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Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
http://www.jornal.ufrj.br<br />
Gabinete do Reitor – Coor<strong>de</strong>rnadoria <strong>de</strong> Comunicação da <strong>UFRJ</strong> • Divisão <strong>de</strong> Mídias Impressas • Serviço <strong>de</strong> Jornalismo Impresso • Ano 2 – nº 17 • <strong>Junho</strong> <strong>de</strong> <strong>2006</strong><br />
Um físico e cidadão brasileiro<br />
Um dos pais da Física mo<strong>de</strong>rna brasileira, José Leite Lopes faleceu<br />
dia 12 <strong>de</strong> junho. Professor Emérito da <strong>UFRJ</strong>, seu esforço intelectual<br />
não está circunscrito apenas à compreensão da natureza das partículas<br />
subatômicas, foi, também, um importante <strong>de</strong>fensor da universida<strong>de</strong><br />
pública, do <strong>de</strong>senvolvimento nacional da Ciência e um lutador das<br />
mais importantes causas progressistas. Dedicamos essa edição à sua<br />
memória.<br />
Pág. 2<br />
Ndongo, Matamba,<br />
‘Ngola<br />
Livre <strong>de</strong> guerras <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002,<br />
Angola busca se reconstruir apesar<br />
da herança colonialista.<br />
Pág. 3<br />
Pirâmi<strong>de</strong> alimentar<br />
invertida<br />
Diferentemente do que vem<br />
sendo dito até agora, e do estrondo<br />
midiatizado, pesquisador da <strong>UFRJ</strong><br />
alerta para o risco da alimentação<br />
mal feita.<br />
Pág. 10 e 11<br />
Personalida<strong>de</strong><br />
João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto<br />
A poesia como carnadura concreta<br />
Pág. 24<br />
Entrevista<br />
Ivana Bentes<br />
Pela radicalização<br />
da <strong>de</strong>mocracia<br />
Defen<strong>de</strong>ndo que a universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>va abdicar da austerida<strong>de</strong><br />
hierárquica do saber, Ivana Bentes, professora e diretora da Escola <strong>de</strong><br />
Comunicação (ECO) da <strong>UFRJ</strong>, diz que é tempo <strong>de</strong> abrirmos mão <strong>de</strong><br />
certos “direitos adquiridos”, em nome da radicalização da <strong>de</strong>mocracia.<br />
Para a professora, a <strong>UFRJ</strong> “tem que repensar todas as suas relações,<br />
até mesmo com o Estado”.<br />
Pág. 12 e 13<br />
Todo dia <strong>de</strong>ve ser dia <strong>de</strong> índio<br />
Do <strong>de</strong>scobrimento até aqui, como anda a questão indígena no Brasil?<br />
Como será que vivem essas populações? Quais os seus principais<br />
problemas?<br />
Pág. 6 e 7<br />
A representação do <strong>de</strong>sejo<br />
Uma das formas da perpetuação do <strong>de</strong>sejo humano é evi<strong>de</strong>nciada na<br />
relação entre Arte e erotismo.<br />
Pág. 21
2<br />
Expediente<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
Reitor: Aloísio Teixeira – Vice-Reitora: Sylvia da Silveira Mello Vargas – Pró-Reitoria <strong>de</strong> Graduação – PR-1: José Roberto Meyer Fernan<strong>de</strong>s - Pró-Reitoria <strong>de</strong> Pós-Graduação e Pesquisa – PR-2: José Luiz Fontes Monteiro – Pró-Reitoria<br />
<strong>de</strong> Planejamento e Desenvolvimento – PR-3: Carlos Antônio Levi da Conceição – Pró-Reitoria <strong>de</strong> Pessoal – PR-4: Luiz Afonso Henriques Mariz – Pró-Reitoria <strong>de</strong> Extensão – PR-5: Laura Tavares Ribeiro Soares – Superinten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
Graduação SG-1: Déia Maria Ferreira dos Santos – Superinten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Ensino SG-2: Leila Rodrigues da Silva – Superinten<strong>de</strong>nte Administrativa SG-2: Regina Dantas – Superinten<strong>de</strong>nte SG-3: Almaísa Monteiro <strong>de</strong> Souza – Superinten<strong>de</strong>nte<br />
SG-4: Roberto Antônio Gambine Moreira – Superinten<strong>de</strong>nte SG-5: Isabel Cristina Azevedo – Superintendência Geral <strong>de</strong> Administração e Finanças – SG-6: Milton Flores – Chefe <strong>de</strong> Gabinete: João Eduardo do Nascimento Fonseca<br />
– Forum <strong>de</strong> Ciência e Cultura: Carlos Antônio Kalil Tannus – Superinten<strong>de</strong>nte do FCC: Marcos Maldonado – Prefeitura Universitária: Hélio <strong>de</strong> Mattos Alves – Escritório Técnico da Universida<strong>de</strong> /ETU: Maria Ângela Dias – Sistema<br />
<strong>de</strong> Bibliotecas e Informação/SiBI: Paula Maria Abrantes Cotta <strong>de</strong> Melo – Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Comunicação: Francisco Conte<br />
José Leite Lopes<br />
Um físico e cidadão brasileiro<br />
Dia 12 <strong>de</strong> junho faleceu um dos homens fundamentais para a consolidação da Física Teórica no país e pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />
científico e tecnológico brasileiro. José Leite Lopes foi também um lutador pela transformação das condições sociais e<br />
políticas do país.<br />
Rafaela Pereira<br />
Pernambucano, nascido na cida<strong>de</strong> do<br />
Recife, em 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1918, Leite<br />
Lopes, foi um homem <strong>de</strong> muitas paixões:<br />
Física Teórica, pintura (que, como dizia,<br />
tem na observação da natureza um<br />
ponto em comum a Ciência), fotografia<br />
e política.<br />
A constante preocupação com o papel<br />
ético e social do cientista e a aguda<br />
convicção <strong>de</strong> que o domínio das ciências<br />
e das tecnologias são fundamentais para<br />
a construção do Brasil como nação,<br />
levam Leite Lopes a engajar-se na luta<br />
pela criação <strong>de</strong> um ambiente científico<br />
a<strong>de</strong>quado no país e na América Latina.<br />
Ainda Dom Hél<strong>de</strong>r da Paz<br />
Prezados responsáveis pelo Jornal da <strong>UFRJ</strong>,<br />
chamo-me George Ne<strong>de</strong>r e estou concluindo a<br />
graduação em Engenharia Civil pela nossa universida<strong>de</strong>,<br />
tendo sido presi<strong>de</strong>nte do nosso Centro<br />
Acadêmico e membro do DCE, inclusive, além<br />
<strong>de</strong> também ser graduando do curso <strong>de</strong> Direito pela<br />
PUC/Rio.<br />
Nesses espaços, sempre <strong>de</strong>fendi a expressão da<br />
nossa produção interna, tendo lutado, com todas<br />
as forças, por uma rádio universitária e, até mesmo,<br />
por um canal televisivo pois, estando a <strong>UFRJ</strong>,<br />
apoiada sobre o tripé Ensino-Pesquisa-Extensão,<br />
cabe-nos fazer retornar à socieda<strong>de</strong> o investimento<br />
que recebemos, não apenas produzindo mas, tam-<br />
A essa luta pelo domínio da ciência<br />
mo<strong>de</strong>rna, <strong>de</strong>senvolvida em várias frentes<br />
e travada em várias batalhas, <strong>de</strong>dicará,<br />
durante décadas, a mesma energia com<br />
a qual enfrentou os problemas físicos<br />
complexos.<br />
Como pesquisador, um dos trabalhos<br />
mais significativos <strong>de</strong> José Leite<br />
Lopes foi a previsão, em 1958, da<br />
existência do chamado Bóson Z°, que<br />
permitiu estabelecer o que os físicos<br />
chamam <strong>de</strong> unificação eletrofraca<br />
(<strong>de</strong>scrição unificada <strong>de</strong> duas das quatro<br />
forças fundamentais da natureza:<br />
eletromagnetismo e a força nuclear<br />
fraca). Ele também ganhou <strong>de</strong>staque na<br />
área <strong>de</strong> Física <strong>de</strong> Partículas e trabalhou<br />
Leite Lopes: “a Ciência <strong>de</strong>ve libertar homens e mulheres; e entendo que não apenas os homens e as mulheres das socieda<strong>de</strong>s avançadas”<br />
Cartas<br />
bém, mostrando o que produzimos. Para estarmos<br />
socialmente justificados, a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve nos<br />
ver não somente como uma instituição formadora<br />
<strong>de</strong> profissionais qualificados, o que já fazem outras<br />
universida<strong>de</strong>s privadas, mas como instituição<br />
responsável pelas propostas para os caminhos nacionais.<br />
Por exemplo, são as Intituições Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong><br />
Ensino Superior (Ifes) que geram 80% da pesquisa<br />
tecnológica nacional.<br />
Pensando assim, vejo com extrema simpatia<br />
qualquer mídia que publicize a nossa produção.<br />
Importante dizer que, em nosso caso, ainda lhe cabe<br />
o papel unificador <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> universitária<br />
que, por sua admirável gran<strong>de</strong>za, acaba por<br />
no problema da integração <strong>de</strong> forças<br />
fundamentais da natureza.<br />
Ao longo <strong>de</strong> sua trajetória, Leite<br />
Lopes ajudou na fundação <strong>de</strong> várias<br />
instituições <strong>de</strong> pesquisa, como o Centro<br />
Brasileiro <strong>de</strong> Pesquisas Físicas (CBPF),<br />
em companhia do cientista brasileiro<br />
César Lattes e outros renomados<br />
pesquisadores do Conselho Nacional<br />
<strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e<br />
Tecnológico (CNPq), do Funtec, atual<br />
Agência Financiadora <strong>de</strong> Estudos e<br />
Projetos (Finep), entre outros.<br />
O trabalho para a consolidação e o<br />
estabelecimento <strong>de</strong> condições para os<br />
cientistas o levou à diretoria do CNPq<br />
<strong>de</strong> 1955 a 1961 e, <strong>de</strong> 1961 até 1964, à<br />
participação como membro do Conselho<br />
Deliberativo do órgão. Suas ativida<strong>de</strong>s<br />
foram interrompidas em 1964, quando,<br />
em protesto contra golpe militar, pediu<br />
<strong>de</strong>missão do CNPq e se afastou da<br />
universida<strong>de</strong>.<br />
Nessa época foi convidado para<br />
ministrar aulas na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências,<br />
em Paris. Lá permaneceu durante um<br />
ano. Quando voltou, foi convidado<br />
para ser o diretor do Instituto <strong>de</strong> Física<br />
da <strong>UFRJ</strong> e tornou-se responsável pela<br />
transferência da graduação para o<br />
campus da Ilha do Fundão. Contudo,<br />
por sua luta na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma política<br />
