protrusão<br />

(saída, expulsão) da língua e outras reações protetoras que visam impedir<br />

a ingestão (fácil de observar em crianças e em animais). Os compostos<br />

com sabor azedo provocam “caretas”, enrugamento facial e uma<br />

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intensa secreção salivar <strong>para</strong> diluir o estímulo gustativo.<br />

Uma segunda concepção errada é a de que há apenas quatro tipos de<br />

sabores “primários”: salgado, doce, azedo e amargo. Embora <strong>esse</strong>s<br />

quatro sabores representem percepções distintas, esta classificação é<br />

limitada; as pessoas experimentam uma variedade de sabores adicionais,<br />

incluindo adstringência (certa uvas, c<strong>aqui</strong> verde, etc.), pungência<br />

(pimenta forte e gengibre), gorduroso, amiláceo, e vários sabores<br />

metálicos, e, como se sabe, nenhum deles se encaixa na categoria dos<br />

quatro citados acima.<br />

Por fim, as misturas de várias substâncias químicas podem causar sensações<br />

inteiramente novas de sabor. O bom cozinheiro ou cozinheira<br />

sabe disso. Ainda que seja possível estimar-se o número de odores<br />

perceptíveis (cerca de 10 mil), tais incertezas tornam difícil estimar o<br />

número de sabores. Nem na gustação, nem no olfato, há uma relação<br />

clara entre classes perceptivas “primárias” e a m<strong>aqui</strong>naria celular e molecular<br />

da transdução sensorial.<br />

A organização do sistema gustativo periférico<br />

Do mesmo modo que os neurônios receptores olfatórios (e aparentemente<br />

pelas mesmas razões), as células gustativas têm um tempo de<br />

vida; apenas cerca de duas semanas. Não se assuste! Elas são normalmente<br />

regeneradas a partir das células basais (um tipo de célula-tronco<br />

que produz outras células gustativas).<br />

Respostas idiossincrásicas aos vários sabores<br />

A resposta aos sabores varia com os indivíduos. Segundo estudos, 30<br />

a 40% da população norte-americana não é capaz de sentir o sabor<br />

amargo do composto feniltiocarbamida (PTC), mas podem sentir o sabor<br />

de moléculas como o quinino e a cafeína, que também produzem<br />

sensações amargas. De fato, os seres humanos podem ser divididos<br />

em dois grandes grupos quanto ao limiar de sensação de compostos<br />

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amargos encontrados no PTC. A diferença d<strong>esse</strong> grupo está num único<br />

gene autossômico dos que sentem sabor e outro recessivo dos que não<br />

sentem sabor. As pessoas que são extremamente sensíveis ao PTC, ou a<br />

seus análogos, denominadas “supersensíveis”, têm mais botões gustativos<br />

que o normal e tendem a evitar certos alimentos como a toranja<br />

(grapefruit), o chá verde e os brócolis, todos contendo compostos de<br />

sabor amargo. Portanto, a composição genética individual com relação<br />

aos receptores de sabor tem implicações na dieta e até mesmo na saúde,<br />

ou seja, pode não ser apenas uma “frescura” da pessoa.<br />

No mesmo sentido, um grande número de compostos bastante diferentes<br />

apresentam um sabor doce <strong>para</strong> os seres humanos: sacarídeos<br />

(glicose, sacarose e frutose), ânions orgânicos (sacarina), aminoácidos<br />

(aspartame), metil éster de L-fenilalanina, e proteínas (monelina e taumatina).<br />

As pessoas são capazes de distinguir entre os diferentes adoçantes<br />

e algumas detectam um componente amargo na sacarina. Uma<br />

razão <strong>para</strong> tal discriminação é que alguns d<strong>esse</strong>s compostos ativam<br />

distintos receptores. Assim, a experiência perceptiva de sabor “doce”<br />

envolve mais que o sabor da sacarose, podendo ser causado por vários<br />

mecanismos sensoriais de transdução e podendo gerar qualidades sensoriais<br />

diferentes daquelas geradas pela sacarose.<br />

A sensibilidade do sabor salgado também envolve um grande número<br />

de mecanismos; nem todos os sais ativam as mesmas vias. Bebês com<br />

até quatro meses de idade são capazes de distinguir entre água e sacarose<br />

(e lactose), água e ácido, e água e compostos amargos, mas não<br />

podem distinguir entre água e solução de cloreto de sódio a 0.2 M (sal<br />

de cozinha). Portanto, o receptor <strong>para</strong> o sódio ainda não foi expresso<br />

nessa idade, ou não é funcional ainda.<br />

O sabor azedo é produzido por concentrações relativamente altas de<br />

ácidos, provocando diferentes sabores de azedo. Em resumo, o sistema<br />

gustativo utiliza muitos mecanismos <strong>para</strong> distinguir entre várias substâncias<br />

químicas colocadas na boca.<br />

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Quimiorrecepção trigeminal<br />

O terceiro dos maiores sistemas sensoriais, o sistema quimiossensorial<br />

trigeminal, tem seus terminais ativados por substâncias químicas<br />

classificadas como irritantes, incluindo poluentes aéreos (dióxido de<br />

enxofre), sais de amônia, etanol, ácido acético, dióxido de carbono (de<br />

refrigerantes), mentol (em vários inalantes) e capsaicina (um componente<br />

nas pimentas picantes que provocam a característica sensação<br />

de queimação). Uma grande quantidade de respostas fisiológicas mediadas<br />

pelo sistema quimiossensorial é dis<strong>para</strong>da (detonada) pela exposição<br />

a substâncias irritantes. Elas incluem: salivação, vasodilatação,<br />

lacrimejamento, secreção nasal, suor, decréscimo da taxa respiratória e<br />

broncoconstrição.<br />

Uma curiosidade do paladar: o gelado e a pimenta<br />

As cervejas supergeladas escondem seu verdadeiro gosto, pois o gelo,<br />

ou frio intenso, entorpece temporariamente os brotamentos gustativos<br />

(papilas gustativas). Assim, não estamos provando a cerveja e sim<br />

o frio. Todos nós sabemos que beber uma cerveja morna ou quente<br />

é insuportável. Os alimentos picantes, talvez por irritação das papilas<br />

– queimação de amônia – levam a pessoa a se deliciar com qualquer<br />

outro gosto comum: arroz e feijão, e daí a ocorrência da produção de<br />

endorfinas pelo prazer, ou <strong>para</strong> transpirar do calor dos trópicos. Não se<br />

sabe bem porque ela atrai a metade da população mundial.<br />

Nota-se que, quando alguns estímulos são apresentados durante um<br />

período significativo, os receptores passam por um processo de adaptação<br />

e o paladar dissipar-se-á. Para escapar à adaptação, a técnica<br />

ensina a comer diferentes alimentos durante a refeição: carne, arroz,<br />

batata, legumes, etc., pois, tal como o resto do cérebro, o sentido do<br />

paladar está sempre em busca de novidade. O impacto do novo desperta<br />

e excita o nosso instinto de sobrevivência.<br />

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Uma palavra final<br />

Citei diversos nomes de regiões do SN que você não precisa decorar.<br />

Desejo mostrar os diversos caminhos seguidos por um estímulo, desde<br />

sua entrada no organismo até sua chegada final no córtex cerebral. Os<br />

estímulos, entre eles, uma fincada no estômago, uma pontada no coração,<br />

um desequilíbrio ao caminhar, o gosto ruim da comida estragada,<br />

o cheiro da amada e/ou milhares de sinais produzidos no organismo<br />

seguem caminhos semelhantes. Todo <strong>esse</strong> processo visa a, quando<br />

possível, levar a pessoa a agir e tomar consciência do acontecido.<br />

Tento mostrar que existe por trás de tudo isso um sistema nervoso altamente<br />

complexo, além de substâncias químicas, sinais elétricos <strong>para</strong><br />

decidir fazer um gesto simples como pegar uma caneta e anotar um<br />

número de telefone que poderá ser usado algum dia.<br />

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Sinapse e plasticidade<br />

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Plasticidade: O papel das sinapses<br />

neuronais<br />

Logo que a vida começou, diferentes estruturas primitivas surgiram<br />

na Terra. Inúmeras construções se desenvolveram e se diversificaram.<br />

Como os seres humanos foram uns dos últimos organismos produzidos<br />

pela fábrica natural, somos levados a conjeturar que o homem foi<br />

construído com retalhos (ou sobras) de vários organismos que surgiram<br />

antes. Nós, de fato, carregamos em nosso organismo peças e funções<br />

antigas; genes (sistemas orgânicos) que povoaram e ainda habitam<br />

outros organismos antes do nosso e que resistiram às adversidades do<br />

meio ambiente incerto e, muitas vezes, hostil.<br />

Tudo faz crer que genes diferentes, vivendo num e noutro organismo,<br />

formando pequenos conjuntos, foram se reunindo aleatoriamente <strong>para</strong><br />

dar origem a organismos mais complexos: cupim, rato, barata e o homem,<br />

bem como milho, laranja, couve, carnaúba, etc.<br />

A maioria dos novos organismos gerados não sobreviveu; provavelmente<br />

porque eles foram fabricados com genes defeituosos ou antagônicos<br />

(não cooperativos), ou seja, não adequados ou adaptados àquele<br />

organismo. Para ilustrar: não seria uma boa construção genética, capaz<br />

de resistir aos problemas do meio ambiente, um organismo que tiv<strong>esse</strong>,<br />

por um lado, genes geradores de patas de elefante e, por outro,<br />

genes que formariam um intestino de minhoca; <strong>esse</strong> par não formaria<br />

um organismo funcional. Do mesmo modo, deve ter desaparecido um<br />

animal formado por genes produtores de um intestino <strong>para</strong> digerir carne<br />

e genes formadores de dentes <strong>para</strong> pastar capim do chão (intestino<br />

de leão e dentes de boi). Essas minhas especulações não são tão esquisitas<br />

como você talvez imagine; as patas de elefante, o intestino de minhoca,<br />

os dentes <strong>para</strong> pastar capim e o intestino <strong>para</strong> digerir carne são<br />

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construídos através das orientações (prescrições) de genes, mas cada<br />

um d<strong>esse</strong>s órgãos irá se desenvolver até sua plenitude caso haja, de<br />

um lado, alimento <strong>para</strong> propiciar o crescimento e, de outro, harmonia<br />

entre os componentes do corpo. N<strong>esse</strong>s casos inventados, <strong>esse</strong>s organismos<br />

“monstros” morreriam muitíssimo antes das patas, intestinos e<br />

tudo mais serem formados, pois não houve harmonia entre eles.<br />

Ainda hoje, inúmeros embriões humanos gerados nos úteros de suas<br />

mães, por serem mal estruturados, são abortados (com genes defeituosos<br />

ou, ainda, formando conjuntos que não combinam entre si). O<br />

novo organismo mal-formado, pelas mais diversas razões, não consegue<br />

sobreviver já nas primeiras semanas de vida intra-uterina. Segundo<br />

minha cansada memória, as estatísticas narram que cerca de 80% dos<br />

embriões gerados são perdidos devido às más-formações. A mãe produtora<br />

do embrião, n<strong>esse</strong>s casos, geralmente nem percebe que estava<br />

grávida; possivelmente examinará e explicará o aborto espontâneo<br />

como sendo uma menstruação como todas as outras.<br />

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Instalação de sinapses<br />

Uma vez instalados em seu lar final, os neurônios desenvolvem dendritos<br />

e axônios <strong>para</strong> se comunicarem com outros dendritos e axônios. Os<br />

tentáculos alastram-se na direção uns dos outros, mas não se tocam,<br />

pois estão se<strong>para</strong>dos por um pequeno intervalo chamado de fenda<br />

sináptica. Portanto, os axônios e dendritos comunicam-se enviando<br />

mensageiros químicos – neurotransmissores – de um lado <strong>para</strong> outro<br />

através das sinapses. Um único neurônio pode estar se comunicando<br />

por meio de dezenas de milhares de sinapses. Certos sinais químicos,<br />

chamados fatores tróficos, indicam aos axônios onde e como eles devem<br />

se conectar.<br />

Tem sido descrito que os axônios lutam pela posse de lugares especiais<br />

e limitados; os que perdem essa competição atrofiam-se e morrem. A<br />

competição se faz, ou é estimulada, pelos fatores externos; cada elemento<br />

em questão (receptor, sinapse, etc.) tem sua importância conforme<br />

é ou não usado. Por conseguinte, seu poder e sua sobrevivência<br />

decorrem do uso e, por outro lado, sua morte, devido ao desuso.<br />

No começo da vida a atividade que determina a sobrevivência é aleatória<br />

e espontânea, mas torna-se mais organizada quando o feto e depois<br />

o bebê começam a receber e responder à informação do meio ambiente.<br />

À medida que o cérebro se desenvolve (amadurece), as conexões<br />

sinápticas podem ser continuadamente modificadas pelo uso.<br />

Ocorre um período de morte de células neuronais durante as últimas<br />

fases de gravidez; quase a metade dos neurônios existentes é varrida<br />

do encéfalo; de 200 bilhões eles caem <strong>para</strong> 100 bilhões. Essas células<br />

nervosas são provavelmente fagocitadas (ingeridas e destruídas) pelas<br />

células de apoio do cérebro e pelas moléculas localmente recicladas.<br />

Para que os neurônios possam sobreviver é preciso que eles se inter-<br />

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168


liguem, isto é, promovam conexões. Quando nasce a criança sadia ela<br />

tem milhões de boas conexões aguardando a designação <strong>para</strong> exercer<br />

uma tarefa específica num e noutro lugar. À medida que o meio externo<br />

faz seus apelos ou exigências por um olhar ou contato, muitas conexões<br />

são recrutadas e orientadas <strong>para</strong> executar serviços específicos:<br />

olhar, balbuciar, recordar, arremessar uma bola e muito mais. As conexões<br />

não usadas tendem a ser destruídas.<br />

Enquanto a ausência da estimulação apropriada leva a célula cerebral<br />

a desaparecer, por outro lado, um rico cardápio de experiências complexas<br />

e bem temperadas cria sinapses neurais resistentes, bem como<br />

novos ramos e conexões que irão germinar. Tudo isso torna as ligações<br />

mais complexas, produzindo, consequentemente, maior habilidade ou<br />

conhecimento relacionado à área estimulada. Quanto maior for a potência<br />

excitatória ocorrida por meio de uma conexão específica, mais<br />

forte ou potente se torna o caminho marcado no cérebro <strong>para</strong> lidar<br />

com as trilhas. Algumas conexões transmitem e recebem sinais com<br />

muita frequência, outras só ocasionalmente.<br />

As sinapses neuronais<br />

Nos estágios iniciais do desenvolvimento os neurônios se deslocam<br />

livremente, embora guiados <strong>para</strong> percursos gerais por instruções genéticas.<br />

Enquanto certos neurônios ficam perambulando, alguns se dividem<br />

em mais neurônios, outros morrem e outros ainda se instalam em<br />

seus assentos permanentes. N<strong>esse</strong> local já definitivo, eles estabelecem<br />

relações com os vizinhos e assim constroem uma complexa rede de<br />

circuitos.<br />

Sempre os genes fornecem as diretrizes básicas que controlam o modo<br />

como os neurônios irão estabelecer redes funcionais, mas o meio químico<br />

onde eles habitam é crucial <strong>para</strong> influenciar que neurônios irão se<br />

conectar com quais.<br />

Os novos arranjos (as novas conexões) dos neurônios gerados pelo or-<br />

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169


ganismo estimulado diante de experiências importantes <strong>para</strong> ele são<br />

chamados de sinapses neuronais. As sinapses formadas, ao interligarem<br />

as áreas de “entrada” de estímulos e as de “saída” das respostas,<br />

localizadas em diversas regiões em desenvolvimento do encéfalo, irão<br />

facilitar as relações entre estímulos complexos, <strong>para</strong>lelos e convergentes,<br />

produzidos pelas ações da pessoa no meio ambiente em constante<br />

transformação.<br />

O organismo, diante das informações existentes nas entradas entre si<br />

(o vento, o barulho das janelas batendo, o céu escuro), bem como nas<br />

de entradas com as saídas (levantar-se, correr, fechar as janelas), utiliza-se<br />

de uma série complexa de sistemas intermediários, conectando<br />

uns aos outros conforme as ações que estão sendo realizadas.<br />

Esse desenho extraordinário permite ligar ou reunir o que antes estava<br />

se<strong>para</strong>do (associar a idéia “mulher” à avaliação “bonita” ou “mulher”<br />

de um lado e “histérica” de outro; também, “homem machista” ou<br />

“homem fraco”); uma ligação mais ou menos precisa, conforme o produtor<br />

das interligações.<br />

Quanto mais informações internas a pessoa construir e armazenar,<br />

mais ela prontamente será capaz de relacioná-las <strong>para</strong> compreendê-las<br />

e avaliá-las, e mais eficiente ela será <strong>para</strong> produzir conclusões do focalizado<br />

ou observado num certo instante. Para realizar essa função complexa<br />

o organismo possui diversas estruturas (centros, setores, áreas)<br />

prontas <strong>para</strong> entrarem em ação uma vez acionadas. Esses setores estão<br />

localizados entre as regiões dos estímulos (luzes, sons, movimentos,<br />

percepções de eventos) e das respostas (sensoriais e motoras).<br />

O meio ambiente que nos cerca (o que nos atinge, inalamos, o tipo de<br />

luz e som) altera, com efeito, a interligação física das sinapses no cérebro,<br />

dotando-nos assim com circuitos mais eficientes e permitindo que<br />

cada um de nós desenvolva um cérebro exclusivo, ajustado às nossas<br />

necessidades particulares, dando origem à identidade singular que<br />

cada ser humano possui.<br />

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170


As sinapses, que se encontram entre os dois pólos das estruturas,<br />

crescem em número e em precisão conforme seu possuidor perceba<br />

e aprenda soluções <strong>para</strong> as situações vividas. Assim, quanto mais sinapses<br />

forem produzidas, mais seu possuidor terá ligações entre os<br />

fatos ou eventos, a respeito de um assunto ou outro; resumindo: ele<br />

terá maior domínio (competência) numa determinada área: um bom<br />

professor, um ótimo jogador de futebol ou pai, ou, ainda, um excelente<br />

conquistador.<br />

Você, leitor, deve ser craque em alguma atividade (um esporte, uma<br />

profissão, uma arte, etc.) e, por outro lado, ser um idiota com respeito<br />

a outras. Não fique triste e nem se aborreça, pois isto acontece com<br />

todos nós. Examine, com<strong>para</strong>ndo, suas habilidades em um setor e sua<br />

inabilidade em outro. Há um enorme fosso se<strong>para</strong>ndo o conhecimento<br />

numa e noutra área. De outro modo, num campo você tem uma riqueza<br />

de interligações neuronais (circuitos e sinapses em grande número),<br />

no outro, o não explorado, há uma escassez dessas interligações.<br />

Resumindo: o nosso cérebro é plástico, ou seja, é capaz de mudar<br />

quando o nosso meio ambiente e as nossas experiências mudam. É por<br />

isso que podemos aprender, mas, também, desaprender o aprendido<br />

quando ele pára de ser estimulado. Os neurônios que se excitam juntos<br />

permanecem juntos, significando que quanto mais vezes repetimos as<br />

mesmas ações e pensamentos, mais encorajamos a formação de certas<br />

conexões e estas ficam mais fixadas e disponíveis <strong>para</strong> serem utilizadas;<br />

podemos, <strong>para</strong> nos agradar, dizer que estamos mais “inteligentes” com<br />

respeito a certa área.<br />

Se não excitamos os circuitos cerebrais, as conexões não serão formadas<br />

(ou serão formadas de modo rudimentar) e tendem a debilitar-se<br />

lentamente, podendo desaparecer (o inglês aprendido durante um<br />

curso na Inglaterra, caso não seja mais falado, é esquecido; o antigo<br />

jogador de futebol que há muito não bate uma bola, se torna “perna-<br />

-de-pau”, etc.).<br />

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171


O indivíduo que nós chamamos de “perito” (“expert” na língua inglesa)<br />

é aquele que apresenta uma habilidade especial num campo do conhecimento,<br />

do esporte, da arte, da ciência, etc. Através dessa capacidade<br />

maior o indivíduo dominará mais facilmente um determinado saber ou<br />

fazer. Do ponto de vista do cérebro (neural), essa competência, adquirida<br />

pelo treinamento (acertos e erros), permitiu a construção de inúmeras<br />

conexões no sistema neuronal e sináptico numa determinada área<br />

de trabalho (médica, atletismo, direito, mecânica, literária).<br />

Ainda sobre a plasticidade: o papel básico das<br />

sinapses<br />

O encéfalo humano, após se reajustar, contém 100 bilhões de neurônios,<br />

cada um com capacidade <strong>para</strong> influenciar diversas outras células.<br />

Para realizar essa influência são necessários mecanismos sofisticados e<br />

eficientes <strong>para</strong> permitir a comunicação entre este número astronômico<br />

de elementos.<br />

A sinapse é a unidade processadora de sinais do sistema nervoso.<br />

Trata-se de uma estrutura microscópica que permite o contato (interligação)<br />

entre um neurônio e outra célula, através da qual se dá a<br />

transmissão de mensagens entre as duas. Ao serem transmitidas, as<br />

mensagens iniciais, de certo modo, podem (muitas vezes acontece)<br />

ser modificadas no processo de passagem de uma célula à outra. É justamente<br />

nisso que reside a grande flexibilidade funcional do sistema<br />

nervoso: alteração da informação inicial na sua passagem pela sinapse.<br />

Esse aspecto é superimportante.<br />

Quanto à função, as sinapses podem ser excitadoras ou inibidoras. No<br />

primeiro caso, o resultado da transmissão é um potencial de ação pós-<br />

-sináptico despolarizante, que tende a aproximar do limiar do potencial<br />

de repouso da zona de disparo do neurônio. N<strong>esse</strong> caso, a ocorrência<br />

de potenciais de ação no neurônio fica mais fácil no neurônio pós-<br />

-sináptico; por isso falamos que ele foi excitado. No caso das sinapses<br />

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inibidoras acontece o contrário, há hiper polarização que irá afastar do<br />

limiar o potencial de repouso da zona de disparo do neurônio, ficando<br />

mais difícil o neurônio pós-sináptico produzir potenciais de ação.<br />

Há dois tipos básicos de sinapses: as químicas e as elétricas. As sinapses<br />

elétricas, chamadas de junções comunicantes, transferem correntes<br />

iônicas e até mesmo pequenas moléculas entre células acopladas. A<br />

transmissão é rápida e de alta fidelidade, por isso as sinapses elétricas<br />

são sincronizadoras da atividade neuronal. Por outro lado têm baixa<br />

capacidade de modulação (não produzem variações, aumento ou diminuição<br />

da informação).<br />

Nos animais invertebrados, cujo comportamento é mais simples e<br />

estereotipado, as sinapses elétricas são mais numerosas e desempenham<br />

papel nos reflexos e ações motoras d<strong>esse</strong>s organismos. Nos<br />

vertebrados predominam as sinapses químicas, cuja capacidade de<br />

processamento de informação permitiu maior complexidade funcional<br />

ao sistema nervoso. Parece que as sinapses elétricas surgiram antes no<br />

processo evolutivo.<br />

As sinapses químicas são verdadeiros “chips” biológicos porque (daí<br />

sua grande importância) podem modificar as mensagens que transmitem<br />

de acordo com inúmeras circunstâncias. Sua estrutura é especializada<br />

no armazenamento de substâncias neurotransmissoras e<br />

neuromoduladoras. Estas substâncias, já bem conhecidas do público<br />

(serotonina, dopamina, adrenalina, endorfina, etc.), liberadas no exíguo<br />

espaço entre a membrana “pré” e a pós-sináptica, provocam, nesta<br />

última (no receptor), alterações no potencial elétrico, podendo influenciar<br />

o disparo (desencadeamento) de potenciais de ação do neurônio<br />

pós-sináptico. Nas sinapses entre os neurônios, na maioria das vezes, o<br />

que se quer é aumentar, diminuir, ou, até mesmo, bloquear a atividade<br />

do neurônio pós-sináptico (o que recebe a informação do neurônio<br />

pré-sináptico).<br />

Os potenciais de ação que chegam ao terminal pré-sináptico nem sem-<br />

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173


pre provocam a liberação de neurotransmissor em quantidade capaz<br />

de provocar exatamente a mesma atividade no neurônio pós-sináptico.<br />

Esse é exatamente o grande passo adaptativo possibilitado pela sinapse<br />

química, em relação à sinapse elétrica: a capacidade de alterar<br />

(modular) a informação transmitida entre as células nervosas, como<br />

um verdadeiro microcomputador biológico. D<strong>esse</strong> modo, o neurotransmissor<br />

ou o neuromodulador liberado na fenda sináptica difunde-se<br />

até a membrana pós-sináptica. Na membrana pós-sináptica irá ocorrer<br />

a reconversão (mudança) da informação química <strong>para</strong> a informação<br />

de natureza elétrica. Finalmente, a ação inicial do neurotransmissor<br />

resulta num potencial pós-sináptico na membrana da segunda célula.<br />

A ação inicial poderá produzir na segunda célula um outro potencial de<br />

ação (informação elétrica) que será conduzido pelo axônio correspondente<br />

até uma terceira célula, onde o processo se repetirá em diversas<br />

regiões.<br />

Uma sinapse isolada teria pouca utilidade, pois o processamento da<br />

informação do sistema nervoso provém da integração de milhares de<br />

sinapses existentes em cada neurônio. Todas elas interagem. Os efeitos<br />

excitatórios (ativadores) e inibidores de cada uma delas sobre o potencial<br />

da membrana do neurônio pós-sináptico somam-se algebricamente.<br />

O resultado final dessa interação é que caracterizará a mensagem<br />

que emerge através do axônio do segundo neurônio, em direção a outras<br />

células.<br />

Assim, as etapas da transmissão sináptica podem então ser resumidas<br />

do seguinte modo:<br />

1. síntese, transporte e armazenamento do neurotransmissor ou neuromodulador;<br />

2. deflagração e controle da liberação do neurotransmissor na fenda<br />

sináptica;<br />

3. difusão e reconhecimento do neurotransmissor pelo receptor pós-<br />

-sináptico;<br />

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174


4. deflagração do potencial pós-sináptico;<br />

5. desativação do neurotransmissor.<br />

Essas etapas, obviamente, dizem respeito a uma sinapse individual,<br />

mas é preciso considerar que cada célula recebe em sua superfície<br />

dezenas de milhares de sinapses. O resultado final, em termos de atividade<br />

do neurônio pós-sináptico, depende da interação dos potenciais<br />

produzidos por todas as sinapses envolvidas; um processo conhecido<br />

por integração sináptica.<br />

Um ponto importante e atual. Acreditava-se que um neurônio possuía<br />

um, e apenas um neurotransmissor e que o efeito obtido dependeria<br />

da célula pós-sináptica. Passou-se a usar um sufixo próprio <strong>para</strong> o neurônio<br />

de acordo com o seu (imaginado único) neurotransmissor, por<br />

exemplo: colinérgico, dopaminérgico, serotoninérgico, etc., <strong>para</strong> os que<br />

empregam a acetilcolina, a dopamina e a serotonina, respectivamente.<br />

Essa antiga “lei” foi derrubada. Descobriu-se que um mesmo neurônio<br />

pode alojar diversas substâncias que atuam na transmissão sináptica.<br />

Manteve-se o nome de “neurotransmissor” <strong>para</strong> a substância cuja ação<br />

se exerce diretamente sobre a membrana pós-sináptica, produzindo<br />

nela um potencial pós-sináptico (excitatório ou inibitório). Manteve-<br />

-se também o sufixo “érgico”. No entanto, criou-se o termo modulador<br />

<strong>para</strong> um tipo de substância atuante na sinapse, não apenas na<br />

membrana pós-sináptica, mas também na pré-sináptica e mesmo nas<br />

vesículas. O modulador influencia a ação do neurotransmissor sem<br />

modificá-la <strong>esse</strong>ncialmente, modula a transmissão.<br />

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175


Remodelação do sistema nervoso<br />

Sempre temos competência <strong>para</strong> remodelar nossos cérebros. Para isso<br />

há necessidade da pessoa dedicar-se a alguma atividade que não lhe é<br />

familiar, ou seja, sair da rotina, pois a rotina ela já conhece e domina.<br />

Repetir simplesmente a mesma atividade só mantém as conexões já<br />

estabelecidas; não há desenvolvimento de outra. Conheço médicos<br />

que clinicam e tocam instrumentos musicais, outros são excelentes<br />

cozinheiros, outros, ainda, esportistas, escritores, etc., ou seja, estimularam<br />

outras áreas cerebrais, além da de médico.<br />

Podemos, portanto, <strong>para</strong> fortalecer conexões sinápticas, escrever <strong>para</strong><br />

estimular a área da linguagem, debater <strong>para</strong> ajudar as redes de raciocínio<br />

e centenas de outras atividades que atuam de modo diverso do<br />

nosso trabalho diário e repetitivo. A interação com outras pessoas inteligentes<br />

e interessantes é um bom método <strong>para</strong> manter nossas redes<br />

em expansão, no cérebro e na sociedade. Por outro lado, a interação<br />

com pessoas burras e desinteressantes é excelente treinamento <strong>para</strong><br />

ficar cada vez mais idiota e repetitivo.<br />

Quando tarefas motoras complexas tornam-se rotina (dirigir um veículo,<br />

andar de bicicleta, digitar o computador, pronunciar as palavras,<br />

tocar piano, etc.), elas são empurradas do córtex (onde há esforço e<br />

cansaço) <strong>para</strong> as áreas subcorticais do cérebro, onde habitam os programas<br />

espontâneos ou sem esforço. Uma vez armazenado nessa moradia<br />

mais baixa, o procedimento adquire solidez e durabilidade. É por<br />

isso que podemos montar na bicicleta e sair pedalando após dez ou<br />

mais anos sem treino. Se essas habilidades tiv<strong>esse</strong>m permanecido no<br />

córtex superior sem serem usadas, como uma conferência ou aula que<br />

ouvimos, as conexões teriam definhado, até se perderem. Ainda bem!<br />

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Graças a Deus! Quanta porcaria nós ouvimos e esquecemos.<br />

Lamentavelmente, outros conhecimentos trágicos (princípios falsos,<br />

idéias mágicas, maus-tratos sofridos, etc.) também se dirigem <strong>para</strong> o<br />

subsolo e lá se fincam e se fortalecem e nunca mais são esquecidos.<br />

Por isso, do nascimento à morte, pensamos à maneira antiga, muitas<br />

vezes inadequada <strong>para</strong> a vida atual da pessoa. Pior ainda, agimos dominados<br />

por <strong>esse</strong>s antiquados princípios, conforme as idiotices que moram<br />

nos porões do cérebro e não se submetem às críticas dos andares<br />

de cima. Muitas idéias infantis são exibidas escancaradamente, mostrando<br />

nossa bobice, com muito orgulho, <strong>para</strong> todos. Tudo de modo<br />

natural. Quanto mais praticarmos rotineiramente uma habilidade, por<br />

exemplo, examinar um cliente da mesma maneira, mais nossa atividade<br />

se torna automática e simples, isto é, livre de crítica e, por isso, mais<br />

fácil de ser executada.<br />

A rotina que é fácil não provoca estimulações em novas áreas do encéfalo.<br />

As atuais rotinas, quando foram estabelecidas – ainda não eram<br />

rotinas – exigiram um esforço mental, ou seja, a formação de novas e<br />

diferentes estimulações e, logicamente, sinapses e conexões <strong>para</strong> as<br />

estruturas mentais. Os neurônios inicialmente recrutados, uma vez<br />

automatizados <strong>para</strong> o processo de aprendizagem, foram liberados <strong>para</strong><br />

realizar outras tarefas; essa é a natureza fundamental da aprendizagem<br />

no cérebro.<br />

Se os pais regularmente responderem ao seu bebê com grande prazer<br />

e alegria, os circuitos da criança <strong>para</strong> emoções positivas serão reforçados,<br />

entretanto, se os pais reagirem repetidamente com horror e raiva,<br />

a criança fechará <strong>esse</strong>s circuitos e reforçará, em seu lugar, os circuitos<br />

do medo e susto. Tudo isso, aos poucos, vai se tornando rotina, automatizada.<br />

Também, a depressão prolongada da mãe condiciona o bebê<br />

<strong>para</strong> enxergar o mundo negro e perverso. Não escapamos disso.<br />

Piorando o padrão do pensamento<br />

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177


Foi proposta uma teoria que os neurônios contêm minúsculos campos<br />

eletromagnéticos que se desorganizam (ou ficam “travados”) durante<br />

o tempo de uma doença ou distúrbio (uso de cocaína ou “crack”, por<br />

exemplo, durante algum tempo). N<strong>esse</strong>s casos os neurônios ficam bloqueados<br />

e ou presos numa rotina de padrões anormais de atividade,<br />

tornando-se subativos ou superativos, ou simplesmente inativos.<br />

Quando isso acontece os padrões normais que funcionavam (eram<br />

obedecidos) se modificam e ficam emperrados num outro padrão. Acima<br />

citei, como fatores precipitantes dessa disfunção, o uso da cocaína<br />

e do crack, mas podemos encaixar n<strong>esse</strong> grupo de desajustados, também,<br />

diversos indivíduos que, obcecados por um objetivo altamente<br />

valorizado, deixam de lado outras metas que antes da disfunção eram<br />

procuradas por ser agradáveis, como, por exemplo: envolvimento exagerado<br />

à profissão; fanatismo religioso; devotamento ao dinheiro; uma<br />

continuada paixão por uma pessoa; devoção extrema aos filhos, sexo<br />

ou ao alimento. Em todos os casos citados ocorre uma supremacia<br />

exagerada e anormal, uma supervalorização de um sistema, em detrimento<br />

dos outros importantes <strong>para</strong> o indivíduo. Depois de certo tempo<br />

