Derivados do vocábulo Manihot em nomenclatura sistemática - IAC
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PONTO DE VISTA<br />
<strong>Deriva<strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong> <strong>vocábulo</strong> <strong>Manihot</strong> <strong>em</strong><br />
<strong>nomenclatura</strong> sist<strong>em</strong>ática<br />
D<br />
esde fins <strong>do</strong> século XVII classificam-se<br />
os seres vivos com nomes<br />
toma<strong>do</strong>s <strong>do</strong> latim clássico, ou <strong>do</strong> grego<br />
latiniza<strong>do</strong> ou não, e até de nomes indígenas,<br />
de pessoas ou lugares homenagea<strong>do</strong>s<br />
e grafa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> latim. Mas a tarefa só se aperfeiçoou<br />
no século<br />
XVIII ao se a<strong>do</strong>tar a<br />
<strong>nomenclatura</strong><br />
binomial ou binária,<br />
atribuída principalmente<br />
a Linneu<br />
(1707-1778). Como se<br />
sabe, ela consiste,<br />
<strong>em</strong> tese, <strong>em</strong> se expressar<strong>em</strong><br />
esses nomes<br />
por <strong>do</strong>is vocá-<br />
E. S. Normanha.<br />
bulos: o <strong>do</strong> gênero e<br />
o epíteto específico,<br />
segun<strong>do</strong> regras de taxonomia (<strong>do</strong> grego táxis,<br />
classe, arranjo, disposição, e nómos,<br />
princípio, lei, regra, norma, uso, costume) e<br />
as opções pessoais <strong>do</strong>s autores.<br />
Esse conjunto de “<strong>do</strong>is nomes”<br />
t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> referi<strong>do</strong> <strong>em</strong> português como “binômio”<br />
e <strong>em</strong> inglês como “binomial” (<strong>do</strong><br />
latim bis, <strong>do</strong>is e <strong>do</strong> grego nomós, parte,<br />
divisão, termo). Poderia chamar-se<br />
“binômino”, com as raízes latinas bis,<br />
<strong>do</strong>is, e nomen, nominis, nome. Assim<br />
etimologicamente, “binômio” significa<br />
constituí<strong>do</strong> de duas partes, divisões, termos,<br />
mas não de <strong>do</strong>is nomes, como o é<br />
“binômino”. Entretanto, aceita-se binômio,<br />
<strong>em</strong> <strong>nomenclatura</strong> sist<strong>em</strong>ática com a<br />
mesma acepção que t<strong>em</strong> <strong>em</strong> mat<strong>em</strong>ática,<br />
como <strong>em</strong> a±b, porque os <strong>do</strong>is nomes botânicos<br />
são também as duas partes ou<br />
termos (gênero e epiteto específico) de<br />
que ela, a expressão, é constituída. O<br />
mesmo raciocínio pode estender-se aos<br />
<strong>vocábulo</strong>s trinômio, polinômio, para significar<strong>em</strong>,<br />
também, de três a muitos nomes,<br />
respectivamente.<br />
Nestas notas, também será chama<strong>do</strong><br />
de “taxônimo” (<strong>do</strong> grego táxis, classe<br />
e onoma ou onyma, nome). A favor desse<br />
<strong>vocábulo</strong> que propomos está a expressão<br />
<strong>do</strong>s autores de língua inglesa “taxon<br />
name” que corresponde literalmente a<br />
taxônimo. Em inglês se escreve<br />
“taxonym” ou “taxonyme” com acento na<br />
letra “o”. Táxon, de plural taxa (neutro) é<br />
grego latiniza<strong>do</strong> (classe) e t<strong>em</strong> o senti<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> “binômio” <strong>em</strong> sist<strong>em</strong>ática entre os autores<br />
de língua inglesa, que também usam<br />
a palavra “binomial” para designar não<br />
somente o nosso taxônimo, como para se<br />
referir ao binômio a±b <strong>em</strong> mat<strong>em</strong>ática. Em<br />
português, certamente pode-se continuar<br />
a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> também táxon (singular) e taxa<br />