<strong>de</strong> Ciência e Tecnologia soberana para o<br />
país, foi perseguido pelo regime militar,<br />
aposentado compulsoriamente, em<br />
1969, e obrigado a se exilar, provocando<br />
manifestações da comunida<strong>de</strong> científica<br />
internacional.<br />
torna-se uma família em que não se tem o prazer<br />
<strong>de</strong> conhecer todos os parentes. Apenas isso já bastaria<br />
para sinceros elogios, não fosse a qualida<strong>de</strong><br />
do jornal produzido, cuja riqueza em excelência na<br />
escolha das matérias e nos seus conteúdos, autentica<br />
um Jornal da <strong>UFRJ</strong>.<br />
Como última consi<strong>de</strong>ração, cito a matéria sobre<br />
Dom Hél<strong>de</strong>r como uma que me tocou sensivelmente,<br />
pelo justo resgate a quem tenho como um<br />
<strong>de</strong> meus heróis, que empresta o nome para o meu<br />
projeto com a criançada da Cruzada São Sebastião,<br />
comunida<strong>de</strong> que ele fundou e é o primeiro e<br />
único favela-bairro. Santo jamais beatificado, por<br />
suas posições libertárias que trouxeram a Igreja ao<br />
Na Universida<strong>de</strong> Louis Pasteur, em<br />
Strasburg, na França, <strong>de</strong>dicou-se aos<br />
cursos <strong>de</strong> Física Atômica, Simetrias<br />
na Física dos Campos e Partículas e às<br />
pesquisas, tornando-se, por sua obra,<br />
ainda mais conhecido. Foi nomeado<br />
professor Titular daquela universida<strong>de</strong>,<br />
fato raro para um cientista estrangeiro.<br />
Voltou ao Brasil, em 1985, para dirigir<br />
o CBPF, o que fez até 1989, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se<br />
tornou professor Emérito.<br />
Crítica da política científica<br />
Nos anos 1960 e, particularmente,<br />
<strong>de</strong>pois da implantação do regime<br />
militar, Leite Lopes <strong>de</strong>senvolveu um<br />
intenso trabalho <strong>de</strong> crítica da política<br />
científica brasileira, que prolongou<br />
sua atuação prática em vários campos<br />
e análises que vinha produzindo há<br />
duas décadas sobre a universida<strong>de</strong> e as<br />
instituições acadêmicas do país.<br />
Na contramão do pensamento Liberal<br />
(e do Neoliberal, também) Leite Lopes<br />
sublinhou sempre o caráter limitado<br />
da produção científica das empresas<br />
multinacionais nos países <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />
e da precarieda<strong>de</strong> da sua contribuição<br />
para a construção <strong>de</strong>sses países como<br />
nações com i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s próprias. Não<br />
se tratando, assim, da implantação, nos<br />
países <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong> uma ciência<br />
<strong>de</strong>scompromissada da vida dos povos, uma<br />
vez que “a Ciência <strong>de</strong>ve libertar homens<br />
e mulheres; e entendo que não apenas<br />
os homens e as mulheres das socieda<strong>de</strong>s<br />
avançadas”, afirmava o físico, professor<br />
Emérito da <strong>UFRJ</strong> e cidadão brasileiro.<br />
reencontro com o Evangelho <strong>de</strong> Cristo. Através do<br />
conhecimento <strong>de</strong> mais e mais pessoas sobre sua vida<br />
e obra, po<strong>de</strong>rá ocorrer o processo <strong>de</strong> beatificação,<br />
on<strong>de</strong> o Nobel da Paz, que lhe foi tirado, vergonhosamente,<br />
por três vezes, fará parte da trajetória <strong>de</strong><br />
quem, além do reconhecimento divino, do qual já<br />
estamos certos, também receberá o justo reconhecimento<br />
social <strong>de</strong> seu povo.<br />
Um abraço fraterno, extensivo a cada membro<br />
<strong>de</strong> vossa competente equipe.<br />
George Ne<strong>de</strong>r<br />
Estudante da Escola Politécnica da <strong>UFRJ</strong><br />
JORNAL DA <strong>UFRJ</strong> é UMA PUBLICAçãO MENSAL DO SERVIçO DE JORNALISMO IMPRESSO DA DIVISãO DE MÍDIA IMPRESSA DA COORDENADORIA DE COMUNICAçãO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – Av. Briga<strong>de</strong>iro<br />
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Mauro (Reg. 20732 MTE) – Pauta: Fortunato Mauro, Francisco Conte e Luciana Campos – Reportagem: Coryntho Bal<strong>de</strong>z, Joana Jahara, Rafaela Pereira e Rodrigo Ricardo – Projeto Gráfico: José Antonio <strong>de</strong> Oliveira – Ilustração: Jefferson Nepomuceno<br />
– Revisão: Mônica Aggio – Estagiários <strong>de</strong> Jornalismo ECO/<strong>UFRJ</strong>: Bruno Franco, Carlos Eduardo Cayres, Carmen Lúcia Carvalho e Luciana Campos – Estagiários <strong>de</strong> Arte, Ilustração e Fotografia: Anna Carolina Bayer, Juliano Pires, Patrícia Perez, Pina Brandi<br />
e Marco Fernan<strong>de</strong>s (EBA/<strong>UFRJ</strong>) – Estagiária <strong>de</strong> Revisão <strong>de</strong> Texto: Daniele Robert (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras/<strong>UFRJ</strong>) – Estagiário <strong>de</strong> Web: Virgílio Fávero Neto (Instituto <strong>de</strong> Matemática/<strong>UFRJ</strong>) – Resenhas: Francisco Conte - Colaboração: Márcia Carnaval<br />
Fotolito e Impressão – Gráfica Ediouro – 20 mil exemplares
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
3<br />
Angola<br />
Bruno Franco<br />
ilustração Marco Fernan<strong>de</strong>s<br />
A in<strong>de</strong>pendência angolana – <strong>de</strong>clarada<br />
no dia 11 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1975, após<br />
um processo <strong>de</strong> transição negociado com<br />
Portugal nos Acordos <strong>de</strong> Alvor – não foi<br />
o início da paz, mas sim o princípio <strong>de</strong><br />
uma nova guerra, estimulada pela dicotomia<br />
Capitalismo/Comunismo característica<br />
da então Guerra Fria protagonizada<br />
por norte-americanos e soviéticos.<br />
Reunidos, inicialmente, na luta anticolonial<br />
na União dos Povos Angolanos<br />
(UPA), a divisão se <strong>de</strong>u em três frentes<br />
– conforme explica Carmen Lúcia Tindó,<br />
professora <strong>de</strong> Literatura Africana da Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Letras (FL), da <strong>UFRJ</strong> – marcadas<br />
pelas diferenças étnicas e religiosas:<br />
o Movimento Popular pela Libertação <strong>de</strong><br />
Angola (MPLA), multirracial e marxista,<br />
pró-União das Repúblicas Socialistas<br />
Soviéticas (URSS), com predomínio da<br />
etnia Quimbundo; a Frente Nacional<br />
para Libertação <strong>de</strong> Angola (FNLA), anticomunista,<br />
sustentada pelos EUA, pelo<br />
Zaire e pelo Congo, com base na etnia<br />
Bacongo; e a União Nacional para a In<strong>de</strong>pendência<br />
Total <strong>de</strong> Angola (Unita), com<br />
base na etnia Ovimbundo, inicialmente<br />
<strong>de</strong> orientação maoísta e posteriormente<br />
anticomunista.<br />
Após a in<strong>de</strong>pendência, a FNLA e tropas<br />
do Zaire avançaram do Norte para<br />
atacar a capital, Luanda, dominada pelo<br />
MPLA. A invasão foi <strong>de</strong>rrotada pelos<br />
marxistas com apoio <strong>de</strong> instrutores cubanos<br />
que chegavam ao país, no início da<br />
cooperação entre essas nações.<br />
Os confrontos prosseguiram, entretanto.<br />
Ao Sul do território angolano, a<br />
Unita e o exército sul-africano <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram<br />
uma rápida ofensiva contra o<br />
MPLA. Graças a uma ponte aérea entre<br />
Havana e Luanda, com o envio <strong>de</strong> armas<br />
e soldados, as tropas <strong>de</strong> Cuba e do<br />
MPLA <strong>de</strong>rrotaram a aliança entre Unita<br />
e sul-africanos.<br />
O MPLA não teve sossego para governar<br />
o país. A Unita permaneceu atuante,<br />
apoiada pelos governos estaduni<strong>de</strong>nse<br />
e sul-africano. Apenas em 2002, com a<br />
morte <strong>de</strong> Jonas Savimbi, lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ssa organização,<br />
o país foi, enfim, pacificado.<br />
Saldo da guerra<br />
As marcas <strong>de</strong>sse período ainda são<br />
muitas. Segundo estimativas da Organização<br />
das Nações Unidas (ONU), 1,8<br />
milhão <strong>de</strong> pessoas foram <strong>de</strong>slocadas <strong>de</strong>vido<br />
à guerra civil. Além <strong>de</strong>ssas, Carmen<br />
Lúcia Tindó cita, também, as minas ainda<br />
enterradas em áreas rurais; prédios cheios<br />
<strong>de</strong> furos <strong>de</strong> balas; pontes <strong>de</strong>struídas; pessoas<br />
mutiladas física e psicologicamente;<br />
doenças; falta <strong>de</strong> empregos e carência <strong>de</strong><br />
quadros em diversos campos<br />
profissionais.<br />
Contrariamente à gran<strong>de</strong><br />
imprensa que costuma<br />
apresentar apenas as mazelas<br />
das recém-libertas<br />
e longamente exploradas<br />
nações africanas, Carmen Tindó<br />
prefere ressaltar que a “maior<br />
parte do povo angolano sempre <strong>de</strong>monstrou,<br />
no transcorrer <strong>de</strong> sua história, uma<br />
‘garra’ enorme, buscando resistir aos colonizadores,<br />
às doenças, à fome, ao sofrimento,<br />
com <strong>de</strong>terminação e coragem”.<br />
Além disso, os angolanos – ainda<br />
que acossados pelas agruras da guerra<br />
– não <strong>de</strong>scuidaram do capricho <strong>de</strong> sua<br />
produção artística. “As artes angolanas<br />
(literatura, pintura, escultura, música)<br />
tiveram sempre importante papel <strong>de</strong> resistência,<br />
não <strong>de</strong>ixando que a memória<br />
cultural se apagasse completamente”,<br />
assegura Tindó.<br />
A arte dialogava com as utopias revolucionárias,<br />
a exemplo do que fazia<br />
Agostinho Neto, lí<strong>de</strong>r do MPLA. “Conscientizando<br />
os povos humilhados da<br />
opressão sofrida, esses intelectuais e<br />
poetas colocaram seus escritos a serviço<br />
<strong>de</strong> projetos libertadores”, sublinha a<br />
professora.<br />
Herança colonial<br />
Segundo Carmen Tindó, as dificulda<strong>de</strong>s<br />
enfrentadas pelos angolanos<br />
no alvorecer <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>mocracia estão<br />