<strong>esse</strong> sistema domina os outros e a pessoa passa a não enxergar mais<br />

nada; fica emperrada, girando em torno do mesmo círculo.<br />

Sinapse, neurotransmissores: armazenamento-transmissão<br />

Para que a sinapse funcione normalmente, ambos os neurônios (pré e<br />

pós-sinápticos) devem manter um complexo sistema de síntese e armazenamento<br />

das substâncias relevantes à transmissão sináptica. O neurônio<br />

pré-sináptico deve ser capaz de sintetizar seu neurotransmissor<br />

e os neuromoduladores. Essa síntese é feita geralmente por sistemas<br />

enzimáticos existentes no corpo celular, ou então no próprio terminal.<br />

Potencial de ação e libertação de neurotrans-<br />

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178


missores<br />

O fenômeno que se observa na liberação dos neurotransmissores é um<br />

aumento da concentração de Ca++ (cálcio), chamado de “exocitose”.<br />

Esta consiste na fusão da membrana das vesículas com a face interna<br />

da membrana do terminal sináptico. Tanto maior será o número de<br />

vesículas e grânulos que sofrerão exocitose quanto mais prolongada<br />

a despolarização provocada pelos potenciais de ação, isto é, quanto<br />

maior a frequência dos potenciais que chegam ao terminal (O processo<br />

de liberação iniciado com a chegada dos potenciais que demoram uma<br />

fração de segundos). O resultado final da ação dos neurotransmissores<br />

é o aparecimento de uma alteração no potencial da membrana pós-sináptica,<br />

chamada potencial pós-sináptico, ou simplesmente potencial<br />

sináptico.<br />

Durante uma grande atividade no terminal sináptico, ao se esgotarem<br />

as vesículas existentes nas proximidades da zona ativa, o terminal mobiliza<br />

aquelas que existem como uma espécie de “reserva”. Se mesmo<br />

assim prosseguir a fase de alta atividade e se esgotarem também as<br />

vesículas de reserva, o terminal atravessa uma fase de fadiga. N<strong>esse</strong><br />

caso a transmissão diminui ou se interrompe, até que sejam recompostas<br />

as reservas de neurotransmissores e das vesículas sinápticas. Tais<br />

casos ocorrem, por exemplo, quando o indivíduo tem uma atividade<br />

física extenuante; uma atividade cerebral continuada (prestar atenção<br />

por muito tempo em um assunto estudado); quando faz uso de drogas<br />

que liberam grandes quantidades dessas substâncias, etc.<br />

A transmissão sináptica iniciada precisa ser desligada ou desativada,<br />

pois, do contrário, continuaria a agir. Esse processo é realizado pela a<br />

recaptação (nova captação do neurotransmissor), somada a sua degradação<br />

enzimática. Muitos medicamentos usados na clínica psiquiátrica,<br />

como o Prozac (cloridrato de fluoxetina), e diversos outros, recebem o<br />

nome de IRSS. Essa sigla indica que o medicamento é um inibidor seletivo<br />

da recaptação da serotonina. Traduzindo: seu uso dificulta (inibe<br />

– inibidor) <strong>para</strong> certos neurônios (da serotonina) a recaptura (levar a<br />

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serotonina – liberada <strong>para</strong> agir – seja impedida de retornar ao interior<br />

da célula), pois n<strong>esse</strong> caso, dentro da célula, ela não tem nenhuma<br />

ação. De outro modo, o medicamento facilita a disponibilidade do neurotransmissor<br />

serotonina. O déficit de serotonina no cérebro, segundo<br />

hipóteses, provocaria a depressão, a impulsividade, maior sensibilidade<br />

à dor, etc. Entendeu? Espero que sim. Mas o fato verdadeiro não parece<br />

ser tão simples assim. Tudo indica que o aumento (ou diminuição)<br />

de um neurotransmissor influencia outros.<br />

Natureza da transmissão sináptica<br />

Pode-se concluir que o trabalho dos neurotransmissores consiste na<br />

reconversão da mensagem química em mensagem elétrica. A visão da<br />

sinapse como um “chip” biológico, e não como um cabo de transmissão,<br />

surgiu há muito tempo. Conclui-se que as mensagens transmitidas<br />

no SNC devem envolver muitas sinapses sobre um mesmo neurônio,<br />

<strong>para</strong> que sejam convertidas em novas mensagens conduzidas por <strong>esse</strong><br />

neurônio. A interação entre as muitas sinapses que incidem sobre um<br />

mesmo neurônio é a essência do desempenho do sistema nervoso<br />

como um sistema inteligente.<br />

Integração sináptica<br />

Visto que cada neurônio recebe sinapses de inúmeras regiões diferentes<br />

do cérebro, o neurônio aparece como um verdadeiro computador.<br />

Este é capaz de reunir potenciais sinápticos diferentes, com origens e<br />

tipos variados e associá-los. Depois de toda essa complicada atividade<br />

nascerá (será elaborada) uma resposta, um “pacote” de informações,<br />

que será enviada pelo axônio.<br />

Denominamos de “integração sináptica” a essa computação de múltiplos<br />

sinais sinápticos. Podemos imaginar a complexidade do trabalho<br />

do neurônio se pensar que a cada momento entram em ação simultaneamente<br />

milhares de sinapses. Algumas dessas sinapses são inibidoras,<br />

outras, excitadoras. Em cada pequena região da membrana de<br />

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dendritos e do soma do neurônio estarão ocorrendo processos integrativos<br />

e o resultado final da computação efetuada a cada momento leva<br />

o segmento inicial do axônio a “decidir” os parâmetros de sua atividade.<br />

Neurotransmissores e depressão de longa duração<br />

A transmissão sináptica pode também ser diminuída após atividade<br />

sináptica repetida. Exemplos de depressão sináptica ocorrem quando<br />

muitos potenciais de ação ocorrem em rápida sucessão e dependem da<br />

quantidade de neurotransmissor liberada. A depressão surge devido ao<br />

esgotamento progressivo do conjunto de vesículas sinápticas disponíveis<br />

<strong>para</strong> fusão nessas circunstâncias. Durante a depressão sináptica, a<br />

eficácia da sinapse declina até que <strong>esse</strong> conjunto de vesículas possa ser<br />

reposto por meio de mecanismos envolvidos na reciclagem de vesículas<br />

sinápticas.<br />

Durante a atividade sináptica repetitiva <strong>esse</strong>s vários tipos de plasticidade<br />

podem interagir de forma complexa. Por exemplo, na sinapse neuromuscular,<br />

a atividade repetitiva inicialmente facilita a transmissão<br />

sináptica; então, o esgotamento das vesículas sinápticas permite que<br />

a depressão domine, e a sinapse fica enfraquecida. Após os estímulos<br />

terminarem, a invasão do terminal por um outro potencial de ação determina<br />

um aumento da liberação de transmissores.<br />

Tipos de neurotransmissores e neuromoduladores<br />

das sinapses<br />

Os neurotransmissores são de três tipos químicos: aminoácidos, aminas<br />

e purinas. Os neuromoduladores são peptídeos e gases. Mas essa<br />

diferença não é absoluta, pois há peptídeos que atuam como verdadeiros<br />

neurotransmissores e aminoácidos e aminas como neuromoduladores.<br />

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181


Neurotransmissores:<br />

1. Aminoácidos: Ácido gama aminobutírico; Glutamato; Glicina; Aspartato;<br />

2. Aminas: Acetilcolina; Adrenalina ou Epinefrina; Dopamina; Histamina;<br />

Noradrenalina ou Norepinefrina; Serotonina;<br />

3. Purinas: Adenosinas; Trifosfato de adenosinas (ATP);<br />

Neuromoduladores:<br />

1. Peptídeos: Gastrinas: gastrina, colecistocinina; Hormônios da neuro-<br />

-hipófise: Vasopressina, ocitocina (oxitocina); Insulina; Opióides:<br />

encefalinas e beta-endorfinas; Secretinas: secretina, glucagon, peptídeos<br />

intestinal vasoativo; Somatostatinas; T<strong>aqui</strong>cninas: substância P,<br />

substância k;<br />

2. Gases: Óxido nítrico; Monóxido de carbono;<br />

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182


Modificações de circuitos encefálicos:<br />

neuroplasticidade<br />

A capacidade de adaptação do sistema nervoso, em especial dos<br />

neurônios, às mudanças nas condições do ambiente que ocorrem no<br />

dia-a-dia da vida dos indivíduos chama-se neuroplasticidade ou, simplesmente,<br />

plasticidade. Toda vez que alguma forma de energia proveniente<br />

do ambiente de algum modo incide sobre o sistema nervoso,<br />

esta deixa alguma marca, isto é, modifica o neurônio de alguma maneira.<br />

Como essa mudança ocorre continuadamente, a neuroplasticidade<br />

é uma característica marcante e constante da função neural (escuto um<br />

número de um telefone; guardo-o e disco; vejo uma batida de veículos<br />

e, depois, lembro-me dela; arrumo a primeira namorada e nunca mais<br />

me esqueço do fato).<br />

Foi constatado que em alguns casos é possível identificar mudanças<br />

morfológicas (modificações na anatomia cerebral) resultantes das mudanças<br />

ambientais (uma explicação importante que alguém me disse;<br />

uma agressão sofrida, etc.). N<strong>esse</strong>s casos, quando ocorre uma plasticidade<br />

morfológica, novos circuitos neurais podem ser formados; altera-<br />

-se o trajeto de algumas fibras nervosas; configura-se uma nova árvore<br />

dendrítica do neurônio; altera-se o número de células nervosas de uma<br />

determinada região cerebral, etc.<br />

Em outros casos, apesar da existência da plasticidade, só se conseguem<br />

detectar correlatos funcionais (mudança da função, como: aprendi o<br />

nome do meu cobrador), sem mostras de alterações morfológicas evidentes.<br />

Quando assim ocorre fala-se que houve uma “plasticidade funcional”,<br />

não “morfológica”, geralmente ligada à atividade sináptica de<br />

um determinado circuito ou um determinado grupo de neurônios.<br />

A rica variedade das personalidades, das capacidades e dos compor-<br />

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183


tamentos humanos é, sem dúvida, produzida pela singularidade de<br />

eventos vividos por cada encéfalo humano, dando origem a cérebros<br />

diferentes. Essas fascinantes variedades neurobiológicas entre humanos<br />

originam-se de influências tanto herdadas como ambientais. A variedade<br />

possível é tão grande que desde o aparecimento das primeiras<br />

comunidades humanas – que antes não existiam – houve, por parte<br />

dos primeiros governantes, um esforço brutal de impedir essa enorme<br />

diferença entre os indivíduos. Com conhecimentos mais sofisticados, o<br />

Estado e a Igreja, unidos, impuseram formas de pensar uniformes <strong>para</strong><br />

o bom cidadão e o bom religioso.<br />

Homogeneizando a maneira de pensar entre os homens possíveis de<br />

se tornar cidadãos diferentes, os diversos governos conseguem impedir<br />

formas de pensar e agir extravagantes, as que se afastam muito do<br />

normal, do recomendado e imposto. O que sai da “norma correta” é<br />

preso, morto, internado em hospícios ou ignorado. Por outro lado, o<br />

que age conforme o estabelecido (instituído) ganha elogios, aplausos e,<br />

logicamente, poder, e, às vezes, dinheiro.<br />

Vamos deixar a comunidade, o Estado e a Igreja de lado. Vamos pensar<br />

na família da qual você faz parte. Ela tem suas regras, normas e imposições.<br />

As antigas famílias do Brasil, formadas por ricos fazendeiros,<br />

exigiam que um filho fosse doutor (médico), um outro, padre, as mulheres<br />

professoras ou freiras. Essas prescrições, desde cedo, eram quase<br />

sempre seguidas, pois o tratamento era dócil e gratificante caso o<br />

filho fosse obediente. Essa é a palavra mágica: um seguidor das normas<br />

impostas. As mulheres deviam ser, como as mães, “donas de casa”, ou,<br />

no máximo, professoras primárias ou obedientes irmãs de caridade. Os<br />

homens deviam procurar prostitutas logo que se tornassem “homens”;<br />

enquanto as mulheres jamais podiam ter relações sexuais antes do casamento<br />

e, mesmo depois, elas não deviam ter orgasmos.<br />

Pois bem, tudo isso foi impresso, isso mesmo, seus cérebros foram modelados<br />

(esculpidos, gravados) através da plasticidade neuronal. Uma<br />

vez plastificados, eles, docilmente, seguiram as normas impressas, ou<br />

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184


seus “desejos”, como se fossem escolhas suas; um modo de pensar e<br />

agir que na realidade foram impostos anos antes.<br />

Ai de quem ousasse ir contra as regras; a filha que copulasse com o<br />

namorado era classificada de prostituta e, algumas vezes, tornava-se<br />

mesmo uma, acreditando que não era mais digna de constituir uma família.<br />

Por outro lado, se o filho fosse homossexual, seria (homossexual<br />

é homossexual; não se torna homossexual) expulso da família ou renegado.<br />

Também, o indivíduo que não segue os preceitos da religião e ou<br />

do Estado, o filho ou a filha que não seguem os desejos da família são<br />

rejeitados, pois eles não fazem parte do grupo dos “normais”. Portanto,<br />

todos, na família ou na escola, que não vestiram a mesma camisa dos<br />

outros, não serviam como exemplares ou protótipos do bom menino,<br />

rapaz ou homem digno de confiança.<br />

É mais fácil lidar ou governar os que pensam da mesma maneira dos<br />

outros, dos educados cordeiros. Somos marcados <strong>para</strong> seguir a correnteza<br />

desde o nosso nascimento à custa de elogios; somos criticados<br />

caso nadamos contra a correnteza.<br />

O padrão básico de conexões encefálicas está estabelecido ao nascer,<br />

entretanto a atividade neuronal produzida com instruções (estímulos,<br />

informações) vindas do mundo externo durante a vida pós-natal<br />

(principalmente da família e da vizinhança mais próxima) fornece o<br />

mecanismo, através do qual o ambiente irá influenciar a estrutura<br />

(morfologia, forma) e, por conseguinte, a função do encéfalo (conduta<br />

do indivíduo).<br />

Um exemplo simples de plasticidades diversas. Um carro em dis<strong>para</strong>da<br />

perde a direção e explode num poste. O motorista sofre fratura do<br />

crânio e vai <strong>para</strong> o hospital. Ele não morreu, mas tem uma restauração<br />

incompleta das funções atingidas. Um segundo indivíduo presencia o<br />

acidente; tem uma visão do ocorrido e este o impressiona fortemente<br />

e nunca mais esquece o observado. Um terceiro lê no jornal o fato<br />

acontecido; lembra do evento lido por um pequeno tempo. Nos três<br />

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185


casos o ambiente externo influi sobre o sistema nervoso de diferentes<br />

maneiras e com diferentes intensidades. No motorista acidentado houve<br />

lesão do cérebro. Na testemunha, a visão do acidente provocou uma<br />

forte impressão emocional, mas nenhum dano físico imediato. O leitor<br />

do jornal teve modificado seu comportamento por um curto período,<br />

através das informações obtidas pela leitura. Os três cérebros responderam<br />

ao ambiente e se modificaram; houve, nos três, plasticidades<br />

diferentes.<br />

Assim, os neurônios podem se transformar por um pequeno período<br />

(guardar o número do telefone e esquecê-lo), de modo permanente,<br />

ou pelo menos prolongado, quanto a sua função e, também, sua forma,<br />

em resposta à ação do ambiente externo.<br />

Quando um insulto ambiental incide sobre o tecido nervoso, pode<br />

atingir muitas células, mas não necessariamente todas. Dentre as atingidas,<br />

as que tiveram o corpo celular lesado provavelmente morrerão,<br />

mas as que tiveram apenas os prolongamentos danificados podem<br />

regenerar-se. A regeneração neural deve ser vista com uma capacidade<br />

própria de população de neurônios cujos prolongamentos são atingidos<br />

por um insulto ambiental. A história de sucesso da plasticidade regenerativa<br />

das fibras nervosas periféricas não se repete no caso dos axônios<br />

centrais, e essa diferença marcante constitui um grande enigma.<br />

Os terminais sinápticos reforçados por atividade correlacionada (muito<br />

usados ou de enorme importância) serão mantidos ou formarão mais<br />

ramificações; aqueles que são persistentemente enfraquecidos (pouco<br />

ou não mais usados) por não experimentarem atividade correlacionada<br />

irão, consequentemente, perder suas conexões com a célula pós-sináptica.<br />

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186


Períodos críticos<br />

Os mecanismos celulares e moleculares constroem um sistema nervoso<br />

de impressionante complexidade anatômica. Essas instruções são<br />

também suficientes <strong>para</strong> criar alguns comportamentos, derivados dos<br />

inatos e ou “instintivos”, notavelmente complexos. Para a maioria dos<br />

animais, o repertório comportamental, incluindo a busca por alimentos,<br />

a luta e a estratégia <strong>para</strong> o acasalamento, baseia-se em padrões<br />

de conectividade estabelecidos por mecanismos de desenvolvimento<br />

intrínsecos, existentes no nascimento, preservados pela evolução.<br />

Os sistemas nervosos de animais complexos ou “superiores”, entretanto,<br />

incluindo os humanos, claramente se adaptam e são influenciáveis<br />

por circunstâncias particulares do ambiente individual, fatores ambientais<br />

especialmente influentes nos períodos iniciais da vida, chamados<br />

de “janelas” ou “períodos críticos”.<br />

Foi observado que durante o desenvolvimento há uma fase de grande<br />

plasticidade, ou seja, um período onde há uma maior facilidade de o<br />

encéfalo ser modificado (aprender as normas familiares, do Estado e<br />

da Igreja, por exemplo). Esta etapa é denominada de período crítico<br />

(como ocorre no aprendizado da leitura, o sotaque da língua nativa,<br />

etc.), fase na qual o sistema nervoso da pessoa é mais suscetível às<br />

transformações provocadas pelo ambiente externo. Passado o período<br />

crítico (seu término), que aparece geralmente na infância, ao entrar na<br />

idade adulta, a capacidade plástica diminui, ou, no mínimo, se modifica.<br />

O efeito produzido por estimulações do encéfalo é maior durante<br />

certas “janelas” temporais do desenvolvimento.<br />

Percebe-se que, à medida que os animais amadurecem, o encéfalo torna-se<br />

progressivamente mais refratário às lições da experiência; fica-se<br />

mais rígido ou resistente <strong>para</strong> o aprendizado, pois os mecanismos celulares<br />

intermediários que produzem as alterações nas conexões neurais<br />

se tornam menos efetivos. Esse fato tem sido bem notado por todas as<br />

pessoas: é mais difícil aprender a dirigir um veículo, falar uma língua<br />

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187


estrangeira, tocar um instrumento, dançar ou exercer uma atividade<br />

esportiva a partir de certa idade.<br />

O sistema visual é um bom exemplo <strong>para</strong> o afirmado acima. Os circuitos<br />

de visão binoculares do gato são possíveis de ser estimulados a partir<br />

do nascimento; essa sensibilidade à aprendizagem permanece até<br />

o quarto mês de vida, depois termina. Para o macaco, <strong>para</strong> o mesmo<br />

processo (visual) o período vai do nascimento até o segundo ano de<br />

vida do animal. A estimulação visual, e consequente aprendizado, <strong>para</strong><br />

o homem ocorre até os 10 anos de idade.<br />

Para que haja a assimilação dos valores morais de uma pessoa, parece<br />

haver necessidade que ela assimile a cultura do meio ambiente entre<br />

os 9 e 17 anos, nem antes nem depois. Uma criança vivendo num país<br />

estrangeiro aprenderá (assimilará) os valores d<strong>esse</strong> local caso resida<br />

n<strong>esse</strong> meio durante seus 9 e 17 anos. Caso resida somente antes dos<br />

9 anos, ou somente depois dos 17 anos não adquirirá os valores da comunidade.<br />

A “impressão” (marca do cérebro) do criador do pinto (pode ser a galinha,<br />

um galo, um homem ou outro animal) ocorre das 10 às 19 horas<br />

após o nascimento; <strong>esse</strong> sutil mecanismo parece estar relacionado à<br />

produção do neurotransmissor acetilcolina nessa “janela” do desenvolvimento<br />

do cérebro do pinto.<br />

Em alguns casos, como na <strong>aqui</strong>sição da linguagem, as influências instrutivas<br />

do ambiente são obviamente necessárias (não nascemos falando,<br />

nem lendo ou escrevendo) <strong>para</strong> o desenvolvimento normal do<br />

comportamento (isto é, exposição à língua nativa do indivíduo). Há no<br />

cérebro um módulo (área, região) relacionado à leitura. Pois bem. Essa<br />

área se atrofia caso a pessoa não seja exposta à aprendizagem da leitura<br />

durante sua infância e ou adolescência. A louvável alfabetização do<br />

adulto/idoso, lamentavelmente, pouco produz. O idoso, ao ser “alfabetizado”,<br />

não mais conseguirá produzir uma mente capaz de ler e entender<br />

o que está sendo lido. Ele poderá soletrar; ler nomes se<strong>para</strong>dos<br />

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(padaria; Casa Vermelha etc.). Entretanto, <strong>esse</strong> indivíduo terá imensa<br />

dificuldade <strong>para</strong> reter um trecho de um parágrafo inicial e, depois, ligá-<br />

-lo a outras frases lidas e, assim, inferir ou tirar uma compreensão ou<br />

conclusão do todo. A região do cérebro do idoso, não estimulada na<br />

idade apropriada, é incapaz de realizar <strong>esse</strong> trabalho, pois já se atrofiou.<br />

Não adianta tentar, se esforçar; a janela já foi fechada. De qualquer<br />

forma ele poderá usar sua “leitura” defeituosa <strong>para</strong> ler o nome de<br />

um lugar e outro, assinar seu nome, soletrar outro; infelizmente não<br />

vai além disso.<br />

Situações semelhantes são comuns: conheço inúmeras pessoas que<br />

foram alfabetizadas na idade correta. Entretanto, não mais exercitaram<br />

a leitura ou nunca a estimularam. Essas pessoas também, por desuso<br />

da leitura, tornaram-se incapazes de entender (inferir, deduzir, ligar<br />

um fato ao outro) o que são capazes de ler. Entretanto, são capazes de<br />

compreender a linguagem falada.<br />

Concluindo: alguns comportamentos, como o “imprinting” (a fase de<br />

impressão parental) nas aves, expressam-se apenas se os animais passarem<br />

por certas experiências específicas durante um período bastante<br />

restrito no início do desenvolvimento pós-natal (ou pós-eclosão do<br />

ovo). Por outro lado, períodos críticos <strong>para</strong> habilidades sensoriais e motoras<br />

ou comportamentos complexos, tais como a fala em humanos,<br />

têm uma maior duração, sendo muito menos delimitados.<br />

O período crítico<br />

Apesar do fato de os períodos críticos variarem amplamente, tanto<br />

com relação aos comportamentos afetados como à sua duração, todos<br />

eles compartilham algumas propriedades básicas. Um período crítico<br />

é definido como o tempo durante o qual um dado comportamento é<br />

especialmente susceptível a – e de fato requer – influências ambientais<br />

específicas <strong>para</strong> se desenvolver normalmente.<br />

A falha na exposição a estímulos apropriados durante o período crítico<br />

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é difícil ou impossível de ser remediada posteriormente (como o aprendizado<br />

da leitura e a compreensão desta, isto é, sua decodificação). Por<br />

outro lado, uma vez concluído <strong>esse</strong> período, com respeito a condutas<br />

motoras, o comportamento dificilmente pode ser afetado por experiências<br />

subsequentes (pela completa ausência da experiência relevante<br />

no caso). Não vamos nos esquecer deles, como, por exemplo, andar de<br />

bicicleta, de patins ou jogar futebol; mas com o desuso, iremos nos tornar<br />

mais incapazes em tudo isso.<br />

Com respeito aos valores morais, por exemplo, aprendidos dos 9 aos<br />

17 anos, não há o problema do desuso, pois, sem querer, automaticamente,<br />

em todos os nossos raciocínios fazemos uso deles. Além disso,<br />

se continuamos a viver na mesma comunidade, recebemos “feedback”<br />

de outras pessoas.<br />

Mas pode ser ruim não mais esquecermos de uma série de princípios,<br />

que são inteiramente inadequados ao mundo em que estamos vivemos<br />

quando adultos. Ao utilizá-los podemos ser altamente prejudicados, e<br />

<strong>esse</strong>s princípios tendem a nos habitar e perseguir até a sepultura ou o<br />

crematório.<br />

Uma criança vivendo num ambiente hostil, ou, também, mal-cuidada<br />

(desam<strong>para</strong>da, abandonada), formará um encéfalo (de redes neurais)<br />

marcado por uma percepção negativa acerca dos seres humanos<br />

(medo, raiva, desconfiança, impotência). Essa “impressão” no cérebro,<br />

formada cedo, contém um marca ou modelo que influenciará o indivíduo<br />

<strong>para</strong> enfrentar o tipo de mundo (hostil ou indiferente; o mundo<br />

vivenciado). Possuidora de circuitos cerebrais contendo uma gravação<br />

(cópia) marcada com informações (mensagens), a pessoa só poderá<br />

repetir essa conduta diante de outras pessoas, inclusive as que têm<br />

uma conduta oposta a anterior vivenciada. O meio ambiente, principalmente,<br />

os seres humanos, serão decodificados com o processador<br />

mental construído inadequadamente, (o existente em sua cabeça); este<br />

marcará a pessoa geralmente até sua morte.<br />

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190


Enquanto psicólogos e etologistas (isto é, biólogos que estudam o comportamento<br />

natural dos animais) reconhecem há muito tempo que o<br />

início da vida pós-natal ou pós-eclosão do ovo é um período especialmente<br />

sensível a influências ambientais, seus estudos sobre períodos<br />

críticos têm enfocado o comportamento.<br />

Atualmente os trabalhos realizados mais <strong>para</strong> o final do século XX e<br />

início do XXI estudaram em profundidade, cada vez maior, as mudanças<br />

nos circuitos encefálicos relevantes formadores da base dessas alterações<br />

de condutas e seus mecanismos. Entre <strong>esse</strong>s estudos estão os<br />

relacionados às mudanças cerebrais ocorridas aos insultos físicos, alimentares,<br />

drogas durante a gestação e, também, da educação recebida<br />

dos familiares, da escola, principalmente dos companheiros um pouco<br />

mais velhos e experientes. Parece que a influência de diversos valores<br />

não é aprendida dos pais, mas sim do amigo um pouco mais experimentado<br />

e usado como modelo (protótipo) a ser seguido.<br />

O desenvolvimento dos sons da linguagem:<br />

um período crítico nos humanos<br />

Muitos animais comunicam-se através do som, e alguns (homens e<br />

pássaros canoros são exemplos) aprendem essas vocalizações. Existem<br />

semelhanças no desenvolvimento da linguagem humana e do canto<br />

dos pássaros. Muitas das vocalizações de animais, chamados de alarme<br />

em mamíferos e em pássaros, são inatas e não requerem experiência<br />

<strong>para</strong> serem produzidas corretamente. Por exemplo: as codornas criadas<br />

isoladamente ou surdas desde o nascimento, de forma a nunca terem<br />

ouvido seus congêneres, ainda assim produzem todo o repertório<br />

de vocalizações específicas de sua espécie; as crianças choram e gritam<br />

diante de sofrimentos logo ao nascer, isto é, não aprenderam.<br />

Por outro lado, os humanos necessitam de extensa influência pós-natal<br />

<strong>para</strong> produzir e decodificar sons complexos da fala que são a base da<br />

linguagem. Essa experiência linguística, <strong>para</strong> ser efetiva, precisa não<br />

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só existir, mas, também, ser ouvida e praticada durante um período<br />

crítico, um fato evidenciado nos estudos de <strong>aqui</strong>sição de linguagem em<br />

crianças nascidas surdas.<br />

A maior parte dos bebês congenitamente surdos mostra déficit óbvio<br />

em suas vocalizações iniciais; tais indivíduos falham no desenvolvimento<br />

da linguagem (como um todo) se não lhes for oferecida uma forma<br />

alternativa de expressão simbólica (linguagem dos sinais). Se, no entanto,<br />

essas crianças surdas forem expostas à linguagem dos sinais desde<br />

muito cedo (dos seis meses em diante, aproximadamente), elas começam<br />

a “balbuciar” com suas mãos, assim como um bebê que ouve e<br />

balbucia audivelmente. Tais resultados sugerem que as experiências<br />

precoces produzem o comportamento de linguagem, independentemente<br />

da modalidade (falada ou gestual).<br />

As crianças que adquiriam a capacidade de falar, mas subsequentemente<br />

perderam a audição antes da puberdade, também apresentam<br />

um declínio substancial na linguagem falada, possivelmente porque<br />

são incapazes de ouvir a si próprias falando (como também os outros)<br />

e, assim, perdem a oportunidade de refinar seu discurso pela retroalimentação<br />

(“feedback”) auditiva; houve o desuso.<br />

Há um famoso caso da descrição de uma menina de 13 anos que foi<br />

criada por pais mentalmente perturbados, sob condições de quase<br />

total privação de linguagem. Essa menina, apesar de intenso treino<br />

subsequente, não chegou a aprender além de um nível rudimentar de<br />

comunicação. Um caso clássico também foi descrito na literatura, os<br />

chamados “meninos lobos”, encontrados há dezenas de anos atrás (se<br />

não me engano na Índia). As crianças foram chamadas pelos tutores de<br />

Amala e Kamala. O menino morreu pouco depois de ser encontrado; a<br />

menina, apesar dos cuidados recebidos, faleceu cerca de um ano depois.<br />

A suposição acerca de suas origens foi a de que os dois tenham<br />

sido criados e amamentados por animais, talvez lobos. Nenhum deles<br />

foi capaz de usar sons <strong>para</strong> se expressar. A menina, sobrevivente por<br />

um período maior, jamais se adaptou aos humanos e a seus costumes,<br />

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como, por exemplo, preferia ficar escondida durante o dia e sair à noite<br />

<strong>para</strong> fora do local que habitava.<br />

Em um nível mais sutil: a estrutura fonética que um indivíduo ouve durante<br />

o início da vida define tanto a percepção quanto a produção da<br />

fala. Milhares de linguagens e dialetos humanos utilizam elementos de<br />

fala denominados “fonemas”. Esses são notavelmente diferentes <strong>para</strong><br />

produzir as palavras faladas (exemplos são os fonemas ‘ba’ e ‘pa’ em<br />

português).<br />

Os bebês humanos não apresentam uma tendência inata <strong>para</strong> os fonemas<br />

característicos de uma língua determinada (de sua língua nativa);<br />

uma tendência ou gosto que não persiste; ela se transforma com a<br />

aprendizagem. Os bebês, devido ao treino com uma linguagem, muito<br />

cedo, podem perceber e discriminar diferenças entre todos os sons<br />

falados humanos. Por exemplo: indivíduos adultos que sempre falaram<br />

japonês não conseguem distinguir claramente entre os sons do (r) e<br />

do (l) do português ou do inglês, possivelmente porque essa distinção<br />

fonética não está presente no japonês. Ainda assim, bebês japoneses<br />

de quatro meses conseguem fazer essa discriminação tão bem como<br />

bebês de quatro meses criados em ambientes onde se fala inglês (indicado<br />

pelo aumento da frequência de sucção ou de movimentos da<br />

cabeça na presença de estímulo novo). Aos seis meses de idade, entretanto,<br />

os bebês mostram preferência por fonemas de suas linguagens<br />

nativas com relação às de línguas estrangeiras e, ao final do primeiro<br />

ano de vida, não mais respondem a elementos fonéticos peculiares a<br />

linguagens não-nativas.<br />

O indivíduo que fala uma determinada língua fica intrigado, pela “burrice”<br />

do outro (japonês, russo, inglês), por não conseguir “repetir de<br />

modo certo” fonemas usados por ele. Por mais que sejam repetidos,<br />

inúmeras vezes, a pronúncia nunca é a correta <strong>para</strong> determinada língua.<br />

Na verdade, <strong>esse</strong>s “imbecis” não discriminam claramente, como<br />

os usuários da língua desde o nascimento, alguns sons de outros.<br />

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193


A capacidade de perceber <strong>esse</strong>s contrastes fonéticos evidentemente<br />

persiste por muitos anos mais, como demonstrado pelo fato de que<br />

crianças podem aprender a falar uma segunda língua sem sotaque e<br />

com gramática fluente até aproximadamente a idade de 7 a 8 anos.<br />

Após essa idade, no entanto, o desempenho declina gradualmente, independente<br />

da intensidade de prática ou de exposição à outra língua;<br />

sempre haverá sotaque (acento, pronúncia do lugar).<br />

Diversas mudanças no encéfalo em desenvolvimento poderiam explicar<br />

essas observações. Uma possibilidade é que a experiência atua<br />

seletivamente <strong>para</strong> preservar os circuitos encefálicos que percebem<br />

fonemas e distinções fonéticas. A ausência de exposição a fonemas<br />

não-nativos resultaria, então, em uma atrofia gradual das conexões representando<br />

<strong>esse</strong>s sons, acompanhada de um declínio na capacidade<br />

de distinguir entre eles (“use-o ou morre”). Nessa formulação, os circuitos<br />

que são utilizados são mantidos, enquanto os que não são utilizados<br />

tornam-se fracos, podendo, eventualmente, desaparecer. Alternativamente,<br />

a experiência pode promover o crescimento de circuitos<br />

rudimentares pertinentes aos sons experimentados.<br />

Um postulado aceito pelos estudiosos implica que terminais sinápticos<br />

reforçados por atividade correlacionada serão mantidos ou formarão<br />

mais ramificações, enquanto aqueles que são persistentemente enfraquecidos<br />

por não experimentarem atividade correlacionada irão, consequentemente,<br />

perder suas conexões com a célula pós-sináptica. De<br />

outro modo, se você deixa de usar uma determinada palavra nas suas<br />

conversas e escritas, ela vai ficando cada vez mais difícil de ser fisgada<br />

no seu estoque de termos, até não mais aparecer.<br />

Uma pesquisadora demonstrou que à medida que uma segunda língua<br />

é adquirida, o encéfalo gradualmente agrupa os sons de acordo com<br />

suas semelhanças com os fonemas da língua nativa. É interessante notar<br />

que o balbuciar dos bebês, ou o “balbuciar dos adultos”, utilizado<br />

por <strong>esse</strong>s <strong>para</strong> falar com as crianças pequenas, na verdade, enfatiza<br />

essas distinções fonéticas em com<strong>para</strong>ção com a fala normal entre os<br />