(plural).<br />
É oportuno também l<strong>em</strong>brar que,<br />
<strong>em</strong> inglês, “cultigen” se refere de um mo<strong>do</strong><br />
amplo, geral, a uma espécie botânica, “não<br />
silvestre”, mas cultivada para qualquer finalidade.<br />
Não confundir com “cultivar”,<br />
variedade já cultivada, cujas raízes são<br />
culti(vada) e var(iedade), enquanto as<br />
raízes de “cultigen”, que poder<strong>em</strong>os a<strong>do</strong>tar<br />
<strong>em</strong> português como “cultígeno”, são<br />
“cultus”, o culto, a lavoura (latim) e<br />
“genea” que é também também a geração<br />
ou uma população de plantas cultivadas.<br />
Assim, <strong>Manihot</strong> esculenta, que é o<br />
taxônimo das mandiocas e <strong>do</strong>s aipins, é<br />
um “cultígeno” que se insere entre as<br />
espécies silvestres <strong>do</strong> gênero <strong>Manihot</strong>.<br />
Assim uma espécie produtora de látex,<br />
como <strong>Manihot</strong> glaziovii, se cultivada para<br />
tal, poderá também ser referida como<br />
“cultígeno”. E, como é sabi<strong>do</strong>, há<br />
taxônimos com três ou mais nomes, como<br />
seja quan<strong>do</strong> se lhes juntam sub-gêneros,<br />
subespécies, patovares, como <strong>em</strong><br />
Xantomonas campestris pv. manihotis, no<br />
sub-gênero Camponomus<br />
(Myrmobrachys) brasiliensis, na<br />
subespécie Lagochyrus undatus undatus<br />
etc.<br />
Comentários<br />
O que t<strong>em</strong>os <strong>em</strong> vista é comentar,<br />
<strong>do</strong>s pontos de vista lingüístico e autoral,<br />
as grafias <strong>do</strong>s componentes específicos<br />
deriva<strong>do</strong>s ou relaciona<strong>do</strong>s com a palavra<br />
<strong>Manihot</strong> como gênero botânico, quan<strong>do</strong><br />
atribuí<strong>do</strong>s a fungos, bactérias, insetos e<br />
ácaros que atacam a mandioca cultivada<br />
(<strong>Manihot</strong> esculenta). Referimo-nos tam-<br />
bém <strong>em</strong> outras posições da sist<strong>em</strong>ática.<br />
A seguir vamos analisar cada um deles,<br />
inician<strong>do</strong> com o original.<br />
<strong>Manihot</strong><br />
Julgamos oportuno tecer esses comentários<br />
pela importância deste gênero<br />
de plantas da família das Euforbiáceas que<br />
tantas atenções mereceu de ilustres botânicos<br />
que, no passa<strong>do</strong>, estudaram a sua<br />
posição na flora americana, no século<br />
XVIII.<br />
Os nomes de Plumier, Tournefort,<br />
Adanson e Pohl, estão entre os que muito<br />
pesquisaram. É nome de orig<strong>em</strong> indígena<br />
brasileira <strong>em</strong> cuja formação influiu o<br />
radical “mani” (tupi), nome de mulher, e<br />
“oca” (tupi), a palhoça ou casa de índio.<br />
Segun<strong>do</strong> lenda, na sepultura da menina<br />
Mani, filha de uma índia com um guerreiro<br />
branco, brotou uma planta de raízes<br />
grossas, tuberosas, e que por ter surgi<strong>do</strong><br />
na casa (a sepultura) de Mani, foi chamada<br />
de “Manioca”, casa de Mani. Naturalmente,<br />
ao radical “mani” juntaram-se depois<br />
os sufixos ó, hó, ok, hok como<br />
fon<strong>em</strong>as giran<strong>do</strong> <strong>em</strong> torno de oca, e com<br />
o mesmo significa<strong>do</strong>, forman<strong>do</strong> segun<strong>do</strong><br />
a fala das diferentes tribos, e ao longo<br />
<strong>do</strong>s t<strong>em</strong>pos, as palavras manió, manihó,<br />
maniok, manihoca e manioca (hoje<br />
“manioc” <strong>em</strong> francês e inglês, e maniok,<br />
<strong>em</strong> al<strong>em</strong>ão) na grafia <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res e<br />
botânicos mais antigos que estudaram<br />