assentadas mais no passado colonial<br />
do que em guerras recentes. “Os povos<br />
que habitavam o território atualmente<br />
pertencente a Angola eram quase todos<br />
<strong>de</strong> origem Bantu”, explica. E não eram,<br />
como às vezes se noticia, inimigos entre<br />
si. “Segundo historiadores angolanos, fo-<br />
Internacional<br />
ram os colonizadores e, posteriormente,<br />
as guerras colonial e civil que acentuaram<br />
e exacerbaram rivalida<strong>de</strong>s étnicas<br />
que não eram assim, em sua origem, tão<br />
profundas”, <strong>de</strong>staca a professora.<br />
O país foi formado pela junção dos reinos<br />
<strong>de</strong> Ndongo e Matamba. O nome Angola<br />
provém <strong>de</strong> ‘Ngola’, a <strong>de</strong>nominação<br />
dada aos reis <strong>de</strong> Ndongo, que resistiram<br />
aos portugueses até 1640.<br />
Relação com o Brasil<br />
As influências angolanas no Brasil<br />
são múltiplas. Vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> termos como<br />
“moleque” e “cafuné” até contribuições à<br />
culinária, como vatapá, azeite <strong>de</strong> <strong>de</strong>ndê,<br />
caruru e bobó (aipim, em quimbundo, é<br />
bombo), passando pelo samba – uma das<br />
mais famosas expressões culturais brasileiras<br />
– originou-se da semba angolana.<br />
Brasil e Angola vêm reatando seus<br />
laços culturais. Escritores como Pepetela<br />
e Agualusa têm sido lidos com mais<br />
freqüência, <strong>de</strong> acordo com Carmen Lúcia<br />
Tindó. Além disso, em <strong>2006</strong>, virá à Festa<br />
Literária Internacional <strong>de</strong> Parati, outro<br />
jovem escritor angolano, Ondjaki, que vai<br />
publicar seu livro Bom Dia, Camarada!,<br />
pela Ediouro.<br />
Tindó <strong>de</strong>staca ainda que há, atualmente,<br />
Casas <strong>de</strong> Angola e da África, em<br />
Salvador e em São Paulo, com o objetivo<br />
<strong>de</strong> divulgar a cultura africana no Brasil,<br />
Ndongo,<br />
Matamba,<br />
‘Ngola<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte há 30 anos e<br />
livre <strong>de</strong> guerras <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002,<br />
Angola ainda conta com a garra<br />
<strong>de</strong> seu povo para se reconstruir,<br />
apesar do passivo da colonização<br />
portuguesa<br />
“que esteve silenciada, durante séculos,<br />
em nossos meios educacionais e culturais”.<br />
O Ministério da Cultura angolano tem<br />
um acordo <strong>de</strong> cooperação com a Cátedra<br />
Jorge <strong>de</strong> Sena para Estudos Literários<br />
Luso-Afro-Brasileiros que funciona<br />
na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da <strong>UFRJ</strong>. Esse<br />
convênio propiciou a vinda da escritora<br />
Paula Tavares, em 2000, do antropólogo<br />
Virgílio <strong>de</strong> Lemos, em 2001, e do historiador<br />
Cornélio Caley, em 2004, à Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Letras da <strong>UFRJ</strong>.<br />
Outro fator que contribuiu para o fortalecimento<br />
<strong>de</strong>sses laços, <strong>de</strong> acordo com<br />
Tindó, foi a Lei 10639/2003, assinada,<br />
pelo presi<strong>de</strong>nte Lula, tornando obrigatório<br />
o ensino da cultura africana em todo o<br />
território nacional, nos três níveis <strong>de</strong> ensino.<br />
Com isso, afirma a professora, “tem<br />
crescido a procura, na <strong>UFRJ</strong>, junto ao<br />
Setor <strong>de</strong> Literaturas Africanas”, mas avisa:<br />
“precisamos, com urgência, <strong>de</strong> mais<br />
vagas <strong>de</strong> docentes para o quadro efetivo<br />
do Setor <strong>de</strong> Literaturas Africanas”.<br />
Voz do sangue<br />
(Agostinho Neto, poeta angolano)<br />
Palpitam-me<br />
os sons do batuque<br />
e os ritmos melancólicos do blues<br />
Ó negro esfarrapado do Harlem<br />
ó dançarino <strong>de</strong> Chicago<br />
ó negro servidor do South<br />
Ó negro <strong>de</strong> África<br />
negros <strong>de</strong> todo o mundo<br />
eu junto ao vosso canto<br />
a minha pobre voz<br />
os meus humil<strong>de</strong>s ritmos.<br />
Eu vos acompanho<br />
pelas emaranhadas áfricas<br />
do nosso Rumo<br />
Eu vos sinto<br />
negros <strong>de</strong> todo o mundo<br />
eu vivo a vossa Dor<br />
meus irmãos.
4<br />
Coryntho Bal<strong>de</strong>z e Rodrigo Ricardo<br />
Em pauta há mais <strong>de</strong> três anos, motivo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>bates e polêmicas na universida<strong>de</strong><br />
e fora <strong>de</strong>la, a quarta e última versão do<br />
projeto <strong>de</strong> reforma do Ensino Superior<br />
chega ao Congresso Nacional sem gran<strong>de</strong>s<br />
comemorações. Ao contrário, o anticlímax<br />
é evi<strong>de</strong>nte entre as entida<strong>de</strong>s acadêmicas<br />
que acompanharam mais <strong>de</strong> perto, versão<br />
a versão, o vaivém das mudanças. Aguardaram<br />
com expectativa o <strong>de</strong>senrolar da<br />
batalha final entre a equipe econômica e<br />
o Ministério da Educação – que fez o texto<br />
dormitar na Casa Civil por quase um ano<br />
– e agora não escon<strong>de</strong>m certa frustração<br />
com as soluções encontradas para questões-chave,<br />
como o financiamento das<br />
Instituições Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Ensino Superior<br />
(Ifes) e a autonomia universitária.<br />
Na proposta que saiu da Casa Civil, em 8<br />
<strong>de</strong> junho, foi mantida a subvinculação, ou<br />
seja, o percentual <strong>de</strong>stinado à manutenção<br />
e ao <strong>de</strong>senvolvimento do Ensino Superior<br />
– 75% dos 18% previstos na Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral para a Educação. Contudo, foi<br />
consensual a crítica ao fim da garantia <strong>de</strong><br />
divisão, com o Ministério da Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas<br />
relativas aos hospitais universitários,<br />
que hoje atingem a cifra <strong>de</strong> R$ 1,5 bilhão.<br />
Há, também, certa <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong> que os<br />
recursos orçamentários a serem <strong>de</strong>stinados<br />
às Ifes – R$ 9,6 bilhões, segundo o Ministério<br />
da Educação – continuem funcionando<br />
como cobertor curto, sem dar conta dos<br />
gastos necessários, por exemplo, com<br />
expansão e contratação <strong>de</strong> pessoal. Além<br />
disso, com a manutenção das listas tríplices<br />
na escolha do reitor e o fim do orçamento<br />
global – e da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> remanejar<br />
recursos não apenas entre rubricas, mas <strong>de</strong><br />
um ano para outro – a autonomia universitária<br />
sofreu revés inesperado.<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
Nacional<br />
Reforma insossa<br />
Projeto <strong>de</strong> reforma do Ensino Superior chega ao Congresso<br />
Nacional sem muito entusiasmo<br />
Recursos insuficientes<br />
O presi<strong>de</strong>nte da Associação Nacional<br />
dos Dirigentes das Instituições<br />
Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Ensino Superior (Andifes),<br />
Paulo Speller, anunciou que a entida<strong>de</strong><br />
vai tentar, através <strong>de</strong> emendas, alterar<br />
o texto no Congresso. Speller – que é<br />
reitor da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Mato<br />
Grosso (UFMT) – ainda consi<strong>de</strong>ra insuficiente<br />
o orçamento das Ifes. “Se forem<br />
contabilizados os gastos com novos<br />
campi e profissionais a serem contratados,<br />
o montante <strong>de</strong> recursos começa<br />
a se diluir”, afirma. Para ele, um ponto<br />
central é <strong>de</strong>finir outra fonte para os hospitais<br />
universitários, que, nos últimos<br />
anos, passaram a realizar um número<br />
crescente <strong>de</strong> atendimentos. Ele criticou,<br />
ainda, o impedimento <strong>de</strong> reutilização <strong>de</strong><br />
recursos não gastos até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />
<strong>de</strong> cada ano. A Andifes quer também o<br />
restabelecimento da eleição direta para<br />
reitores, com o fim da lista tríplice. Depois<br />
<strong>de</strong> se encontrar com o presi<strong>de</strong>nte<br />
Lula, recentemente, Speller ressaltou<br />
que o governo não tem posição rígida<br />
sobre alguns pontos e admite alterá-los<br />
no Parlamento.<br />
No entanto, na cerimônia em que<br />
anunciou o texto final do projeto, o ministro<br />
da Educação, Fernando Haddad,<br />
falou em avanços no financiamento das<br />
Ifes. Segundo ele, “a subvinculação <strong>de</strong><br />
75% garantirá cerca <strong>de</strong> R$ 1 bilhão a<br />
mais no orçamento das universida<strong>de</strong>s<br />
que, em 2005, ficou em R$ 8,6 bilhões”.<br />
Haddad observou que houve sucateamento<br />
do sistema público nos últimos<br />
anos, e que o governo estaria agora recuperando<br />
o pico <strong>de</strong> investimentos no<br />
Ensino Superior que existiu em 1995.<br />
Chance perdida<br />
No balanço que fez do <strong>de</strong>sfecho da<br />
discussão sobre a Reforma Universitária,<br />
a presi<strong>de</strong>nte do Sindicato Nacional <strong>de</strong> Docentes<br />
das Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior<br />
(An<strong>de</strong>s-SN), Marina Barbosa Pinto, frisa<br />
que se per<strong>de</strong>u mais uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
assegurar a supremacia do setor público<br />
sobre as instituições privadas <strong>de</strong> Ensino.<br />
A proposta inicial, segundo ela, era tímida<br />
e permissiva em relação à mercantilização<br />
e não possibilitava nenhuma mudança<br />
no padrão <strong>de</strong> financiamento das instituições<br />
públicas. No entanto, continha um<br />
capítulo sobre as mantenedoras privadas<br />
que, embora débil, <strong>de</strong>terminava sobre elas<br />
algum controle. “Na última versão isso<br />
<strong>de</strong>sapareceu”, protesta Marina.<br />
Em relação ao financiamento, i<strong>de</strong>ntifica<br />