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194


adultos.<br />

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195


Plasticidade de sinapses e circuitos<br />

maduros<br />

A capacidade do sistema nervoso de mudar (plasticidade neural) é<br />

evidente durante o desenvolvimento dos circuitos neurais. Entretanto,<br />

o encéfalo adulto também deve possuir pelo menos alguma plasticidade<br />

<strong>para</strong> aprender novas tarefas, <strong>para</strong> estabelecer novas memórias<br />

e <strong>para</strong> reagir a lesões ao longo da vida. Embora os mecanismos responsáveis<br />

pelas alterações que ocorrem no encéfalo adulto não sejam<br />

completamente compreendidos, modificações nas conexões neurais na<br />

maturidade parecem basear-se primariamente em mudanças cuidadosamente<br />

reguladas na eficácia de sinapses pré-existentes e menos na<br />

formação de novos circuitos.<br />

Experimentos realizados em vários animais, de moluscos marinhos a<br />

primatas, têm demonstrado que a eficácia sináptica pode ser alterada<br />

em períodos que vão de milissegundos a meses. Os mecanismos moleculares<br />

em que essas mudanças se baseiam são modificações pós-<br />

-tradução (transdução) de proteínas pré-existentes e, no caso de efeito<br />

de longa duração, alterações na expressão dos genes, formando novas<br />

proteínas.<br />

Mudanças apreciáveis na representação cortical podem ocorrer em<br />

resposta à experiência com alterações sensoriais ou motoras. Por<br />

exemplo: se um macaco é treinado <strong>para</strong> utilizar um dedo específico<br />

<strong>para</strong> uma determinada tarefa que foi repetida muitas vezes, a representação<br />

funcional d<strong>esse</strong> dedo, determinada por mapeamento eletrofisiológico,<br />

pode expandir-se à custa daqueles outros dedos que foram<br />

inativados. Embora essas alterações ocorram em todo o encéfalo,<br />

formas de plasticidade de curta duração, que duram por minutos ou<br />

menos, têm sido estudadas em maior detalhe em sinapses neuromus-<br />

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culares periféricas (caso de grandes atletas e mesmo toda atividade<br />

muscular que aprendemos e melhoramos – fisioterapia). A ativação<br />

repetida da junção neuromuscular dis<strong>para</strong> diversos tipos de alterações.<br />

A plasticidade comportamental requer alterações sinápticas dependente<br />

de atividade em um conjunto de neurônios interconectados. Essas<br />

mudanças em circuitos são as bases, não apenas do aprendizado, da<br />

memória e de outras formas de plasticidade, mas, também, de algumas<br />

patologias (daí ser preciso “deprimir” certas condutas). Assim, padrões<br />

anormais de atividades neuronais, tais como aqueles que ocorrem na<br />

epilepsia, podem estimular alterações anormais em conexões sinápticas<br />

que podem causar um maior aumento na frequência e na gravidade<br />

das crises.<br />

Mudanças mais extensas ocorrem quando o sistema nervoso adulto é<br />

lesionado por trauma ou doença, embora a regeneração de conexões<br />

no encéfalo e na medula espinhal apresente limites bastante precisos.<br />

Tem ocorrido certo otimismo com relação a essa situação clínica, que<br />

advém da recente descoberta de que novos neurônios podem ser gerados<br />

ao longo da vida em diversas regiões encefálicas, fornecendo o material<br />

básico <strong>para</strong> circuitos inteiramente novos, a partir das chamadas<br />

“células-troncos”.<br />

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Percepção, estímulo e<br />

cognição<br />

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Um pouco acerca da percepção<br />

Percepção é a capacidade de associar informações sensoriais à memória<br />

e à cognição de modo a formar conceitos sobre o mundo e sobre<br />

nós mesmos e orientar o nosso comportamento. Os primeiros estágios<br />

da percepção consistem no processamento analítico realizado pelos<br />

sistemas sensoriais destinados a extrair de cada objeto suas características,<br />

que na verdade consistem nas submodalidades sensoriais: cor,<br />

movimentos, formas, localização espacial, timbre, temperatura, etc.<br />

Combinações dessas características passam então por vias <strong>para</strong>lelas<br />

cooperativas no SNC, que gradativamente reconstroem (reunião das<br />

peças do quebra-cabeça) o objeto como um todo, <strong>para</strong> que ele possa<br />

ser memorizado ou reconhecido, e <strong>para</strong> que possamos orientar nosso<br />

comportamento em relação a ele.<br />

A modalidade visual é a que está mais bem estudada a <strong>esse</strong> respeito,<br />

conhecendo-se uma via cortical dorsal, destinada à identificação das<br />

relações espaciais do objeto com o observador e com o mundo, e uma<br />

via ventral, cuja função é reconhecer o objeto, dando-lhe um nome e<br />

identificando a sua função e sua história. A via dorsal envolve regiões<br />

do lobo parietal, enquanto a via ventral envolve regiões do lobo temporal.<br />

Atenção e Percepção<br />

Para que os mecanismos da percepção possam ser otimizados, é preciso<br />

selecionar dentre os inúmeros estímulos provenientes do ambiente<br />

aqueles que são mais relevantes <strong>para</strong> o observador. Para isso o SNC<br />

conta com a atenção, um mecanismo de focalização dos canais sensoriais<br />

capaz de facilitar a ativação de certas vias, certas regiões e até<br />

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mesmo certos neurônios, de modo a colocar em primeiro plano sua<br />

operação, e em segundo plano a de outras regiões que processam aspectos<br />

irrelevantes <strong>para</strong> cada situação.<br />

A atenção tem dois aspectos principais: 1) a criação de um estado geral<br />

de sensibilização, conhecido como alerta e 2) a focalização d<strong>esse</strong> estado<br />

de sensibilização sobre certos processos mentais e neurobiológicos<br />

– a atenção propriamente dita.<br />

Constância perceptual<br />

Um dos aspectos mais importantes da percepção e que a diferencia das<br />

sensações é a chamada “constância perceptual”. Para os sentidos, cada<br />

posição de um objeto produz uma imagem visual diferente, mas <strong>para</strong> a<br />

percepção trata-se do mesmo objeto. Sabemos a quem pertence uma<br />

voz familiar, e ela parece-nos provir da mesma pessoa, quer esteja rouca,<br />

após uma gripe, sussurrando num ambiente silencioso, etc.; no entanto,<br />

nessas diferentes condições os sons que ouvimos foram diferentes.<br />

Identificamos uma pessoa de lado, de cima, com mais ou menos<br />

luz, <strong>para</strong>da ou movimentando-se e, por fim, com diferentes idades.<br />

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Especulações acerca da percepção<br />

Tudo o que conhecemos sobre o mundo interno e externo nos chega<br />

através de células nervosas que vibram devido aos impulsos, uma série<br />

de disparos que variam conforme o ritmo de chegada. A tarefa dos<br />

órgãos dos sentidos é decompor os estímulos recebidos, ao passo que<br />

a função do cérebro total (diversos núcleos e circuitos) é construir um<br />

modelo interno, uma representação (mapa), do conjunto de estímulos<br />

geralmente com um significado (agradável ou desagradável; alimento<br />

ou predador, etc.), do fato ou da situação focalizada.<br />

O reconhecimento de um rosto familiar, a observação de um nome,<br />

sempre produz ativação de células receptoras e, ao mesmo tempo,<br />

inibição de outros receptores que não estão envolvidos, pois não têm<br />

inter<strong>esse</strong> na tarefa determinada. O termo “filtro” tem sido usado <strong>para</strong><br />

indicar a seletividade da percepção, isto é, deixar entrar alguns estímulos<br />

e impedir a entrada de outros. Através do “filtro”, o organismo<br />

impede ou dificulta a ação e efeito de outros estímulos não importantes<br />

<strong>para</strong> serem focalizados no momento. A essência de reagir a um<br />

determinado fato ou situação é não responder aos demais. Alguns<br />

autores acreditam que em certos pacientes esquizofrênicos haveria um<br />

“defeito” no filtro, permitindo a entrada, de uma só vez, de inúmeros<br />

estímulos diferentes e sem importância; isso causaria transtornos no<br />

julgamento e na conduta.<br />

Há uma hipótese que os sistemas nervosos exploram o já conhecido, o<br />

repetido nas informações sensoriais, pois o organismo não possui tanta<br />

célula <strong>para</strong> ser dis<strong>para</strong>da <strong>para</strong> cada imagem que nos atinge. A informação<br />

é o valor novidade, o não-esperado, portanto, as mensagens já<br />

conhecidas, ou partes delas, não são informativas porque o receptor,<br />

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201


de alguma forma, já “sabe” o que irá perceber, ou, de outro modo, a<br />

informação já se encontra armazenada, é velha conhecida.<br />

Uma grande parte da língua falada e escrita é conhecida, repetida e,<br />

por isso mesmo, possível e fácil de ser “adivinhada” antes do interlocutor<br />

terminar a palavra. Sem querer, informamos aos nossos ouvintes,<br />

através de mensagens de poucas palavras, explicando pouco, pois esperamos<br />

que o interlocutor possua as outras informações necessárias<br />

<strong>para</strong> compreender a nova informação que está sendo enviada no instante.<br />

Nada mais chato que uma pessoa que nos conta um acontecimento<br />

e nos relata tudo, isto é, os pormenores desnecessários, os que<br />

todos nós já sabemos: “Quando o assaltante tirou o revólver, apontando<br />

<strong>para</strong> sua cabeça, ele tremeu de medo. Você sabe, todos nós temos<br />

medo de um revólver em nossa cabeça; ainda mais de um mal-encarado.<br />

N<strong>esse</strong>s casos a gente morre de medo…”.<br />

Quando o processador do interlocutor é pobre de “nutrientes”, isto é,<br />

tem pouco conhecimento estocado acerca de um determinado assunto<br />

que está sendo ventilado (ouvido, lido, observado) ou <strong>esse</strong>s são de baixa<br />

qualidade, o processamento e entendimento da mensagem tornam-<br />

-se impossíveis.<br />

Um exemplo pessoal. Durante minha bolsa de estudos nos Estados<br />

Unidos, um amável professor convidou-me <strong>para</strong> assistir uma partida do<br />

futebol americano. Fui, então, ver o filho do professor jogar o tal futebol.<br />

Entretanto, por mais que tentasse, não conseguia decifrar o enigma<br />

do jogo, que nada tem a ver com o nosso futebol; não percebia a<br />

razão de uma e outra jogada, da contagem de pontos, dos movimentos<br />

dos jogadores. Eu não percebia nada; enxerguei as cores das camisas,<br />

os rapazes correndo e gritando, mas, em nenhum momento, essa série<br />

de partes (elementos isolados) formou, em minha ingênua mente, um<br />

todo compreensível <strong>para</strong> mim. Eu não possuía – ainda não possuo –<br />

um assimilador apropriado <strong>para</strong> aquele esporte.<br />

Um outro exemplo: há muitos e muitos anos, ouvi uma piada de um<br />

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judeuzinho que, convidado por um amigo, assistiu uma missa. Chegando<br />

em casa o judeuzinho contou <strong>para</strong> seu pai o ocorrido, isto é, o que<br />

ele observou durante a missa. Sua narração, como piada, se assemelha<br />

à minha com relação ao futebol americano. Todo seu enredo versa<br />

sobre um padre que parece que, segundo o judeuzinho, perdera o chapéu.<br />

Ao abaixar a cabeça ele procurava mostrar ao público que ele não<br />

tinha mais o chapéu. Assim vai indo a história, é uma piada sofisticada<br />

e de longa duração; no final, sai um homem angariando dinheiro <strong>para</strong><br />

comprar um novo chapéu <strong>para</strong> o padre. O fio invisível que serviu <strong>para</strong><br />

compor a história contada (o chapéu perdido) nada tem a ver com o fio<br />

invisível da verdadeira história (razão) da missa. Mas o judeuzinho, sem<br />

um assimilador adequado <strong>para</strong> o conjunto de informações conforme o<br />

modelo religioso, enxergou a missa conforme uma nova construção, a<br />

perda do chapéu, utilizando-se do seu microcomputador assimilador<br />

não apropriado ao que estava assistindo.<br />

Do mesmo modo que a temperatura do meio ambiente geralmente<br />

permanece a mesma por longos períodos, também nossa emoção varia<br />

pouco em intensidade durante um dia. Portanto, não há necessidade<br />

do organismo ficar alerta <strong>para</strong> perceber e reagir à temperatura ou à<br />

emoção quando <strong>esse</strong>s dois estados permaneceram quase inalterados.<br />

Também não há razão <strong>para</strong>, ao encontrar um amigo, dizer: “Hoje não<br />

tive grandes emoções”, pois seria desnecessário e cômico. O organismo<br />

trabalha com as mudanças importantes: “Hoje esfriou muito; acho que<br />

vou usar um agasalho”.; “Estou tenso; nem dormi direito. Vou tentar<br />

descobrir a causa do meu mal-estar”. O comum não atrai, pois não provoca<br />

emoções que nos despertam e motivam. O organismo, economizando<br />

energia, não se “preocupa”, nem dá bola, <strong>para</strong> mesmices; não é<br />

estimulado com o “feijão com arroz” de todo dia.<br />

As células nervosas permitem a percepção da mudança de temperatura,<br />

da sede, fome, inter<strong>esse</strong> sexual, medo, raiva, sono, dor, ou seja,<br />

de tudo o que perturba a harmonia ou estabilidade do organismo. As<br />

emoções produzidas pelos estímulos eficientes levam o animal a detectar<br />

os perigos dos quais ele precisa escapar, bem como o que parece<br />

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ser uma fonte de prazer ou crescimento. Essas mudanças são sentidas<br />

pelo organismo como perturbadoras ou desestabilizadoras, levando<br />

<strong>esse</strong> a agir interna ou externamente visando a provocar os reajustes<br />

necessários e, assim, retornar a harmonia anterior, ou seja, a chamada<br />

homeostase.<br />

Observo através da janela o pôr do sol; sinto-me calmo. Em seguida<br />

sou despertado por um som desagradável: é a freada de um carro.<br />

Depois ouço um barulho seco. Assustado, giro o pescoço e olho <strong>para</strong><br />

o carro batido; foi-se embora minha calma; não mais focalizo a bela e<br />

tranquilizadora paisagem. Percebo que dois carros se chocaram; agora<br />

traduzo minha nova emoção: “Será que alguém foi ferido?”<br />

O cérebro de cada espécie de animal, através de seus genes, armazena<br />

imagens do passado ancestral da espécie. Os genes, também, propiciam<br />

o armazenamento de novas memórias relacionadas à história de<br />

vida do indivíduo, ou seja, o que foi aprendido após o nascimento.<br />

Para representar o mundo real existente (o percebido) utilizamos elementos<br />

nem sempre úteis; inúmeras vezes usamos representações<br />

construídas a partir de peças inúteis ou falsas. O ser humano adora<br />

faces; ele as enxerga nos borrões de tinta, nas nuvens, nos vidros das<br />

janelas, nas pedras, nas fumaças, nos tetos, panos manchados, principalmente<br />

diante de pouca luz. Mas <strong>para</strong> isso é preciso possuir olhos<br />

bem abertos <strong>para</strong> toda espécie de crenças fantástico-mágicas.<br />

Nós homens, como muitos animais, somos dotados de uma habilidade<br />

notável, denominada de “teoria da mente”, ou seja, uma capacidade<br />

<strong>para</strong> ler os estados afetivos e planos das pessoas com quem falamos.<br />

Através dessa habilidade nós somos capazes de decifrar a face do nosso<br />

interlocutor quanto às emoções expressas: raiva, trapaça, honestidade,<br />

amor, etc. Podemos ainda perceber, muitas vezes, as possíveis<br />

intenções da pessoa que não foram verbalizadas. As intenções subjacentes<br />

à conversa e não explicitadas com frequência são encobertas<br />

(mascaradas) por palavras que expressam seu oposto, como fazem os<br />

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que passam o “conto do paco” ou do “vigário”.<br />

N<strong>esse</strong>s casos, como é conhecido, o embusteiro procura dar à distraída<br />

vítima a impressão de que ele próprio é um ingênuo e, além disso,<br />

pretende recompensar a pessoa caso esta o ajude a receber o bilhete<br />

de loteria premiado. Mas há muitos outros enganadores populares, os<br />

que trocam uma falsa honestidade por dinheiro; os que são lobos, mas<br />

se cobrem com a pele do cordeiro. N<strong>esse</strong> enorme grupo estão, talvez,<br />

20% da população de insinuantes políticos, pregadores, juízes, advogados,<br />

médicos, comerciantes; não há nenhuma profissão livre d<strong>esse</strong><br />

enorme grupo de embusteiros, exibidores de uma face e conduta aparentes<br />

de anjo, sendo, na verdade, demônios.<br />

Não é difícil concluir que precisamos ter um cérebro funcionando bem<br />

<strong>para</strong> se ter uma boa “teoria de mente”, ou seja, é <strong>esse</strong>ncial ter um bom<br />

cérebro <strong>para</strong> se ter uma boa adaptação social: aproximar de quem é<br />

honesto; fugir de quem pre<strong>para</strong> um golpe contra o indivíduo.<br />

Entretanto, o homem, apesar de imaginar estar vivendo no mundo<br />

real, só tem acesso direto ao mundo virtual. O mundo “real” acessado<br />

internamente na mente, o que lidamos diretamente, nada mais é que<br />

representações construídas por cada um de nós. O mundo “real” é<br />

sempre indireto, percebido pelos sistemas próprios de cada espécie.<br />

Habituamos a viver em nosso mundo ilusório, o mundo das cavernas,<br />

como disse Platão, criado em parte pela evolução e em parte pela nossa<br />

cultura. Acreditamos nele e achamos que ele é o certo e verdadeiro.<br />

Ficamos tranquilos quando o mundo virtual que se encontra internamente<br />

em nossa mente parece estar, aparentemente, em harmonia<br />

com o real inatingível.<br />

Muito do que acreditamos busca uma paz espiritual sonhada que não<br />

existe na realidade vivida; os problemas, às vezes graves e sérios, são<br />

deixados de lado, encobertos pelos sons que nos impedem de enxergar<br />

a triste e temida realidade.<br />

Mas, de qualquer modo, aos trancos e barrancos, nós vamos vivendo<br />

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assim mesmo; a maioria não percebe que o mundo imaginado é um<br />

simulacro, o representado, formado conforme o aprendido por um determinado<br />

organismo inserido numa certa cultura. Alguns vêem todos<br />

como “japoneses”, tudo parecido, sem diferenças.<br />

Construímos o mundo com o corpo e o cérebro do homem atual vivendo<br />

numa certa cultura. O mundo, se fosse descrito pelos cães, cobras,<br />

marimbondos ou peixes, seria bem diferente do nosso e, além disso, o<br />

mundo descrito pelo cãozinho de estimação, criado no apartamento,<br />

seria muito diferente do descrito por um cão vira-lata, morador de rua<br />

e sem-teto.<br />

O mundo do lado de fora, o “real”, jamais será alcançado. A “realidade”<br />

que observamos é a construída por nosso cérebro em cada instante,<br />

como exemplifiquei acima: um mundo é o do pôr do sol; um outro,<br />

de repente, a batida dos carros. A “realidade” observada pela águia<br />

ou pela minhoca é outra, pois os órgãos d<strong>esse</strong>s animais que captam<br />

estímulos do meio ambiente externo são diferentes dos existentes no<br />

homem e, além disso, o selecionado pela percepção de cada um irá<br />

integrar os estímulos conforme modelos que não os nossos; a pulga,<br />

a barata, o gato, o sapo e mesmo a bactéria perceberão e construirão<br />

mundos diferentes dos nossos. Qual é o real? Qual é o verdadeiro ou<br />

certo? Cada macaco, no seu galho, vivencia seu mundinho como se ele<br />

fosse o único, o “verdadeiro”, que ninguém sabe ou saberá o que é.<br />

As relações entre o organismo e o meio ambiente externo são efetivadas<br />

pelos sistemas sensoriais (sensório/motivacional) e através de<br />

ações ou condutas (sistema motor e seus movimentos/respostas) atuando<br />

no meio. O organismo não só recebe estímulos oriundos do meio<br />

interno e externo, como, também, atua n<strong>esse</strong> ambiente através de<br />

ações resultantes do seu corpo, como os membros, o aparelho vocal,<br />

exercícios físicos, etc. Esse processo é realizado pelo córtex cerebral<br />

interligado a vários núcleos subcorticais, que, por sua vez, se ligam a<br />

outras vias neuronais em comunicação com todas as células do corpo,<br />

uma ação que tem recebido o nome de “tomada de decisão”.<br />

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206


Filtros da mente: A censura interna<br />

Um aspecto da memória do trabalho pode ser retratado ao ouvirmos<br />

uma frase qualquer, conforme o exemplo a seguir: “Cheg…(cheguei) em<br />

cas… (casa) e encont…(encontrei) Mar…(Maria)”, etc. Coloquei entre<br />

parênteses a palavra completa, sendo que a meia-palavra foi seguida<br />

de reticência, <strong>para</strong> ilustrar que nós não chegamos a ouvir todo o som,<br />

e, também, não lemos toda a palavra no caso da leitura. Nosso cérebro,<br />

que já viu a palavra escrita diversas vezes, ou já a ouviu milhares<br />

de vezes, ao ser provocado por ela, estimula instantaneamente regiões<br />

cerebrais onde antigas percepções estão estocadas (memorizadas).<br />

Com <strong>esse</strong> processo – utilização de estoques antigos – nosso organismo<br />

economiza tempo, esforço e lugar no cérebro <strong>para</strong> estocar novas informações.<br />

Não há uma impressão de cada estímulo, uma nova marca<br />

<strong>para</strong> a toda informação recebida; o cérebro usa a impressão (cópia) já<br />

guardada e estimula a antiga. De outro modo, sempre que há “esquemas”<br />

ou redundâncias – repetição de padrões já conhecidos, onde se<br />

inclui percepção de retas, sons, conhecimentos, etc., nosso cérebro,<br />

em lugar de gastar seus neurônios com <strong>esse</strong>s estímulos conhecidos,<br />

adianta-se e utiliza-se do já conhecido e existente no seu estoque. Daí<br />

a dificuldade que temos de fazer revisões do que escrevemos, pois nosso<br />

cérebro impede que percebamos os erros, ou seja, ele “não vê” a<br />

palavra errada, pois guarda em sua memória a certa e antiga.<br />

Deve-se ter em mente que um novo estímulo precisa ser examinado e<br />

avaliado e, também, a ação a ser tomada deve ser decidida, num curtíssimo<br />

tempo após sua percepção; conforme o estímulo percebido,<br />

pode ser fatal <strong>para</strong> o organismo uma decisão lenta. Este primeiro processo<br />

ocorre no nível talâmico; nesta região, o estímulo – ou a informa-<br />

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ção – é registrado conforme seu conteúdo, importância e novidade. No<br />

local estimulado, inicialmente, há uma espécie de “filtro”; este impede<br />

que estímulos pouco intensos ou continuados e já conhecidos atinjam,<br />

ou melhor, disparem reações sensoriais sem necessidade. De modo<br />

mais simples: os estímulos são se<strong>para</strong>dos em relevantes e irrelevantes,<br />

<strong>para</strong> tomar tempo ou não do organismo.<br />

O cérebro humano está exposto, continuadamente, a um fluxo constante<br />

de milhares de estímulos que surgem simultaneamente; experimente<br />

sair à rua e examinar o ambiente (ver, ouvir, sentir odores,<br />

etc.). É impossível você focalizar o barulho da motocicleta que passou<br />

e compará-la com o barulho do ônibus que veio do outro lado. Mas<br />

tem também a claridade do Sol; o homem que passou e a cor escura<br />

de suas calças, ligeiramente amarrotadas; uma idosa andando com dificuldade<br />

e uma mocinha de cabelos loiros, empertigada, até bonita…<br />

Ficaria <strong>aqui</strong>, talvez por horas, descrevendo estímulos e mais estímulos<br />

da rua caso nos detivéssemos em subestímulos, como a cor dos lábios<br />

da mocinha, o formato do muro e a cor do granito, o toco de cigarro jogado<br />

no passeio, etc., etc. Portanto, <strong>para</strong> encerrar: ficaríamos malucos<br />

caso não tivéssemos um selecionador de informações <strong>para</strong> nos orientar<br />

em quê prestar atenção; talvez na mocinha dengosa.<br />

Um processo constante de distinção entre os estímulos importantes e<br />

sem importância deve, portanto, ocorrer a fim de capacitar o cérebro<br />

<strong>para</strong> ajustar-se a <strong>esse</strong> enorme fluxo de miríades de fatos e eventos.<br />

Para isso é necessário um controle da quantidade e da qualidade dos<br />

estímulos que podem e devem ser aceitos e processados simultaneamente,<br />

pois só assim haverá possibilidade do indivíduo atuar eficientemente.<br />

Parece que uma grande parte do trabalho da atenção da mente seja<br />

dirigida visando a conseguir precocemente uma boa estratégia <strong>para</strong> impedir<br />

a entrada na mente de estímulos irrelevantes, <strong>para</strong> que estes não<br />

sejam posteriormente processados. Enquanto um trabalho da mente,<br />

através da atenção, seja focalizar certas informações (aspectos da rea-<br />

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lidade), uma outra atividade é a de impedir que nosso cérebro focalize<br />

e gaste tempo com estímulos irrelevantes ou perturbadores <strong>para</strong> a<br />

execução da tarefa desejada. Quando estou escrevendo <strong>esse</strong> texto não<br />

devo dirigir minha atenção ao latido do cachorro do vizinho, ao barulho<br />

do ônibus que passou ou à luz do Sol que entra pela janela, a não ser<br />

quando, como aconteceu agora, <strong>para</strong> citar como exemplo, escrevi voltando<br />

minha atenção <strong>para</strong> eles.<br />

Se o filtro for eficiente, a área mais nobre do cérebro (córtex) fica mais<br />

desimpedida <strong>para</strong> funcionar e trabalhar com alguns poucos estímulos,<br />

rigorosamente selecionados, possivelmente de modo inconsciente no<br />

sistema talâmico. Caso alguns dos estímulos sejam muito complexos ou<br />

novos – como um assunto nunca estudado – n<strong>esse</strong> caso, não podendo<br />

ser assimilado, ele, excedendo a capacidade cerebral, não mais seria<br />

processado pela maneira automática. Seu processamento só poderá<br />

ser feito através de um adiamento e depois um esforço maior através<br />

de um processamento adicional sob controle da atenção, isto é, de forma<br />

não-automática.<br />

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Recepção de estímulos<br />

O conhecimento necessário <strong>para</strong> ser utilizado num momento, em virtude<br />

do modo como o cérebro foi construído, dependerá das estimulações<br />

que estão sendo efetuadas ao mesmo tempo, isto é, resultado final<br />

das ativações de diversos sistemas localizados em regiões cerebrais<br />

se<strong>para</strong>das espacialmente, mas interligadas por meios de conexões ou<br />

circuitos (pontes) neurais. Vamos dar um exemplo do relatado acima<br />

através da tomada de café.<br />

Ao tomar o café existente numa xícara a pessoa recebe do meio ambiente<br />

várias sensações (estímulos sensoriais) ao mesmo tempo: visuais,<br />

olfativas, gustativas, tácteis, etc. Cada estímulo captado pelo<br />

organismo só poderá ser representado, a cada instante, na memória<br />

de trabalho da pessoa num determinado circuito cerebral. Assim, o indivíduo<br />

sentirá numa região do cérebro o bom ou mau cheiro do café;<br />

em outra área, perceberá a quentura deste, bem como a pressão dos<br />

dedos na alça da xícara e o movimento da mão ao segurar e virá-la <strong>para</strong><br />

engolir o café. Sentirá ainda a cor branca da xícara, o desenho desta e o<br />

vapor que sobe no ar. Somado a tudo isso, a pessoa sentirá também o<br />

sabor ou gosto do café, as emoções prazerosas ao ingerí-lo, a contração<br />

de parte dos lábios e os movimentos da língua e da garganta no ato<br />

de engolir; tudo isso provoca sensações e, geralmente, prazer. Além<br />

de todos <strong>esse</strong>s estímulos, quase ao mesmo tempo, possivelmente o<br />

tomador de café se lembrará de outros cafés já tomados e até mesmo<br />

de alguns lugares especiais onde tomou cafés semelhantes, das companhias<br />

nessas ocasiões e muito mais.<br />

De outro modo: as sensações, bem como os pensamentos recuperados<br />

na memória, foram, conforme o exemplo, estimulados pelos diversos<br />

aspectos da tomada do café: a xícara, o café, o ambiente, as pessoas<br />

em volta, etc. Todo <strong>esse</strong> conjunto de informação enviado através dos<br />

estímulos foi, primeiramente, captado pelos nossos órgãos (recepto-<br />

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210


es) sensoriais. Uma vez captadas, as informações apreendidas são<br />

distribuídas <strong>para</strong> diferentes regiões cerebrais, ativando algumas áreas<br />

e, ao mesmo tempo, desativando outras. Por fim, as informações em<br />

determinados locais dão origem à liberação de substâncias químicas<br />

(neurotransmissores, peptídeos, etc.) diversas de acordo com as emoções<br />

detonadas durante a estimulação e pelos possíveis pensamentos<br />

associados ao fato vivenciado.<br />

As sensações, motivações, emoções e pensamentos gerados em conjunto,<br />

após serem reunidos (associados) ou compostos pela mente<br />

do tomador de café, irão dar origem a uma imagem mental que pode<br />

ser única e organizada: o café sendo ingerido, as idéias produzidas e a<br />

emoção sentida. Para finalizar <strong>esse</strong> processo complexo, a tomada do<br />

café poderá ser traduzida em palavras. De outro modo, as sensações,<br />

captadas e reunidas pelo hemisfério direito, podem ser enviadas <strong>para</strong><br />

o hemisfério esquerdo; este, por sua vez, transformará as mensagens<br />

sensoriais numa frase, como, por exemplo: “O café está delicioso!”.<br />

N<strong>esse</strong> caso, após ingerí-lo, talvez, a pessoa tome uma outra xícara, pois<br />

além de sentir o prazer das diversas sensações, construiu uma frase<br />

favorável, que, por sua vez, tende a reforçar o fato anteriormente sentido<br />

pelo corpo.<br />

Algumas vezes, as imagens se<strong>para</strong>das e sem-palavras sentidas pelo<br />

nosso cérebro, uma vez reunidas ou reconstruídas pela mente, ou, de<br />

outro modo, traduzidas ou transformadas numa linguagem com palavras,<br />

formam a frase seguinte: “O café hoje está frio, fraco e fedorento,<br />

horrível! Esperava um melhor!”. Rapidamente, vai até o lavabo e dá<br />

uma cuspida, evitando ingerir o que lhe resta na boca.<br />

O que desejo <strong>aqui</strong> é enfatizar que cada estímulo sensorial isolado percebido<br />

será sem-palavras; entretanto, muitas vezes as sensações são<br />

traduzidas. Posteriormente às sensações, condensadas no relato fazendo<br />

uso de palavras, podem ser utilizadas ou convocadas <strong>para</strong> descrever<br />

o evento total percebido e sentido ao relembrar a impressão fisiológica<br />

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sentida anteriormente.<br />

O conhecimento final exige a contribuição de peças anatômicas isoladas<br />

e interligadas, localizadas em circuitos existentes em pontos diferentes<br />

do cérebro. Assim, a nossa percepção e, consequentemente, o<br />

raciocínio acerca das diversas percepções, exigirá, durante o processo<br />

da informação (a tomada do café), a retenção ativa e continuada da<br />

representação de diversos fatos, todos reunidos e ao mesmo tempo: a<br />

quentura do café; o cheiro; o sabor doce ou amargo; a cor e o tamanho<br />

da xícara; o movimento da mão e outros detalhes mais.<br />

Se a manutenção do retido na memória que está trabalhando – tomando<br />

o café – não for fixada <strong>para</strong> se ligar às outras, não poderemos ter a<br />

imagem final ou a idéia completa ou próxima do todo. Essa atividade<br />

complexa, manutenção, ao mesmo tempo, de diversas imagens inter-<br />

-relacionadas, é executada pela “memória de trabalho”, que é a memória<br />

que está sendo utilizada no momento da ação visando a ajudar<br />

o entendimento de uma conversa, leitura, observação de situações ou<br />

fatos.<br />

Deve ser lembrado que a disponibilidade atentiva no momento necessária<br />

<strong>para</strong> que formemos uma idéia total das partes percebidas, como<br />

no caso do café, dependerá, em grande parte, da boa condição física<br />

dos circuitos cerebrais, que não podem estar lesados, e também da<br />

produção e liberação de quantidades adequadas de neurotransmissores<br />

e peptídeos, particularmente do neurotransmissor dopamina. No<br />

caso de existir uma lesão em alguma parte do circuito que detecta e<br />

conduz a mensagem, desde sua origem (receptores sensoriais químicos,<br />

calor, mecânicos, etc.) até a geração da identidade (isso é um café),<br />

bem como da nomeação do percebido, especificamente, que atingiu a<br />

parte relacionada ao odor, sabor etc., haverá problemas quanto às sensações<br />

e nomeação do fato ocorrido.<br />

Assim, a pessoa não sentirá o sabor comum do café caso, antes de<br />

tomá-lo, tenha escovado os dentes ou teve sua boca anestesiada pelo<br />

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212


dentista. Em todos <strong>esse</strong>s casos, e outros mais, a pessoa terá dificuldade<br />

