18.04.2013 Views

O andar na corda bamba.

O andar na corda bamba.

O andar na corda bamba.

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O circo é do mundo. A quem nós educamos? Ao menino, mas também ao velho. A moça<br />

em ple<strong>na</strong> idade, as raparigas em flor, envergonhadas dos coloridos que se abatem sobre a vida<br />

cinzenta. A criança atrás das grades. A criança atrás do portão. A criança atrás da carteira. A<br />

criança <strong>na</strong> porta da escola, em dia de greve, a criança com a cara <strong>na</strong> porta. O circo é de quem?<br />

É o suspiro dos desalojados, dos desabrigados, dos infames, dos pulhas, dos biltres, dos<br />

ca<strong>na</strong>lhas. Os palhaços deveriam ser compreendidos como um ensaio para o Além-homem de<br />

Nietzsche. Mas também como bichos, se fundem ao macaco, ele é macaco, chimpanzé. O<br />

domador submete os animais do circo, forçam que se tornem gente, que façam como a gente.<br />

O palhaço, pelo contrário, não obriga aos bichos a falarem língua de gente: é ele que devémmacaco.<br />

Devém-Urso. Cão. Foca. Tigre. Ou, simplesmente, burro. A sabedoria do palhaço<br />

em relação ao domador está em que o palhaço faz um cão pensar que os homens são como<br />

cães. O palhaço jamais imita um animal. Sob o signo do palhaço, as metamorfoses acometem<br />

a cada dia mais jovens: a blata miserabilis foi a primeira, com suas per<strong>na</strong>s asquerosas, toda<br />

cheia de pelo-grudagem, aquela coisa sansaria<strong>na</strong> jogada sobre uma cama. Abominável Gregor<br />

Samsa.<br />

Licanos e Lupércios também foram vistos sobre a cidade, <strong>na</strong>s periferias da cidade,<br />

sempre que a lua surgisse, eles se encontram <strong>na</strong>s lajes e, com violões desafi<strong>na</strong>dos, choram<br />

suas canções lupi<strong>na</strong>s.<br />

Ou como a pulex saltitans: praga dos inferno! Praga interminável. Os homens passarão<br />

mas a pulex não passará, ela não pode ser destruída, a pulga é a diferença, a pulga é a<br />

resistência. Estão em todos os lugares, preferem as frestas e o quente dos tapetes coloridos,<br />

indetermináveis, escondidas que estão no meio daquela raça de bicho que se sente sobera<strong>na</strong>.<br />

Pulga, acrobata, professor e palhaço.<br />

Os palhaços são como máqui<strong>na</strong>s. Máqui<strong>na</strong>s de riso, máqui<strong>na</strong>s de fracasso, máqui<strong>na</strong>s de<br />

errância, máqui<strong>na</strong>s de incompreensão, falta de senso, inocência, começar de novo, porque<br />

sim, porque não, cala boca já morreu, máqui<strong>na</strong> que chora, máqui<strong>na</strong> de flor, cujas lágrimas<br />

fabricadas, nos fazem ver que não existem fronteiras: lá onde existe a lágrima que chora, nós<br />

descobrimos o riso. Máqui<strong>na</strong> sobre a máqui<strong>na</strong>-animal do cavalo: a queda que certamente seria<br />

fatal para o especialista é o ofício do palhaço. O sentimento trágico.<br />

Os palhaços são máqui<strong>na</strong>s que voam: no trapézio, além de fazer aquilo que o trapezista<br />

faz, o palhaço faz mais: brinca com a seriedade da coisa. Toda a solenidade do trapezista<br />

serve para esconder a tensão por trás dos gestos previamente calculados. O palhaço é duas<br />

vezes trapezista porque voa sobre o vôo. O gesto do palhaço no trapézio é a verdadeira arte do<br />

ALEGRAR nº05 - 2008 - ISSN 18085148<br />

www.alegrar.com.br<br />

2

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!