alguns retrocessos. “A primeira versão<br />
previa o fim da aplicação da Desvinculação<br />
<strong>de</strong> Receitas da União sobre as verbas<br />
educacionais, o que também sumiu do<br />
projeto”, lamenta a dirigente sindical. Ela<br />
também consi<strong>de</strong>ra precária a subvinculação<br />
<strong>de</strong> 75% prevista na lei: “teremos,<br />
em or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za, o mesmo que<br />
temos hoje, o que conforma um quadro<br />
<strong>de</strong> universida<strong>de</strong>s em ruínas”. Contudo<br />
– prossegue – como a promessa <strong>de</strong> criação<br />
<strong>de</strong> novos campi e universida<strong>de</strong>s é parte<br />
da campanha <strong>de</strong> reeleição <strong>de</strong> Lula, o cobertor<br />
que era curto encolherá ainda mais<br />
no futuro. A partir <strong>de</strong> projeções feitas em<br />
relatórios do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União<br />
(TCU), diz que a subvinculação, em 2005,<br />
teria assegurado às Ifes algo em torno <strong>de</strong><br />
R$ 7,3 bilhões. “Mas o orçamento executado<br />
em 2005 foi <strong>de</strong> R$ 8 bilhões que, em<br />
valores corrigidos, é 20% menor que o <strong>de</strong><br />
2002. Assim, mesmo com a exclusão dos<br />
aposentados e pensionistas, voltaríamos<br />
ao medíocre patamar <strong>de</strong> Cardoso”, calcula<br />
a professora, em nítida divergência com<br />
os números apresentados pelo Ministério<br />
da Educação.<br />
Autonomia e “contra-reforma”<br />
Marina Barbosa<br />
também acredita<br />
que a autonomia<br />
universitária sofreu<br />
um duro golpe.<br />
Segundo ela,<br />
“os dois pilares da<br />
autonomia são a<br />
autonormação, ou<br />
seja, a criação <strong>de</strong><br />
suas próprias leis,<br />
e o autogoverno”.<br />
Com a manutenção<br />
das listas tríplices<br />
na escolha do reitor<br />
– <strong>de</strong> acordo com a<br />
presi<strong>de</strong>nte do An<strong>de</strong>s-SN<br />
– o presi<strong>de</strong>nte<br />
da República<br />
po<strong>de</strong> escolher um<br />
dirigente que seja<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
submisso ao seu projeto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r em <strong>de</strong>trimento<br />
da autonomia da universida<strong>de</strong>.<br />
Ela critica, ainda, “a exclusão do texto<br />
final do orçamento global, que previa<br />
remanejamentos e o repasse em duodécimos”.<br />
E afirma que toda a vida acadêmica<br />
continua prisioneira <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong><br />
avaliação heteronômico e <strong>de</strong> baixíssima<br />
qualificação acadêmica.<br />
A presi<strong>de</strong>nte do An<strong>de</strong>s-SN avalia que o<br />
governo vem implementando, na verda<strong>de</strong>,<br />
uma “contra-reforma” do Ensino Superior,<br />
por meio <strong>de</strong> medidas provisórias<br />
(sistema <strong>de</strong> avaliação e Prouni) e <strong>de</strong>cretos<br />
(Educação a Distância etc). “E a política <strong>de</strong><br />
cotas também está sendo implementada<br />
por expedientes <strong>de</strong>sarticulados <strong>de</strong> um<br />
projeto orgânico e estrutural para a universida<strong>de</strong><br />
brasileira”. A questão saiu do<br />
texto proposto e está sendo encaminhada<br />
através <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei específico.<br />
Para a dirigente sindical, as políticas<br />
que objetivam formar “uma pequeníssima<br />
elite <strong>de</strong> uma dada etnia” não é<br />
universalista, assim como a política<br />
<strong>de</strong> cotas para pobres em instituições<br />
<strong>de</strong>squalificadas – “como a empreendida<br />
pelo Prouni” – também não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratizar<br />
o acesso e garantir a permanência<br />
<strong>de</strong> pessoas pobres na universida<strong>de</strong><br />
pública. Ela lembra que somente 12%<br />
das vagas dos vestibulares são públicas<br />
e que 88% das Instituições <strong>de</strong> Ensino<br />
Superior são privadas.<br />
A presi<strong>de</strong>nte do An<strong>de</strong>s-SN não crê<br />
que o projeto, com duas ou três emendas,<br />
possa ser melhorado. E aposta, na verda<strong>de</strong>,<br />
em ampla mobilização social para<br />
que – “a exemplo do Chile” – se possa<br />
inaugurar um período virtuoso para a<br />
universida<strong>de</strong> pública brasileira.<br />
Pressão e recuo<br />
Ana Maria Ribeiro, da Coor<strong>de</strong>nação<br />
Geral do Sindicato dos Trabalhadores<br />
em Educação da <strong>UFRJ</strong> (Sintufrj), ao<br />
analisar o teor do projeto final encaminhado<br />
ao Congresso, consi<strong>de</strong>rou-o<br />
Paulo Speller: <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> outra fonte <strong>de</strong> recursos para os HU
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
5<br />
Marcílio Lourenço: “é a hora <strong>de</strong> fazermos o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> casa”<br />
como “um gran<strong>de</strong> recuo em relação<br />
ao que havia sido construído pelos<br />
movimentos sociais e o Ministério da<br />
Educação, em julho <strong>de</strong> 2005”. Segundo<br />
ela, as versões anteriores incorporaram<br />
avanços e ban<strong>de</strong>iras históricas <strong>de</strong> muitas<br />
entida<strong>de</strong>s. “Mas, agora, fruto da pressão<br />
do setor privado, houve retrocessos, especialmente<br />
no controle do Estado sobre<br />
instituições particulares”, observa.<br />
Ao comentar o capítulo do financiamento,<br />
Ana Maria afirma que a subvinculação<br />
é uma importante ban<strong>de</strong>ira<br />
histórica. Adverte, porém, que é preciso<br />
lutar pela não prorrogação da Desvinculação<br />
<strong>de</strong> Receitas da União (DRU),<br />
“o que significará um aporte financeiro<br />
consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> R$ 5 bilhões/<br />
ano para as Ifes”. Ela também lamenta<br />
que as <strong>de</strong>spesas com ações e serviços<br />
públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> prestados nos hospitais<br />
universitários continuem sendo<br />
bancadas com o dinheiro da Educação.<br />
“Defen<strong>de</strong>mos que <strong>de</strong>vam ser <strong>de</strong>stinados<br />
recursos do Ministério da Saú<strong>de</strong> e<br />
do Ministério da Ciência e Tecnologia<br />
para o orçamento <strong>de</strong> cada Ifes, não na<br />
forma <strong>de</strong> projetos individuais”, explica,<br />
acrescentando que a falta <strong>de</strong> outra<br />
fonte <strong>de</strong> financiamento foi, <strong>de</strong> fato, um<br />
retrocesso.<br />
Vestibular e novos cursos<br />
Em relação à autonomia acadêmica<br />
e <strong>de</strong> gestão administrativa, Ana Maria<br />
Ribeiro elogia o fim da obrigatorieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> processo seletivo (Vestibular) para o<br />
acesso à graduação e a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> educação<br />
superior como sistema integrado<br />
<strong>de</strong> graduação, pós-graduação, Pesquisa,<br />
Extensão e formação continuada.<br />
Mas critica a incorporação <strong>de</strong> cursos<br />
tecnólogos à graduação e a criação do<br />
Ciclo Básico: “em instituições que não<br />
têm compromisso com a qualida<strong>de</strong> isso<br />
po<strong>de</strong> significar o surgimento <strong>de</strong> cursos<br />
<strong>de</strong> curta duração e <strong>de</strong> formação questionável”.<br />
Outro retrocesso, segundo a coor<strong>de</strong>nadora<br />
geral do Sintufrj, foi a manutenção<br />
do Parágrafo Único do Artigo 56 da<br />
Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação<br />
Nacional (LDB), que estabelece o percentual<br />
<strong>de</strong> 70% para o corpo docente<br />
em órgãos colegiados. Tal previsão havia<br />
sido revogada na versão anterior.<br />
No que toca à gestão<br />
administrativa, Ana Maria<br />
vê com bons olhos a<br />
institucionalização do<br />
Plano Qüinqüenal <strong>de</strong> DesenvolvimentoInstitucional<br />
(PDI), “uma ban<strong>de</strong>ira<br />
antiga da Fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong><br />
Sindicatos <strong>de</strong> Trabalhadores<br />
das Universida<strong>de</strong>s<br />
Brasileiras (Fasubra)”.<br />
Para ela, o PDI representa<br />
um processo coletivo <strong>de</strong><br />
construção <strong>de</strong> objetivos<br />
e metas da instituição.<br />
Mas não concorda com<br />
a retirada, do projeto, da<br />
proposta <strong>de</strong> orçamento<br />
global e <strong>de</strong> real exercício<br />
da autonomia das universida<strong>de</strong>s<br />
para gerir os<br />
recursos financeiros e<br />
humanos.<br />
Eleição na universida<strong>de</strong><br />
Quando fala sobre a lista tríplice, Ana<br />
Maria lembra que a atual redação <strong>de</strong>termina<br />
a eleição <strong>de</strong> uma chapa com três<br />
nomes. “No projeto Universida<strong>de</strong> Cidadã<br />
para os Trabalhadores – da Fasubra<br />
– sempre <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos a eleição por chapa<br />
<strong>de</strong> toda a equipe”, diz. Mas sublinha<br />
que a nova norma prevê que o estatuto<br />
<strong>de</strong> cada universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>fina – além do<br />
reitor e vice-reitor – os outros cargos a<br />
serem eleitos. “Po<strong>de</strong>rá ser o pró-reitor<br />
<strong>de</strong> Graduação ou Finanças ou ainda outro<br />
cargo”, observa. Ela consi<strong>de</strong>ra que a<br />
nomeação <strong>de</strong> dirigentes universitários<br />
pelo presi<strong>de</strong>nte da República, a partir<br />
<strong>de</strong> lista tríplice, assim como o reitor<br />
nomeia os diretores eleitos, é ato da<br />
administração pública. “O importante<br />
é que conquistamos a eleição direta e<br />
por chapa, o que politizará muito mais<br />
o <strong>de</strong>bate”, <strong>de</strong>staca. A gran<strong>de</strong> questão,<br />