esta espécie. O radical mandi (ou mandy)<br />
também aparece, ultiman<strong>do</strong> com “mandioca”<br />
da linguag<strong>em</strong> brasileira atual. Em<br />
Segun<strong>do</strong> lenda, na sepultura<br />
da menina Mani, filha de uma<br />
índia com um guerreiro branco,<br />
brotou uma planta de raízes<br />
grossas, tuberosas, e que por<br />
ter surgi<strong>do</strong> na casa (a sepultura)<br />
de Mani, foi chamada de<br />
“Manioca”, casa de Mani.<br />
42 42<br />
O Agronômico, Campinas, 54(2), 2002
inglês, além de manioc, utiliza-se também<br />
“cassava”, que v<strong>em</strong> de “kasabi” (idioma<br />
Arawak). O <strong>vocábulo</strong> “cassava” foi utiliza<strong>do</strong><br />
como epíteto específico, no genitivo<br />
latino cassavae, como <strong>em</strong> Erwinia<br />
cassavae.<br />
Todas essas palavras precederam,<br />
historicamente, a <strong>Manihot</strong>, que delas deriva,<br />
liguisticamente. Por outro la<strong>do</strong> pod<strong>em</strong>os<br />
especulativamente opinar que os<br />
indígenas se referiam à planta da mandioca<br />
(manioca = da casa de Mani), para distingui-la<br />
das espécies silvestres locais,<br />
que por não ser<strong>em</strong> “boas para comer”<br />
(esculenta, <strong>em</strong> latim) não as cultivavam.<br />
Além disso, na área especulativa, é digna<br />
de menção a coincidência da relativa<br />
homofonia entre “oca” e a palavra grega<br />
“oikos”, significan<strong>do</strong> casa, habitação,<br />
meio ambiente, assim como entre “hot”,<br />
desinência de <strong>Manihot</strong>, e o termo “hut”<br />
(inglês e al<strong>em</strong>ão), de orig<strong>em</strong> anglosaxônica,<br />
significan<strong>do</strong> chapéu, proteção,<br />
guarda, enquanto “hütte” (al<strong>em</strong>ão) é cabana.<br />
À base desse raciocínio, a desinência<br />
“hut” teria si<strong>do</strong> colocada talvez por intuição<br />
lingüística e confronto, pelos botânicos<br />
cultores desses idiomas, que passaram<br />
a grafar <strong>Manihot</strong>.<br />
É também digno de menção que o<br />
ilustre botânico al<strong>em</strong>ão Johannes Emanuel<br />
Pohl comentou, <strong>em</strong> 1927, <strong>em</strong> seus escritos<br />
sobre “Descrições e gravuras de plantas <strong>do</strong><br />
Brasil, capítulo IV – <strong>Manihot</strong>”, ter havi<strong>do</strong><br />
época <strong>em</strong> que não se admitia o <strong>em</strong>prego de<br />
palavras indígenas (nomen indicum) muito<br />
vulgares <strong>em</strong> sist<strong>em</strong>ática (o caso de<br />
<strong>Manihot</strong>), mas que, antes dele os célebres<br />
Michel Adanson, Charles Plumier, Joseph<br />
Pitton Tournefort, que <strong>em</strong> 1763 descreveram<br />
o gênero <strong>Manihot</strong> e aceitaram-no como<br />
integrante da família Euphorbiaceae, razão<br />
pela qual Pohl acolheu o gênero <strong>em</strong> <strong>Manihot</strong><br />
utilíssima. Aliás, antes de Adanson (1763),<br />
o botânico P. Miller, <strong>em</strong> 1754, já se referiu,<br />
descreven<strong>do</strong>-o, ao gênero <strong>Manihot</strong> (Rogers<br />
e Appan, 1973).<br />
O <strong>vocábulo</strong> “manihot” entrou para o<br />
latim como substantivo f<strong>em</strong>inino singular<br />
nominativo da terceira declinação. É modelo<br />
gramaticalmente clássico para significar<br />
“de mandioca” ou “de manihot” <strong>em</strong> <strong>nomenclatura</strong><br />
taxonômica. É a grafia mais antiga<br />
desses deriva<strong>do</strong>s, pela lógica gramatical,<br />
pois já v<strong>em</strong> sen<strong>do</strong> escrita há mais de um<br />
século. Desde 1890, P. C. Hennings a <strong>em</strong>pregou<br />
como nome específico de fungos<br />