<strong>para</strong> perceber os estímulos sensoriais, movimentar lábios e língua e<br />

engolir o café, pois os estímulos sensoriais existentes não conseguirão<br />

estimular, como antes, as papilas gustativas, os movimentos dos lábios,<br />

língua e, possivelmente, a percepção do odor, que, por sua vez, afetará<br />

a sensação do gosto. Outros fatores, também, como a temperatura<br />

(quente demais; ou gelado em excesso), nos impedirão de sentir o gosto<br />

genuíno ou “normal”. Em todos <strong>esse</strong>s exemplos a tomador de café<br />

ficará prejudicado de sentir e relatar o fato vivido como de costume.<br />

Caso o indivíduo tiver lesionado apenas a região relacionada à formação<br />

de palavras <strong>para</strong> descrever o processo, ele sentirá todos os estímulos<br />

de forma normal, mas não poderá comentar o ocorrido, narrando-o<br />

ou comentando-o.<br />

Resumindo: tem sido mostrado que caso haja lesões num ou outro<br />

circuito cerebral, ou quando há diminuição de dopamina, a pessoa se<br />

torna incapaz de manter, ao mesmo tempo, várias imagens, palavras<br />

e estímulos na memória que trabalha <strong>para</strong> agrupar os diversos componentes<br />

num conjunto compreensível, conduzindo, portanto, à dificuldade<br />

ou impossibilidade da formação eficiente dessas imagens que<br />

precisam estar presentes <strong>para</strong> que se faça uso do raciocínio.<br />

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Processos mentais x rotina<br />

mental: (Cerebelo, Gânglios<br />

Basais e Hipocampo)<br />

A percepção da tomada de um café apóia-se numa série de sinais, atividade<br />

composta de numerosos mapeamentos de regiões do cérebro<br />

dedicadas à percepção sensorial. Os muitos mapas que são criados são<br />

inventariados pelo cerebelo, gânglios basais e hipocampo. Essas três<br />

áreas, em conjunto, formam uma espécie de supermapa que abrange<br />

múltiplos mapas locais.<br />

Através do supermapa se cria um sistema de conexões <strong>para</strong> categorias<br />

inteiras de informações, bem como de padrões de atividade motora,<br />

dando como resultado uma infinita variedade de pensamentos e comportamentos<br />

da pessoa.<br />

Cada região do cérebro contribui <strong>para</strong> o reconhecimento de uma área:<br />

a xícara branca, o cheiro do café, o sabor, a quentura, etc., e, também,<br />

a avaliação se está gostoso (agradando) ou ruim (desagradando). Assim,<br />

o reconhecimento final, do rosto de uma pessoa ou da casa que<br />

estamos procurando numa rua X ou Y, pode aparecer repentinamente<br />

na mente devido a um ou mais elementos sensoriais diferentes: os cabelos<br />

grisalhos, uma voz rouca metálica típica de quem fumou muito, o<br />

cheiro de seu perfume dos anos trinta, etc.; tudo isso nos leva a formar<br />

a imagem total daquela mulher de cinquenta anos atrás, a oradora da<br />

casa ao lado, a que tocava piano.<br />

Isso cria um sistema de conexões <strong>para</strong> nomear categorias inteiras de<br />

informações, bem como padrões de atividades motoras. Cada região<br />

cerebral contribui <strong>para</strong> o reconhecimento de um aspecto da região pro-<br />

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curada de uma pessoa, o que explica por que o reconhecimento pode<br />

ser desencadeado por qualquer quantidade de diferentes elementos<br />

sensoriais.<br />

Assisti a um programa de TV no qual os candidatos-observadores tentavam<br />

adivinhar o rosto de um artista conhecido através de pequenos<br />

detalhes de sua face que eram mostrados parte por parte. Alguns descobriam<br />

de quem era o rosto observando uma pequena parte deste,<br />

como, por exemplo, os olhos ou o nariz.<br />

Para nós, os fora do palco, e não convidados <strong>para</strong> participar do programa,<br />

é possível identificar nosso interlocutor pelo cheiro, o tipo de voz,<br />

o modo de andar, de tossir, coçar a cabeça quando nervoso, o fungar<br />

do nariz e muito mais. Assim, captamos alguns estímulos do ambiente<br />

ou da pessoa que conversa conosco, ajudados por nossa memória do<br />

trabalho, que, por sua vez, busca dados na memória episódica (autobiográfica).<br />

Os dados, muitas vezes, simples, fornecidos pelo ambiente<br />

ou pela pessoa, se enriquecem pelo nosso conhecimento anterior armazenado<br />

na memória a respeito do observado.<br />

O produto final é formado por um conjunto constituído por diversos<br />

subconjuntos, ou seja, dos sinais percebidos ou escutados mais os dados<br />

existentes em nossa memória conforme nosso conhecimento anterior.<br />

Esse conjunto global formado vai dar origem a um modelo mais<br />

rico, pois ele contém as informações captadas num momento mais as<br />

já existentes e armazenadas.<br />

Um exemplo vivido por mim recentemente. Fui procurado <strong>para</strong> examinar<br />

e opinar acerca de uma paciente. Esta, segundo a médica que a<br />

enviou e encarregada de seu tratamento, tinha brigas frequentes com<br />

o marido que, além de beber, não trabalhava. Segundo a médica, há<br />

cerca de três meses, a paciente foi ficando “esquisita” (lerda, dando<br />

respostas diferentes das usuais, custava <strong>para</strong> entender o discutido ou<br />

explicar os acontecimentos).<br />

Para resumir, durante a entrevista, muitas vezes normal, observei que a<br />

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paciente mantinha com pouco vigor mental (atenção focalizada) o que<br />

era perguntado e, também, tinha dificuldade de organizar em sua mente<br />

as respostas. Fiz perguntas a respeito de sua idade e dia e ano do<br />

nascimento. Ela não se lembrou do ano em que nasceu. Depois pedi a<br />

ela que diminuísse quatro de cinquenta e, do resultado, ela continuasse<br />

a diminuir quatro até zerar. Estranhamente, ela não conseguiu obter<br />

o resultado da primeira operação, isto é, cinquenta menos quatro igual<br />

a quarenta e seis. Lembro ao leitor que ela comprava e vendia roupas.<br />

Apelei <strong>para</strong> uma conta mais direta: alguém comprando um lenço de<br />

quatro reais e dando a ela uma nota de cinquenta reais. N<strong>esse</strong> caso,<br />

quanto de troco ela daria? Ela não conseguia manter sua atenção no<br />

perguntado; repetia sem chegar à conclusão alguma: “Cinquenta menos<br />

quatro… cinquenta menos quatro… É… não consigo não.”<br />

Para finalizar: a consulta não foi tão simples como resumi. Vários outros<br />

detalhes não falados foram percebidos por mim por ter vivenciado,<br />

devido a minha formação, clientes semelhantes. Orientei a família<br />

a procurar, com urgência, um bom neurologista, pois imaginava, além<br />

dos fatos presenciados pelos meus órgãos dos sentidos, outros fatos,<br />

conforme teorias acerca do funcionamento da atenção e memória. Em<br />

seguida, formei um conjunto maior composto do percebido e mais o<br />

que já possuía a respeito de alguns problemas neurológicos. O conjunto<br />

final, fruto do observado e do pensado fazendo uso de minha<br />

memória, possibilitou um diagnóstico mais amplo e produtivo do que<br />

“a paciente está esquisita”. Imaginei a possibilidade da paciente apresentar<br />

algum problema cerebral, possivelmente um tumor fazendo<br />

pressão no lobo frontal: o encarregado de sintetizar os dados, manter a<br />

atenção e, por fim, tomar decisões.<br />

Poucos dias depois tive notícias que ela começou a ter convulsões e<br />

foi levada <strong>para</strong> o Hospital João XXIII. Examinada, através de neuro-imagens,<br />

constataram um imenso tumor localizado numa região inoperável.<br />

Morreu dias depois.<br />

Resumindo o que deu origem a essa história dolorosa: o que eu obtive<br />

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da família, da médica e da própria cliente serviu de indício <strong>para</strong> que eu<br />

recuperasse conhecimentos fora do exame, isto é, do reservatório de<br />

minha memória. A reunião de um com o outro deu origem à hipótese.<br />

Portanto, enquanto um novo dado está sendo identificado e memorizado,<br />

um trabalho realizado pelos neurônios de associação do córtex<br />

frontal, neurônios vizinhos põem de lado o que estavam fazendo e<br />

começam a ajudar o processo em andamento. N<strong>esse</strong> caso, o território<br />

focalizado onde se instala a nova aprendizagem é ampliado a fim de<br />

proporcionar o espaço suficiente <strong>para</strong> o contínuo influxo de informações.<br />

Uma vez a tarefa dominada sendo executada um número razoável de<br />

vezes, os padrões de ativação adquirem estabilidade e, consequentemente,<br />

o comportamento se torna automático, isto é, ele deixa de<br />

exigir atenção consciente. Lembre-se de como você aprendeu a chutar<br />

uma bola, digitar o computador, dirigir o automóvel e, talvez, tocar piano,<br />

flauta ou violão. Compare sua eficiência atual, bem como sua facilidade<br />

<strong>para</strong> executar essas tarefas, com o período inicial, quando você<br />

estava aprendendo essas atividades.<br />

Existem tarefas que aprendemos durante muito cedo e continuamos a<br />

usá-las, como, por exemplo, falar escolhendo a palavra indicada a cada<br />

instante; reconhecer um rosto, um ambiente, uma cidade ou o caráter<br />

bom ou mau do vendedor de imóvel e de computador. Geralmente,<br />

devido ao treino, tudo isso nós fazemos automaticamente, quase<br />

sem prestarmos atenção ao que estamos realizando. Entretanto, nem<br />

sempre nossas ações dão certo. A lâmpada que íamos trocar emperra.<br />

Quando isso ocorre somos obrigados a voltar a utilizar o trabalho da<br />

atenção, dos córtices associativos, das avaliações, isto é, reformular o<br />

aprendido.<br />

Os programas automatizados – não os corticais – existentes em nossa<br />

mente parecem fazer uso do cerebelo e dos gânglios basais, quase sem<br />

fazer muito uso do córtex frontal. Adquirir numerosos repertórios de<br />

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217


ações automáticas é <strong>esse</strong>ncial à sobrevivência. Ninguém aguentaria<br />

passar o dia fazendo uma reflexão atrás de outra, ou mesmo pensando<br />

em algo muito simples, como que roupa vou vestir hoje, pois esfriou<br />

bastante. Se tivéssemos de prestar conscientemente atenção a todas as<br />

nossas ações, o tempo todo, os córtices ficariam exaustos e ocupados<br />

com fatos de menor importância e, portanto, deixariam de fazer outras<br />

ações. Isso ocorre quando entramos numa disputa, por exemplo. N<strong>esse</strong><br />

caso, ficamos pensando, grande parte do tempo, no modo de destruir<br />

ou fugir do perverso inimigo. Algumas pessoas passam o dia olhando a<br />

poeira dos móveis ou pensando que roupa fica melhor <strong>para</strong> ir à padaria<br />

da esquina comprar o pãozinho francês.<br />

O mesmo acontece com nossa dinâmica cognitiva. Processos cognitivos<br />

semelhantes ocorrem ao lermos o jornal da manhã; nós não lembramos<br />

como aprendemos a leitura. Não nos esforçamos <strong>para</strong> conversar<br />

e encontrar as palavras desejadas na maioria de nossos “bate-papos”.<br />

Todas essas ações, atualmente simples <strong>para</strong> quem as automatizou, foram<br />

convertidas em rotinas fixas, instintivas, inconscientes (atitudes,<br />

reações) e, ao mesmo tempo, processa funções motoras e mentais em<br />

<strong>para</strong>lelo. Lembre-se, prezado leitor, de um semi-analfabeto tentando<br />

compreender um texto lido num jornal. Por não possuir um automatismo,<br />

devido à falta de treino, ele terá que realizar um enorme trabalho<br />

intelectual <strong>para</strong> “entender” cada termo lido e, ainda, relacioná-lo aos<br />

já lidos.<br />

Portanto, à medida que vamos nos familiarizando com uma atividade<br />

(descascar uma laranja, amarrar o cordão do sapato, encontrar a palavra<br />

<strong>para</strong> escrevê-la ou pronunciá-la, dirigir o automóvel, digitar, etc.),<br />

deixamos de lado o penoso trabalho de prestar a atenção em cada<br />

detalhe ou etapa da atividade. De modo simples, as atividades se automatizam,<br />

se realizam por si mesmas, sem esforço ou deliberações de<br />

nossa vontade.<br />

Assim, felizmente <strong>para</strong> nós, processos fundamentais e cujo entendimento<br />

e manejo (manuseio) foram dominados pela prática, se armaze-<br />

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218


nam no cérebro inferior (região subcortical) e passam a ser executados<br />

sob o domínio de regiões do tronco cerebral.<br />

Existem (faça um ligeiro esforço com seus córtices cerebrais <strong>para</strong> evocá-los)<br />

inúmeras rotinas cognitivas usadas a cada momento por nós.<br />

Uma vez aprendido e repetido, o, às vezes, doloroso e cansativo processo<br />

cognitivo, é convertido em rotina e torna-se fácil, até divertido;<br />

processando funções motoras e mentais em <strong>para</strong>lelo, tudo ao mesmo<br />

tempo. Por isso completei essa frase com facilidade, pois meus dedos,<br />

automaticamente, obedeceram minhas idéias, à medida que elas foram<br />

sendo geradas. Todo processo, cujo entendimento foi dominado,<br />

é armazenado no cérebro inferior (subcortical) e ali se mantém pronto<br />

<strong>para</strong> ser ativado contando com a participação de áreas do tronco cerebral,<br />

gânglios basais e cerebelo.<br />

As ações e cognições que são mais complexas, bem como as ações ou<br />

conhecimentos novos, precisam ou exigem a administração das regiões<br />

do cérebro situadas mais acima (córtices cerebrais), principalmente<br />

as áreas situadas na parte frontal (córtices frontais). Assim, ao longo<br />

do percurso das diversas informações existentes (memória, emoção,<br />

lógica, avaliações) empregam-se mais regiões cerebrais ao mesmo tempo,<br />

propiciando ao setor decisório do organismo, não somente mais<br />

informações, mas também, mais tempo <strong>para</strong> reflexões. Todo <strong>esse</strong> complicado<br />

mecanismo permitirá que mais neurônios sejam envolvidos no<br />

reajuste e modelagem de uma ação final ou de um processo cognitivo<br />

mais preciso, confiável e efetivo.<br />

Duas áreas são ativadas quase ao mesmo tempo, sendo que o processo<br />

de uma detona o processo da outra: a função cognitiva (constatação<br />

de um problema e possíveis soluções virtuais) e a função motora (movimentos<br />

dos músculos, efetivação do imaginado, conduta). À medida<br />

que o organismo põe em ação a parte motora (comportamento), a sua<br />

realização vai fornecendo informações aos córtices (tomada de decisão)<br />

do andamento da solução do problema: “Agora parece que a lâmpada<br />

começou a girar; não, enganei-me. Vou usar uma chave inglesa”.<br />

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As novas informações podem fazer com que as decisões sejam mantidas,<br />

ou, também, que elas sejam reformuladas, caso o desejado não<br />

esteja sendo alcançado. N<strong>esse</strong> caso, há um retorno da informação <strong>para</strong><br />

pontos onde ela já tinha sido examinada e arquivada.<br />

Quando temos dificuldades com a organização e ou planejamento de<br />

um ato cognitivo, muitas vezes, a utilização de um ato físico (andar de<br />

um lado a outro) pode nos ajudar a superar o problema. Experimente<br />

dar uma caminhada <strong>para</strong> facilitar as dificuldades de como fechar o mês<br />

sem dívida; romper ou não aquele namoro que parece estar trazendo<br />

mais sofrimento que prazer; concentrar-se nos estudos <strong>para</strong> o vestibular.<br />

O mecanismo subjacente ao explicado acima é simples: embora<br />

diferentes áreas do cérebro estejam envolvidas no movimento, algumas<br />

dessas conexões estão extremamente próximas das regiões que<br />

determinam nossa atividade, entre elas, partes da região emocional.<br />

Em cada nível do nosso cérebro existem diferentes mecanismos <strong>para</strong><br />

manter ativado e executar certas funções e, também, deixar de lado,<br />

eliminar as não desejáveis no momento, muitas delas, até tentadoras.<br />

Lembre-se de seu plano <strong>para</strong> emagrecer e o delicioso sorvete existente<br />

no congelador; o plano de saborear o sorvete irá tirar de sua mente o<br />

plano <strong>para</strong> emagrecer. Ativa-se o plano: “quero dar prazer às papilas<br />

gustativas da minha língua”. Um outro exemplo é a luta do plano que<br />

está demorando a ser efetivado – fazer exercícios físicos – de um lado,<br />

e, de outro, convidativo estofado macio, confortável, encosto <strong>para</strong> a<br />

cabeça, pudim, vendo a TV exibindo seu programa favorito, a novela da<br />

Globo. A tentação é grande, nos faz lembrar da sofrida por Cristo.<br />

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Memória<br />

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Introdução à memória<br />

Uma das mais intrigantes funções complexas do encéfalo é a capacidade<br />

de armazenar informação oriunda da experiência e evocar grande<br />

parte dessa informação conforme nosso desejo; sem essa capacidade<br />

muitas das funções cognitivas não funcionariam, portanto, seríamos,<br />

caso existíssemos, muito diferentes do que somos.<br />

Enquanto o termo “aprendizado” é usado <strong>para</strong> designar o processo<br />

pelo qual uma nova informação é adquirida, o termo “memória” é<br />

utilizado <strong>para</strong> indicar a capacidade que tem o homem e os animais de<br />

armazenar informações que possam ser recuperadas (lembradas) e utilizadas<br />

posteriormente. Por outro lado, um fato igualmente importante<br />

é a capacidade normal que temos de esquecer muitas informações.<br />

São vários os processos da memória; <strong>esse</strong>s começam com a <strong>aqui</strong>sição<br />

ou aprendizagem do fato, coisa ou evento. Em seguida pode ocorrer a<br />

retenção do experimentado durante tempos variáveis. As nossas memórias<br />

acerca de pessoas, lugares e eventos definem quem somos nós.<br />

Essas gravações dos fatos e eventos experimentados não são formadas<br />

instantaneamente. Cada nova memória, possível de ser gravada, é gradualmente<br />

transformada de um estado inicial lábil (instável), quando<br />

elas ainda são mais vulneráveis à disrupção (interrupção do curso normal<br />

de um processo), <strong>para</strong> um estado mais permanente (quando elas<br />

se tornam resistentes à interrupção); só assim elas se tornam estabilizadas<br />

ou consolidadas.<br />

A consolidação sináptica se inicia e se completa após horas de treino;<br />

ela envolve a estabilização das mudanças sinápticas nas junções entre<br />

neurônios (ligações dos circuitos), o crescimento de novas conexões e<br />

a reestruturação dos já existentes; portanto, envolve a reorganização<br />

gradual de regiões do cérebro que sustenta a memória.<br />

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Nos seres humanos, as memórias de todos os dias dependem inicialmente<br />

do sistema do lobo temporal medial, incluindo o hipocampo.<br />

Quando essas memórias se fixam por tempo mais prolongado, elas ficam<br />

cada vez mais dependentes de outras regiões do córtex.<br />

Estudos recentes começaram a mostrar mais claramente como as memórias<br />

antigas estão organizadas no córtex e os eventos moleculares<br />

e celulares que são subjacentes a essa consolidação. Os estudos mostram<br />

que o hipocampo tem um papel tempo-limitado no armazenamento<br />

e lembrança (recuperação) de algumas formas de memórias (é<br />

ativado durante o início do processo).<br />

Essa idéia forma o dogma central das opiniões contemporâneas do<br />

sistema de consolidação: a função do hipocampo como sendo uma<br />

estocagem <strong>para</strong> novas informações, mas o armazenamento permanente<br />

depende largamente da rede cortical. Embora se tenha um bom<br />

conhecimento do mecanismo subjacente à formação de memórias dependente<br />

do hipocampo, pouco se sabe acerca de como essas memórias<br />

são transformadas nas de longa-vida (memórias remotas da rede<br />

cortical).<br />

O oposto à memória, isto é, o esquecimento patológico, ou amnésia,<br />

tem sido especificamente instrutivo acerca das bases neurológicas da<br />

memória. A amnésia é definida como a incapacidade de aprender novas<br />

informações ou de evocar (lembrar, recuperar) as informações que<br />

tinham sido adquiridas.<br />

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Classificação: Tipos e subtipos<br />

de memória<br />

Os mecanismos neurais da memória não são completamente conhecidos.<br />

Considera-se que as informações transitórias e duradouras são<br />

armazenadas em diversas áreas corticais, de acordo com a sua função:<br />

memórias motoras no córtex motor, memórias visuais no córtex visual<br />

e assim por diante.<br />

Dessas regiões elas podem ser mobilizadas como memória operacional<br />

pelas áreas pré-frontais, em ligação com áreas do córtex parietal e occitotemporal.<br />

Além disso, as memórias explícitas (conscientes) podem<br />

ser consolidadas pelo hipocampo e áreas corticais adjacentes do lobo<br />

temporal medial, em conexão com núcleos do tálamo e do hipotálamo.<br />

Finalmente, o processo de consolidação pode ser fortemente influenciado<br />

por sistemas moduladores, especialmente aqueles envolvidos<br />

com o processamento emocional, como o complexo amigdalóide (amidalóide)<br />

do lobo temporal.<br />

Vários mecanismos celulares e moleculares foram propostos como bases<br />

biológicas da memória, entre eles, os mecanismos da plasticidade<br />

sináptica e outros fenômenos de modificação dinâmica da função e da<br />

forma do sistema nervoso, em resposta às alterações do ambiente.<br />

Exemplos da transferência continuada de informação de memória de<br />

curta duração <strong>para</strong> a de longa duração são observados no fenômeno<br />

do “priming” (gravação). O “priming” é tipicamente demonstrado apresentando-se<br />

aos sujeitos submetidos a um experimento um conjunto<br />

de itens onde eles são expostos sob falsos pretextos. Por exemplo: uma<br />

lista de palavras pode ser fornecida com a instrução de que os sujeitos<br />

devem identificar alguma característica que seja na verdade estranha<br />

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224


ao experimento (por exemplo, dizer se as palavras são verbos, adjetivos<br />

ou substantivos). Mais tarde – em geral no dia seguinte – os mesmos<br />

indivíduos recebem um teste diferente do anterior; pede-se a eles que<br />

preencham com letras que faltam e que vierem à cabeça.<br />

A lista que funciona como teste na verdade inclui fragmentos de palavras<br />

que foram apresentadas no dia anterior, misturados com fragmentos<br />

de palavras que não haviam sido apresentadas.<br />

Os sujeitos colocam as letras <strong>para</strong> completar as palavras que foram<br />

apresentadas no dia anterior em uma velocidade muito maior do que<br />

seria esperado pelo acaso, mesmo que não tenham memória específica<br />

das palavras vistas anteriormente. Além disso, são mais rápidos <strong>para</strong><br />

preencher com letras que formam as palavras previamente vistas do<br />

que palavras novas.<br />

O “priming” mostra que uma informação previamente conhecida tem<br />

influência no conhecimento e ou detecção de outra, embora possamos<br />

estar completamente inconscientes de seu efeito no comportamento<br />

subsequente. O significado do “priming” é bem conhecido – pelo menos<br />

intuitivamente – de anunciantes, de professores, de cônjuges e de<br />

outros que tenham motivos <strong>para</strong> influenciar o modo como pensamos e<br />

agimos (criar intenções; criar um motivo <strong>para</strong> que uma idéia defendida<br />

pareça mais verossímil).<br />

As memórias, mesmo aquelas sobre as quais estamos bastante seguros,<br />

são frequentemente falsas. Um teste de memória coloca numa primeira<br />

lista as palavras: bala, acre, açúcar, amargo, bom, sabor, dente,<br />

amável, mel, refrigerante, chocolate, coração, bolo, comer e torta; na<br />

segunda lista: sabor, ponto.<br />

No dia seguinte uma nova lista é apresentada. Pede-se aos sujeitos<br />

<strong>para</strong> identificarem as que existiam na lista do dia anterior. Um grande<br />

número de erros foi verificado. Por exemplo: a palavra “doce” que não<br />

existia na primeira lista era imaginada como tendo existido, devido à<br />

palavra bolo, torta, etc.<br />

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Duas grandes classes de memórias:<br />

Origem do conhecimento<br />

memorizado<br />

As memórias podem ser divididas em duas grandes classes quanto à<br />

origem do conhecimento memorizado:<br />

1. Uma memória fruto dos acontecimentos que se sucederam na vida<br />

particular do indivíduo; esta é uma memória instável, confusa, desorganizada,<br />

mistura de ruídos falsos e verdadeiros; esta é o que popularmente<br />

chamamos de “memória”.<br />

2. Uma outra memória nascida dos genes; esta é inata, estável, abastecida<br />

pelos acontecimentos organizadores de um passado anterior ao<br />

indivíduo, bem protegida contra o “ruído” e a informação circulante.<br />

As duas memórias trabalham juntas: a dos genes possibilita a <strong>aqui</strong>sição<br />

das memórias ocorridas após o nascimento.<br />

Deve ser lembrado que cada espécie apresenta potencialidades diferentes<br />

<strong>para</strong> aprender conforme as facilidades e limitações fornecidas<br />

pelos genes do indivíduo. Por outro lado, dentro da mesma espécie,<br />

alguns indivíduos possuem cérebros que são arrumados de forma<br />

melhor, capazes de adaptarem-se mais facilmente às estimulações do<br />

meio ambiente desde a infância; podendo aprender mais, podem se<br />

tornar mais “inteligentes”.<br />

A memória disponível <strong>para</strong> cada pessoa numa certa idade estabelece a<br />

individualidade de cada um. Somos quem somos porque nos lembramos,<br />

não só de quem somos, mas, também, como nós fomos e onde<br />

queremos chegar.<br />

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Categorias qualitativas da memória<br />

humana: Declarativa e<br />

procedimento<br />

Inicialmente, deve ser lembrado que nenhuma das memórias estudadas<br />

localiza-se num só lugar; todas envolvem circuitos complexos. A<br />

memória tem sido dividida em vários tipos e, frequentemente, autores<br />

diferentes dão nomes diversos <strong>para</strong> o mesmo tipo de memória, provocando,<br />

muitas vezes, confusão no leitor.<br />

Os humanos possuem pelo menos dois sistemas qualitativamente<br />

diferentes de armazenamento de informação, que são normalmente<br />

designados como: 1) memória de procedimento (também chamada de<br />

memória de processo, não-consciente, implícita, de atividade); 2) memória<br />

declarativa (recebendo ainda os nomes de episódica, consciente,<br />

de eventos, explícita e do trabalho). Uma terceira memória, muitas<br />

vezes descrita, a memória de trabalho, foi considerada <strong>aqui</strong> como um<br />

ramo ou subtipo da memória declarativa.<br />

Os pesquisadores concordam que o uso dos dois sistemas de memórias<br />

é uma regra mais do que uma exceção; as duas se sobrepõem,<br />

são usadas conjuntamente; assim, ambas são resgatadas (recordadas,<br />

lembradas) nas experiências de aprendizagem. Na verdade, uma repetição<br />

constante de uma ação pode transformar a memória declarativa<br />

(explícita) numa de procedimento ou implícita, como pode ser observado<br />

na experiência de aprender a dirigir um veículo. N<strong>esse</strong> caso, há,<br />

inicialmente, um envolvimento de um processo consciente, depois,<br />

automático ou inconsciente – o motorista perito não fica pensando, ao<br />

dirigir, como ele aprendeu e cada detalhe do aprendizado, simplesmente<br />

age automaticamente. Também, conscientemente podemos pensar<br />

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227


acerca das etapas envolvidas em desatar um sapato – uma memória<br />

semântica – e talvez lembrar a primeira vez que você fez isso (memória<br />

episódica) e então ir <strong>para</strong> frente passo a passo, ir desatando usando a<br />

memória de processos.<br />

Quando a informação é codificada ela se converte numa forma de<br />

estímulo que pode ser armazenada no cérebro. Os códigos apresentam<br />

três formas principais: código acústico (informações baseadas em<br />

sons); visual (imagens ou outras características visuais) e semântico<br />

(lembranças baseada na significação).<br />

Memória de Procedimento (Processo mental<br />

inconsciente)<br />

A memória de procedimento, por sua vez, não está disponível à percepção<br />

consciente, pelo menos não de forma detalhada. Tais memórias<br />

envolvem habilidades e associações que são, em geral, adquiridas e<br />

evocadas em um nível inconsciente. Lembrar como movimentar os<br />

dedos <strong>para</strong> discar ou digitar o telefone, como cantar a canção, pegar<br />

ou chutar uma bola, vestir uma roupa, andar de bicicleta, trancar uma<br />

porta, ligar o computador ou aparelho de som, dirigir o automóvel; <strong>esse</strong>s<br />

são alguns exemplos de memórias que pertencem a essa categoria.<br />

É difícil, ou mesmo impossível, dizer como fazemos essas coisas, e não<br />

estamos conscientes de qualquer memória em particular enquanto<br />

executamos essas tarefas. De fato, pensar acerca de tais atividades<br />

pode até mesmo inibir a capacidade de desempenhá-las de modo tranquilo<br />

e eficiente. Geralmente, é mais fácil escrevermos um nome “sem<br />

pensar” (automaticamente) que pensarmos cuidadosamente se usamos<br />

“z”, “s”, ou, ainda, “ç” numa ou noutra palavra.<br />

Esta memória é aprendida lentamente, armazenada através de atos<br />

repetitivos, após diversas tentativas, envolvendo associações de estímulos<br />

um após o outro, isto é, numa ordem (não posso sair com meu<br />

carro, antes de abrir a porta, usar a chave de ignição, girá-la, etc.). Esta<br />

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228


memória permite o armazenamento de informações acerca de relações<br />

entre acontecimentos, que são expressas, primariamente, pela<br />

melhoria dos processos de atuação, sem que o sujeito seja capaz de<br />

descrever exatamente o que e como foi aprendido. Envolve, portanto,<br />

sistema de memória que não tem acesso ao conteúdo do conhecimento<br />

geral do indivíduo. Por isso é chamada de memória de processos e<br />

não-consciente.<br />

Esta memória relaciona-se, anatomicamente, a ativação de sistemas<br />

sensoriais e motores comprometidos na tarefa da aprendizagem (digitar,<br />

por exemplo); adquirida e retida devido à plasticidade do sistema<br />

nervoso, que varia de indivíduo <strong>para</strong> indivíduo como um bom e mau<br />

jogador de futebol, vôlei, tênis, etc.<br />

A memória de procedimento (inconsciente) inclui vários processos e<br />

estes envolvem diversas áreas cerebrais:<br />

1. O reconhecimento do estímulo encontrado é uma função dos córtices<br />

sensoriais (órgãos dos sentidos);<br />

2. A <strong>aqui</strong>sição de várias pistas dos estados afetivos sentidos envolve o<br />

sistema límbico (região do cérebro relacionada à emoção);<br />

3. A formação de novos hábitos motores e, talvez, hábitos cognitivos,<br />

exige o neo-estriado;<br />

4. A aprendizagem de ações motoras novas ou a coordenação de novas<br />

atividades irá depender do cerebelo.<br />

Diante de diferentes situações vividas o cérebro é estimulado colocando<br />

em ação diferentes subconjuntos de áreas cerebrais, essas, por sua<br />

vez, agem em combinação com os sistemas de memória explícita (ou<br />

consciente).<br />

Tem sido aceita por alguns teóricos a idéia de que o desenvolvimento<br />

da conduta moral também seria adquirido através da memória de<br />

procedimento e, portanto, inconscientemente. Para seus defensores, a<br />

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229


pessoa geralmente não se lembra de forma consciente como e diante<br />

de quais circunstâncias ela assimilou as regras morais que governam<br />

suas avaliações e a conduta moral ou ética. Tudo indica que essas informações<br />

foram adquiridas quase automaticamente, como as regras<br />

da gramática que usamos sem pensar e que governam cada linguagem<br />

nativa, durante certo período da vida.<br />

Memória Declarativa (O Processo mental<br />

consciente)<br />

A memória declarativa é o armazenamento (e a evocação ou recordação<br />

do armazenado) do material que está disponível <strong>para</strong> a consciência<br />

e pode, portanto, ser expresso mediante a linguagem (por isso é “declarativa”).<br />

Exemplos da memória declarativa são a capacidade de se<br />

recordar de um número de telefone, de uma canção ou das imagens de<br />

algum evento passado.<br />

A memória declarativa ou memória consciente, semântica, episódica,<br />

de evento, de conhecimento, de lugares e outros nomes, envolve associações<br />

de estímulos simultâneos, permitindo o armazenamento de informação<br />

acerca de um acontecimento simples ocorrido num tempo e<br />

lugar particular. Este tipo de memória pode ser aprendido e, posteriormente,<br />

usado, após uma única experiência (estimulação), como ocorre<br />

na primeira vez que frequentamos a escola; o trote do vestibular ou<br />

o primeiro namoro. Uma vez de posse dessa memória, possuímos um<br />

sentido de familiaridade com o fato lembrado, seja pessoa, lugar, etc.,<br />

daí o nome de memória episódica (o primeiro sutiã) que se encontra<br />

relacionada ao episódio.<br />

Portanto, a memória episódica é a informação relacionada a eventos<br />

específicos. Ela pode ser dividida como “memória autobiográfica”, a<br />

que descreve nossas experiências pessoais, e a “memória semântica”,<br />

a que se refere à memória factual ou conceitual; n<strong>esse</strong> caso você pode<br />

adquirir a informação, mas não se lembra quando ou como você a ad-<br />

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230


quiriu (o alfabeto, o número de um telefone etc.)<br />

Categorias temporais de memória<br />

Além dos tipos de memória definidos pela natureza d<strong>aqui</strong>lo que é<br />

lembrado, a memória pode também ser categorizada de acordo com o<br />

tempo durante o qual ela é efetiva (que ela funciona). Embora os detalhes<br />

dessa divisão ainda sejam bastante debatidos tanto por psicólogos<br />

como por neurobiólogos, três classes temporais de memória são geralmente<br />

aceitas.<br />

1-A primeira delas é a memória imediata: por definição a capacidade<br />

rotineira de manter na consciência, durante alguns segundos, as experiências<br />

em andamento. A capacidade d<strong>esse</strong> registro é muito ampla,<br />

envolvendo todas as modalidades (visual, verbal, táctil e assim por<br />

diante), e está na base de um sentido contínuo de “presente”.<br />

2-A segunda categoria temporal é a memória de curta duração: esta é a<br />

capacidade de manter informações na consciência durante segundos a<br />

minutos, passado o momento presente. Uma maneira convencional de<br />

se testar a integridade da memória (declarativa) de curta duração junto<br />

ao leito de um paciente, por exemplo, é apresentar-lhe uma lista de<br />

dígitos ordenados ao acaso e lê-los em voz alta, pedindo que os repita;<br />

surpreendentemente, o “span” (extensão) de dígitos normais é de apenas<br />

7 a 9 números.<br />

Um tipo especial de memória (de procedimento) de curta duração<br />

é denominado memória de trabalho, que se refere à capacidade de<br />

manter as informações na consciência durante tempo suficiente <strong>para</strong><br />