para ela, é a proporção dos votos que a<br />
ser <strong>de</strong>finida no estatuto.<br />
Ao comentar se, com esta reforma,<br />
será possível caminhar <strong>de</strong> modo sustentável<br />
para a ampliação do acesso dos<br />
jovens brasileiros ao Ensino Superior,<br />
frisa que a questão está mais ligada ao<br />
aumento da escolarida<strong>de</strong> obrigatória.<br />
Portanto, vincula-se, <strong>de</strong> fato, “à obrigação<br />
do Estado em dar escola até a<br />
conclusão do Ensino Médio”. Porém,<br />
ressalta que a previsão <strong>de</strong> política <strong>de</strong><br />
assistência estudantil estimula a permanência<br />
<strong>de</strong> jovens no Ensino Superior.<br />
Mas não se <strong>de</strong>mocratizará o acesso<br />
– garante Ana Maria – se não forem<br />
estabelecidas condições iguais da Educação<br />
Infantil ao Ensino Médio, com<br />
escola pública, gratuita e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />
para todos. “Qualquer outra política é<br />
paliativa e populista”, sustenta.<br />
A coor<strong>de</strong>nadora geral do Sintufrj espera,<br />
ainda, que o projeto Universida<strong>de</strong><br />
Cidadã para os Trabalhadores, já em forma<br />
<strong>de</strong> Projeto <strong>de</strong> Lei (ver www.fasubra.<br />
org.br) e protocolado no Congresso Nacional,<br />
seja um importante contraponto<br />
às lacunas do projeto oficial do governo,<br />
durante o <strong>de</strong>bate na Câmara dos Deputados<br />
e no Senado.<br />
Para o também coor<strong>de</strong>nador geral do<br />
Sintufrj, Marcílio Lourenço <strong>de</strong> Araújo,<br />
o projeto retroce<strong>de</strong> a cada nova versão<br />
e, se não for logo aprovado, ficará ain-<br />
Nacional<br />
da mais rebaixado e, “diante do atual<br />
quadro político e da falta <strong>de</strong> pressão da<br />
socieda<strong>de</strong>, essa é a única reforma que se<br />
conseguirá”.<br />
Para Lourenço <strong>de</strong> Araújo, se há alguma<br />
pressão social, ela está no âmbito<br />
restrito das direções <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s, mas<br />
que é “insuficiente para sensibilizar o<br />
governo e o Congresso Nacional”. Por<br />
outro lado, o coor<strong>de</strong>nador avalia que<br />
“é a hora <strong>de</strong> fazermos o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> casa,<br />
aproveitando o fato <strong>de</strong> a reforma regulamentar<br />
práticas e discussões, que já estão<br />
acontecendo internamente – como a<br />
da Assistência Estudantil, que também<br />
implica na do ‘ban<strong>de</strong>jão’ – para avançarmos<br />
outros temas, tal como o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
profissional e educacional dos<br />
trabalhadores técnico-administrativos”.<br />
Esse entendimento, segundo Marcílio,<br />
está sustentado na tese <strong>de</strong> que “ainda<br />
prevalece o Artigo 207 da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral, que garante a Autonomia<br />
Universitária e que é auto-aplicável. A<br />
reforma altera poucas questões <strong>de</strong>sse<br />
artigo, portanto, a autonomia <strong>de</strong>ve ser<br />
plenamente exercitada”.<br />
O dirigente sindical<br />
avalia, ainda,<br />
que, mesmo com<br />
a manutenção no<br />
projeto <strong>de</strong> reforma,<br />
da lista tríplice<br />
para a escolha <strong>de</strong><br />
reitor e da forma<br />
<strong>de</strong> financiamento,<br />
“po<strong>de</strong>mos rever o<br />
processo eleitoral<br />
para os outros cargos<br />
dirigentes da<br />
instituição, com<br />
base na Autonomia<br />
prevista no Artigo<br />
207 da Constituição<br />
Fe<strong>de</strong>ral”.<br />
Regime <strong>de</strong> urgência<br />
O governo voltou<br />
atrás e garantiu<br />
uma <strong>de</strong>manda da<br />
União Nacional dos Estudantes (UNE),<br />
ao admitir, na última hora, regime <strong>de</strong><br />
urgência na tramitação do Projeto <strong>de</strong><br />
Lei da Reforma Universitária. Portanto,<br />
será criada uma comissão especial na<br />
Câmara, que terá 45 dias para apreciar o<br />
projeto antes <strong>de</strong> ele seguir para votação<br />
em plenário. O presi<strong>de</strong>nte da entida<strong>de</strong>,<br />
Gustavo Petta, <strong>de</strong>clarou que a <strong>de</strong>cisão<br />
vai “agilizar a tramitação, compensando<br />
a <strong>de</strong>mora na finalização do Projeto<br />
<strong>de</strong> Lei”.<br />
Gustavo Petta já adiantou que, nesta<br />
fase, a UNE preten<strong>de</strong> reunir forças<br />
“para disputar o conteúdo do projeto,<br />
buscando apoio dos parlamentares<br />
para as mudanças que acreditamos ser<br />
necessárias”. Outro alvo anunciado<br />
da UNE, segundo Petta, é o “lobby<br />
dos ‘tubarões’ <strong>de</strong> Ensino, que tentarão<br />
<strong>de</strong>rrubar pontos importantes, como a<br />
regulamentação do capital externo no<br />
Ensino privado”.<br />
A UNE <strong>de</strong>ve apresentar, entre outras,<br />
emendas para a regulamentação das mensalida<strong>de</strong>s<br />
no Ensino Superior privado.<br />
Gustavo Petta: “agilizar a tramitação, compensando a <strong>de</strong>mora na finalização do projeto”
6<br />
Do <strong>de</strong>scobrimento até aqui, como anda a questão indígena<br />
no Brasil? Em pleno século XXI, como será que vivem esses<br />
povos? Quais os seus principais problemas?<br />
Rafaela Pereira<br />
fotos William Santos<br />
Segundo dados <strong>de</strong> 2005 da Fundação<br />
Nacional do Índio (Funai), do Ministério<br />
da Justiça, estima-se que o Brasil tenha,<br />
atualmente, cerca <strong>de</strong> 358 mil índios<br />
pertencentes a 215 etnias que falam 180<br />
línguas. Isso sem levar em consi<strong>de</strong>ração<br />
os que vivem isolados e que não têm<br />
qualquer contato com os brancos. O crescimento<br />
<strong>de</strong>mográfico <strong>de</strong>ssas populações<br />
é, em média, <strong>de</strong> 3,5% ao ano.<br />
Segundo a Organização da Socieda<strong>de</strong><br />
Civil <strong>de</strong> Interesse Público (Oscip) Instituto<br />
Socioambiental, em quase todo<br />
o território brasileiro existem povos<br />
indígenas. Espírito Santo, Alagoas, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, São Paulo, Paraíba, Paraná,<br />
Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e Sergipe, mas é na<br />
Amazônia Legal, que compreen<strong>de</strong> os<br />
estados do Tocantins, Maranhão, Pará,<br />
Amazonas, Amapá, Roraima, Mato Grosso<br />
e Acre, que vivem mais <strong>de</strong> 60% <strong>de</strong>ssa<br />
população.<br />
Essas socieda<strong>de</strong>s não se encontram<br />
em completo isolamento. Além do<br />
contato com os “brancos”, eles sempre<br />
mantiveram relação entre si, seja pela<br />
troca <strong>de</strong> objetos, casamentos, festas,<br />
rituais ou mesmo por guerras. A região<br />
do Alto Xingu, por exemplo, é cenário<br />
<strong>de</strong> inter-relações entre as diferentes nações,<br />
agrupando socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> língua<br />
Jê, Tupi, Caribe, Aruaque e Trumai. Já na<br />
região do Alto Rio Negro a regra é que<br />
cada homem case-se com uma mulher<br />
<strong>de</strong> outro grupo que, necessariamente,<br />
<strong>de</strong>ve falar uma língua diferente. Assim,<br />
os Tukano, os Arapasso, os Desana e os<br />
Tariana, por exemplo, são consi<strong>de</strong>rados<br />
unida<strong>de</strong>s abertas e dispostas à novos<br />
intercâmbios.<br />
O índio na visão do índio<br />
A realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas populações, atualmente,<br />
é bem distante dos estereótipos<br />
que lhes foram impostos, já que nenhuma<br />
socieda<strong>de</strong> – e os povos indígenas<br />
não são exceção – é estática. Para muitos<br />
índios, a vida já não gira em volta à taba.<br />
Celular, internet, roupas e sapatos fazem<br />
parte da rotina <strong>de</strong> várias tribos, combinados<br />
sempre aos rituais, às pinturas,<br />
às crenças. “Do ponto <strong>de</strong> vista social,<br />
porém, eles se pensam e se sentem como<br />
índios”, explica João Pacheco, professor<br />
do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Antropologia do<br />
Museu Nacional da <strong>UFRJ</strong>.<br />
O antropólogo Rubem Ferreira Thomaz<br />
<strong>de</strong> Almeida, ex-mestrando no Museu<br />
Nacional da <strong>UFRJ</strong>, e que participa<br />
<strong>de</strong> trabalhos com os Guarani, no Mato<br />
Grosso do Sul, faz coro com Pacheco.<br />
Para ele, em muitos casos, os grupos<br />
indígenas estabelecem relações com os<br />
brancos sem per<strong>de</strong>rem a tradição ou a<br />
cultura. “Quando você pergunta as horas<br />
para um Guarani, mesmo que ele tenha<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
Nacional<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
Todo dia <strong>de</strong>ve ser<br />
dia <strong>de</strong> índio<br />
Criança Xavante, al<strong>de</strong>ia Parabubure, no Mato Grosso<br />
Criança Guarani, al<strong>de</strong>ia M’byá, Su<strong>de</strong>ste e Sul brasileiros
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
7<br />
relógio no pulso, ele vai olhar para o<br />
sol”, revela o pesquisador.<br />
Foi para tentar <strong>de</strong>smistificar a visão<br />
ultrapassada e romântica do índio, que<br />
Rafael Pessoa, doutorando <strong>de</strong> Antropologia<br />
do Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências<br />
Sociais (IFCS), criou o projeto Arte do<br />
Mito e lançou o site com o mesmo nome<br />
(www.artedomito.com). “Preten<strong>de</strong>mos<br />
com isso, contribuir para corrigir<br />
essa imagem, apresentando uma visão<br />
do índio mais próxima da realida<strong>de</strong>,<br />
mostrando-o como um ser humano e<br />
combatendo uma série <strong>de</strong> idéias preconceituosas<br />
que sobre ele se mantêm”,<br />
esclarece Pessoa.<br />
Muitos vêm se inserindo na socieda<strong>de</strong><br />
brasileira das mais diversas formas, quase<br />