pertencentes a gêneros como Cercospora,<br />
Uromyces, Gloeosporium, Colletotrichum,<br />
e outros. Singularmente aparece com mais<br />
freqüência <strong>em</strong> taxônimos de fungos, <strong>do</strong> que<br />
de insetos e ácaros que atacam a mandioca.<br />
Já se usou também com forma (f) de<br />
Pseu<strong>do</strong>monas solanacearum e designa atualmente<br />
um patovar (pv) de Xanthomonas<br />
campestris. Em bacteriologia, A. P. Viegas<br />
foi o primeiro a a<strong>do</strong>tá-lo <strong>em</strong> Phytomonas<br />
manihotis (Arthaud-Berthet et Bandar)<br />
Viegas, 1940. Em entomologia t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> muito<br />
pouco menciona<strong>do</strong>, como por ex<strong>em</strong>plo<br />
<strong>em</strong> B<strong>em</strong>isia manihotis (cita<strong>do</strong> como o mesmo<br />
que B. tabaci) e Dazynus manihotis (um<br />
coreídeo), enquanto <strong>em</strong> acarologia<br />
Flechtmann, <strong>em</strong> 1983, o sonsignou <strong>em</strong><br />
Tetranychus manihotis, mais tarde muda<strong>do</strong><br />
pelo autor para T. manihoticolus.<br />
<strong>Manihot</strong>us<br />
Masculino, nominativo, singular, segunda<br />
declinação. É uma variante de<br />
<strong>Manihot</strong>, criada por Arthaud Berthet <strong>em</strong> colaboração<br />
com Gregório Bondar, <strong>em</strong> 1912,<br />
no Instituto Agronômico, no taxônimo<br />
Bacillus manihotus Arthaud Berthet. Essa<br />
foi a primeira informação sobre esse<br />
patógeno como agente causal da bacteriose<br />
da mandioca, <strong>em</strong> to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.<br />
A<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> <strong>Manihot</strong>us, Arthaud<br />
Berthet teria preferi<strong>do</strong> não recorrer a grafias<br />
mais usuais da época, como maniohotis e<br />
manicoticola, e sim flexionar a raiz original<br />
manihot com a desinência “us” para concordar<br />
com Bacillus e l<strong>em</strong>brar um parasito<br />
de mandioca s<strong>em</strong> lhe conferir a função<br />
adjetiva. Em 1915 Berthet reestu<strong>do</strong>u o<br />
patógeno e o denominou Bacillus manihot,<br />
<strong>em</strong> cujo nome específico escreveu o nome<br />
genérico da planta como já o fizeram, havia<br />
muito t<strong>em</strong>po, outros autores <strong>em</strong> taxônimos<br />
de fungos <strong>do</strong>s gêneros Gloesporium e<br />
Meliola, ou como nome de espécie de outro<br />
gênero de plantas, como <strong>em</strong> Janipha<br />
manihot e Jatropha manihot, ambos de<br />
Linneu, e <strong>Manihot</strong> manihot , de Cockerrel<br />
(cita<strong>do</strong> por David J. Rogers e S.G. Appan,<br />
1973). Aliás, registrar para nome específico<br />
um nome genérico ou não, s<strong>em</strong> decliná-lo<br />
no genitivo, n<strong>em</strong> adjetiva-lo no nominativo<br />
e também usual <strong>em</strong> <strong>nomenclatura</strong> sist<strong>em</strong>ática,<br />
como <strong>em</strong> Cucumis melo, Cucurbita<br />
pepo, Theobroma cacao, Ficus carica,<br />
Aceria fícus etc.<br />
Os pesquisa<strong>do</strong>res Drummond e<br />
Hipólito, vinte e oito anos depois da publicação<br />
de Arthaut Berthet, ou seja, <strong>em</strong> 1940<br />
(publicação de 1941), estudan<strong>do</strong> o patógeno<br />
da murcha bacteriana da mandioca ocorren<strong>do</strong><br />
<strong>em</strong> Minas Gerais registraram-no como<br />
Bacterium manihotus, mudan<strong>do</strong> o gênero e<br />
manten<strong>do</strong> o epíteto específico, preferin<strong>do</strong> a<br />
primeira grafia de Berthet e Bondar, assim<br />
repetida na <strong>nomenclatura</strong> binomial pela primeira<br />