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231


que se desempenhe ações sequenciais. Um exemplo disso é a procura<br />

por um objeto perdido (o comprimido ou a agulha que caiu da mão);<br />

a memória de trabalho permite que a busca proceda eficientemente,<br />

evitando lugares já inspecionados. Uma vantagem em especial da memória<br />

de trabalho é que ela pode ser estudada facilmente em animais<br />

experimentais.<br />

3- A terceira categoria temporal de memória é a memória de longa duração<br />

e compreende a retenção de informação de forma mais permanente,<br />

durante dias, semanas ou mesmo durante toda a vida. A maioria<br />

dos pesquisadores concorda em considerar o assim chamado engrama<br />

(isto é, o substrato físico da memória de longa duração na m<strong>aqui</strong>naria<br />

neuronal) como dependente de alterações de longa duração na eficácia<br />

da transmissão em conexões sinápticas relevantes, e ou no crescimento<br />

real e na reordenação de tais conexões.<br />

A memória declarativa é adquirida através de circuitos que ligam diversas<br />

regiões do córtex, principalmente os circuitos envolvidos com a<br />

memória de trabalho e com o hipocampo. Assim é que lesões de certa<br />

gravidade na região do lobo temporal não impedem o aprendizado da<br />

memória de procedimento, apesar de dificultar ou impedir o da memória<br />

declarativa, (episódica). De outro modo, essa região do lobo temporal,<br />

principalmente o hipocampo, é responsável apenas pelo tipo de<br />

memória declarativa e não a de procedimento.<br />

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232


A memória de trabalho<br />

Durante o processamento de informações, como ocorre durante uma<br />

conversa ou leitura, a memória de trabalho encarrega-se de focalizar as<br />

informações que estão sendo utilizadas, automática e eventualmente<br />

e, além disso, ela poderá ou não utilizar lembranças evocadas de outras<br />

memórias já armazenadas. Eis um exemplo simples de memória<br />

de trabalho: lemos ou ouvimos um número de telefone; memorizamos<br />

este no momento <strong>para</strong> discá-lo; depois, na maioria das vezes, o esquecemos<br />

<strong>para</strong> sempre. Podemos também, ao lermos o número do telefone,<br />

lembrar dos vários encontros e da antiga amizade que tivemos<br />

com o possuidor do telefone focalizado. Junto com essas recordações,<br />

chegamos a “enxergar” a pessoa em diversos contextos e épocas, e, em<br />

cada focalização, sentimos emoções diversas. Esse é o trabalho da memória<br />

do trabalho.<br />

A memória de trabalho pode ajudar-nos, também, no momento do seu<br />

uso, <strong>para</strong> examinarmos ou reexaminarmos eventos, fatos e cognições<br />

passadas. Percebemos com nitidez a utilidade d<strong>esse</strong> mecanismo mental<br />

precioso, diante de sua falta, ao observarmos pacientes portadores<br />

de demências, como os com a Doença de Alzheimer e outras. Esses pacientes,<br />

além de outros sintomas, têm enorme dificuldade, conforme a<br />

gravidade da doença, de trabalhar diante de um problema apresentado<br />

com outros dados que ele já vivenciou; <strong>esse</strong>s dados não se ligam ao<br />

problema enfrentado.<br />

A memória de trabalho, portanto, tem sido usada <strong>para</strong> descrever as<br />

ações do “eu”, ou da memória, envolvendo processamento de informações<br />

no momento em que essas estão sendo percebidas, exibidas na<br />

consciência e usadas. Durante essa ação e, ao mesmo tempo, nós com<strong>para</strong>mos<br />

as informações recebidas com as preexistentes no nosso estoque<br />

de memórias; as que foram ativadas <strong>para</strong> ajudar a compreensão e<br />

a produção do pensamento.<br />

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233


A memória de trabalho tem sido compreendida também como a “tomada<br />

de consciência”, momento a momento, juntamente com a recuperação<br />

de informações armazenadas. Essa é talvez a <strong>aqui</strong>sição mais<br />

significativa da evolução humana; a utilização de lembranças de experiências<br />

passadas <strong>para</strong> auxiliar a avaliação e a tomada de decisões presentes<br />

e futuras, assentada nas situações vividas no presente, ou seja,<br />

no <strong>aqui</strong> e agora. O que chamamos de “inteligência” é, muitas vezes, a<br />

solução de uma dificuldade, usando conhecimentos diversos arquivados<br />

na memória autobiográfica, ao mesmo tempo em que focalizamos<br />

o problema atual, até descobrirmos uma saída <strong>para</strong> ele.<br />

Determinadas memórias preexistentes (autobiográficas) que foram ativadas<br />

ou recuperadas no momento da conversa ou leitura despontam<br />

ou surgem na consciência do indivíduo. Para que o leitor tenha uma<br />

melhor compreensão do descrito, devo dizer que estou considerando a<br />

memória de trabalho como fazendo parte, ou subtipo, aspecto, da memória<br />

declarativa.<br />

Num bate-papo comum, discutindo futebol, política ou religião, entrelaçamos,<br />

sem <strong>para</strong>r, os dados sensoriais observados ou escutados a<br />

outras diversas imagens mentais que aparecem em nossa consciência<br />

e que são ou não expressas durante a conversa. São inúmeros conhecimentos<br />

estocados que emergem em nossa mente, sem nossa vontade<br />

e que ocupam, por momentos, um espaço privilegiado em nossa consciência<br />

tornando-se disponíveis <strong>para</strong> se transformarem em estímulos<br />

<strong>para</strong> nós ou, se desejarmos, expressando-os <strong>para</strong> os ouvintes que<br />

assim ficam cientes deles. Essas imagens mentais particulares podem<br />

passar <strong>para</strong> o mundo externo e entrar no bate-papo dando a este um<br />

colorido especial, pessoal e revelador do seu proprietário.<br />

Nos “papos” solitários e reservados, os que temos com nós mesmos, a<br />

memória de trabalho requisita também os dados da memória autobiográfica,<br />

e assim torna seu proprietário mais capacitado <strong>para</strong> resolver o<br />

problema surgido no momento e, muitas vezes, jamais visto ou mesmo<br />

pensado. A memória de trabalho, de mãos dadas à memória autobio-<br />

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234


gráfica, planeja o caminho futuro a tomar; reúne os pensamentos diversos,<br />

ordena-os e classifica-os <strong>para</strong> melhor lidar com eles, ajuntando<br />

tudo o possível no “quadro negro da mente”.<br />

De outro modo, nosso sistema de automemória adquire constantemente<br />

imagens de fatos e eventos junto com as emoções que eles<br />

despertaram e os guardam no “arquivo” ou no “armazém” da mente.<br />

Ali elas ficam prontas <strong>para</strong> serem usadas desde que fisgadas pela memória<br />

de trabalho. Uma vez apanhadas, isto é, tornando-se acessíveis<br />

à consciência, elas irão influenciar e colaborar com as imagens dos<br />

fatos ou eventos capturados pela memória sensorial do momento visando<br />

a executar alguma ação. A memória de trabalho, portanto, utiliza<br />

diversas lembranças ativadas e, assim, permite a manipulação de<br />

informações complexas como acontece ao jogar uma peça de xadrez<br />

ou planejar a construção de uma frase; portanto, sua ação complexa se<br />

distancia muito das ações puramente instintivas do “sentiu/agiu” automático.<br />

A memória do trabalho, juntamente com a memória autobiográfica, é<br />

fundamental na compreensão da linguagem falada e escrita, pois elas<br />

têm um papel crítico no armazenamento do produto intermediário<br />

e final de um leitor ou ouvinte durante a computação que ele faz da<br />

informação recebida pela leitura ou no bate-papo. Através dessa memória<br />

ele constrói e integra as idéias surgidas da corrente de palavras<br />

sucessivas, de um texto ou de um discurso falado.<br />

A memória de trabalho, anteriormente, foi estudada apenas como uma<br />

memória de curta ou de longa duração. Uma memória é de curta duração<br />

quando ela é usada por poucos minutos e esquecida em seguida,<br />

como escutar um nome <strong>para</strong> usá-lo ou escrevê-lo. Mas, por outro lado,<br />

esta mesma memória pode servir de base <strong>para</strong> a formação da memória<br />

de longa duração. A informação inicial processada, n<strong>esse</strong> caso, o nome<br />

de alguém, pode ser arquivada, até <strong>para</strong> sempre, por motivos diversos.<br />

Uma idéia mais moderna acerca da memória de trabalho não enfatiza<br />

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235


apenas o arquivamento de itens <strong>para</strong> serem posteriormente usados,<br />

mas, também, o armazenamento de consequências parciais obtidas<br />

numa sequência complexa, como a conseguida na execução de cálculo,<br />

avaliação, com<strong>para</strong>ção e inferência (computações), tais como as usadas<br />

na compreensão da linguagem.<br />

Eis um exemplo: um leitor, <strong>para</strong> entender o que está lendo, precisa ser<br />

capaz de extrair e reter em sua mente as informações contidas no que<br />

ele lê num instante, bem como de algo lido um pouco antes, ou seja,<br />

manter acesas diversas informações interligadas e importantes <strong>para</strong> a<br />

compreensão, representações de palavras e de frases anteriores e atuais<br />

numa sentença. Mas não basta só isso. Ele precisa ir além do que as<br />

palavras literalmente afirmam; é necessário relacionar tudo isso numa<br />

compreensão global. Se eu leio: “Maria comprou no supermercado um<br />

presente <strong>para</strong> sua filha”, <strong>para</strong> entender a frase, eu preciso manter na<br />

minha mente diferentes idéias: Maria, uma pessoa do sexo feminino,<br />

que tem uma filha; comprou – ativar o conceito de compra, troca, dinheiro,<br />

etc. relacionado a <strong>esse</strong> ato; supermercado ativa a idéia de um<br />

lugar grande que expõe e vende diversas mercadorias, etc.; presente,<br />

um objeto dado de graça, geralmente <strong>para</strong> alguém com o qual temos<br />

laços afetivos, etc.; filha, sexo feminino, mais nova que Maria, etc. Simplifiquei<br />

muito as imagens ativadas com uma simples frase como esta.<br />

Muito do descrito não estava escrito, mas sim, armazenado em nossa<br />

mente, aprendido pela memória de trabalho de curta duração e, posteriormente,<br />

arquivado na memória de longa duração.<br />

O armazenamento exige diversos níveis de processamentos: o leitor<br />

deve compreender e guardar o tema do texto; a representação da<br />

situação a qual ele se refere; o tempo decorrido durante as ações; as<br />

pessoas envolvidas; o status ou posição de cada uma; as principais proposições<br />

das sentenças precedentes e o curso, criando em sua mente<br />

uma representação multi-nível das sentenças que estão sendo lidas<br />

atualmente.<br />

A essência ou o fundamento do pensamento é a manipulação simbó-<br />

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236


lica de várias imagens mentais. Entre as diversas operações simbólicas,<br />

incluem-se: a com<strong>para</strong>ção, a recuperação, as operações lógicas,<br />

numéricas e outras. A capacidade de computação de uma pessoa é a<br />

quantidade máxima de ativação disponível e possível existente na sua<br />

memória de trabalho capaz de manter excitadas – acessas – as funções<br />

de processamento de informações e, também, o uso do conhecimento<br />

anteriormente armazenamento.<br />

Cada elemento acessado num momento representa coisas diferentes:<br />

uma palavra, uma frase, estrutura gramatical, estrutura temática,<br />

objeto do mundo externo, etc. Tão logo o nível de ativação atinja um<br />

limiar no elemento, este passa a fazer parte da memória de trabalho,<br />

a que está ativada e funcionando necessária à compreensão e, n<strong>esse</strong><br />

caso, prestamos atenção a ele, ou seja, ele penetra na mente <strong>para</strong> ser<br />

manipulado. Caso a quantidade de ativação disponível for pequena –<br />

menor que a quantidade exigida <strong>para</strong> que o intencionado permaneça<br />

estimulado e possível de ser usado <strong>para</strong> a tarefa compreensiva, outros<br />

elementos antigos, ao azar, conquistam o lugar, dominando a consciência<br />

e, logicamente, deslocando os que estavam sendo mantidos ativados,<br />

produzindo-se um esquecimento do que estava sendo pensado. A<br />

pessoa que estava lendo e compreendendo a leitura pára num ponto<br />

do último trecho lido e não continua a assimilação do texto. Alguns,<br />

“gaguejam” na leitura; ficam <strong>para</strong>dos, retornam, voltam <strong>para</strong> uma parte<br />

por um longo período <strong>para</strong> depois continuar.<br />

Podem ser ativados, repetidamente, ciclos sucessivos, aumentando ou<br />

modificando o nível de ativação do elemento alvo, geralmente até que<br />

possa alcançar algum limiar. Assim, ao encontrar um sujeito espera-se<br />

certo verbo. Ao mesmo tempo que o ouvinte ou leitor desenvolve a<br />

expectativa de encontrar certo verbo, a pessoa está também imaginando<br />

outros aspectos da sentença como os sintáticos, os semânticos e os<br />

pragmáticos. Todos eles ocorrem simultaneamente e geram produtos<br />

parciais concorrentes, se o número de processos for compatível com o<br />

nível de ativação.<br />

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237


Há diferenças individuais como ocorre com a energia elétrica de uma<br />

casa. Um proprietário tem mais amperagem na sua fonte permitindo<br />

mais usos de sua eletricidade, mais frio, por exemplo. Além disso, cada<br />

proprietário pode ter maior eficiência na sua instalação permitindo<br />

fazer mais com a corrente que possui, ou seja, produzir mais unidades;<br />

em resumo: capacidade e eficiência. Geralmente, a maioria das pessoas<br />

com mais de 65 anos apresentam dificuldades <strong>para</strong> fazer inferências<br />

que exigem integração de informação através de sentenças. Ao se fazer<br />

uma inferência exige-se o armazenamento de informações de sentenças<br />

prévias ao mesmo tempo, com o processamento da sentença, exigindo<br />

um grande trabalho da memória. Esse déficit dos maiores de 65<br />

anos não é geral.<br />

Para termos uma idéia da importância da memória de trabalho, basta<br />

imaginarmos a ausência deste mecanismo. Se isso ocorr<strong>esse</strong>, ao ouvirmos<br />

uma palavra, a esqueceríamos, e, assim, ela não seria ligada a nenhuma<br />

outra que viria a seguir, nem a outro acontecimento de nossas<br />

vidas. Ao ouvirmos uma segunda palavra – ou som – esta, além de não<br />

ligar-se à anterior – que já fora esquecida – (baila sozinha no espaço)<br />

seria, em seguida, esquecida também. Assim, o máximo que a linguagem<br />

faria seria uma excitação da mente no momento, sem a produção<br />

de nenhuma idéia e, muito menos, de sua associação com outras.<br />

Acredito, talvez somente eu, que certas “letras de músicas”, ouvidas<br />

agora do vizinho, e certos “versos” atuais, não produzem imagens ou<br />

idéias, e, portanto, não relacionam o escutado com nada vivido; excitam<br />

apenas durante alguns momentos da percepção, sons desconexos,<br />

inúteis que agitam algumas pessoas e aborrecem muitos outros, como<br />

me importunou n<strong>esse</strong> momento.<br />

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Acerca da memória autobiográfica<br />

O sistema de automemória – a memória que caracteriza um indivíduo<br />

particular – engloba o conhecimento autobiográfico (CAB) básico a<br />

cada instante. A memória autobiográfica é ativada, junto com a memória<br />

de trabalho, conforme os objetivos do “eu em ação” da pessoa num<br />

certo momento. A memória autobiográfica é formada por estruturas da<br />

memória lembradas (recordadas, recuperadas, utilizadas, resgatadas)<br />

num certo momento, existentes no sistema da automemória (SAM) do<br />

indivíduo. Você compreenderá melhor essas definições em seguida.<br />

Cada pessoa possui seu sistema próprio de automemória geral; <strong>esse</strong><br />

sistema contém a memória autobiográfica e a memória relacionada<br />

aos objetivos do momento do “eu em ação”, que é chamada memória<br />

de trabalho. No sistema de automemória geral processos mentais<br />

controlam ou modulam o acesso ou não a determinado conhecimento<br />

autobiográfico básico.<br />

Vamos a um exemplo abstrato: numa conversa com alguém, ou durante<br />

uma leitura ou reflexão, diversas informações são ouvidas, lidas ou<br />

refletidas formadas pelos mais variados estímulos. Estas, por sua vez,<br />

ativam certas estruturas de conhecimento existentes no estoque de<br />

memórias autobiográficas da pessoa. D<strong>esse</strong> modo, essas memórias recordadas<br />

são colocadas em ação: “A Sonata ao Luar de Beethoven, que<br />

estou ouvindo agora, me fez lembrar dos primeiros discos de vinil que<br />

comprei com meu dinheirinho suado”.<br />

Um exemplo mais espichado: Enquanto escrevia <strong>esse</strong> texto (minha<br />

ação do momento), escutava também músicas de um CD. Num certo<br />

instante, focalizei minha atenção, que estava voltada <strong>para</strong> o texto a<br />

ser escrito, <strong>para</strong> a melodia tocada: o Concerto nº. 2, <strong>para</strong> piano, de<br />

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Mozart. Esta melodia, por sua vez (um estímulo diferente do texto<br />

que escrevia), ativou minhas memórias <strong>para</strong> quando eu era estudante<br />

de Medicina. Nessa época, todas as quintas-feiras às 20h30min eu<br />

frequentava a Cultura Artística onde assistia diversos concertistas de<br />

renome. Deixei de lado o texto e, pouco a pouco, brotaram-se outras<br />

memórias: “lembrei-me do lugar, do pianista num certo concerto, da<br />

quase total falta de dinheiro <strong>para</strong> pagar a mensalidade – meu grande<br />

problema da época – de uma moça por quem eu era apaixonado e que,<br />

não sei se felizmente ou não, não deu em nada…”<br />

Nos dois exemplos, sons determinados (a melodia tocada) deram<br />

origem a uma série de lembranças recuperadas da minha memória<br />

autobiográfica, entre essas lembranças, resíduos de emoções sentidas<br />

naquele tempo distante pelo entusiasmado do jovem estudante de<br />

Medicina.<br />

As lembranças e as emoções produzidas são particularmente minhas;<br />

elas diferem das lembranças das outras pessoas, pois fui eu quem as<br />

vivi de certo modo peculiar, bem como toda a série continuada de<br />

imagens que, por instantes, voltaram a habitar minha consciência logo<br />

após ouvir o concerto de Mozart ou a Sonata de Beethoven.<br />

Entretanto, o concerto de Mozart (ou a Sonata de Beethoven), que é<br />

público, comum, poderá ser ouvido por quem assim o desejar; minhas<br />

lembranças e as representações produzidas por elas, por outro lado,<br />

só pertencem a mim, elas são privadas; eu as descrevi (relatei-as), mas<br />

vocês jamais as possuirão, pois não há como transferi-las de minha<br />

mente <strong>para</strong> suas, apenas estão lendo minhas descrições do observado<br />

e sentido.<br />

Aproveitei um leve de descuido na minha elucubração acerca do tempo<br />

de estudante e, com algum esforço, retornei-me ao texto. Em dúvida<br />

quanto ao voltar ou não àquele longínquo tempo, decidi retornar ao<br />

tempo presente. Não foi fácil.<br />

Deve ser lembrado que a ativação das metas a serem alcançadas por<br />

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nós e, constantemente, realizadas pelo “eu” em ação no tempo presente,<br />

é influenciada, em parte, pelo conhecimento autobiográfico básico<br />

armazenado e, por outro lado, pelos estímulos externos à pessoa<br />

num momento; como a música escutada por mim. De outro modo, o<br />

conhecimento autobiográfico básico pre<strong>para</strong> o terreno <strong>para</strong> gerar os<br />

objetivos do eu em ação. Por outro lado, o eu em ação ao agir, muitas<br />

vezes, produz novos conhecimentos que são, posteriormente, também<br />

armazenados no sistema autobiográfico.<br />

Assim, a música de Mozart despertou-me <strong>para</strong> outras memórias autobiográficas<br />

do tempo da Cultura Artística, de minha juventude, etc.,<br />

mas o que eu reuni daquelas vivências <strong>para</strong> escrever <strong>aqui</strong>, pode, se tiver<br />

importância <strong>para</strong> mim, gerar outras emoções de valor que poderão<br />

também ser armazenadas agora, na minha memória autobiográfica,<br />

aumentando o estoque do guardado. Conclui-se que a memória autobiográfica<br />

é de importância significativa <strong>para</strong> a idéia que fazemos de<br />

nós mesmos, ou seja, do eu de cada um e, também, <strong>para</strong> as emoções e<br />

experiências da pessoa vivendo numa cultura determinada.<br />

O SMAB (sistema de memória autobiográfica), sendo altamente complexo,<br />

forçosamente apresentará diferentes tipos de problemas: 1) o<br />

neuropsicologista irá se preocupar com respeito à neuranatomia subjacente<br />

e outros aspectos da neurobiologia; 2) os teóricos da personalidade<br />

terão seus inter<strong>esse</strong>s voltados <strong>para</strong> os vários estilos de personalidade<br />

e as memórias autobiográficas, e das ligações, facilitando ou<br />

dificultando o acesso aos conjuntos ou feixes de memórias estocadas;<br />

3) os psicólogos do desenvolvimento irão focalizar a natureza da memória<br />

infantil, da do jovem, os lapsos de memória e amnésia do adulto<br />

e idoso.<br />

O sistema de memória autobiográfica é uma construção transitória<br />

da mente, nascido do conhecimento básico subjacente a este. Ele, a<br />

cada instante, por ser estimulado por sinais diversos, dependendo de<br />

sua maior ou menor sensibilidade a essas informações facilitadoras do<br />

desencadeamento. Alguns padrões de ativação são endógenos; estes<br />

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241


podem não alcançar a consciência; outras ativações são exógenas (do<br />

meio exterior e da cognição, geralmente, mas nem sempre, alcançam<br />

a consciência). Tudo faz crer que há um controle central que modula a<br />

entrada da memória ativada, faz com que esta alcance a consciência e,<br />

em seguida, se incorpore a essa. São <strong>esse</strong>s processos de controles executivos,<br />

ou centrais, que implementam, a todo instante, os planos <strong>para</strong><br />

a conduta em cada momento. Esses processos controladores derivam<br />

de metas mais importantes e preponderantes do eu em ação. Um outro<br />

exemplo vivido por mim e que serve <strong>para</strong> ilustrar o descrito.<br />

Eu estava escrevendo essas idéias. Num certo instante, uma mosca<br />

começou a pousar na minha testa. N<strong>esse</strong> ponto, larguei o que estava<br />

fazendo <strong>para</strong> espantar a mosca. Afastei-a, por instantes. Irritado, retornei,<br />

com alguma dificuldade, ao trabalho anterior, pois a mosca havia<br />

invadido não só minha face, mas, também, minha consciência e a estratégia<br />

do meu eu em ação que era escrever determinadas idéias; devido<br />

a sua presença, meu eu em ação parou de fazer o planejado e passou,<br />

naquele instante, a realizar outra atividade, julgada por ele (meu eu em<br />

ação) mais importante, que era espantar a mosca chata e poderosa. Algumas<br />

vezes, ironicamente, uma das principais funções dos processos<br />

de controle central do eu em ação é justamente inibir, constantemente,<br />

a penetração e domínio de certos padrões de ativação que forçam e<br />

tentam penetrar e dominar a consciência. Este é o caso dramático dos<br />

pensamentos obsessivos e, também, da visualização, meio sem querer,<br />

de cenas desagradáveis como as observadas num acidente ou em qualquer<br />

fato doloroso etc. (Transtornos de ansiedade pós-estr<strong>esse</strong>: TAPE).<br />

N<strong>esse</strong> caso, e em inúmeros outros, o objetivo do controle central é o<br />

de não interromper a sequência do processamento desejado que tinha<br />

sido ativado anteriormente e não permitir a entrada do outro, do intruso,<br />

que não estava nos planos do “eu” em ação.<br />

Vou lhes dar um exemplo mais complexo <strong>para</strong> elucidar a explicação<br />

acima. Encontro-me no consultório atendendo a um cliente. N<strong>esse</strong><br />

instante minha memória trabalha <strong>para</strong> recuperar lembranças de conhecimento<br />

psiquiátrico importante, pois será através dele que farei obser-<br />

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242


vações, perguntas e irei compreender ou interpretar os fatos reunidos<br />

do cliente.<br />

Como quase sempre ocorre: os relatos do paciente não são ordenados.<br />

O profissional é quem deve e precisa reuni-los e ordená-los conforme<br />

as teorias e a lógica existente. Durante a consulta eu tento selecionar<br />

os fatos ouvidos, os sinais percebidos, valorizar um e outro, descartar<br />

os sem importância <strong>para</strong> o desejado, enfatizar um ou outro possíveis<br />

de serem mais importantes.<br />

Assim, coloco os dados obtidos e mais as deduções criadas numa certa<br />

ordem temporal e causal, ligada também a certos aspectos do contexto<br />

onde os sintomas mais apareceram e onde eles não são produzidos e,<br />

também, fatos relatados de importância <strong>para</strong> compreender os eventos<br />

atuais. Tudo ordenado e armazenado na minha memória, pronta <strong>para</strong><br />

ser usada.<br />

Assim vou construindo modelos mentais compreensíveis <strong>para</strong> mim,<br />

compostos de teorias e experiências já vividas, que vão surgindo em<br />

minha memória. Entretanto, num certo momento, o cliente responde<br />

pouco às indagações. Minha memória muda de rumo: imagino, formulando<br />

uma hipótese, que o cliente pode estar fornecendo, propositadamente,<br />

descrições e dados falsos e, pouco depois, mais me certifico de<br />

que parece que tenho razão. Ao mesmo tempo, lembro que eu posso<br />

estar errado. Fico com raiva do cliente…<br />

A cada momento, conforme o ativado, as representações que ocupam<br />

minha consciência são modificadas. Num instante estou imerso no<br />

mundo da Medicina, voltado <strong>para</strong> conhecer e ajudar o cliente; num<br />

outro, largo essa atitude ao desconfiar-me dele, abandono o papel de<br />

médico e, automaticamente, torno-me um homem como qualquer um,<br />

pois sou gente como a gente.<br />

Quando percebi que ele, por desejo próprio, estava me enganando<br />

com os fatos relatados, mudei o cenário de minha consciência, ou seja,<br />

recuperei ou relembrei outro tipo de memória, de desejos de mostrar<br />

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<strong>para</strong> o cliente que sei que ele está me enganando. A raiva continua;<br />

tento controlá-la. O interrogatório que estava correndo bem e harmônico,<br />

numa só direção, ou seja, conhecer o paciente e ajudá-lo, desvia-<br />

-se.<br />

Começam a aparecer na minha consciência, ajudadas pela memória de<br />

trabalho e a autobiográfica, outras lembranças: clientes de muitos anos<br />

atrás, um e outro aparecem, tomam conta do meu foco de atenção e,<br />

com estes, emoções diversas relacionadas ao recordado, dos que agiram<br />

do mesmo modo, que me tomaram tempo, não me respeitaram,<br />

etc.<br />

Mas, esforçando-me, controlo-me e retorno ao exame do paciente e<br />

não de crítico de pessoas e dono da verdade e do certo. Assim consigo<br />

focalizar em minha consciência, com algum esforço, que ele é um paciente<br />

e eu estou ali <strong>para</strong> tratar dele; <strong>esse</strong> comportamento faz parte da<br />

conduta de clientes.<br />

N<strong>esse</strong> caso, minha tarefa, realizar uma consulta, foi prejudicada por<br />

uma “raiva” do cliente. Ora surgia uma, ora outra imagem diferente,<br />

há conflito de lembranças – antigas e atuais; os dados da anamnese, os<br />

sinais d<strong>esse</strong> cliente e também outras lembranças invasoras, dominadoras<br />

que nada tinham a ver com o problema que agora enfrentava; eram<br />

dois eus meus em ação; um <strong>para</strong> ajudar o cliente, outro <strong>para</strong> me ver livre<br />

dele, um ligado ao amor a ele, o outro de desprezo, um comandado<br />

por um eu (cérebro) mais primitivo, selvagem, um outro mais educado<br />

e civilizado que incorporou as regras do bom médico, este recrimina o<br />

outro eu, e espanta diante do que “ele” pensa e imagina (luta das duas<br />

cabeças).<br />

Esse turbilhão de imagens vai se sucedendo, aparece e desaparece;<br />

forma uma fileira enorme de outras memórias recuperadas, muitas<br />

geradas pelas imagens indesejáveis; a maioria inútil <strong>para</strong> o plano original:<br />

examinar o cliente e ajudá-lo. Forço minha mente, obrigo-me a<br />

focalizar o desejado. Também aparece o indesejado, ficar livre dele;<br />

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preciso ainda resolver o problema do paciente e, principalmente, meu<br />

problema, eliminar o meu conflito.<br />

Retorno ao presente. Foi como acordar depois de um pesadelo e verificar<br />

que a realidade é outra. Assim, mais calmo, pois me livrei da dúvida<br />

quanto à decisão a tomar, decidi interromper minha narração, levantar-<br />

-me, ir até a cozinha, abrir a geladeira e pegar um pedaço de abacaxi<br />

<strong>para</strong> comer. Em seguida, fazer um pipi e tomar um banho. Foi assim<br />

que encerrei a “consulta e o conflito” imaginado.<br />

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Memória autobiográfica e outras<br />

Um surpreendente aspecto da memória autobiográfica (AB) é que ela<br />

sempre contém conhecimentos de níveis de especificidade diferentes,<br />

como por exemplo: períodos de vida, eventos gerais e conhecimentos<br />

de eventos específicos.<br />

Para ilustrar relato, mais uma vez, minha própria experiência (é essa<br />

que mais conheço), diante com um acidente automobilístico com um<br />

familiar que residia comigo e havia saído cedo <strong>para</strong> ir a um clube. O<br />

telefone, às 14h30min – eu acabara de almoçar – tocou inúmeras vezes<br />

antes que eu fosse atendê-lo; ele estava ligado na secretária eletrônica.<br />

Eu usava apenas um short naquela tarde de 18 de novembro, quando<br />

recebi a notícia. Angustiado com a noticia assustadora contada pelo<br />

informante, imediatamente, relacionei o fato atual, através de minha<br />

automemória, com a morte do meu pai que havia morrido exatamente<br />

n<strong>esse</strong> mesmo dia: 18 de novembro.<br />

A tarde estava muito quente. Eu me vesti em três ou quatro minutos.<br />

Desci as escadas em direção à garagem <strong>para</strong> dirigir-me ao Pronto Socorro.<br />

Quando ia sair fui interceptado pela faxineira do prédio; esta começou<br />

a contar-me, pausadamente, alguma coisa que não me lembro.<br />

Rápida e bruscamente, a descartei sem contar aonde ia e <strong>para</strong> quê.<br />

Perdi-me um pouco no trânsito, atrav<strong>esse</strong>i sinais fechados e passei em<br />

lugares não permitidos. Por fim, estacionei meu carro no Pronto Socorro.<br />

Vejo um policial avisar-me, educadamente, que lá era o lugar das<br />

ambulâncias. Prontamente arrumou-me um lugar apropriado…<br />

Poderia continuar contando muitas e muitas outras imagens que me<br />

ocorrem; mas vou <strong>para</strong>r, pois elas não me agradam..<br />

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No exemplo, há fatos específicos: “era um domingo, estava quente, dia<br />

18 de novembro, etc.” associados com outras características do período<br />

(a faxineira, o militar, o lugar que estacionei, etc.) O evento central<br />

lembrado e relatado foi o acidente. Em torno dele vários conhecimentos<br />

de eventos específicos, os detalhes citados e o sofrimento e incerteza<br />

quanto ao prognóstico. Na realidade os conhecimentos específicos<br />

– detalhes – estão contextualizados, ou seja, encerrados numa rede<br />

maior, dentro do acontecimento mais geral. Este, por sua vez, associou-<br />

-se a um período da minha vida, quando eu era criança e meu pai<br />

morreu quando ainda focalizei outros conhecimentos específicos dessa<br />

época (casa onde residia, o modo como ele morreu, etc.) existente na<br />

memória autobiográfica como um todo.<br />

a) Período da Vida (Existência) PV ou PE<br />

Os períodos da vida tais como: “domingo, à tarde, eu tinha acabado<br />

de almoçar; o acidentado residia comigo, etc.” representam o conhecimento<br />

geral acerca dos outros significantes; localizações comuns;<br />

ações; atividades; planos e metas; características do período. Os períodos<br />

da vida também indicam períodos distintos do tempo com início<br />

e término identificáveis, embora estes possam ser indistintos e não<br />

se<strong>para</strong>dos.<br />

O conteúdo de um período da existência ou da vida representa um conhecimento<br />

acerca de aspectos comuns daquele período, assim como<br />

um conhecimento da duração do período.<br />

Para qualquer período cronológico dado, pode haver, contudo, um número<br />

de períodos de vida, como, por exemplo: quando eu vivia com Y,<br />

pode ser sobreposto num tempo quando eu trabalhava no X; mas o conhecimento<br />

dos temas relacionados aos dois períodos descritos pode<br />

revelar diferentes partes do conhecimento autobiográfico (CAB). Entretanto,<br />

os períodos da vida podem, eles mesmos, ligarem-se, formando<br />

temas de ordens mais elevadas como os relacionados ao trabalho, ao<br />

namoro, relações com amigos, etc.<br />

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Um ponto interessante é que nós formamos atitudes – positivas ou negativas<br />