sempre premidos por necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
sobrevivência. Os Guarani-Kaiowá, no<br />
Mato Grosso do Sul, possuem membros<br />
que trabalham no corte <strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar<br />
para as <strong>de</strong>stilarias <strong>de</strong> álcool e são<br />
assalariados. Há também os que vivem<br />
em centros urbanos, como famílias <strong>de</strong><br />
Sateré-Mawé na periferia <strong>de</strong> Manaus e<br />
os Pankararu, migrantes <strong>de</strong> Pernambuco<br />
que vivem em favelas <strong>de</strong> São Paulo.<br />
Na direção oposta, existem povos<br />
indígenas isolados, que fazem questão<br />
<strong>de</strong> não se relacionarem com populações<br />
não-índias, como os habitantes da região<br />
do rio Javari, na Amazônia. “Tem os<br />
Korubo habitando o Vale do Javari e os<br />
Awa Guaja, no norte do Maranhão, que<br />
enfrentam a expansão <strong>de</strong> fazendas e <strong>de</strong><br />
assentamentos. Eles se recusam a ser<br />
‘engolidos’ por uma ‘cultura <strong>de</strong> plástico’,<br />
na qual eles ‘rezam na mesma cartilha’.<br />
Estabelecem contato com outros indígenas,<br />
mas os ‘brancos’ são vistos, e não<br />
Criança Xavante, al<strong>de</strong>ia Parabubure, no Mato Grosso<br />
sem razão, como sinônimo <strong>de</strong> doenças e<br />
morte”, analisa Pessoa.<br />
Política indigenista<br />
Hoje, o índio po<strong>de</strong> tirar documentos,<br />
além <strong>de</strong> uma cédula <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica,<br />
na própria comunida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> nasceu.<br />
Po<strong>de</strong> votar e também ser votado. De<br />
acordo com dados do Instituto Socioambiental,<br />
nas eleições municipais <strong>de</strong><br />
2000, mais <strong>de</strong> 350 índios concorreram às<br />
eleições e 80 elegeram-se. Po<strong>de</strong> também<br />
concorrer a cargo público.<br />
Somente em 1981, com a promulgação<br />
da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, é que as<br />
populações indígenas conquistaram o<br />
respeito à sua auto-organização social,<br />
aos seus costumes, às suas línguas,<br />
crenças e tradições, e o reconhecimento<br />
do direito originário sobre as terras que<br />
tradicionalmente ocupam. Além disso,<br />
há o Estatuto do Índio (Lei 6001/73), que<br />
seguiu o mesmo princípio do velho Código<br />
Civil (<strong>de</strong> 1916): os índios <strong>de</strong>veriam ser<br />
tutelados por um órgão indigenista estatal<br />
(<strong>de</strong> 1910 a 1967, o Serviço <strong>de</strong> Proteção ao<br />
Índio; atualmente, a Fundação Nacional<br />
do Índio – a Funai) até que eles estivessem<br />
integrados à socieda<strong>de</strong> brasileira. Contudo,<br />
esses povos ainda lutam por um novo<br />
estatuto, com a perspectiva <strong>de</strong> se tornarem<br />
sujeitos efetivos dos seus caminhos, sem<br />
tutela alguma.<br />
Segundo Rubem Ferreira, a política indigenista<br />
brasileira é “torta, sem coerência<br />
e apenas funciona para apagar incêndios”.<br />
Para ele, os direitos dos índios ainda são<br />
pouco consagrados e uma pequena parcela<br />
<strong>de</strong> parlamentares se preocupa com a<br />
questão das suas terra, por exemplo. “Os<br />
projetos, programas e discussões, que<br />
Nacional<br />
são encaminhados não têm a ver com a<br />
realida<strong>de</strong>, pois não reconhecem a especificida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> cada povo, <strong>de</strong> cada etnia”,<br />
avalia o antropólogo.<br />
Para Rafael Pessoa, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />
é, porém, um marco importante. “A<br />
principal mudança que vemos é que agora<br />
eles têm voz, falam por eles mesmos. A<br />
política do Estado vem mudando o perfil.<br />
Os índios também mudaram, agora<br />
eles travam outro tipo <strong>de</strong> guerra, pois<br />
seu ‘inimigo’ atua <strong>de</strong> outras maneiras”,<br />
explica Pessoa.<br />
Demarcação <strong>de</strong> terras<br />
De um lado, índios, <strong>de</strong> outro, empresas<br />
<strong>de</strong> mineração, fazen<strong>de</strong>iros, pescadores,<br />
militares, garimpeiros, posseiros etc.<br />
Alguns dos entraves do que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado<br />
o maior problema dos índios: a<br />
questão da <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> suas terras.<br />
Demarcar é a forma <strong>de</strong> tornar efetivo<br />
o direito indígena à terra, consagrado<br />
pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Ela tem que<br />
estabelecer a extensão exata da posse,<br />
assegurando a proteção dos limites <strong>de</strong>marcados<br />
e impedindo a ocupação por<br />
terceiros. É nesse processo que surgem<br />
os conflitos em várias partes do Brasil.<br />
É o caso dos estados <strong>de</strong> Roraima e Amazonas,<br />
por exemplo, on<strong>de</strong> a convivência<br />
entre índios e militares, em regiões <strong>de</strong><br />
fronteira, tem sido objeto <strong>de</strong> preocupação.<br />
Nessa área os índios Yanomami,<br />
na fronteira do Brasil com a Venezuela,<br />
também sofrem com ação dos garimpeiros<br />
que inva<strong>de</strong>m suas terras. Existe até<br />
mesmo uma estrada, a BR-174, <strong>de</strong> 2.798<br />
km, que percorre <strong>de</strong> Sul a Norte o estado<br />
do Amazonas, cortando, ao meio, a terra<br />
indígena Waimiri-Aatroari.<br />
Criança Guarani, al<strong>de</strong>ia M’byá, Su<strong>de</strong>ste e Sul brasileiros
8<br />
Os motivos são<br />
a proximida<strong>de</strong>, o<br />
preço menor e até<br />
mesmo a relação<br />
afetiva. Afinal, não<br />
há dúvidas entre os<br />
especialistas sobre o<br />
fato <strong>de</strong> que comprar<br />
é também<br />
um gesto emocional.<br />
Mas, no mundo<br />
dos negócios, nenhuma<br />
tendência<br />
é <strong>de</strong>finitiva.<br />
A força do pequeno<br />
varejo<br />
tem sido evi<strong>de</strong>nciada<br />
por meio<br />
<strong>de</strong> pesquisas,<br />
como<br />
explica Victor Almeida, professor e<br />
coor<strong>de</strong>nador do Programa <strong>de</strong> Aperfeiçoamento<br />
em Gestão do Varejo, do<br />
Instituto Coppead <strong>de</strong> Pós-Graduação em<br />
Administração, da <strong>UFRJ</strong>: <strong>de</strong> acordo com<br />
um trabalho realizado pela AC Nielsen<br />
(empresa <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> mercado), o<br />
formato <strong>de</strong> pequeno varejo no auto-serviço<br />
apresentou altas taxas no volume <strong>de</strong><br />
vendas. Em 2004, aumentou 8% em relação<br />
a 2003, quando já havia apresentado<br />
um crescimento <strong>de</strong> 8,5% em comparação<br />
com 2002.<br />
Segundo ele, em outro levantamento<br />
realizado pela mesma empresa, em 2005,<br />
49% dos entrevistados <strong>de</strong>clararam gastar<br />
pelo menos 50% do seu orçamento<br />
<strong>de</strong>stinado à alimentação com reposições<br />
mensais. O público respon<strong>de</strong>u que o<br />
principal motivo para freqüentar o mesmo<br />
supermercado é a proximida<strong>de</strong> (60%)<br />
e que o segundo é o preço atrativo (55%).<br />
Ainda <strong>de</strong> acordo com a mesma pesquisa,<br />
69% das 162 categorias <strong>de</strong> produtos analisadas<br />
no estudo, apresentaram preços<br />
menores no pequeno varejo.<br />
Economia <strong>de</strong> bazar e Saara<br />
Práticas como o pregão e a pechincha<br />
apenas acontecem nesse tipo <strong>de</strong> comércio.<br />
Nos shoppings ou nos supermercados,<br />
as coisas são mais impessoais,<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
Economia<br />
Economia <strong>de</strong> bazar faz sucesso<br />
Rodrigo Ricardo<br />
ilustração Anna Carolina Bayer<br />
frias, higiênicas e assépticas, analisa<br />
Paulo Thiago <strong>de</strong> Mello, antropólogo do<br />
grupo <strong>de</strong> pesquisadores do Laboratório<br />
<strong>de</strong> Etnografia Metropolitana (Lemetro),<br />
do Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais<br />
(IFCS), da <strong>UFRJ</strong>. Entre os objetos<br />
<strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> Paulo Thiago, está a Saara<br />
(Socieda<strong>de</strong> dos Amigos e das Adjacências<br />
da Rua da Alfân<strong>de</strong>ga), no Centro do Rio,<br />
que é um sítio comercial, marcado pela<br />
presença <strong>de</strong> grupos étnicos como sírios,<br />
libaneses e ju<strong>de</strong>us sefarditas (expulsos da<br />
Península Ibérica, principalmente Espanha,<br />
e que <strong>de</strong>pois migram para o Oriente),<br />
que atuavam no atacado para suprir os<br />
chamados mascates. Em 1962, quando<br />
esses comerciantes se associam e fundam<br />
a Saara para barrar uma reforma urbana<br />
que <strong>de</strong>moliria suas lojas, tem início uma<br />
mudança <strong>de</strong> comportamento. Entre elas,<br />
o contato direto com o freguês para a<br />
venda a varejo, praticada no Oriente e<br />
por muitos outros povos, <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong><br />
economia <strong>de</strong> bazar.<br />
O antropólogo afirma ainda que na<br />
hora da compra se estabelece um laço<br />
íntimo que vai além do aspecto econômico,<br />
passando pela troca <strong>de</strong> confiança<br />
que apóiam relações econômicas como<br />
as <strong>de</strong> crédito. No início dos anos 1990,<br />
com o advento dos shopping centers, há<br />
um baque nos negócios da Saara que, in-<br />
Aquela lojinha <strong>de</strong> esquina ou armazém do bairro,<br />
salvação nas horas difíceis quando falta algo em<br />
casa, vem conquistando fatias <strong>de</strong> mercado, antes<br />
ocupadas pelas gran<strong>de</strong>s corporações<br />
clusive, sofre um processo <strong>de</strong> atualização<br />
ao aceitar compras via cheque ou cartão.<br />
Esses comerciantes superam o período e,<br />
mesmo hoje, continuam a fazer da venda<br />
uma relação, ao mesmo tempo, comercial<br />
e social, <strong>de</strong>staca Paulo Thiago, para quem<br />