e única vez até agora (1998), salvo<br />
naturalmente uma exceção surgida por en-<br />
gano, <strong>em</strong> que se publicou Phytomonas<br />
manihotus (Arthaud Berthet et Bondar)<br />
Viegas, 1940. Conforme carta particular de<br />
Viegas a W.R. Bulkholder (Bulkholder, 1942),<br />
o epíteto específico deveria ser manihotis.<br />
Bitancourt (1941), na ocasião já confirmara<br />
isso ao redigir manihotis e não manihotus.<br />
Lozano (1972?) estudan<strong>do</strong> o agente causal<br />
de uma forma de bacteriose da mandioca na<br />
Colômbia, também usou o epíteto específico<br />
manihotis.<br />
<strong>Manihot</strong>i<br />
Genitivo de manihotus, masculino,<br />
singular, segunda declinação, significan<strong>do</strong><br />
“da mandioca”, ou de um ser vivo chama<strong>do</strong><br />
manihotus. Sacar<strong>do</strong> possivelmente o <strong>em</strong>pregou<br />
pela primeira vez <strong>em</strong> fitopatologia,<br />
<strong>em</strong> 1914, <strong>em</strong> Diplodia manihoti, e como<br />
genitivo de manihotus, mesmo antes de<br />
Berthet e Bondar, cria<strong>do</strong>res de manihotus, e<br />
que só <strong>em</strong> 1949 o grafaram <strong>em</strong> Bacillus<br />
manihoti, para denominar<strong>em</strong> pela terceira e<br />
última vez, o agente causal da bacteriose da<br />
mandioca por eles estuda<strong>do</strong> na época. Aliás,<br />
essa grafia parece ter ti<strong>do</strong> a preferência<br />
de vários entomologistas como epíteto específico<br />
<strong>em</strong> taxônimos. Assim, Bondar que<br />
também era entomologista, o <strong>em</strong>pregou para<br />
espécies <strong>do</strong>s gênero Euthrips, Scirtothrips<br />
e Trialeurodes. Dentre outros<br />
entomogistas que também o fizeram, citamos<br />
Monte, Costa Lima, Ferrero, Tavares,<br />
Marshall, Doreste, <strong>em</strong> gêneros de insetos<br />
(Eulechriops, Caelosternus, Anastrepha,<br />
Phenacoccus e Schimyia), e de ácaros, como<br />
<strong>em</strong> Mononychellus manihoti. Pode-se até<br />
dizer que o <strong>em</strong>prego de epíteto específico<br />
manihoti, referentes a diversos insetos, alguns<br />
fungos e pelo menos uma bactéria, se<br />
deve à criatividade de Berthet e Bondar, que<br />
grafaram seu antecedente <strong>Manihot</strong>us.<br />
Manihiticola<br />
Nominativo, singular, masculino e f<strong>em</strong>inino,<br />
primeira declinação, significan<strong>do</strong><br />
“que vive, ou incide sobre manihot”.<br />
Etimologicamente provém de “manihot”<br />
mais “incola”, que <strong>em</strong> latim é masculino e<br />
f<strong>em</strong>inino significan<strong>do</strong> mora<strong>do</strong>r(a), habitante,<br />
“que vive <strong>em</strong>”, e que, como sufixo<br />
passa a “ícola” (como <strong>em</strong> vitícola, tritícola<br />
etc). É <strong>vocábulo</strong> de formação sintética,<br />
s<strong>em</strong> recorrer ao processo de declinação<br />
<strong>do</strong> t<strong>em</strong>a da raiz, como <strong>em</strong> manihotis, diversifican<strong>do</strong><br />
assim a terminologia.<br />
<strong>Manihot</strong>icola e manihotis são grafias mais<br />
ou menos cont<strong>em</strong>porâneas, desde aí por<br />
volta de 1890. A primeira é mais comum<br />
<strong>em</strong> nomes de fungos de vários gêneros<br />
(Periconia, Botryodiplodia,<br />
Phyllosticta, Uromices, Diaporthe,<br />
Sphaceloma etc.).<br />
O Agronômico, Campinas, 54(2), 2002 43
<strong>Manihot</strong>icolus<br />
Nominativo, singular, masculino, da<br />
segunda declinação, grafa<strong>do</strong> por<br />
Flechtmann (1973) para o ácaro Tetranychus<br />
manihoticolus, anteriormente denomina<strong>do</strong><br />