– <strong>para</strong> os períodos de nossa vida, como nos exemplos: “este foi<br />

o período quando as coisas não estavam bem <strong>para</strong> mim”; “<strong>esse</strong> período<br />

estava animado com o curso que fazia”. Esta auto-avaliação emotiva<br />

da lembrança de um período de vida pode ser importante na construção<br />

da memória; pode tornar-se o centro do relato, a partir do qual os<br />

outros fatos se prendem.<br />

O conhecimento da passagem do tempo, incluídos nos períodos da<br />

vida, podem ter a forma de esquemas temporais pessoais, os quais podem<br />

demarcar os limites do período e também conter outros conhecimentos<br />

de eventos marcantes do qual a ordem temporal pode ser inferida<br />

ou construída posteriormente: “Dos 28 aos 31 anos, quando fiz um<br />

segundo curso superior, fui expulso de um emprego e arrumei outro,<br />

muito melhor que o primeiro, dois meses depois; comprei um carro e,<br />

além disso, arrumei uma linda namorada, que, infelizmente, sem quê<br />

nem pra quê, me trocou por outro.”<br />

b) Acontecimentos Gerais<br />

Os acontecimentos gerais circundam tanto os eventos repetidos (caminhava<br />

pelo bosque) quanto os eventos simples (minha viagem a<br />

Itabira). Podem também representar conjuntos de eventos associados<br />

e, assim, englobar uma série de memórias ligadas por um tema. Todos<br />

nós temos exemplos de nossas “mini-histórias”, quando realizamos<br />

atividades tais como a primeira vez que dirigimos um carro; a primeira<br />

namorada, etc. N<strong>esse</strong>s casos os fatos são organizados ao redor de<br />

memórias individuais representando conhecimentos de aspectos de<br />

um objetivo alcançado (tanto positivo como negativo) que aparecem<br />

<strong>para</strong> organizar e compor as informações significativas <strong>para</strong> o eu. Uma<br />

composição acerca de como, facilmente ou não, uma habilidade foi adquirida;<br />

acerca do sucesso ou fracasso nas relações interpessoais com<br />

Maria ou com José.<br />

A memória da “primeira vez”, chamada de explícita ou episódica, é<br />

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nítida e fulgurante. Ela constitui uma categoria importante dos acontecimentos<br />

gerais; servindo <strong>para</strong> determinar a natureza do eu particular.<br />

As memórias episódicas podem dar origem a uma organização maior,<br />

dentro da classe de eventos gerais; assim, grupos pequenos de memória<br />

se relacionam: “Tudo que fiz deu errado; sou um azarado”. Obviamente<br />

outros tipos de eventos podem também formar organizações,<br />

por exemplo: o feriado de 7 de setembro; quando elaborei a construção<br />

de minha casa; quando quebrei a perna, etc. Assim, uma lembrança<br />

é usada <strong>para</strong> provocar outras lembranças.<br />

c) Conhecimento Evento-Específico -CEE<br />

Estudos recentes sugeriram que as memórias intrusas, as que ocorrem<br />

sem nosso desejo ou sem nossa vontade, comuns nos Transtornos de<br />

Ansiedade Pós-Estr<strong>esse</strong> (TAPE), aparecem geralmente em seguida a um<br />

trauma simples. Essas memórias, inicialmente, tomam a forma de um<br />

conjunto não relacionado de detalhes sensos-perceptuais, podendo,<br />

com o tempo, ligarem-se aos eventos gerais e mais abstratos, ou a períodos<br />

de conhecimento de vida. N<strong>esse</strong> transtorno, após um acidente<br />

grave, como um incêndio, um estupro, por exemplo, a pessoa, depois<br />

do fato, sem o desejar, apresenta lembranças e representações mentais<br />

nítidas e repetitivas do fato desagradável vivido. Esta representação<br />

desorganizada (não está inserida num contexto maior) do conhecimento<br />

evento-específico contrasta com a organização de eventos de detalhes<br />

típicos do dia-a-dia, da memória não-traumática ou saudável. Por<br />

isso essa representação anômala, surgida ao acaso, vagueia em busca<br />

de um ninho conceitual acolhedor; um local que ainda não havia sido<br />

criado naquela mente.<br />

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Objetivos e Memória<br />

Todos nós já experimentamos situações que nos provocaram grandes<br />

emoções, por isso mesmo nunca mais as esquecemos. Entretanto, os<br />

mesmos fatos que nos emocionaram e foram arquivados em nossa memória<br />

<strong>para</strong> sempre poderiam não causar nenhuma emoção no nosso<br />

amigo, familiar ou inimigo, pois cada pessoa tem obrigações éticas ou<br />

morais, objetivos e ideais diferentes.<br />

Os pesquisadores afirmam que a memória autobiográfica (reservatório<br />

de lembranças) é, basicamente, o conjunto de acontecimentos armazenados<br />

e capazes de serem recuperados acerca do sucesso ou do fracasso<br />

que tivemos com respeito às nossas metas passadas. O memorizado<br />

é arquivado em feixes ou porções em torno de um acontecimento<br />

marcante e provocador de emoções poderosas <strong>para</strong> a pessoa, isto é,<br />

as “reviravoltas ou viradas da vida”; um grande sucesso ou um terrível<br />

fracasso. Em resumo: retemos e armazenamos, mais facilmente em<br />

nossa memória autobiográfica, as situações enfrentadas contaminadas<br />

com carga emocional grande, principalmente as que nos levaram <strong>para</strong><br />

outros caminhos, nos transformaram.<br />

A organização das memórias e as metas pretendidas<br />

Hoje há evidência substancial mostrando que as memórias estão relacionadas<br />

e orientadas às metas mais concretas e, também, a subgrupos<br />

de amplas metas mais gerais e abstratas.<br />

Os objetivos mais gerais podem, seletivamente, fazer aparecer em nossa<br />

consciência conjuntos de memórias relacionadas à meta pretendida,<br />

tornando-as acessíveis. Exemplificando: uma pessoa que sempre deu<br />

muita importância à <strong>aqui</strong>sição de conhecimento irá enfatizar e lembrar<br />

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mais do vestibular, do curso superior, da formatura e dos primeiros<br />

passos na profissão, etc.. Por outro lado, a pessoa que enfatiza os contatos<br />

humanos, provavelmente se lembrará mais facilmente (ficará<br />

mais na superfície) dos primeiros amigos, da primeira namorada, transa,<br />

esposa, etc.<br />

Nos exemplos acima, um fator geral enfatizado, conhecimento, no primeiro<br />

caso, e relações pessoais, no segundo, serviu de lanterna <strong>para</strong><br />

iluminar um tipo e não outro de lembranças passadas. Vejamos um<br />

outro exemplo: as memórias de pessoas com um modelo de si mesmo<br />

relacionado aos aspectos de dependência/independência, apresentam<br />

uma tendência a pescar ou atrair, preferencialmente, as memórias relacionadas<br />

às experiências mostrando situações onde elas tinham se<br />

comportado de modo dependente ou independente. Por outro lado, as<br />

pessoas com tipos diferentes de esquemas pessoais, não especialmente<br />

marcados pelo auto-esquema dependente/independente, não irão<br />

apresentar essa tendência em sua memória, e, muitas vezes, nem percebem<br />

a existência dessa característica numa certa cena observada.<br />

Esse exemplo pode ser estendido <strong>para</strong> qualquer tipo de esquema formado<br />

e que serve de guia <strong>para</strong> percepções futuras e, logicamente, <strong>para</strong><br />

futuras condutas. Conforme essa idéia, nós percebemos e descrevemos<br />

os fatos ou eventos, como a observação de uma discussão, um acidente,<br />

um crime, conforme nossos auto-esquemas; são eles que irão<br />

determinar nossas tendências perceptivas; “cada macaco observa seu<br />

galho conhecido e acolhedor”.<br />

Num estudo realizado com o TAT (Teste de Apercepção Temática), hoje<br />

pouco usado no Brasil, pesquisadores examinaram aspectos não-conscientes<br />

das pessoas, entre <strong>esse</strong>s, suas motivações, principalmente as<br />

relacionadas ao poder e às intimidades. Em cada um dos grupos estudados,<br />

cenas diversas (do TAT) serviram de estímulos <strong>para</strong> que a pessoa<br />

inventasse histórias acerca do que está percebendo.<br />

As pessoas normalmente inventam histórias usando como roteiros<br />

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temas relacionados às suas motivações/emoções básicas. Um aspecto<br />

interessante foi que nenhum grupo mostrou tendência em recuperar<br />

memórias (detectar lembranças) <strong>para</strong> temas mais comuns, mundanos<br />

e sem emoções, confirmando a suposição de que memorizamos nossos<br />

sucessos e fracassos, não situações insossas.<br />

Numa outra pesquisa, pediu-se a pessoas com mais de 70 anos <strong>para</strong><br />

descreverem lembranças de fatos de suas vidas; <strong>esse</strong>s deviam ser lembrados<br />

conforme as décadas da vida. Observou-se que as lembranças<br />

relatadas estavam marcadas por fatos preponderantes relacionados a<br />

temas psicossociais relevantes <strong>para</strong> a idade. Assim, a maioria das lembranças<br />

registradas no período de 10 aos 20 anos relacionava-se a temas<br />

de identidade/confusão de identidade; por outro lado, dos 20 aos<br />

30, predominavam as experiências de intimidades/isolamento, e assim<br />

por diante.<br />

A memória, portanto, está relacionada à personalidade, onde há motivos<br />

egoísticos, busca de prazer ou de escapar de perigos, bem como<br />

motivos pró-sociais (altruístas), aliar-se a uma pessoa, como no caso de<br />

amizades, companheirismo, acasalamento, etc.<br />

Um outro estudo realizado em 1999 foi feito com grupos de pessoas<br />

classificadas como possuidoras de emoções e de motivações egoístas,<br />

isto é, mais preocupadas com o poder pessoal, a realização e a independência,<br />

que foi com<strong>para</strong>do com um outro grupo, onde predominavam<br />

as emoções e motivações pró-sociais, ou seja, mais preocupadas<br />

com as ligações com outros, relações, interdependência. Observou-se<br />

que os mais “egoístas” estruturam o conhecimento gerando mais memórias<br />

relacionadas às diferenciações, como o desacordo, a divergência,<br />

a se<strong>para</strong>ção e a independência. Por outro lado, os denominados<br />

“pró-sociais” estruturam o conhecimento e memorizam os fatos que<br />

giram em torno de conceitos de “integração”, enfatizando as semelhanças,<br />

conformidade, congruência e interdependência. Observações<br />

semelhantes podem ser percebidas durante qualquer conversa, discussões,<br />

exemplos, etc.<br />

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Outros estudos semelhantes mostraram que os “egoístas” relembravam<br />

mais as memórias emocionais relacionadas aos eventos que envolviam<br />

problemas deles com respeito à mestria, a humilhação; além<br />

disso, o conteúdo geral estruturou-se em termos da se<strong>para</strong>ção de<br />

pessoas. Já os “pró-sociais” lembravam e tinham mais emoções <strong>para</strong> os<br />

fatos e eventos acerca de aspectos de outras pessoas importantes <strong>para</strong><br />

ele, não ele próprio, onde ocorreram atos de amor, fraternidade e amizade;<br />

sendo que o conteúdo da memória foi estruturado em termos de<br />

ligação de pessoas e não das divergências.<br />

Um estudo investigou a memória das pessoas <strong>para</strong> períodos específicos<br />

da educação. A curiosidade inicial detonada <strong>para</strong> os períodos foi<br />

a observação de que as autobiografias, quase sempre, contêm relatos<br />

de eventos altamente específicos. D<strong>esse</strong> modo, verificou-se que alguns<br />

d<strong>esse</strong>s fatos funcionaram como “pontos de virada”, reviravoltas, ou<br />

mudanças básicas, ou seja, momentos auto-definidores <strong>para</strong> a pessoa.<br />

Estas ocasiões cruciais, os pontos de virada, geralmente envolviam<br />

a adoção de uma meta de vida especial, diferente da anterior e que,<br />

mais tarde, determinavam, em grande parte, as atividades da pessoa.<br />

Os estudantes pesquisados eram capazes de relatar suas vidas em<br />

detalhes, com memórias altamente vívidas, claras e expressivas, de<br />

interações com professores e outros mestres que profundamente influenciaram<br />

suas vidas acadêmicas e, algumas vezes, os rumos fundamentais<br />

delas. Foram <strong>esse</strong>s acontecimentos especiais os criadores das<br />

metas de longa duração adotadas por <strong>esse</strong>s pesquisados, como decidir<br />

estudar Veterinária, tornar-se um escritor, largar os estudos, iniciar a<br />

carreira de comerciante, etc.<br />

Outros estudos com respeito às lembranças guardadas, disponíveis e<br />

orientadoras <strong>para</strong> traçar o futuro examinaram os “temas da vida”. Esses<br />

foram desenvolvidos em reposta aos problemas existenciais enfrentados<br />

pelos indivíduos na sua infância, tais como pobreza, injustiça social<br />

e assim por diante. O fator determinante e crítico <strong>para</strong> a escolha de<br />

ocupações posteriores foi a maneira do indivíduo conceituar o proble-<br />

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ma enfrentado durante o período de sofrimento, bem como das possíveis<br />

soluções imaginadas n<strong>esse</strong> período crítico. O estudo examinou,<br />

entre outras, pessoas que viveram extrema pobreza. Os resultados foram<br />

extremamente interessantes:<br />

Os que conceituaram o problema da pobreza, bem como sua solução<br />

(uma segurança futura imaginada) como somente possível de ser obtida<br />

através de um constante ganho de dinheiro, tendiam, no caso de<br />

terem ficado ricos, a não ocupar um status profissional elevado. Um<br />

dos indivíduos estudados na pesquisa, que economizou e, com cuidadosos<br />

investimentos, tornou-se milionário, continuou a trabalhar como<br />

funcionário de uma fábrica onde ele sempre trabalhara, desde o início<br />

de sua vida.<br />

Um outro indivíduo estudado construiu conceituações mais abstratas<br />

acerca da pobreza e, também, ações possíveis <strong>para</strong> extingui-la diferentes<br />

do caso citado acima. Para este, a pobreza estaria relacionada à<br />

injustiça social, ou seja, usou um tema diferente do que simplesmente<br />

ganhar mais dinheiro. Assentado n<strong>esse</strong> <strong>para</strong>digma, e não no utilizado<br />

pelo sujeito anterior, este planejou outras soluções <strong>para</strong> seu problema:<br />

lutar contra as injustiças sociais. Este homem estudado, mais tarde,<br />

adquiriu ocupação profissional que fornecia a oportunidade de instrumentalizar<br />

seu ganho a partir do seu crescimento na ocupação e na<br />

maneira de trabalhar, ou seja, ele usou soluções conforme a conceituação<br />

abstrata imaginada. N<strong>esse</strong> estudo todos os indivíduos foram<br />

capazes de recordar memórias detalhadas, altamente vívidas, dos<br />

momentos críticos na gênese e na realização de suas soluções <strong>para</strong> os<br />

problemas da vida que tinham identificado.<br />

Estudos verificaram a relação entre metas pretendidas e as memórias<br />

associadas aos sentimentos de felicidade e de orgulho. Verificou-se<br />

que as lembranças associadas aos sentimentos positivos se ligavam às<br />

metas atingidas e, n<strong>esse</strong> caso, havia uma suave caminhada nos planos<br />

pessoais. Em contraste, as lembranças associadas aos sentimentos de<br />

tristeza e de raiva estavam ligadas às falhas progressivas <strong>para</strong> atingir as<br />

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metas imaginadas. Para <strong>esse</strong>s pesquisadores, cada indivíduo tem um<br />

conjunto de memórias auto-explicativas, auto-definidoras e auto-determinadas<br />

que abriga um conhecimento avaliador e crítico do progresso<br />

atingido ou não-atingido com respeito às metas de longa duração.<br />

As memórias produzidas na infância revelam as “verdades do desenvolvimento”;<br />

elas se referem a situações nas quais a criança quer ajuda,<br />

aprovação e amor, geralmente dos pais. As lembranças relacionadas à<br />

adolescência referem-se a eventos nos quais a lembrança era a de desejar<br />

amor recíproco, assertividade ou outra ajuda. Estudos mostraram<br />

que as pessoas com estilos de ligações ansioso-ambivalentes com os<br />

pais ou outros criadores, tipicamente, mostram empobrecimento das<br />

lembranças autobiográficas <strong>para</strong> experiências afetivas negativas da infância;<br />

não obstante, eram capazes de, mais rapidamente que os indivíduos<br />

seguros e com boas relações afetivas, responderem questões que<br />

não focalizam as experiências afetivas.<br />

Parece que a maioria das pessoas, não explicitamente, busca metas<br />

<strong>para</strong> serem atingidas a cada momento do dia-a-dia; de outro modo, as<br />

pessoas ordenam planos <strong>para</strong> alcançarem objetivos. Estes projetos são<br />

influenciados pelo que é retido e utilizado pelo sistema de memória de<br />

cada um. Assim, os planos a serem executados emergem do que está<br />

armazenado no sistema de memória. Por outro lado, muitas vezes, os<br />

planos e as metas podem, elas mesmas, não ser explicitamente representadas<br />

no conhecimento base, ou, de outro modo, não podem ser<br />

representados de uma forma acessível à tomada de consciência, mas<br />

são elas que dão as cartas orientando o comportamento.<br />

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255


Memória e Esquecimento:<br />

doenças e envelhecimento<br />

Havia uma crença de que tudo que aprendemos é armazenado permanentemente<br />

na mente, embora algumas vezes detalhes particulares<br />

não sejam acessíveis. Essa afirmação não é correta. Se não fosse pelo<br />

esquecimento, nossos encéfalos estariam oprimidos com uma carga<br />

impossível representada pelo colosso de informações inúteis, que são<br />

codificadas em nossa memória imediata. De fato, o encéfalo humano é<br />

muito bom <strong>para</strong> esquecer.<br />

Parece evidente que esqueçamos de coisas que não tenham maior importância<br />

e que memórias pouco ou nada utilizadas deterioram com o<br />

tempo. A capacidade de esquecer informação sem importância pode<br />

ser tão decisiva <strong>para</strong> a atividade mental normal quanto reter informação<br />

que seja significativa. Há descrição histórica de um paciente que<br />

não se esquecia de nada que lhe era contado ou percebido. A vida d<strong>esse</strong><br />

paciente era um inferno.<br />

As falsas memórias são geralmente acerca de esquecimento de incidentes<br />

que ocorrem e de lembranças de modo diferente do ocorrido.<br />

As pessoas organizam as informações de modo que elas têm sentido<br />

<strong>para</strong> elas; <strong>esse</strong> sistema de organização, muitas vezes, resulta numa memória<br />

que não é acurada.<br />

Um exemplo simples, realizado por mim várias vezes quando professor,<br />

foi o realizado com alunos de Medicina acerca de um relato de uma<br />

cena ocorrida em um ônibus. Eu pedia a um aluno <strong>para</strong> que relatasse<br />

<strong>para</strong> um outro, o que ele via num desenho mostrando pessoas diversas<br />

dentro do ônibus. Esse primeiro aluno olhava a figura quanto tempo<br />

quis<strong>esse</strong> e descrevia a cena examinando-a. O segundo aluno, por sua<br />

vez, apenas escutava o narrado ao entrar na sala do experimento.<br />

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256


Depois, um terceiro entrava, sem ter escutado a primeira narração e,<br />

em seguida, contava o que escutara <strong>para</strong> o quarto aluno que entrara.<br />

Geralmente fazia a experiência com sete alunos, pois, n<strong>esse</strong> sétimo o<br />

lembrado se resumia a uma frase simples, como: “No ônibus havia um<br />

homem negro atacando um branco com uma navalha”.<br />

Ora, o quadro era muito mais rico e, entre os diversos aspectos do<br />

mostrado, havia um homem branco com uma navalha na mão, próxima<br />

da face do homem negro. Quase sempre a “navalha mudava de mão”;<br />

quem usava a navalha, através do relato, era o negro. Havia outros estímulos<br />

diferentes <strong>para</strong> serem usados, como o de um menino parecendo<br />

estar tirando algo de um carrinho que vendia bolinhos na rua, bem<br />

como outros.<br />

Um outro teste diferente era uma fotografia de um acidente entre um<br />

trem e um automóvel, onde se viam diversas pessoas, casas, luzes, etc.<br />

Pedia-se aos alunos <strong>para</strong> examiná-la durante alguns minutos e, depois,<br />

que escrev<strong>esse</strong>m o que haviam observado. As respostas de um e outro<br />

eram altamente diferentes, nos indicando a tendência das testemunhas<br />

que “viram” o acidente.<br />

Embora o esquecimento seja um processo mental normal e aparentemente<br />

<strong>esse</strong>ncial, ele também pode se manifestar de forma patológica,<br />

uma condição denominada “amnésia”. Algumas das causas da amnésia<br />

são: oclusão vascular de ambas as artérias cerebrais; tumores da linha<br />

média; traumas; cirurgias; infecções; terapia eletroconvulsiva; cansaço;<br />

dormir mal; estr<strong>esse</strong>; deficiência de glicose; de proteínas; vitamina B<br />

(B1,B3 e B12); vitamina C; serotonina (chocolate aumenta serotonina e,<br />

também, o colesterol) etc.<br />

Memória e envelhecimento<br />

A partir do início da idade adulta o peso médio do encéfalo humano<br />

normal, determinado em autopsias, decresce progressivamente. Em<br />

indivíduos idosos, <strong>esse</strong> efeito pode ser observado através de técnicas<br />

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257


não-invasivas de imagem como um leve, mas, ainda assim, significante<br />

encolhimento do encéfalo.<br />

A contagem de sinapses no córtex cerebral geralmente diminui com a<br />

idade avançada, embora o número de neurônios provavelmente não<br />

mude muito, sugerindo que são principalmente as conexões entre os<br />

neurônios (isto é, o neurópilo) que são perdidas à medida que envelhecemos.<br />

Há uma suposição indicando que as redes de conexões que<br />

representam as memórias estejam se deteriorando gradativamente. Essas<br />

observações são consistentes com a dificuldade que muitas pessoas<br />

idosas apresentam em fazer associações, como, por exemplo, lembrar<br />

de nomes ou detalhes de experiências recentes e mostrar um declínio<br />

nos escores de testes de memória em função da idade.<br />

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258


Cognição<br />

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259


Conhecimento adquirido:<br />

Aprendido, secundário<br />

O estudo dos sistemas onde a nossa própria atividade descritiva (nossa<br />

maneira de pensar) é a parte constitutiva deles tem recebido o nome<br />

de Cibernética de Segunda Ordem ou Cibernética dos Sistemas Observadores.<br />

As explicações científicas são proposições que geram ou<br />

provocam a existência do fenômeno a ser explicado, conforme as experiências<br />

dos observadores; elas não exigem a suposição à priori de um<br />

mundo objetivo independente do observador, examinam a si mesma.<br />

Nossa experiência está indissociavelmente amarrada à nossa estrutura;<br />

não vemos o “espaço”, o mundo; estamos inseridos (envolvidos) no<br />

que vemos; as “cores” do mundo penetram em nossa mente e as dominam;<br />

observamos as nossas observações do mundo. Os seres vivos, de<br />

modo geral, são iguais em organização, mas têm estruturas diferentes,<br />

e, consequentemente, observam mundos diversos. O morcego não<br />

observa o mundo como a águia, o peixe ou a cobra, pois seus órgãos<br />

sensoriais são diferentes e suas histórias de vida diferentes também;<br />

por fim, suas necessidades e formas de organizarem o mundo são peculiares.<br />

As representações dispositivas<br />

Alguns autores denominam de “representações dispositivas” o nosso<br />

depósito integral de saber total, no qual se incluem tanto o conhecimento<br />

existente no nascimento, isto é, o inato e genético, como também<br />

o adquirido por meio das experiências particulares do indivíduo,<br />

ou seja, sua história de vida após nascer.<br />

O conhecimento existente ao nascer baseia-se em representações dis-<br />

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260


positivas (disposições, prescrições, ordenações) nas partes mais antigas<br />

e primitivas do cérebro, as existentes no hipotálamo, tronco cerebral e<br />

sistema límbico; essas regiões são comandos de ação biológica necessários<br />

à sobrevivência, como o controle do metabolismo, os reflexos,<br />

impulsos e instintos; essas disposições geralmente não se transformam<br />

em imagens na mente.<br />

O conhecimento da história de vida da pessoa particular, ou seja, o adquirido,<br />

baseia-se nas representações dispositivas existentes, tanto no<br />

córtex cerebral como ao longo de muitos núcleos da massa cinzenta,<br />

localizados abaixo do nível do córtex. Algumas dessas representações<br />

contêm registros através de imagens que podem ser recuperadas ou<br />

evocadas através da utilização do raciocínio, planejamento e criatividade;<br />

outras representações contêm registros de regras e de estratégias<br />

com as quais manipulamos as imagens.<br />

Os novos conhecimentos adquiridos são conseguidos pela modificação<br />

continuada das representações dispositivas já existentes. Assim, alguns<br />

novos aprendizados podem tomar o lugar de certas representações<br />

dispositivas antigas fazendo com que essas desapareçam totalmente;<br />

outros conhecimentos aprendidos, mais resistentes, permanecem por<br />

dias, meses ou <strong>para</strong> sempre. Quando uma ou mais representações dispositivas<br />

existentes são ativadas, elas podem dis<strong>para</strong>r – pôr em ação<br />

– outras que estavam até aquele momento em repouso, despertando-<br />

-as e fazendo com que elas entrem em ação e passem a fazer parte do<br />

raciocínio do momento.<br />

A maioria ou todas as palavras que utilizamos na nossa fala interior,<br />

antes de dizermos ou de escrevermos uma frase, ocupam nossa consciência<br />

sob a forma de imagens auditivas ou visuais. Se não se tornassem<br />

imagens, por mais passageiras que fossem, não seriam nada que<br />

pudéssemos saber; mesmo as ativadas de forma oculta, não tomadas<br />

com atenção pela consciência. Parece não existir nenhuma via anatômica<br />

<strong>para</strong> introduzir informações sensoriais complexas no córtex de<br />

associação sem fazer uso primeiro dos córtices sensoriais iniciais, ou<br />

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261


seja, passando pelos órgãos dos sentidos.<br />

Mecanismos neurais subjacentes ao pensar e<br />

agir<br />

Por não aprendermos <strong>esse</strong>s complicados mecanismos neurais que nos<br />

fazem pensar a agir, os homens, não tendo consciência das causas que<br />

determinam suas ações, consideram-se, eles próprios, a causa última<br />

de suas ações que seriam determinadas pelos próprios fins e ou finalidades<br />

delas. Existem duas explicações <strong>para</strong> isso:<br />

A primeira seria que o vínculo entre a reação comportamental e o que<br />

a provoca a ação poderia ser puramente arbitrária. N<strong>esse</strong> caso não haveria<br />

nenhuma necessidade de compreender os mecanismos subjacentes<br />

à conduta; basta eu querer (desejar ou coisa semelhante) <strong>para</strong> que<br />

ocorra minha ação: “Fui ao cinema porque tive vontade” e pronto. Esta<br />

“explicação”, que não explica, está relacionada ao “Livre Arbítrio”, “Força<br />

de Vontade”, “Liberdade <strong>para</strong> Agir”, “Minhas Determinações”, etc.<br />

A segunda afirma que o comportamento inteligente pode ser reduzido<br />

às combinações de reações meramente mecânicas existentes no organismo.<br />

Para essa hipótese, existem diversas variedades de inteligência,<br />

e elas não podem ser facilmente com<strong>para</strong>das, nem muito menos<br />

avaliadas com base numa escala comum. Dentro d<strong>esse</strong> ponto de vista,<br />

quando falamos que uma pessoa apresenta um controle cognitivo, estamos<br />

nos referindo a um controle da conduta que é realizado através<br />

da fixação ativa (sustentação, preservação, manutenção) continuada,<br />

forçada ou obstinada das representações mentais: uma meta a ser<br />

atingida, um conjunto de informações (“Irei passar n<strong>esse</strong> concurso de<br />

qualquer maneira”; “Tenho que lidar com <strong>esse</strong>s conceitos e a relação<br />

(composição) de um com os outros. Tudo de uma só vez”.).<br />

N<strong>esse</strong> caso, o representado é preservado inalterável; os jogadores de<br />

futebol gostam de chamar essa característica de “determinação”; outros<br />

a chamam de “obstinação”, “teimosia” e “cabeça dura”.<br />

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262


Cognição e Córtices Associativos<br />

A parte mais posterior dos lóbulos frontais, o giro pré-central, está relacionada<br />

ao movimento corporal. As áreas do córtex cerebral, na frente<br />

do giro pré-central, são chamadas coletivamente “áreas pré-frontais”;<br />

algumas delas se relacionam também aos movimentos corporais.<br />

As áreas pré-frontais restantes têm funções que interligam tipos mais<br />

abstratos de processamento intelectual a um outro elemento que não<br />

se relaciona à inteligência pura, isto é, essa segunda região está relacionada<br />

às emoções, às condutas morais e ao planejamento futuro e<br />

relacionamento social.<br />

Os livros de neurociência têm considerado em certo detalhe as partes<br />

do encéfalo responsáveis pela codificação da informação sensorial e<br />

do comando dos movimentos. Entretanto, essas regiões são responsáveis<br />

apenas por uma fração (talvez um quinto) do córtex cerebral. O<br />

consenso é o de que muito do restante do córtex esteja envolvido no<br />

processamento de estímulos complexos, identificando as características<br />

relevantes de tais estímulos, reconhecendo objetos relacionados e<br />

planejando respostas adequadas (assim como armazenando aspectos<br />

dessa informação). Essas áreas do córtex cerebral são denominadas<br />

coletivamente de córtices associativos; são evidentemente os córtices<br />

associativos nos lobos temporal, parietal e frontal que tornam possível<br />

a cognição (o córtex associativo do lobo occipital é igualmente importante<br />

<strong>para</strong> a cognição; suas funções, entretanto, referem-se principalmente<br />

à visão).<br />

Os córtices associativos incluem a maior parte da superfície cerebral do<br />

encéfalo humano e são grandemente responsáveis pelo processamento<br />

complexo que ocorre entre a chegada de sinais informativos nos cór-<br />

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263


tices sensoriais primários e a produção de comportamento: “Atravesso<br />

a rua; vejo um carro em dis<strong>para</strong>da em minha direção: Ordeno minhas<br />

pernas <strong>para</strong> correr e me colocar a salvo no passeio. Respiro aliviado;<br />

dessa vez, escapei”.<br />

As diversas funções dos córtices associativos têm sido chamadas, de<br />

modo não muito exato, como “cognição”, um termo que significa literalmente<br />

o processo pelo qual nós tomamos conhecimento do mundo.<br />

Essa palavra talvez não seja a melhor <strong>para</strong> indicar essa ampla gama de<br />

funções neurais, mas já se tornou parte do vocabulário de trabalho de<br />

neurologistas e neurocientistas, mas ela indica uma definição simplificada<br />

de um mecanismo sofisticado. De forma mais exata a cognição<br />

refere-se à capacidade de prestar atenção a estímulos externos, às<br />

motivações internas, de identificar o significado de tais estímulos e de<br />

planejar respostas significativas <strong>para</strong> eles.<br />

Cada uma dessas tarefas é complexa; isso nos leva a concluir (inferir)<br />

que os córtices associativos precisam receber e integrar as informações<br />

provenientes de uma variedade de fontes ao mesmo tempo (o carro<br />

em dis<strong>para</strong>da; cálculo do tempo necessário <strong>para</strong> ele me atingir; velocidade<br />

que devo utilizar <strong>para</strong> tentar escapar; verificação da aproximação<br />

do veículo e se minha velocidade está sendo conforme imaginei). Além<br />

disso, os córtices associativos, administrando tantos fatores ao mesmo<br />

tempo, irão influenciar uma ampla gama de alvos corticais e subcorticais.<br />

Os sinais de entrada <strong>para</strong> os córtices associativos incluem projeções<br />

dos córtices sensoriais (visão do carro em dis<strong>para</strong>da e onde eu me encontro)<br />

e motores primários e secundários (andar ou correr), do tálamo<br />

e do tronco encefálico.<br />

Os sinais de saída dos córtices associativos alcançam o hipocampo, os<br />

gânglios da base e o cerebelo, o tálamo e outros córtices associativos;<br />

tudo <strong>para</strong> dar suporte ao fato existente – carro – com<strong>para</strong>ndo-o com<br />

situações já vividas, emoção de medo, produções internas <strong>para</strong> me dar<br />