o dado novo vem da classe média que<br />
<strong>de</strong>scobriu e a<strong>de</strong>riu fortemente ao comércio<br />
popular. Certas resistências ruíram,<br />
mas o símbolo <strong>de</strong> status e <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> no ato da compra permanece.<br />
Para muitos, você é o que consome.<br />
Consumidor surfista e o real mercado<br />
brasileiro<br />
Para Letícia Cassoti, professora <strong>de</strong><br />
Comportamento do Consumidor do<br />
Instituto Coppead, não existem dúvidas<br />
<strong>de</strong> que a compra é sempre carregada <strong>de</strong><br />
emoção e <strong>de</strong> que o mercado brasileiro<br />
real encontra-se nas classes C, D e E. “Esses<br />
sentimentos fogem ao plano racional<br />
estrito e são difíceis <strong>de</strong> serem entendidos<br />
apenas por perguntas diretas. O alimento,<br />
por exemplo, apresenta significado<br />
apreendido na família”, aponta a professora.<br />
As empresas, no Brasil, segundo<br />
ela, estão, em geral, afastadas do consumidor<br />
<strong>de</strong> baixa renda: “elas chegavam a<br />
eles por acaso e não por uma intenção.<br />
Embora possa parecer que esse consumidor,<br />
individualmente, tenha pouco po<strong>de</strong>r<br />
aquisitivo, ele <strong>de</strong>tém uma enorme capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> agregar renda, através <strong>de</strong> seus<br />
familiares. Além do mais, as classes mais<br />
baixas preocupam-se em honrar seus<br />
compromissos, como mostra a dissertação<br />
<strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong> Cecília Mattoso (Me<br />
empresta seu nome? Um estudo sobre os<br />
consumidores pobres e seus problemas<br />
financeiros) realizada entre os moradores<br />
da Favela da Rocinha e transformada em<br />
livro (Mauad, 2005).”<br />
Outra análise parte <strong>de</strong> que, hoje, o<br />
consumidor é “multicanal” ou “surfis-<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
ta”, po<strong>de</strong>ndo usar a loja da vizinhança<br />
por uma conveniência <strong>de</strong> tempo ou até<br />
por um relacionamento. Mas, ainda<br />
assim, freqüenta outros meios como o<br />
comércio on-line pela Internet. “Não é<br />
possível olhar o consumidor em apenas<br />
uma <strong>de</strong>terminada situação. As pessoas<br />
querem promoções, entrega em domicílio.<br />
Esse fenômeno acontece em todas as<br />
classes sociais. A população pobre, que<br />
está excluída digitalmente, também vai<br />
comprar na localida<strong>de</strong>, no supermercado,<br />
pelo catálogo ou telefone”, <strong>de</strong>staca<br />
Letícia Cassoti.<br />
Exemplo internacional e mercado para<br />
todos<br />
Citada por especialistas <strong>de</strong> marketing,<br />
as Casas Bahia são vistas como – e <strong>de</strong> fato<br />
tornaram-se – a maior re<strong>de</strong> varejista <strong>de</strong><br />
eletrodomésticos, eletro-eletrônicos e<br />
móveis do país, com mais <strong>de</strong> 500 lojas<br />
e um faturamento <strong>de</strong> R$ 11,5 bilhões<br />
no último ano. “Eles revolucionaram o<br />
varejo com as prestações em doze vezes<br />
e <strong>de</strong>senvolveram uma nova percepção do<br />
crédito, eliminando certas burocracias<br />
e levando em consi<strong>de</strong>ração a capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> pagamento das pessoas”,<br />
comenta Letícia, apontando que não<br />
existem regras ou fórmulas <strong>de</strong> sucesso<br />
para a administração das empresas:<br />
“<strong>de</strong> fato, o po<strong>de</strong>r do varejo cresceu pela<br />
proximida<strong>de</strong> com o consumidor e pela<br />
expansão do setor <strong>de</strong> serviços. Embora<br />
não veja o gran<strong>de</strong> varejo per<strong>de</strong>ndo ou o<br />
pequeno ganhando. É um momento <strong>de</strong><br />
negócio. Discordo do conceito ‘small<br />
is beautifully’, já que, atualmente, tudo<br />
po<strong>de</strong> ser bonito e há espaço para todos os<br />
tamanhos. Na verda<strong>de</strong>, existe uma avi<strong>de</strong>z<br />
por novida<strong>de</strong>s e inovações. Agora, nesse<br />
público, encontra-se quem tem fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />
e quem não tem nenhuma.”<br />
Outros números<br />
De acordo com a edição <strong>de</strong> 2005 do<br />
ranking da Abras (Associação Brasileira<br />
<strong>de</strong> Supermercados), as lojas <strong>de</strong> até 250<br />
metros quadrados foram as que mais<br />
expandiram em participação sobre o<br />
número total <strong>de</strong> lojas <strong>de</strong> auto-serviço. Em<br />
faturamento, as <strong>de</strong> até quatro check-outs<br />
(com saída <strong>de</strong> produtos da prateleira)<br />
evoluíram <strong>de</strong> 34,1% <strong>de</strong> participação<br />
sobre o faturamento total, em 2002, para<br />
37,1%, em 2004.<br />
Victor Almeida lembra que a sétima<br />
edição da pesquisa Lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Vendas,<br />
realizada pela AC Nielsen, publicada em<br />
março <strong>de</strong> <strong>2006</strong>, mostrou que as lojas com<br />
20 ou mais check-outs, voltaram a ter<br />
mais importância nas vendas em volume<br />
dos produtos. Algumas das gran<strong>de</strong>s re<strong>de</strong>s<br />
tem optado por operar em multiformato,<br />
ou seja, realizam trabalhos e operações<br />
com lojas menores, avalia o professor.
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
9<br />
Luciana Campos<br />
ilustração Pina Brandi<br />
A <strong>UFRJ</strong> é hoje uma das poucas instituições<br />
do país com condições <strong>de</strong><br />
formar profissionais com perfis<br />
a<strong>de</strong>quados para atuação em<br />
áreas multidisciplinares,<br />
como a Nanociência e a<br />
Nanotecnologia. E isso,<br />
na opinião do professor<br />
José D’Albuquerque<br />
Castro, do Instituto <strong>de</strong><br />
Física e coor<strong>de</strong>nador<br />
da I Escola <strong>de</strong> Nanociência<br />
e Nanotecnologia<br />
da universida<strong>de</strong>, se <strong>de</strong>ve<br />
ao fato da universida<strong>de</strong><br />
realizar um gran<strong>de</strong> número<br />
<strong>de</strong> pesquisas em diferentes<br />
campos, aten<strong>de</strong>ndo à<br />
multidisciplinarida<strong>de</strong><br />
característica<br />
<strong>de</strong>ssas áreas.<br />
A N a n o c i -<br />
ência estuda os<br />
processos e os<br />
sistemas que ocorrem<br />
em escala atômica.<br />
Já a Nanotecnologia<br />
transforma o conhecimento<br />
obtido pela Nanociência e o<br />
transforma em produtos<br />
ou processos, a serem<br />
utilizados em<br />
diferentes ramos <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s, sejam<br />
cientificas ou industriais,<br />
como, por<br />
exemplo, as indústrias<br />
farmacêutica e cosmética.<br />
Por ser a formação dos profissionais<br />
muito compartimentalizada, <strong>de</strong> pouca interação<br />
com outras áreas, a I Escola promoverá<br />
trocas <strong>de</strong> informações entre pesquisadores e<br />
estudos produzidos em diferentes unida<strong>de</strong>s<br />
da universida<strong>de</strong>, como os institutos <strong>de</strong><br />
Bioquímica e <strong>de</strong> Física, que <strong>de</strong>senvolvem<br />
técnicas e funções que se complementam, e<br />
que participarão da I Escola, a ser realizada<br />
em 31 <strong>de</strong> julho e 4 <strong>de</strong> agosto.<br />
Importância reconhecida<br />
Na última década, houve, por parte<br />
do governo brasileiro, um reconhecimento<br />
da importância da Nanociência<br />
Universida<strong>de</strong> Ciência<br />
Pesquisas fazem a<br />
diferença<br />
A I Escola <strong>de</strong> Nanociência e Nanotecnologia cre<strong>de</strong>ncia<br />
a <strong>UFRJ</strong> como integrante do seleto grupo <strong>de</strong> instituições<br />
universitárias, como a USP e a Unicamp, que <strong>de</strong>senvolvem<br />
pesquisas tecnológicas <strong>de</strong> ponta<br />
e da Nanotecnologia para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> novos processos e materiais<br />
que são fortemente <strong>de</strong>mandados pelo<br />
mercado internacional, permitindo ao<br />
Brasil a ocupação <strong>de</strong> posição <strong>de</strong>stacada<br />
no mercado externo. “O governo, não<br />
<strong>de</strong> agora, mas já <strong>de</strong> algum tempo, se<br />
<strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> que se a indústria brasileira<br />
não incorporar a alta tecnologia,<br />
o país não irá conseguir se manter<br />
competitivo internacionalmente”,<br />
afirma D’Albuquerque, lembrando<br />
da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distanciamento<br />
entre os países, <strong>de</strong>terminado pela<br />
incorporação e absorção, pela<br />
indústria, <strong>de</strong> novas tecnologias.<br />
A Nanociência e a<br />
Nanotecnologia nascem<br />
no final dos anos<br />
1980 e, rapidamente,<br />
sua importância social<br />
vêm sendo percebidas,<br />
afetando diretamente os<br />
setores industriais<br />
importantes e<br />
levando gran<strong>de</strong>s empresas<br />
a voltarem parcelas crescentes<br />
<strong>de</strong> seus investimentos<br />
para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> pesquisas<br />
nessas áreas.<br />
D’Albuquerque preconiza<br />
que as indústrias<br />
brasileiras precisam<br />
mudar suas estratégias <strong>de</strong><br />
investimento. Hoje – segundo<br />
ele – elas exploram,<br />
ao máximo, as técnicas que<br />
<strong>de</strong>têm sem, no entanto, investirem<br />
em novos projetos <strong>de</strong><br />
pesquisas. Além disso, o país<br />
precisa oferecer condições políticas<br />
e econômicas favoráveis que<br />
estimulem as indústrias a investirem<br />
em pesquisas – ressalta o pesquisador<br />
– mencionando as elevadas taxas <strong>de</strong><br />
juros e o sistema tributário brasileiro<br />
como fatores inibidores <strong>de</strong> qualquer<br />
tipo <strong>de</strong> investimento.