pelo mesmo autor como T. manihotis n.sp.<br />
Este deriva<strong>do</strong> de <strong>Manihot</strong> parece ser o único<br />
ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> nomeclatura sist<strong>em</strong>ática <strong>em</strong><br />
levantamento bibliográfico realiza<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />
1998.<br />
<strong>Manihot</strong>ae<br />
Em <strong>nomenclatura</strong> binominal, esta<br />
grafia foi registrada, pela primeira vez <strong>em</strong><br />
1922 pelo entomologista Francis Drake para<br />
designar o componente específico de uma<br />
praga das folhas de mandioca -<br />
Leptopharsa manihotae (H<strong>em</strong>íptera,<br />
Tingitidae), posteriormente reclassificada<br />
por Dake como Vatinga manihotae, mudan<strong>do</strong><br />
apenas o gênero.<br />
Assim latinizada, a palavra está no<br />
genitivo singular, f<strong>em</strong>inino, de primeira declinação,<br />
intencionalmente traduzin<strong>do</strong> “da<br />
mandioca”, ou de um vegetal <strong>do</strong> nome<br />
<strong>Manihot</strong>a que, como nome, não existe a não<br />
ser subentendi<strong>do</strong>, como neste ex<strong>em</strong>plo.<br />
Drake, não optan<strong>do</strong> por manihotis, n<strong>em</strong><br />
manihoti ou manihoticola, declinou<br />
manihota, no genitivo manihotae, <strong>em</strong> seu<br />
primeiro taxônimo.<br />
<strong>Manihot</strong>eae<br />
Nominativo, plural, f<strong>em</strong>inino, primeira<br />
declinação. Sob esse nome, o botânico<br />
suíço Johannes Muller Argoviensis designou<br />
<strong>em</strong> 1874 a sub-tribo II, da tribo<br />
Hippomaneae, família Euphorbiaceae, onde<br />
inseriu o gênero <strong>Manihot</strong>, o único até então,<br />
enquanto o cientista al<strong>em</strong>ão A. Engler,<br />
<strong>em</strong> 1912, a colocou na tribo Adrianeae (Sist<strong>em</strong>a<br />
tribus Adrianum), também com o único<br />
gênero <strong>Manihot</strong>.<br />
A grafia <strong>Manihot</strong>eae é <strong>do</strong> plural latino<br />
<strong>do</strong> <strong>Manihot</strong>ea e subentende,<br />
lingüisticamente, to<strong>do</strong>s os componentes da<br />
já referida sub-tribo II, a qual seria “a das<br />
<strong>Manihot</strong>eas” <strong>em</strong> português, ou “sub-tribus<br />
manihotearum”, <strong>em</strong> latim. Vê-se também que,<br />
“apenas gramaticalmente” as palavras<br />
<strong>Manihot</strong>eae e <strong>Manihot</strong> poderiam ser sinônimas,<br />
pois, ambas se refer<strong>em</strong> a um mesmo e<br />
grande grupo de plantas incorporan<strong>do</strong> as<br />
“Marahoteas” (português), e ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />
as “Manohots” (português).<br />
<strong>Manihot</strong>oides<br />
Um novo gênero de plantas arbóreas<br />
da família das euforbiáceas, muito próximo<br />
de <strong>Manihot</strong>, foi descrito Rogers e Appan<br />
(1973), ocorren<strong>do</strong> no México Central (localidades<br />
de Puebla e Oaxaca). A espécie típica<br />
e única até 1998 foi chamada<br />
<strong>Manihot</strong>oides pauciflora (T.S. Brandegee)<br />
Rogers et Appan. Essa espécie já tinha si<strong>do</strong><br />
classificada <strong>em</strong> 1910 por T. S. Brandegee<br />
como <strong>Manihot</strong> pauciflora, e apresenta, segun<strong>do</strong><br />
Rogers e Appan (1973), diferenças<br />
toxonômicas essenciais <strong>do</strong> novo gênero. Os<br />
autores mantiveram o nome específico,<br />
pauciflora, que <strong>em</strong> latim significa “de poucas<br />
flores”, enquanto <strong>Manihot</strong>oides exprime<br />
“que t<strong>em</strong> o aspecto ou configuração de”<br />
ou “é s<strong>em</strong>elhante a <strong>Manihot</strong>”. É palavra<br />