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264


força e energia, avaliações, etc.<br />

Os estudos iniciais de como funcionam as áreas associativas vieram<br />

primeiramente de observações de pacientes humanos com lesão em<br />

uma ou outra dessas regiões. Técnicas não-invasivas de imageamento<br />

do encéfalo de sujeitos normais, mapeamento funcional durante neurocirurgias<br />

e análises eletrofisiológicas de regiões comparáveis do encéfalo<br />

em primatas não-humanos têm geralmente confirmado diversas<br />

impressões clínicas anteriormente produzidas.<br />

As pessoas com danos extensivos dos lóbulos frontais, do núcleo dorsomedial<br />

do tálamo ou da matéria branca que os interconecta, desenvolvem<br />

uma síndrome característica: elas mostram um déficit no<br />

pensamento abstrato, junto com uma distração e/ou perseveração e<br />

egoísmo impulsivo – “desinibição” – do comportamento (perseveração<br />

significa persistência de uma atividade mental sem habilidade de deslocar<br />

facilmente à outra.)<br />

Essas pessoas dirão e farão as primeiras coisas que lhes vêm à cabeça<br />

sem considerar a exatidão ou as consequências futuras do que dizem<br />

ou farão. Seu comportamento se torna assim não adaptado às regras<br />

sociais, tornando-se incapazes de realizar uma atividade um pouco<br />

complexa durante certo tempo, entre eles, os atos não permitidos,<br />

como premeditado assassinato; pois suas lesões os impedem de realizar<br />

planos de longa duração, seja corretos ou incorretos..<br />

Se os danos cerebrais (região pré-frontal) se tornarem mais extensos,<br />

a complicação comportamental, como a impulsividade, é substituída<br />

pela apatia e pela falta de resposta aos estímulos. Finalmente, com o<br />

desenvolvimento da lesão, o paciente passa a apresentar uma abulia<br />

(falta de vontade) do lobo frontal. N<strong>esse</strong> caso final o paciente não se<br />

move, não produz sons, nem responde a outro estímulo. É como se<br />

“estiv<strong>esse</strong> travado por dentro”. (comatose, imóvel).<br />

Os pacientes com afasia de Broca severa podem compreender muito<br />

do escutado, mas podem não produzir nenhum som porque perderam<br />

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265


a parte de capacidade na área da memória do trabalho responsável<br />

pela linguagem. Consequentemente, não podem usar aqueles programas<br />

gerando a língua.<br />

Os estudos, juntos, indicam que, entre outras funções, o córtex associativo<br />

parietal é especialmente importante <strong>para</strong> a percepção de<br />

estímulo complexo nos ambientes externos e internos; que o córtex<br />

associativo temporal é especialmente importante <strong>para</strong> a identificação<br />

da natureza de tais estímulos e, por último, que o córtex associativo<br />

frontal é especialmente importante <strong>para</strong> o planejamento de respostas<br />

comportamentais adequadas <strong>para</strong> os estímulos (tomada de decisões).<br />

Características específicas dos córtices associativos<br />

Apesar dessas generalizações, as conexões dos córtices associativos são<br />

consideravelmente diferentes dos córtices sensoriais e motores primários<br />

e secundários, particularmente no que diz respeito às conexões de<br />

entrada e de saída. Por exemplo, três núcleos talâmicos que não estão<br />

envolvidos na retransmissão de informação sensorial ou motora primária<br />

fornecem uma grande parte dos sinais de entrada subcorticais <strong>para</strong><br />

os córtices associativos. Uma segunda grande diferença envolvendo as<br />

fontes de inervação dos córtices associativos é o seu enriquecimento<br />

em projeções diretas de outras áreas corticais, chamadas de conexões<br />

corticocorticais.<br />

Nem todo o manto cortical é constituído pelo neocórtex de seis camadas;<br />

o hipocampo, por exemplo, que se localiza profundamente no<br />

lobo temporal e tem sido implicado na <strong>aqui</strong>sição da memória tem apenas<br />

três ou quatro lâminas. O córtex hipocampal é considerado como<br />

evolutivamente mais primitivo e é, portanto, denominado “arquicórtex”<br />

<strong>para</strong> distingui-lo do neocórtex de seis camadas. A terceira fonte de<br />

inervação das áreas associativas são sinais de entradas difusas oriundas<br />

de núcleos dopaminérgicos, noradrenérgicos e serotoninérgicos da for-<br />

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266


mação reticular do tronco encefálico, assim como núcleos colinérgicos<br />

do tronco encefálico e do prosencéfalo basal. Essas fontes projetam-se<br />

a diferentes camadas corticais e, entre outras funções, determinam o<br />

estado mental ao longo de um contínuo que varia do sono profundo a<br />

um estado de alerta máximo.<br />

Cada córtex associativo é definido por um subconjunto distinto, embora<br />

em certo grau sobreposto, de conexões talâmicas, corticocorticais e<br />

subcorticais. Apesar disso, é difícil concluir muito acerca do papel dessas<br />

diferentes áreas corticais com base apenas em suas conexões (essa<br />

informação é, de qualquer modo, bastante limitada <strong>para</strong> os córtices<br />

associativos humanos; a maior parte das evidências vem de estudos<br />

anatômicos em primatas não-humanos, suplementados pelo limitado<br />

estudo que pode ser feito em tecido encefálico humanopost-mortem).<br />

Em vista disso, a inferência acerca das funções de áreas associativas<br />

em humanos continua a depender, de forma crítica, de observações de<br />

pacientes com lesões corticais. Lesões nos córtices associativos dos lobos<br />

parietal, temporal e frontal, respectivamente, resultam de déficits<br />

cognitivos específicos que mostram muito sobre as operações e uso de<br />

cada um dessa.<br />

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267


Um espaço especial <strong>para</strong> os<br />

cortices pré-frontrais: Dorsais<br />

e Laterais<br />

O córtex pré-frontal tem sido implicado numa extensa variedade de<br />

operações mentais com respeito à atenção, à decisão executiva e à<br />

memória. Ainda assim a organização funcional encontra-se ainda muito<br />

debatida. O uso de fMRI (imagens funcionais de ressonância magnética)<br />

tem contribuído <strong>para</strong> um conhecimento melhor.<br />

O córtex pré-frontal (CPF) é uma região do cérebro heterogênea a<br />

qual se desenvolveu entre os primatas contribuindo <strong>para</strong> aumentar a<br />

flexibilidade e o controle do comportamento e da cognição (modo de<br />

pensar). O CPF encontra-se dividido em várias regiões com funções específicas.<br />

Uma maneira tradicional de descrever o córtex pré-frontal (CPF) tem<br />

sido a de dividir suas funções envolvendo o setor de processamento<br />

espacial versus o de objetos. Contudo, os estudos eletrofisiológicos em<br />

macacos e as pesquisas usando neuro-imagens em humanos produziram<br />

um conflito de evidências <strong>para</strong> tais divisões funcionais.<br />

Novas explicações foram propostas <strong>para</strong> o CPF, conforme suas organizações:<br />

uma região ventral especializada nas funções “vegetativo-somáticas”,<br />

enquanto a região dorsal estaria especializada <strong>para</strong> funções “atentivo-cognitivas”.<br />

Esse modelo posteriormente afirma que o giro rostral<br />

anterior age como uma interface entre os dois fluxos de processos. Os<br />

pacientes com transtornos do humor, ao que parece, apresentam uma<br />

falha da interação coordenada entre <strong>esse</strong>s dois compartimentos do<br />

CPF: somático/vegetativo e atentivo-cognitivo.<br />

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268


Região Dorsal X Ventral<br />

Os estudos <strong>para</strong> verificar a atenção geralmente apresentam aos sujeitos<br />

da experiência tarefas específicas contendo, por exemplo, estímulos:<br />

círculos e quadrados. Mas enquanto <strong>esse</strong>s estímulos são mostrados<br />

aos sujeitos da experiência, intermitentemente, também são<br />

apresentadas cenas provocadoras de ativação emocional. Esse novo<br />

estímulo tem o objetivo de distrair os sujeitos da experiência. Esses<br />

estímulos, diferencialmente, ativam o giro frontal inferior, a amígdala e<br />

o giro fusiforme; com ativação significativa forte devido às cenas emocionais.<br />

O fluxo sanguíneo cerebral foi também examinado nas regiões do<br />

CPFVM (córtex pré-frontal ventromedial) e no CPFDM (córtex pré-<br />

-frontal dorsomedial) através da tomografia de emissões de pósitrons<br />

(PET em inglês) enquanto os sujeitos realizavam duas tarefas cognitivas<br />

diferentes e alternadas. Os sujeitos liam substantivos em voz alta<br />

e recebiam instruções <strong>para</strong> tentar gerar verbos apropriados <strong>para</strong> cada<br />

substantivo lido em voz alta. Por exemplo, ao ler a palavra “dor” ele<br />

deveria descobrir o verbo derivado do substantivo; n<strong>esse</strong> caso, o termo<br />

“doer”. Do mesmo modo, liberdade e libertar, benção e abençoar, leitura<br />

e ler, doação e doar, etc. Uma tarefa usada como controle, onde não<br />

era exigido nenhum esforço mental ou atentivo, era a leitura passiva<br />

das mesmas palavras.<br />

Os resultados mostraram a diminuição do fluxo sanguíneo nas regiões<br />

do córtex pré-frontal dorsomedial e aumento do fluxo na região do córtex<br />

pré-frontal ventromedial durante a leitura da palavra junto com a<br />

geração dos verbos. Isto acontecia, provavelmente, devido à presença<br />

da ansiedade durante a conversão do substantivo <strong>para</strong> o verbo dele<br />

derivado. Esse resultado foi com<strong>para</strong>do com o obtido (sem ansiedade)<br />

quando se pedia aos sujeitos da experiência <strong>para</strong> apenas ler os substantivos.<br />

Por outro lado, o CPFVL (córtex pré-frontal ventrolateral) tem uma<br />

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269


ação mais relacionada a um aspecto da memória de trabalho. Tem sido<br />

proposto que o CPFVL (ventrolateral) se relaciona com a manutenção<br />

da informação na memória de trabalho, ao passo que o CPFDL (dorso<br />

lateral) se relaciona com o monitoramento da informação na memória<br />

de trabalho mantida pelo CPFLV.<br />

Córtex pré-frontal medial e suas regiões<br />

Anatomicamente, o CPFVM (córtex pré-frontal ventromedial) é<br />

composto de áreas se<strong>para</strong>das que recebem uma ampla informação<br />

sensorial do corpo (organismo), ou seja, a interoceptiva, bem como<br />

informação do meio ambiente externo através da via CPFO (córtex orbitofrontal).<br />

Essa região frontal se encontra interconectada com as estruturas<br />

do sistema límbico, entre elas, a amígdala, estriado, hipotálamo,<br />

núcleo autônomos da região cinzenta peri-aquedutal (parte média<br />

do cérebro).<br />

Devido a essas duas fontes de informações (intero e exteroceptivas)<br />

foi proposto que o MPFC (córtex pré-frontal medial) tem um papel<br />

importante nos processos da integração emocional e cognitiva. Durante<br />

o processo mais cognitivo, quando se força mais a atenção, ocorre<br />

uma ativação da área relacionada ao córtex pré-frontal dorsomedial<br />

(CPFDL), ou seja, da área relacionada à cognição. Por outro lado, o processo<br />

cognitivo (fixação da atenção) desativa o córtex pré-frontal ventrolateral<br />

(CPFVM), isto é, uma diminuição do fluxo sanguíneo na área<br />

emocional.<br />

De forma semelhante, as áreas mais dorsais do CPF (córtex pré-frontal)<br />

que parecem processar funções cognitivas, entre elas o cingulado anterior,<br />

mostram um aumento do fluxo sanguíneo durante a realização de<br />

tarefas cognitivas que exigem atenção. O cingulado anterior atua como<br />

secretário executivo decidindo quais das informações que chegam e<br />

quais devem ser encaminhadas ao córtex pré-frontal dorsolateral <strong>para</strong><br />

planejamento e deliberação. Também, <strong>esse</strong> fluxo pode decrescer ou<br />

mostrar-se desativado durante os estados emocionais induzidos expe-<br />

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270


imentalmente ou frutos de patologias existentes decorrentes de doenças<br />

mentais, emocionais ou neurológicas, ou seja, há uma diminuição<br />

da atividade do CPFDL, da região relacionada à cognição.<br />

A diminuição da ativação da área do CPFDM (dorsomedial) relacionada<br />

com a cognição/pensamentos durante a ativação do CPFVM (ventromedial),<br />

relacionada às emoções, nos mostra a menor ação do setor<br />

dorsal – relacionado à cognição durante as emoções. Podemos conjeturar<br />

a existência de uma menor capacidade cognitiva durante uma briga,<br />

um discurso inflamado, uma prova relacionada a um concurso, nas<br />

pregações religiosas, nas declarações de amor durante as grandes paixões,<br />

num negócio envolvendo muita emoção, etc. Tudo isso nos leva a<br />

concluir: quando mais nós precisamos, menos nós utilizamos de nossa<br />

inteligência e saber.<br />

Embora o CPFDL tem sido estudado principalmente em relação às suas<br />

funções executivas, essa área está também envolvida nas operações<br />

motivacionais. No caso específico das motivações, o córtex orbitofrontal<br />

(COF) é o mais indicado <strong>para</strong> ser o agente das operações motivacionais,<br />

sendo mais importante que o CPFDL. Um estudo não-invasivo<br />

usando imagens funcionais mostrou que as ativações tanto do CPFDL<br />

como do COF ocorrem durante tarefas que incluem operações de motivações.<br />

O estudo atual sugere uma nova dimensão na diferenciação do CPFL<br />

(córtex pré-frontal lateral) em relação às operações motivacionais. Estima-se<br />

que o CPFDL (dorsolateral) esteja mais envolvido com o monitoramento<br />

do contexto motivacional, enquanto que o CPFVL (ventrolateral)<br />

esteja mais envolvido com a codificação e a representação do valor<br />

associado com a presença ou ausência de uma recompensa específica.<br />

Essa variação pode refletir o fato que o CPFL (córtex pré-frontal lateral),<br />

tanto sua parte ventral como a dorsal, têm conexões corticais e límbicas<br />

diferentes – relacionadas às emoções.<br />

O giro cingulado anterior foi a única região do cérebro com resposta<br />

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271


equivalente <strong>para</strong> os estímulos emocionais e da atenção. Esses resultados<br />

mostram que as funções atenção e emoção estão segregadas nas<br />

vias em <strong>para</strong>lelo, dorsal e ventral, e que essa estende no córtex e se<br />

integra no cingulado.<br />

A região pré-frontal ventromedial encontra-se sintonizada <strong>para</strong> a detecção<br />

de estímulos adquiridos ou aprendidos, capazes de desencadear<br />

emoções sociais, portanto, emoções diferentes das captadas pela<br />

amígdala (barulho, estrondo, etc.). Quando observamos uma situação<br />

onde um indivíduo está sofrendo, geralmente somos inundados com<br />

emoções dolorosas ligadas ao percebido. A compaixão provocada no<br />

observador pela percepção de um acidente de trânsito, por exemplo,<br />

dependerá da ativação do córtex pré-frontal ventromedial (CPFDM) do<br />

cérebro.<br />

É bem conhecido que alguns pacientes portadores do Transtorno Anti-<br />

-Social (meninos e jovens problemáticos: desobedientes, mentirosos,<br />

usuários de drogas, pouco ou nada sérios no estudo, trabalho, etc.) são<br />

pouco ou nada estimulados diante do envolvimento com outras pessoas<br />

que não ele próprio. Possivelmente isso ocorre devido à existência<br />

de lesões nessa região do cérebro (CPFDM), e, também, devido a problemas<br />

na produção, liberação ou recaptação dos neurotransmissores<br />

ou peptídeos relacionados a <strong>esse</strong> centro.<br />

Muitos dos estímulos que adquirem significados particulares em nossa<br />

vida, por exemplo, a casa na qual moramos quando crianças, a bandeira<br />

ou o hino nacional do país, as músicas antigas, o retrato de família,<br />

todos eles, provocam emoções através da região pré-frontal ventromedial<br />

cerebral. Um lembrete final: diversos fatores podem influenciar as<br />

emoções dis<strong>para</strong>das nas regiões cerebrais, entre elas os objetos ou as<br />

situações vividas; os símbolos; os agentes farmacológicos e elétricos; as<br />

diferenças individuais e muitas outras.<br />

Assim, Maria, ela mesma, sem precisar das tomografias sofisticadas poderá<br />

perceber que ela quase nada fez nas provas do vestibular apesar<br />

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272


de ter estudado muito e de saber quase tudo. Acontece que ela, durante<br />

as provas, ficou “muito nervosa” e não conseguiu pensar nada direito.<br />

A área relacionada às emoções negativas CPFVM (ventromediais)<br />

– ansiedade ou medo – foi ativada em detrimento da não-ativação, ou<br />

mesmo desativação, da área relacionada ao conhecimento e raciocínio,<br />

ou seja, dorsomedial do córtex pré-frontal. Por tudo isso Maria, coitada,<br />

não foi aprovada.<br />

A memória de trabalho e os córtices pré-frontais<br />

A região CPFDL está criticamente envolvida na cognição de alto nível,<br />

mais notavelmente na memória de trabalho (MT), retenção de curta<br />

duração e uso de informação <strong>para</strong> guiar o comportamento. O CPFDL<br />

encontra-se esparsamente conectado com regiões do clássico sistema<br />

límbico, mas interconectado com outras estruturas tais como o hipocampo<br />

e o cingulado anterior (regiões chamadas de <strong>para</strong>-límbicas).<br />

O CPFDL está envolvido ativamente na manutenção a representação do<br />

estímulo através de um período de espera (manter um plano na mente<br />

enquanto é forçado a pensar em outra coisa; “Acho que Pedro está<br />

querendo me enganar com relação a essa proposta”) a fim de guiar a<br />

tarefa importante da conduta.<br />

O córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) se relaciona à memória por<br />

curtos períodos, ou seja, com a memória do trabalho. O CPFDL (dorsolateral),<br />

uma vez lesado, produz uma piora da memória de trabalho;<br />

entretanto pode não falhar nas tomadas de decisões. Um teste usado<br />

<strong>para</strong> constatar <strong>esse</strong> problema é pedir <strong>para</strong> lembrar uma palavra ou<br />

figura mostrada após a provocação de um período de “distração”, usando<br />

<strong>para</strong> isso leituras de textos incompreensíveis.<br />

Foi verificado que o estr<strong>esse</strong> agudo perturba a memória de trabalho<br />

(MT) e, consequentemente, o período de “espera” (adiamento) do período<br />

de atividade nos neurônios do CPFDL. Por outro lado, um afeto<br />

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273


positivo médio (ligeira euforia), não elevado, ao contrário do estr<strong>esse</strong>,<br />

aumenta a atuação e eficiência nas tarefas altamente dependentes do<br />

CPF (córtices pré-frontais) que atuam como mediadores no processo da<br />

memória de trabalho (MT). Mas o afeto negativo (depressão, tristeza)<br />

perturba a produção ou o desempenho da memória de trabalho.<br />

Está bem estabelecido que área do córtex pré-frontal lateral joga um<br />

importante papel no controle executivo (planejamento, solução de<br />

problemas e inibição do comportamento não desejado). Tem sido proposto<br />

que as funções executivas produzidas devido à função do CPRDL<br />

(córtex pré-frontal dorsolateral) <strong>para</strong> adquirir e representar informações<br />

contextuais importantes <strong>para</strong> a tarefa que está <strong>para</strong> ser realizada<br />

(sair <strong>para</strong> ir ao banco pagar a conta), fazem parte de um conjunto de<br />

instruções das tarefas executadas e ou dos resultados ocorridos diante<br />

de sequências prévias de estímulos e respostas (trocarei de roupa; irei<br />

à garagem, tirarei o carro; irei deixá-lo no supermercado e lá comprarei<br />

o anotado na lista; não esquecer de levar o talão de cheques, etc.).<br />

Gânglios da base, lobos temporais e atenção<br />

Como nascemos com o atributo da “curiosidade”, estamos sempre<br />

examinando o ambiente físico, principalmente o novo, onde estamos<br />

inseridos, ou seja, o nosso ninho. Desde criança nosso organismo prestará<br />

atenção aos fatos do meio ambiente, num esforço de distinguir os<br />

estímulos perigosos, dos quais vamos tentar escapar, dos úteis, interessantes<br />

e agradáveis, quando tentaremos nos aproximar deles.<br />

Além d<strong>esse</strong>s cuidados e atenção, será importante focalizar os estímulos<br />

nunca vistos, isto é, as novidades. Estas podem ser perigosas, pois<br />

ainda não são conhecidas, como ocorre na primeira “transa”, o primeiro<br />

dia de aula, etc. Para realizar uma ação desconhecida é preciso<br />

uma maior atenção e uso de mais circuitos <strong>para</strong> pre<strong>para</strong>r melhor <strong>para</strong><br />

o “que der e vier”. Não sabemos diante do desconhecido se seremos<br />

agredidos, ou perder uma bela oportunidade. Diante da novidade a<br />

amígdala nos adverte, através de sua ativação mais intensa. Ela nos<br />

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274


alertará quanto a possíveis perigos e, assim, provoca o medo e, consequentemente,<br />

maior cuidado em virtude de não estarmos certos do<br />

possível resultado do encontro. Os estudos mostram a elevada frequência<br />

do fracasso sexual no primeiro encontro (impotência no homem<br />

e frigidez na mulher). N<strong>esse</strong>s casos os organismos de ambos os gêneros<br />

podem estar altamente atraídos um pelo outro, entretanto, ao mesmo<br />

tempo, os dois parceiros estão também amedrontados diante do desconhecido,<br />

pois não têm como prever o resultado diante da falta de<br />

experiência com aquele parceiro.<br />

Diante da novidade, automaticamente, focalizamos nossa atenção num<br />

e noutro aspecto do meio ambiente; avaliamos rapidamente o que está<br />

sendo observado; descartamos depressa estímulos irrelevantes impedindo-os<br />

de penetrarem e dominarem nossa consciência. Em resumo,<br />

ficamos atentos a todo estímulo possível de nos orientar <strong>para</strong> tomar a<br />

decisão que mais nos interessa.<br />

A detectação (percepção, descoberta) de novidade e a busca de recompensa<br />

são duas forças primárias que nos levam a selecionar onde<br />

focalizaremos nossa atenção. O sistema de recompensa produz sensações<br />

de prazer ao realizar certas tarefas (pre<strong>para</strong>r <strong>para</strong>, e ou comer<br />

um bife com batatas; beber uma água geladinha após um exercício<br />

extenuante), ou quando imaginamos realizá-las. Essas forças básicas<br />

ocorrem quando atribuímos um valor emocional a um estímulo, pois<br />

a representação mental do fato, antes de sua execução, nos provoca<br />

um sentimento prazeroso, como no exemplo: “D<strong>aqui</strong> a pouco termino<br />

meu trabalho nessa sexta-feira maldita; amanhã irei partir <strong>para</strong> minhas<br />

férias”.<br />

A sensação percebida é interna, entretanto atribuímos o percebido<br />

pelos órgãos sensoriais a algum evento externo (a praia e o mar, a<br />

água fresca, a comida saborosa, o cão bravio, a barata voando) como<br />

possuidor de um valor positivo ou negativo. N<strong>esse</strong> caso, imaginamos o<br />

prazeroso ou aborrecido como sendo produzido pela praia, a água, o<br />

sol e não devido ao nosso cérebro que produziu mudanças elétricas e<br />

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químicas no seu interior.<br />

O sistema de atenção a um objeto (vejo uma pessoa caminhando na<br />

rua) inicia-se através de estímulos (luzes, movimentos, cores e formas<br />

nos nossos olhos) nos órgãos sensoriais (n<strong>esse</strong> caso, no visual). A informação<br />

ativa um centro de excitação do tronco cerebral (região subcortical);<br />

essa, por sua vez, conduz a informação <strong>para</strong> outros setores,<br />

entre <strong>esse</strong>s, os do sistema límbico (produtora de valência no estímulo,<br />

ou emoções). Mas a mensagem ou estimulação continua; ela ativa<br />

regiões motoras <strong>para</strong> fixar a cabeça num determinado lugar; provoca<br />

contrações dos músculos da face e do resto do corpo e, finalmente,<br />

continuando sua caminhada, chega até o córtex cerebral, onde efetua,<br />

finalmente, a conexão entre o córtex frontal e o temporal.<br />

Os gânglios da base, no fundo (base) dos lobos temporais, também<br />

ajudam a filtrar o ruído e as estimulações internas indesejáveis, como<br />

a preocupação com as provas que terei no dia seguinte, pois a informação<br />

da prova agora não me interessa, pois estou examinando a pessoa<br />

que caminha na rua.<br />

Danos nos córtices parietais posteriores (CPP) podem causar um déficit<br />

na concentração; n<strong>esse</strong> caso o paciente torna-se incapaz de prestar<br />

atenção simultaneamente a múltiplos objetos, como o que ele está<br />

ouvindo numa conversa e, ao mesmo tempo, nas expressões faciais<br />

do interlocutor e suas possíveis intenções e, além disso, alguém que<br />

caminha em direção onde os dois estão. Portanto, de acordo com o<br />

exemplo, uma lesão nessa região limitaria a capacidade da pessoa <strong>para</strong><br />

transferir a atenção de um ponto (conversa) <strong>para</strong> outro (intenções da<br />

pessoa, aproximação de outro), e muitas vezes de uma modalidade<br />

sensorial <strong>para</strong> outra (escutar e enxergar).<br />

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276


Adendo<br />

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Uma síntese dos sistemas neurais<br />

A mais ampla definição funcional classifica os sistemas neurais em<br />

sistemas sensoriais, como é o caso da visão e audição, por exemplo,<br />

que adquirem e processam informações do ambiente, e em sistemas<br />

motores, que levam o organismo a responder a tal informação produzindo<br />

movimentos. Há, entretanto, um número enorme de células e de<br />

circuitos que ficam entre <strong>esse</strong>s relativamente bem-definidos sistemas<br />

de aferências e eferências. Estes são conhecidos coletivamente como<br />

sistemas associativos e são responsáveis pelas mais complexas e menos<br />

bem caracterizadas funções encefálicas.<br />

Além dessas distinções funcionais gerais, os neurocientistas e neurologistas<br />

dividem convencionalmente a anatomia do sistema nervoso dos<br />

vertebrados em componentes centrais e periféricos. O sistema nervoso<br />

central compreende o encéfalo (cérebro, cerebelo e tronco encefálico)<br />

e a medula espinhal. O sistema nervoso periférico inclui neurônios sensoriais<br />

que conectam os receptores sensoriais da superfície corporal –<br />

bem como estruturas receptoras especializadas, como o ouvido – com<br />

circuitos de processamento no sistema nervoso central.<br />

A porção motora do sistema nervoso periférico consiste de dois componentes<br />

de axônios motores, que conectam o encéfalo e a medula espinhal<br />

aos músculos esqueléticos formando a divisãomotora somática<br />

do sistema nervoso periférico, e adivisão motora visceral ou vegetativa<br />

(ou ainda, neurovegetativa), que consiste de células e axônios que inervam<br />

os músculos lisos, o músculo cardíaco e as glândulas, por exemplo.<br />

No sistema nervoso periférico as células estão localizadas em gânglios,<br />

que são simplesmente acúmulos locais de corpos de células nervosas<br />

(e células de apoio). Os axônios periféricos estão agrupados em nervos,<br />

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278


que são feixes de axônios, muito dos quais estão envolvidos pelas células<br />

gliais do sistema nervoso periférico, as células de Schwann.<br />

No sistema nervoso central as células estão arranjadas de duas formas<br />

diferentes. Os núcleossão acumulações compactas de neurônios que<br />

apresentam conexões e funções mais ou menos semelhantes; essas<br />

coleções concentradas de células nervosas são encontradas por todo o<br />

encéfalo e medula espinhal. Ao contrário, o córtex (córtices, no plural)<br />

apresenta uma distribuição em forma de lâminas ou camadas de células<br />

nervosas. Os córtices dos hemisférios cerebrais e do cerebelo são os<br />

exemplos mais evidentes deste tipo de organização.<br />

Os axônios do sistema nervoso central estão agrupados em tractos.<br />

Dentro de um tracto, as células gliais do sistema nervoso central – astrócitos<br />

e oligodendrócitos – envolvem os axônios centrais. Finalmente,<br />

dois termos histológicos aplicados no sistema nervoso central distinguem<br />

regiões ricas em corpos celulares neuronais de regiões ricas em<br />

axônios: a substância cinzenta refere-se a qualquer acumulação de<br />

corpos celulares e neurópilo no encéfalo ou na medula espinhal (por<br />

exemplo, núcleos ou córtices) e a substância branca refere-se aos tractos<br />

axonais.<br />

Funcionamento e tipos de neurônios<br />

Os neurônios (células nervosas) nunca funcionam isoladamente; eles<br />

se organizam em conjuntos ou circuitos, que processam classes especiais<br />

de informação. Embora o arranjo dos circuitos varie bastante de<br />

acordo com a função a desempenhar, alguns aspectos são comuns de<br />

todos os conjuntos. Uma dessas características são as conexões sinápticas<br />

que definem os circuitos. Essas ligações são feitas tipicamente na<br />

forma de um denso emaranhado de dendritos, de terminais axonais e<br />

de processos gliais que, em conjunto, constituem o neurópilo (o sufixo<br />

pilo vem da palavra grega ‘pilos’ e significa feltro).<br />

As células nervosas que transportam informação até o sistema nervoso<br />

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central (ou mais centralmente, dentro da medula espinhal e do encéfalo)<br />

são chamadas de neurônios aferentes; as células nervosas que levam<br />

informação <strong>para</strong> fora, a partir do encéfalo ou da medula espinhal<br />

<strong>para</strong> fora desde os circuitos, são chamadas e neurônios eferentes. As<br />

células nervosas que somente atuam nas regiões próprias ou locais de<br />

um circuito são chamadas de interneurônios ou neurônios de circuitos<br />

locais. Estas três classes: neurônios aferentes, eferentes e interneurônios<br />

são os constituintes básicos de todos os circuitos neurais.<br />

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Estruturas básicas: funções <strong>esse</strong>nciais<br />

(regiões cerebrais importantes)<br />

1) Medula Espinhal e Tronco Cerebral<br />

Os sinais interoceptivos (internos do organismo) em grande parte são<br />

produzidos nas vísceras, isto é, órgãos situados na cavidade do tronco/<br />

abdome que desempenham funções vitais do organismo: coração, estômago,<br />

útero, pâncreas, intestinos e outros. Esses sinais internos do<br />

organismo, transmitidos através de fibras periféricas do tipo C e Ad,<br />

caminham em direção à medula espinhal e ao núcleo do trigêmeo, este<br />

último localizado no tronco cerebral. As fibras C e Ad são não-mielinizadas<br />

e conduzem sinais muito lentamente. Há outros sinais que provêm<br />

não das vísceras, mas sim do sistema músculo-esquelético e do vestibular,<br />

isto é, regiões responsáveis pelas sensações de contração, relaxamento,<br />

equilíbrio e desequilíbrio do corpo. Os feixes nervosos, ligados<br />

ao movimento e à posição (postura) do corpo no espaço, são espessos<br />

e conduzem os sinais em alta velocidade, ou seja, fazem uso de mecanismos<br />

de transmissão diferentes dos usados nas vísceras.<br />

As fibras nervosas vindas de pontos diversos do organismo (vísceras e<br />

músculos), com seus dois tipos de fibras, rápidas e lentas, penetram<br />

nas colunas dorsais da medula, no seu sentido ascendente (sobem),<br />

e se dirigem ao bulbo (região que faz parte do tronco cerebral), onde<br />

fazem sinapses (ligam-se <strong>para</strong> a ativação continuar) com os núcleos<br />

cuneiforme e grácil.<br />

Destes núcleos, neurônios de segunda ordem sobem (ascendem) em<br />

direção a uma outra região do cérebro, o tálamo, formando vias bilate-<br />

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ais, que, na sua via através do cérebro posterior, une-se às fibras adicionais<br />

que provêm do núcleo sensorial principal do nervo trigêmeo.<br />

Estas fibras exercem as mesmas funções sensoriais <strong>para</strong> a cabeça que<br />

as fibras das colunas dorsais exercem <strong>para</strong> o corpo. A partir do complexo<br />

ventrobasal neurônios de terceira ordem se projetam principalmente<br />

em direção à circunvolução pós-central do córtex cerebral.<br />

Existem estruturas básicas no cérebro que são cruciais <strong>para</strong> funções<br />

<strong>esse</strong>nciais em um e outro andar. Os gânglios basais e o cerebelo, no primeiro<br />

andar, fornecem o controle do movimento básico e armazenam<br />

muitas de nossas ações primitivas, bem como muitos programas aprendidos<br />

que se tornaram automáticos (depósito do antigo e do novo<br />

automatizado). Paralelamente, encontra-se o sistema límbico, (importante<br />

<strong>para</strong> o desencadeamento das emoções), daí a estreita relação<br />

entre emoção e movimento, e, também, a sensação das consequências<br />

emocionais nascidas de nossas ações. O mal de Parkinson (transtornos<br />

dos movimentos), geralmente, além dos sintomas motores e da rigidez,<br />

apresenta depressão.<br />

O funcionamento do cerebelo associa-se ao equilíbrio, postura e<br />

coordenação do nosso corpo, principalmente dos movimentos dos<br />

membros. As informações sobre movimento e posição do corpo entram<br />

no cerebelo, onde são processadas. Instruções são enviadas <strong>para</strong><br />

modificar a postura e coordenar o movimento muscular. Assim, sem<br />

conhecimento consciente, mudo minha posição na cadeira, endireito<br />

meu tórax e digito alguns trechos; refaço minha postura <strong>para</strong> observar<br />

o que escrevi. Sem <strong>para</strong>r fazemos isso, até dormindo; tudo através das<br />

preciosas ajudas do cerebelo, caso <strong>esse</strong> funcione bem.<br />

Ligado à região motora, encontra-se o centro de tomada de decisões<br />

do cérebro, que é o córtex pré-frontal (nosso centro executivo). É este<br />

centro que decide, fazendo com<strong>para</strong>ções e escolhas (quero melhorar<br />

meu corpo, preciso estudar <strong>para</strong> passar no vestibular). Mas, ao mesmo<br />

tempo, essa central sofre diversas pressões dos andares de baixo (o<br />

sorvete deve estar uma delícia; mas que preguiça, uma cama não fará<br />

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282


mal a ninguém; acho que mereço isso.).<br />

Entretanto, os andares de cima (córtices frontais), por sua vez, podem<br />

e, muitas vezes, precisam emitir sinais inibidores (não coma mais; pare<br />

de beber) ou excitadores aos andares de baixo (está na hora de ir dormir;<br />

coma mais verduras e frutas). Esse controle possível (interno e<br />

externo), nem sempre realizado, afeta, entre outras coisas, a maior ou<br />

menor intensidade das emoções geradas e a rapidez com que reagimos<br />

e, por fim, nossa auto-estima alta pelo sucesso e uma baixa auto-estima<br />

pelo fracasso em atingir o desejado.<br />

A ínsula é uma parte do córtex cerebral situada na base da fissura lateral.<br />