sintética, composta de <strong>Manihot</strong> mais a<br />
desinência qualitativa, de orig<strong>em</strong> grega<br />
“oides”, latinizada, e derivada <strong>do</strong> substantivo<br />
neutro grego “ei<strong>do</strong>s” (=aspecto, s<strong>em</strong>elhança,<br />
forma, figura, mo<strong>do</strong> de ser). Gramaticalmente<br />
é um adjetivo substantivo, f<strong>em</strong>inino,<br />
singular, nominativo, terceira declinação,<br />
genitivo <strong>em</strong> “is” (<strong>Manihot</strong>oidis). Tal<br />
sufixo, <strong>em</strong> formas diferenciadas, é comum<br />
<strong>em</strong> sist<strong>em</strong>ática: oides, oidis, oidea, oideo,<br />
odia, idea, ideo, edio.<br />
Maniobae<br />
Este não é um deriva<strong>do</strong> direto de<br />
<strong>Manihot</strong>, mas se relaciona com ela por possuir<br />
o mesmo étimo “Mani” como orig<strong>em</strong><br />
filológica. É nome sintético, de raízes indígenas<br />
<strong>do</strong> Brasil, da criatividade de A.P.<br />
Viegas. V<strong>em</strong> <strong>do</strong> tupi “mani” (mandioca) e<br />
“ob” (folhas), significan<strong>do</strong> da “folha da<br />
mandioca” <strong>em</strong> latim (nome latiniza<strong>do</strong>),<br />
genitivo, singular, f<strong>em</strong>inino, primeira declinação.<br />
Aliás, no nominativo singular latino<br />
(manioba), diz o mesmo que “maniçoba”<br />
(folha de mandioca), que no Brasil se refere<br />
a um prato nordestino e amazônico, prepara<strong>do</strong><br />
com espinafre sulino, sob cozimento<br />
prolonga<strong>do</strong>. Maniçoba é também o nome<br />
popular de uma arvore (<strong>Manihot</strong> glaziovii)<br />
nativa <strong>do</strong> Ceará, produtora de cautcho, látex<br />
que se ass<strong>em</strong>elha ao da seringueira (Hevea<br />
brasiliensis) sob alguns aspectos. Na África<br />
a espécie M. glaziovii foi <strong>em</strong>pregada<br />
com grande êxito como fonte de resistência<br />
ao mosaico africano da mandioca.<br />
A grafia maniobae foi utilizada por<br />
A.P. Viegas ao descrever os fungos<br />
Cercospora maniobae e Phyllosicta<br />
maniobae, parasito das folhas da mandioca,<br />
o qual já foi cita<strong>do</strong>, por engano <strong>em</strong> literatura,<br />
como P. manihobae (que não existe).<br />
Comentários finais<br />
A propósito, e fora da <strong>nomenclatura</strong><br />
sist<strong>em</strong>ática, o <strong>vocábulo</strong> “manihotoxina”<br />
também é um deriva<strong>do</strong> de <strong>Manihot</strong>, mas<br />
como antiga referência ao princípio vene-<br />
noso <strong>do</strong> látex da mandioca, o cianoglicosídeo<br />
“linamarina”.<br />
Finalmente, e como uma nota à parte<br />
desses comentários, quer<strong>em</strong>os registrar ao<br />
que tu<strong>do</strong> indica, uma singularidade da palavra<br />
<strong>Manihot</strong>: é o nome genérico da <strong>nomenclatura</strong><br />
taxonômica “<strong>do</strong>s seres vivos” com<br />
maior número de deriva<strong>do</strong>s etimológicos. São<br />
como vimos, e até agora (1998), <strong>em</strong> número<br />
de nove, s<strong>em</strong> incluirmos maniobae e<br />
manihotoxina.<br />
Acreditamos que, pela análise lingüística<br />
e autoral <strong>do</strong>s nomes científicos <strong>do</strong>s<br />
seres vivos, sob comentários da natureza<br />
<strong>do</strong>s que aqui proced<strong>em</strong>os, possamos encontrar<br />
informações básicas e valiosas que<br />
neles estão armazenadas.<br />
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
BITANCOURT, A.A. O agente da bacteriose da mandioca,<br />
O Biológico, São Paulo, v.7, p.37, 1941.<br />
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