Estudos demonstraram o papel da ínsula anterior (agranular), particularmente<br />

nas respostas instaladas diante de estímulos aversivos, reação<br />

ao medo e na ansiedade antecipatória, como nos exemplos: “acho<br />

que não conseguirei fazer nada no exame”; “<strong>esse</strong> meu encontro vai dar<br />

todo errado”; “receio adoecer na viagem de férias”. A ínsula é também<br />

ativada na identificação mostrada pelo asco ou ódio dos outros.<br />

O tronco cerebral, parte do encéfalo, é uma extensão complexa da medula<br />

espinhal, uma zona de transição entre o cérebro (o conjunto tem<br />

sido chamado, por alguns, como encéfalo) propriamente dito e a medula<br />

espinhal que dá origem aos dez pares de nervos cranianos.<br />

O tronco cerebral se divide em bulbo r<strong>aqui</strong>diano, protuberância anular<br />

e pedúnculos cerebrais; cada um d<strong>esse</strong>s se subdivide e assim por diante.<br />

De outro modo, o tronco cerebral é uma região do sistema nervoso<br />

central cheia de núcleos, alguns minúsculos, e circuitos que fazem uma<br />

intrincada e complexa ligação de diversos pontos do sistema nervoso<br />

de ida e volta, como num círculo, <strong>para</strong> que os resultados das ações<br />

sejam rapidamente avaliados <strong>para</strong> que essas sejam interrompidas ou<br />

continuadas de um modo ou outro.<br />

Muitas funções (bem como o controle de outras que, em parte, não<br />

desejamos que sejam efetuadas) só podem ser executadas se forem<br />

enviados sinais <strong>para</strong> cima ou <strong>para</strong> baixo do cérebro. O tronco cerebral<br />

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e a medula espinhal, situados na parte mais baixa do sistema nervoso,<br />

têm sólidas redes neuronais responsáveis pelas ações internas fixas,<br />

como a manutenção dos batimentos cardíacos e os reflexos, indispensáveis<br />

<strong>para</strong> as outras funções elevadas; resolver um problema simples<br />

ou complexo.<br />

A regulação da qual o tronco cerebral faz parte é complementada<br />

pelo sistema límbico (regiões subcorticais e algumas regiões corticais<br />

relacionadas ao comportamento emocional: amígdala, núcleo acumbente,<br />

hipotálamo, etc.) que além de participar no estabelecimento<br />

dos impulsos e instintos, tem também importante função nas emoções<br />

e sentimentos agradáveis e desagradáveis, possivelmente através de<br />

captação (obtenção, recepção) de mudanças viscerais. Acredita-se que<br />

o sistema límbico contém redes de circuitos inatos e estáveis, mas também<br />

alguns poucos que podem ser modificados pela experiência.<br />

Algumas partes do tronco cerebral, especificamente, os núcleos dos<br />

gânglios basais, bem como o cerebelo, têm a ver com o movimento<br />

e fazem funcionar essa aparelhagem e, ao mesmo tempo, fornecem<br />

informação sobre a situação do corpo <strong>para</strong> setores dos andares superiores.<br />

Os gânglios basais servem de porta de entrada <strong>para</strong> controlar tanto as<br />

influências sensoriais sobre a cognição quanto as ativações de origem<br />

motora. Quando ocorre algum dano nessas estruturas, ou seja, passam<br />

a não funcionar adequadamente, elas não impedem a passagem das<br />

informações <strong>para</strong> a execução de certos movimentos e de pensamentos<br />

inadequados; n<strong>esse</strong> caso promove-se a produção de movimentos irregulares,<br />

tiques e comportamento obsessivo-compulsivo, por exemplo.<br />

Portanto, o transtorno nessa região do cérebro leva a pessoa a ter dificuldade<br />

de executar de forma bem coordenada uma sequência de<br />

movimentos habituais, como caminhar, pegar a caneta, segurar e usar<br />

o garfo <strong>para</strong> comer.<br />

Os gânglios basais, junto aos circuitos dos córtices parietais posteriores<br />

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(CPP), têm uma função na fixação ou no desligamento da atenção. Os<br />

dois funcionam junto transferindo o foco da atenção existente num objeto<br />

<strong>para</strong> o novo estímulo. Maria andava na rua olhando roupas na vitrine<br />

da loja. Quando escuta o estrondo, ela abandona os objetos focalizados<br />

– sutiãs – e passa a focalizar o lugar de onde partiu o estrondo.<br />

N<strong>esse</strong> caso, ela voltou sua cabeça e olhos de um lugar a outro, aguçou<br />

os ouvidos facilitando, sem querer, sua cabeça <strong>para</strong> ouvir melhor o que<br />

estava acontecendo. Tudo isso, realizado sem esforço, automaticamente,<br />

assim ocorreu devido ao uso d<strong>esse</strong>s setores que estavam funcionando<br />

adequadamente.<br />

2) Tálamo: estimulo, seleção e percepção<br />

Para que um novo estímulo seja eficiente, isto é, provoque uma resposta<br />

do organismo, ele, antes de tudo, precisa ser captado ou assimilado,<br />

<strong>para</strong>, uma vez percebido, conduzir o indivíduo a agir, muitas vezes,<br />

num tempo muito curto após a percepção. Este primeiro processo,<br />

automático e sem fazer uso da consciência, é uma apreensão e percepção<br />

de um novo estímulo que envolve a participação de uma região do<br />

cérebro chamada de tálamo. É nessa área do cérebro que o estímulo (a<br />

informação) produzido é registrado e essa marca nada mais é que uma<br />

mudança químico-elétrica no estado anterior no centro.<br />

O tálamo é uma estrutura cerebral situada na região central do encéfalo<br />

que participa da recepção e integração de informações nervosas<br />

sensoriais (as transmitidas pelos diversos órgãos sensoriais: odor,<br />

gosto, visão, audição, pressão, tacto, equilíbrio, internos: náusea, dor,<br />

queimação, empanzinamento, etc.). As informações sensoriais, ao passar<br />

pelo tálamo, podem ser filtradas ou selecionadas e, assim, chegar<br />

ou não ao seu destino final que é o córtex cerebral; local onde os estímulos<br />

utilizados ou selecionados serão identificados e avaliados.<br />

Portanto, através do tálamo os estímulos que nos atingem dignos de<br />

importância (<strong>para</strong> uma pessoa, num momento determinado) são utilizados<br />

(os outros não passam no filtro). Por exemplo, não me interessa<br />

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perceber e focalizar a caneta se estou com sede. N<strong>esse</strong> caso, interessa-<br />

-me a água e, naturalmente e sem esforço, prestarei atenção na água,<br />

talvez a um copo, torneira ou nascente; a caneta que está em cima da<br />

mesa não será focalizada.<br />

Assim, uma das primeiras avaliações de partes do tálamo é se o estímulo<br />

merece ou não ser captado, ou se ele deve ser ignorado. Em<br />

seguida, caso ele seja interessante <strong>para</strong> o organismo, ele será avaliado<br />

como atraente, e, n<strong>esse</strong> caso, haverá uma tendência à aproximação,<br />

juntamente com o prazer; caso ocorra o oposto, ou seja, o estímulo for<br />

repulsivo, ocorrerá não só uma emoção negativa, como o medo, e uma<br />

tendência a escapar do sinalizado pela informação.<br />

No homem, principalmente, essa região do cérebro, em seguida, envia<br />

informações imediatas <strong>para</strong> outras partes do organismo, como por<br />

exemplo, <strong>para</strong> o sistema límbico (amígdala e cíngulo). Essa interação de<br />

regiões irá provocar não só ações imediatas (retirar a mão do choque)<br />

como a percepção da dor e medidas internas <strong>para</strong> reagir ao estímulo<br />

nocivo (sistema da hipófise, da supra-renal, aumento da adrenalina<br />

circulante, ACTH, Cortisona e outros), bem como mudanças corporais<br />

devido ao aumento dessas substâncias liberadas indicadoras de sofrimento<br />

corporal.<br />

O quadro geral, muito complexo, diante de um estímulo mesmo<br />

simples, inclui emoções agradáveis e ou negativas ou desagradáveis<br />

(medo, dor, raiva); categorização no córtex cerebral do objeto causador<br />

(o fio exposto foi o causador do choque); lembranças de situações semelhantes<br />

já vivenciadas podem ser recuperadas (através de estimulação<br />

do hipocampo que é relacionado à memória); há ainda o aumento<br />

dos batimentos cardíacos, da glicose circulante, da pressão arterial,<br />

da contração dos músculos estriados e, também, diversas outras alterações.<br />

Na área nobre do cérebro, geralmente, mas nem sempre, são<br />

produzidos pensamentos acerca do ocorrido: “Como fui burro, com a<br />

mão molhada fui pegar no fio. Preciso ter mais cuidado”.<br />

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286


Os sinais informativos, na sua longa e complicada caminhada, nascidos<br />

nos diversos pontos sensoriais do organismo (uma pisada num prego;<br />

um pedaço de pé-de-moleque que não desceu pela garganta; uma<br />

vontade maluca <strong>para</strong> fazer xixi; o brilho do Sol) primeiramente entram<br />

na medula e, subindo, se dirigem ao tronco cerebral. Em seguida caminham<br />

em direção a um núcleo especializado do tálamo.<br />

Lembro o leitor que a informação neuronal que caminha do tronco<br />

cerebral em direção ao tálamo, em <strong>para</strong>lelo (ao mesmo tempo), está<br />

também enviando mensagens importantes <strong>para</strong> um núcleo denominado<br />

“tractus solitarius”, que também recebe sinais vindos, também<br />

no mesmo instante, do nervo vago. Esses sinais são enviados <strong>para</strong> o<br />

núcleo <strong>para</strong>br<strong>aqui</strong>al e <strong>para</strong> o hipotálamo, transmitindo uma enorme<br />

quantidade de mensagens provenientes de informações a respeito do<br />

que está ocorrendo nas vísceras no momento da “pisada no prego”,<br />

“da urgência <strong>para</strong> urinar”, etc. Essas informações são produzidas em<br />

praticamente todos os pontos do nosso corpo e enviadas <strong>para</strong> serem<br />

contabilizadas e utilizadas (ou não) devido a sua maior ou menor importância.<br />

Essas mensagens, denominadas de internas, enviadas pelo nosso corpo,<br />

dizem respeito a parâmetros (padrões, variáveis ou constantes)<br />

diversos, como o estado de contração dos músculos lisos das artérias,<br />

o fluxo sanguíneo de uma determinada região do corpo, a temperatura<br />

local, a presença de substâncias químicas que assinalam a lesão de tecidos<br />

do corpo, o nível do pH e CO2.<br />

Um exemplo agora que aconteceu comigo. A queda de temperatura no<br />

meio ambiente faz meu organismo sentir essa mudança. Assim, começo<br />

a notar que minhas mãos estão ficando frias e, também, com uma<br />

cor mais clara. Aos poucos elas começam a tremer; uma reação que<br />

nada mais é que um esforço automático do organismo como um todo<br />

<strong>para</strong> aumentar a temperatura dessa região <strong>para</strong> normalizá-la. Sem pensar,<br />

esfrego uma mão à outra. Minha mão esquenta um pouco, há uma<br />

ligeira melhora.<br />

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287


Dia e noite o organismo trabalha assim. Seria péssimo se minha mão<br />

esfriasse e meu organismo nada fiz<strong>esse</strong>, por não notar devido a um defeito<br />

da fiação que leva a mensagem dos receptores sensoriais, ou por<br />

ter defeituoso o próprio receptor aonde chega o estímulo sensorial.<br />

Caso existisse o defeito, ocorreria um desequilíbrio na região corporal<br />

lesada em com<strong>para</strong>ção com o restante do corpo sadio. D<strong>esse</strong> modo,<br />

a região defeituosa não mais teria capacidade <strong>para</strong> tomar medidas<br />

eficientes <strong>para</strong> sanar o problema da mão fria, da vontade de urinar, da<br />

sede ou fome, etc. Por tudo isso, as consequências poderiam ser graves.<br />

Quando iniciei minha carreira médica presenciei uma menina que<br />

não sentia dores. Imagine, caro leitor, uma pessoa que não sente dor.<br />

Poderia pisar no prego e nada faria <strong>para</strong> evitá-lo.<br />

Através do tálamo o organismo executa um controle da quantidade e<br />

da qualidade de estímulos capazes e necessários <strong>para</strong> serem processados<br />

ao mesmo tempo, pois assim se torna viável fazer nossa mente<br />

trabalhar adequadamente e num nível econômico. Entre os mais idosos,<br />

nem todos, é comum a falha de impedir a entrada e o domínio de<br />

informações irrelevantes. Assim, durante a conversa ou raciocínio acerca<br />

de um problema X, naturalmente, o foco é mudado <strong>para</strong> assuntos<br />

não pertinentes, do tipo Y, que não têm importância <strong>para</strong> o discutido.<br />

Por exemplo: ao contar ao médico a doença, motivo da consulta, o relato<br />

sai do caminho esperado; o indivíduo começa a contar acerca da<br />

vizinha que teve algo semelhante, do que sua filha lhe falou acerca dos<br />

sintomas e, n<strong>esse</strong> ponto, fala das brigas que tem com a filha, do casamento,<br />

do genro, etc.<br />

Resumindo: inúmeros estímulos, sem muito trabalho de nosso cérebro,<br />

são selecionados <strong>para</strong> não invadir a parte da região encarregada de<br />

processar o útil, conforme os desejos do indivíduo num certo momento,<br />

ou mesmo diante de um futuro mais longe.<br />

Quando alguns d<strong>esse</strong>s estímulos são, ou muitos complexos, ou desconhecidos,<br />

eles podem exceder a capacidade cerebral de filtragem<br />

e, portanto, não mais serem processados – aceitos ou rejeitados – de<br />

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maneira automática. Quando isso acontece, a situação exigirá um adiamento<br />

e adicional processamento sequencial sob o controle da atenção<br />

e outras regiões cerebrais, isto é, não são mais rápidas e automáticas,<br />

irão dar trabalho.<br />

3) Hipotálamo<br />

O hipotálamo, uma estrutura que tem o tamanho de duas ervilhas, funciona<br />

como um termostato do corpo; ele é um dos elementos centrais<br />

do sistema límbico. O hipotálamo controla as funções vitais do organismo,<br />

incluindo a respiração, batimento cardíaco, digestão, equilíbrio da<br />

água, temperatura corporal, secreção gástrica, sono; ele está também<br />

relacionado ao controle do sistema endócrino, sistema nervoso autônomo<br />

e outras funções do corpo como os instintos.<br />

Certas partes do hipotálamo parecem ser os “centros” <strong>para</strong> as ações<br />

viscerais elementares, como, por exemplo, a fome e a saciedade. Os<br />

animais com a destruição bilateral (deve ser bilateral) do núcleo ventromedial<br />

do hipotálamo passam a comer e a comer sem <strong>para</strong>r, e se<br />

tornam grotescamente gordos. Tais animais geralmente também têm<br />

distúrbios dos padrões do sono e uma disposição desagradável e hostil.<br />

Por outro lado, os animais com lesões bilaterais da parte do hipotálamo<br />

imediatamente lateral ao núcleo ventromedial, ao contrário, perdem<br />

seu apetite e morrem de fome mesmo na presença de alimentos<br />

saborosos.<br />

O hipotálamo secreta os oligopeptídeos que controlam (ativam/desativam)<br />

a hipófise (pituitária). A hipófise, por sua vez, secreta porções<br />

maiores de hormônios peptídeos tróficos de peso molecular mais<br />

elevado, os quais controlam glândulas endócrinas alvos; essas, por<br />

sua vez, tais como a tireóide (tireóide), o córtex adrenal, as gônadas e<br />

outras, secretam um hormônio final não-peptídeo, o qual irá modificar<br />

tecidos alvos e, também, o realimento (retorno, feedback) novamente<br />

<strong>para</strong> o hipotálamo e <strong>para</strong> o sistema de controle da hipófise. (fechando<br />

o loop – circuito, laço normalizando o necessário). De modo simples, o<br />

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hipotálamo envia diversas informações e recebe outras informações de<br />

modo a manter um estado padrão de diversas substâncias circulantes.<br />

O hipotálamo é o executor mestre de diversas respostas químicas que<br />

fazem parte integrante das emoções. Diretamente ou através da glândula<br />

pituitária (hipófise), o hipotálamo libera, na corrente sanguínea,<br />

moléculas que alteram o meio interno, a função das vísceras e a função<br />

do sistema nervoso central e do sistema nervoso autônomo. A oxitocina<br />

(ocitocina) e a vasopressina, ambos, peptídeos, são exemplos de<br />

moléculas liberadas sob controle hipotalâmico com a ajuda da porção<br />

posterior da glândula hipófise durante nossas diversas emoções.<br />

Vários comportamentos emocionais, tais como o apego afetivo, dependem<br />

da disponibilidade d<strong>esse</strong>s hormônios dentro das estruturas<br />

cerebrais que ordenam a execução da conduta de busca de contatos<br />

amistosos com outros seres humanos. Da mesma forma, a disponibilidade<br />

local de moléculas como a dopamina e a serotonina, ambas<br />

moduladoras da atividade nervosa, leva a ocorrência de certas condutas,<br />

como, por exemplo, as condutas cuja experiência é sentida como<br />

recompensadora e agradável parecem depender da liberação da dopamina<br />

(também liberada quando nos sentimos bem por escaparmos de<br />

uma situação ruim: pagar uma conta, correr antes de o carro nos atropelar,<br />

livrar-se de um relacionamento indesejado) a partir de uma área<br />

particular (a área ventrotegmentar do tronco cerebral ou mesolímbica)<br />

e do seu transporte <strong>para</strong> uma outra área (o núcleo acumbente do prosencéfalo<br />

basal).<br />

O hipotálamo também responde aos estr<strong>esse</strong>s; quando <strong>esse</strong>s ocorrem<br />

o hipotálamo manda mensagens <strong>para</strong> a glândula pituitária (ou hipófise),<br />

que, entre outras funções, secreta ACTH, que ativa a glândula<br />

adrenal que secreta a adrenalina, a qual tem diversas funções <strong>para</strong> enfrentar<br />

o estr<strong>esse</strong>.<br />

Resumidamente: núcleos do prosencéfalo e do hipotálamo, e mais alguns<br />

núcleos do tegmento do tronco cerebral, bem como núcleos do<br />

tronco cerebral que controlam os movimentos do rosto e da voz (lín-<br />

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290


gua, faringe e laringe) são os executores supremos dos variados comportamentos,<br />

simples ou complicados, que definem as emoções, do<br />

choro ao riso, do fugir do medo ao fazer a corte, etc.<br />

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Algumas subdivisões do<br />

Sistema Nervoso Central (snc):<br />

A melhor, você escolhe<br />

1 – Uma primeira divisão:<br />

O sistema nervoso central, um termo muito geral, é definido como<br />

constituído pela reunião de todas as estruturas<br />

neurais existentes no interior do crânio e da coluna espinhal.<br />

Portanto, podemos dividir o SNC segundo critérios exclusivamente anatômicos<br />

e extremamente simples; n<strong>esse</strong> caso, chamaremos de encéfalo<br />

a parte do SNC contida no interior da caixa craniana e de medula espinhal<br />

a parte que continua a partir do encéfalo no interior do canal da<br />

coluna vertebral. Fácil esta.<br />

2 – Uma segunda divisão:<br />

De um outro modo podemos dividir o sistema nervoso central (SNC),<br />

definido anteriormente como encéfalo e medula espinhal, em sete regiões<br />

fundamentais: medula espinhal, bulbo, ponte, cerebelo, mesencéfalo,<br />

diencéfalo e hemisférios cerebrais.<br />

Acontece que o bulbo, a ponte e o mesencéfalo são chamados, coletivamente,<br />

de tronco encefálico ou cérebro posterior. Por outro lado, o<br />

diencéfalo e os hemisférios, reunidos, são chamados de prosencéfalo<br />

ou cérebro anterior. Portanto, simplificando a divisão acima teríamos:<br />

medula espinhal, tronco encefálico (cérebro posterior) e cérebro anterior<br />

(diencéfalo e hemisférios).<br />

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3 – Uma visão anatômica externa do encéfalo:<br />

alguns pontos gerais<br />

Subdividindo a divisão ainda de modo simples, podemos reconhecer<br />

três partes principais no encéfalo, visíveis na maioria das observações:<br />

1. dois hemisférios cerebrais justapostos e se<strong>para</strong>dos por um sulco profundo;<br />

2. o cerebelo – um pequeno “cérebro” – também constituído por dois<br />

hemisférios, mas sem um sulco claro de se<strong>para</strong>ção;<br />

3. a porção caudal ou bulbar do tronco encefálico (cerebral);uma estrutura<br />

em forma de haste que se estende, a partir da medula espinhal,<br />

escondendo-se por baixo do cerebelo e por dentro da parte superior<br />

do cérebro.<br />

Os hemisférios cerebrais, cerca de 85% do peso total do encéfalo, apresentam<br />

suas superfícies altamente pregueadas. As elevações dessas<br />

pregas são conhecidas como giros ou circunvoluções, e as depressões<br />

entre elas são chamadas de sulcos ou, quando mais profundas, fissuras.<br />

As superfícies pregueadas dos hemisférios cerebrais compreendem<br />

uma folha de camadas contínuas ou lamelares de neurônios ou células<br />

de apoio com cerca de dois milímetros de espessura, chamada córtex<br />

cerebral, região onde estão representadas as funções neurais e psíquicas<br />

mais complexas.<br />

A superfície lateral do encéfalo<br />

Quatro lobos: frontais, parietais, temporais e occipitais, se<strong>para</strong>dos por<br />

sulcos: central se<strong>para</strong> o frontal do parietal (aspectos anatômicos e motores).<br />

A superfície dorsal e ventral do encéfalo<br />

Corpo caloso unindo um hemisfério ao outro; tractos olfativos; bulbos<br />

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olfativos; nervos olfativos; giro <strong>para</strong>-hipocampal; a superfície ventromedial<br />

do lobo temporal esconde o hipocampo que é uma estrutura<br />

cortical altamente pregueada importante nos processos de memória;<br />

úncus que inclui o córtex piriforme; quiasma óptico; corpos mamilares;<br />

pedúnculos cerebrais…<br />

Superfície mediana do encéfalo<br />

O lobo frontal de cada hemisfério estende-se <strong>para</strong> frente, sulco parieto-occipital;<br />

sulco calcarino; sulco cingulado; giro do cíngulo (proeminente),<br />

conjuntamente com o córtex a ele adjacente, é, algumas vezes<br />

chamado de “lobo límbico”- termo “lobo” empregado imprecisamente,<br />

pois essa região não é considerada o quinto lobo do cérebro. O “lobo<br />

límbico” que se envolve ao redor do corpo caloso, e as áreas subcorticais<br />

conectadas a ele são referidos como sistema límbico. Essas estruturas<br />

límbicas são importantes na regulação da atividade motora visceral<br />

e da expressão emocional, entre outras funções. Finalmente, ventral<br />

ao giro do cíngulo, temos a superfície mediana do corpo caloso.<br />

Na superfície mediana, o diencéfalo pode ser visto como tendo duas<br />

partes: o tálamo dorsal, o maior componente do diencéfalo, que apresenta<br />

várias subdivisões, todas levando informações ao córtex cerebral<br />

de outras partes do encéfalo; o hipotálamo, uma parte pequena, mas<br />

importante do diencéfalo pois está relacionado às funções reprodutivas<br />

e do controle das homeostasias. O hipotálamo está intimamente relacionado,<br />

estrutural e funcionalmente, com a hipófise, um órgão endócrino<br />

crucial cuja parte posterior está presa ao hipotálamo por meio da<br />

haste hipofisária (ou infundíbulo)<br />

O mesencéfalo olhado nessa visão localiza-se com os colículos superior<br />

e inferior, vários núcleos incluindo a substância nigra, localizados na<br />

porção ventral ou tegmento (significando ‘revestimento’) do mesencéfalo;<br />

a ponte, cerebelo, córtex cerebelar, folia (pregas) e bulbo.<br />

4 – Quarta divisão:<br />

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Uma dessas divisões seria o cérebro se<strong>para</strong>do em duas partes: o hemisfério<br />

direito e o esquerdo. Mas, como se nota, essa classificação<br />

pouco nos esclarecerá, a não ser dizendo que o hemisfério direito é o<br />

dominante (isso quanto à linguagem falada) e que o hemisfério esquerdo<br />

prefere narrar os acontecimentos e, n<strong>esse</strong>s casos, frequentemente<br />

constrói mitos acerca do que acontece. O hemisfério direito está preso<br />

mais à realidade vivida e, por isso mesmo, é mais pessimista que o<br />

esquerdo, que é pródigo em fantasias e fantasmas. Mas isso é muito<br />

pouco.<br />

5 – Quinta divisão:<br />

Um outro modo, mais anatômico e minucioso, divide o cérebro nas<br />

diversas regiões: medula espinhal, tronco encefálico, cerebelo, hipotálamo,<br />

tálamo, subtalámo, epitálamo, núcleos da base, centro branco<br />

medular do cérebro, córtex cerebral, sistema límbico, vias ascendentes,<br />

sistema extrapiramidal, sistema nervoso visceral.<br />

N<strong>esse</strong> caso eu digo, antes de vocês: “Cruz credo! Deus nos livre disso!<br />

Não é isso que me interessa”! Não há nenhuma necessidade de aprender<br />

e, muito menos, decorar <strong>esse</strong>s nomes, pois <strong>esse</strong> não é o objetivo<br />

do livro.<br />

6 – Examinei uma antiga classificação:<br />

Essa divide o SNC (sistema nervoso central) em três níveis principais<br />

conforme a função do sistema nervoso:<br />

1. Nível medular (sensibilidade e atividade motora)<br />

2. Nível encefálico inferior; aí se encontra muito do que chamamos<br />

de atividade subconsciente (ou inconsciente) do organismo, isto é,<br />

setores que são controlados por regiões situadas na parte inferior<br />

do cérebro, entre elas: bulbo, ponte, mesencéfalo, hipotálamo e<br />

gânglios (núcleos) basais. Cabe a essa região controlar (ou modular),<br />

por exemplo, a pressão arterial e a respiração ativada primariamente<br />

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pela “substância reticular” (neurônios situados em parte do bulbo<br />

e da ponte). O controle do equilíbrio é uma função combinada das<br />

porções mais antigas do cerebelo com a substância reticular do bulbo,<br />

ponte e mesencéfalo. Os movimentos coordenados <strong>para</strong> girar a<br />

cabeça, o corpo e os olhos são controlados por centros específicos<br />

localizados no mesencéfalo, paleocerebelo e gânglios da base inferiores.<br />

Os reflexos da alimentação, tais como a salivação em resposta ao<br />

gosto do alimento e o lamber dos lábios, são controlados por áreas<br />

do bulbo, ponte, mesencéfalo, amígdala e hipotálamo. Além disso,<br />

nossas expressões emocionais como a raiva, as atividades sexuais,<br />

as reações à dor ou as reações de prazer utilizam-se dessa parte do<br />

cérebro, isto é, as regiões situadas abaixo do córtex cerebral, ou seja,<br />

da região subcortical (nível encefálico inferior). Não se preocupe, digo<br />

mais uma vez, com os nomes das regiões; eu as escrevi <strong>para</strong> indicar a<br />

complexidade cerebral diante das diversas ações nossas como sentir<br />

uma dor, provar um alimento, assustar-se com um barulho, etc. Tentei,<br />

em diversos momentos, explicar de modo compreensível alguns<br />

d<strong>esse</strong>s mecanismos sem precisar que você saiba os nomes das regiões<br />

envolvidas.<br />

3. Nível encefálico superior ou cortical. Esse nível é, em princípio, uma<br />

vasta área de integração (associações de neurônios) e armazenamento<br />

de informações, com<strong>para</strong>ções, raciocínios etc.; aí também se estocam<br />

muitos dos padrões de respostas motoras, de cujas informações<br />

podemos dispor em qualquer ocasião <strong>para</strong> controlar as funções do<br />

corpo.<br />

7 – Uma sétima divisão:<br />

Para distrair sua mente já um pouco aborrecida, descrevo abaixo uma<br />

outra divisão:<br />

1. Suprimento sanguíneo<br />

2. Medula espinhal<br />

3. Tronco cerebral, cerebelo, sentidos especiais<br />

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4. Cérebro anterior<br />

5. Sistema motor e gânglios basais (núcleos da base)<br />

6. Sistema límbico<br />

7. Tálamo<br />

8. Funções corticais mais elevadas<br />

9. Desenvolvimento do CNS<br />

8 – Uma outra subdivisão:<br />

esta divide o SNC numa parte sensorial e em uma outra motora (somos<br />

estimulados e agimos)<br />

9 – Mais outra divisão:<br />

Lobo frontal, temporal, parietal e occipital e mais: hipotálamo, glândula<br />

pineal, tálamo, cerebelo, tronco cerebral (formado por cérebro médio,<br />

ponte e bulbo (ou medula oblonga)).<br />

10 – Ainda mais uma classificação:<br />

Anatomicamente o cérebro tem três partes principais: o cérebro posterior<br />

(incluindo o cerebelo e o tronco cerebral), o cérebro médio e o<br />

cérebro anterior (incluindo o diencéfalo e o córtex e as duas massas<br />

principais dos dois hemisférios que controlam a atividade consciente).<br />

11 – Divisão: Sistema Nervoso: Central e Periférico<br />

Além dessas distinções funcionais gerais, os neurocientistas e neurologistas<br />

dividem convencionalmente a anatomia do sistema nervoso dos<br />

vertebrados em componentes centrais e periféricos.<br />

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O sistema nervoso central compreende o encéfalo (cérebro, cerebelo e<br />

tronco encefálico) e a medula espinhal: segundo uma classificação.<br />

O sistema nervoso periférico (SNP) inclui neurônios sensoriais que<br />

conectam os receptores sensoriais da superfície corporal (bem como<br />

estruturas receptoras especializadas, como o ouvido) com os circuitos<br />

de processamento dessas informações localizados no sistema nervoso<br />

central. Há uma porção motora do sistema nervoso periférico consistindo<br />

de dois componentes de axônios motores, que conectam o encéfalo<br />

e a medula espinhal aos músculos esqueléticos formando a divisão<br />

motora somática do SNP (e a divisão motora visceral ou vegetativa;<br />

ou neurovegetativa), que consiste de células e axônios que inervam os<br />

músculos lisos, o músculo cardíaco e as glândulas.<br />

Sintetizando: o organismo apresenta, por um lado, setores <strong>para</strong> receberem<br />

informações (receptores visuais, gustativos, olfativos, auditivos<br />

etc. do meio externo e, também, do meio interno do organismo: dores,<br />

movimentos viscerais, dos músculos estriados, etc.). Por outro lado,<br />

ligações são formadas enviando essas informações <strong>para</strong> diversos lugares<br />

do SNC onde elas serão processadas e compreendidas. Tudo isso foi<br />

explicado em outro local.<br />

Para tranquilizar o leitor<br />

Finalizando: novamente meu alerta: citei diversos nomes de regiões<br />

do sistema nervoso que você não precisa guardar ou decorar. Repito<br />

o já dito anteriormente: não se assuste com alguns nomes citados de<br />

regiões cerebrais. Em resumo, o que desejo transmitir é que o nosso<br />

corpo, sem <strong>para</strong>r, dia e noite, detecta modificações nele próprio, vindas<br />

de todos os lados; num ou noutro momento eu cito um núcleo, uma<br />

via, uma área que participa da complexa vida animal. O importante é<br />

que você forme uma idéia geral e superficial dos inúmeros fatores que<br />

contribuem <strong>para</strong> que você sinta e pense razoavelmente, sabendo que<br />

existem regiões e circuitos neurais responsáveis por isso.<br />

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Do lado de fora do nosso organismo ficamos atentos aos perigos e às<br />

situações que podem nos ser agradáveis; do lado de dentro do organismo<br />

detectamos mudanças que nos causarão o mal-estar ou o bem-<br />

-estar; ambas as mudanças corporais nos levam a agir <strong>para</strong> resolver um<br />

e outro problema (“Estou com sede, e cansado ao escrever. Vou <strong>para</strong>r<br />

<strong>aqui</strong>, tomar um pouco de água e esticar as pernas”).<br />

Tenho mostrado o tortuoso caminho seguido por um estímulo, entre<br />

eles, uma fincada no estômago ou no coração, um desequilíbrio ao<br />

caminhar e outros sinais produzidos no seu trajeto em direção a “central”<br />

do cérebro <strong>para</strong> que o indivíduo tome consciência do acontecido<br />

e busque agir <strong>para</strong> tomar uma decisão (dar solução ao problema); o<br />

que estamos sem <strong>para</strong>r fazendo. Tento mostrar que existe por trás de<br />

tudo isso um sistema nervoso altamente complexo, além de substâncias<br />

químicas e sinais elétricos. Para que decidamos fazer um gesto<br />

simples, como pegar uma caneta e anotar um número de telefone que<br />

poderá ser usado algum dia, todo <strong>esse</strong> mecanismo, além das emoções<br />

sentidas, é ativado, sem isso não existiria ser vivo agindo <strong>para</strong> resolver<br />

problemas. De maneira simples: somos estimulados e reagimos a essas<br />

estimulações com os mecanismos cerebrais que herdamos (da nossa<br />

espécie) e usando as modificações aprendidas durante nossa vida particular<br />

(caracterizando nossa individualidade).<br />

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