10<br />
Taísa Gamboa, da AgN/CCS<br />
ilustração Jefferson Nepomuceno<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
Saú<strong>de</strong><br />
Pirâmi<strong>de</strong> alimentar invertida<br />
Diferentemente do que vem sendo dito até aqui – que se po<strong>de</strong> comer à vonta<strong>de</strong> qualquer alimento – e do estardalhaço<br />
proporcionado pela mídia diante da inversão da Pirâmi<strong>de</strong> Alimentar, proposta pelo norte-americano Walter Willet, pesquisador<br />
da <strong>UFRJ</strong> alerta que não é bem assim e explica como a pirâmi<strong>de</strong> virou símbolo <strong>de</strong> hábitos alimentares saudáveis<br />
Proporcionar uma educação nutricional<br />
com padrões <strong>de</strong> alimentação<br />
saudável adaptados à população norteamericana,<br />
foi o principal objetivo que<br />
levou o governo dos EUA a criar, em<br />
1992, a pirâmi<strong>de</strong> alimentar, ou o Food<br />
Gui<strong>de</strong> Pyramid. A idéia <strong>de</strong> implantar<br />
um guia alimentar não é nova. Vários<br />
símbolos, como o prato, a roda ou<br />
um carrinho <strong>de</strong> supermercado, foram<br />
testados, mas acabavam confundindo<br />
as pessoas. A pirâmi<strong>de</strong> foi a melhor<br />
forma encontrada pelo Departamento<br />
<strong>de</strong> Agricultura Estaduni<strong>de</strong>nse (USDA)<br />
para expressar a varieda<strong>de</strong> e a proporcionalida<strong>de</strong><br />
a<strong>de</strong>quadas ao consumo <strong>de</strong><br />
alimentos.<br />
O nutrólogo Emilson Portella, professor<br />
do Instituto <strong>de</strong> Nutrição Josué<br />
Castro (INJC), da <strong>UFRJ</strong>, acredita que,<br />
mesmo sendo consi<strong>de</strong>rada um avanço<br />
em relação aos guias alimentares<br />
anteriores, a pirâmi<strong>de</strong> não é a forma<br />
i<strong>de</strong>al para se representar visualmente<br />
dados dietéticos. Em seu topo estão<br />
dispostos a gordura e o açúcar, conferindo<br />
a idéia <strong>de</strong> que esses alimentos<br />
são importantes e <strong>de</strong>veriam ser consumidos<br />
em larga escala. Segundo ele,<br />
a interpretação correta preconiza que<br />
esses dois elementos, presentes na<br />
dieta cotidiana <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da po-<br />
Emilson Portella:“a pirâmi<strong>de</strong> não é a forma i<strong>de</strong>al para se representar visualmente dados dietéticos”<br />
pulação, <strong>de</strong>veriam ter o seu consumo<br />
reduzido. Seguindo essa organização,<br />
a base da alimentação seria composta<br />
por cereais, que forneceriam energia<br />
para as ativida<strong>de</strong>s dos indivíduos ao<br />
longo <strong>de</strong> todo o dia.<br />
Em 2001, Walter Willet, professor<br />
do Departamento <strong>de</strong> Nutrição da<br />
Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Harvard, propôs<br />
inverter essa disposição dos grupos<br />
<strong>de</strong> alimentos, por isso o título <strong>de</strong><br />
“pirâmi<strong>de</strong> invertida”. De acordo com<br />
estudos <strong>de</strong> Willet, as doenças que mais<br />
assolam a população norte-americana<br />
são o diabetes, a obesida<strong>de</strong>, as doenças<br />
cardiovasculares e hipertensão<br />
arterial, comumente conhecidas por<br />
doenças crônicas não transmissíveis.<br />
“A maneira como os alimentos estavam<br />
dispostos na pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1992,<br />
não contribuía para a diminuição do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssas doenças crônicas<br />
na população americana”, afirma<br />
Emilson Portella.<br />
Publicada no livro Eat, Drink and<br />
Be Healthy (Harvard Medical School e<br />
Simon & Schuster, 2001), a também conhecida<br />
como Healthy Eating Pyramid<br />
utiliza a mesma simbologia, mas expõe<br />
os alimentos <strong>de</strong> forma diferenciada.<br />
Além <strong>de</strong> estimular a prática <strong>de</strong> exercícios<br />
físicos regulares,dispostos<br />
na base <strong>de</strong><br />
sua pirâmi<strong>de</strong>,<br />
o professor <strong>de</strong><br />
Harvard também<br />
aponta a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
controlar o peso<br />
da população.<br />
Emilson Portella,<br />
diz que o<br />
mesmo aconteceu<br />
com as leguminosas,<br />
como<br />
o feijão, e com<br />
as substâncias<br />
c o n s i d e r a d a s<br />
antioxidantes,<br />
importantíssimas<br />
na prevenção<br />
<strong>de</strong> uma série<br />
<strong>de</strong> doenças<br />
c r ô n i c a s n ã o<br />
transmissíveis,<br />
como o próprio<br />
câncer. O consumo<br />
<strong>de</strong> gorduras<br />
foi con<strong>de</strong>nado,<br />
quando<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
em excesso, pois são a maior causa <strong>de</strong><br />
doença cardiovascular na população<br />
mundial. A carne vermelha ficou no<br />
topo da pirâmi<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vendo ser evitada<br />
ao máximo, e, em sua base, óleos<br />
vegetais, como o azeite, repletos <strong>de</strong><br />
gorduras mono-insaturadas, que previnem<br />
o <strong>de</strong>senvolvimento das doenças<br />
coronarianas. Isso porque a pirâmi<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> 2001, também conhecida como<br />
a pirâmi<strong>de</strong> invertida <strong>de</strong> Harvard, se<br />
baseia na dieta mediterrânea, on<strong>de</strong> a<br />
alimentação, teoricamente, auxilia na<br />
prevenção da doença cardiovascular.<br />
A suplementação com vitaminas<br />
e minerais também foi introduzida<br />
no guia alimentar <strong>de</strong> Willet, mas o<br />
nutrólogo Emilson Portella não concorda<br />
com essa adição. Segundo ele,<br />
se a pessoa consome vegetais, frutas,<br />
peixes, leguminosas e cereais em quantida<strong>de</strong><br />
suficiente, não há necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> suplementação. O importante seria<br />
diversificar ao máximo os alimentos<br />
que entram na formação da alimentação<br />
diária.<br />
Outro ponto enfatizado na pirâmi<strong>de</strong><br />
invertida é o consumo <strong>de</strong> bebidas alcoólicas<br />
em mo<strong>de</strong>ração. Mas o pesquisador<br />
<strong>de</strong> Harvard não <strong>de</strong>ixa claro o que é<br />
consi<strong>de</strong>rado mo<strong>de</strong>rado (regularmente,
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
seriam 150 ml para mulheres e o dobro<br />
para os homens, ao dia), nem o tipo <strong>de</strong><br />
bebida que <strong>de</strong>veria ser consumida. “Se<br />
levarmos em consi<strong>de</strong>ração que essa<br />
pirâmi<strong>de</strong> é baseada nos conceitos da<br />
alimentação mediterrânea, saudável,<br />
e com o objetivo <strong>de</strong><br />
prevenir doenças crônicas<br />
não transmissíveis, o i<strong>de</strong>al<br />
é que se consuma vinho<br />
tinto, <strong>de</strong>vido as suas proprieda<strong>de</strong>s<br />
anti-oxidantes”,<br />
complementa o professor.<br />
Um <strong>de</strong>talhe importante<br />
<strong>de</strong>ve ser mencionado.<br />
Essa pirâmi<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Willet é<br />
apenas uma sugestão<br />
<strong>de</strong> um acadêmico<br />
sobre a alimentação<br />
nacional. O<br />
guia alimentar oficial<br />
norte-americano é a<br />
pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1992. É<br />
ela que, em 2005, consi<strong>de</strong>rada<br />
ultrapassada, foi<br />
modificada por uma nova<br />
disposição <strong>de</strong> forma a<br />
garantir uma alimentação<br />
mais saudável<br />
à população. A nova<br />
versão do governo<br />
inclui conceitos como<br />
a prática regular <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong> física, disposta<br />
na figura <strong>de</strong> um homem subindo<br />
as escadas da pirâmi<strong>de</strong>.<br />
Na antiga edição, as porções<br />
eram bem <strong>de</strong>finidas, mas<br />
não muito bem<br />
representadas. Com a modificação, os<br />
compartimentos <strong>de</strong> alimentos foram<br />
transformados em faixas que contemplam<br />
os grupos nutricionais.<br />
Das três pirâmi<strong>de</strong>s, a oficial <strong>de</strong> 2005<br />
foi uma evolução em relação à <strong>de</strong> 1992.<br />
Mas para o professor Portella, isso não<br />
ocorre quando comparada à pirâmi<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Willet. Os conceitos da dieta mediterrânea,<br />
o estímulo ao consumo <strong>de</strong><br />
gorduras mono-insaturadas e fibras,<br />
e a ativida<strong>de</strong> específica, também são<br />
abordados pela nova pirâmi<strong>de</strong>, porém<br />
não têm uma visualização a<strong>de</strong>quada.<br />
Dessa forma, um leigo não consegue<br />
observar corretamente todos os preâmbulos<br />
presentes na figura e por vezes,<br />
necessita <strong>de</strong> complementação.<br />
É interessante notar que cada país<br />
adapta a pirâmi<strong>de</strong> original americana<br />
ou <strong>de</strong>senvolve a sua própria <strong>de</strong> acordo<br />
com as características alimentares<br />
e culturais <strong>de</strong> sua população. No<br />
Brasil a professora Sônia Tucunduva<br />
Phillip, do Departamento <strong>de</strong> Nutrição<br />
da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública<br />
da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (USP)<br />
<strong>de</strong>senvolveu a pirâmi<strong>de</strong> alimentar brasileira,<br />
adaptando a versão americana<br />
à nossa população. É o caso da batata,<br />
que sempre esteve presente no grupo<br />
dos vegetais das pirâmi<strong>de</strong>s alimentares<br />
americanas, tanto em 1992, quanto em<br />
2005. Fonte <strong>de</strong> carboidrato consistente,<br />
tal como o aipim e a batata-doce,<br />
a batata foi <strong>de</strong>slocada para o grupo <strong>de</strong><br />
alimentos que fornecem mais quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> carboidratos que os cereais.<br />
Guia alimentar brasileiro<br />
Iniciativas para guiar a alimentação<br />
dos brasileiros, a<strong>de</strong>quando-a a<br />
hábitos dietéticos saudáveis, também<br />
são <strong>de</strong>senvolvidas. O Ministério da<br />
Saú<strong>de</strong> (MS), por exemplo, criou, em<br />
2005, a sua própria cartilha baseada<br />
em uma coletânea <strong>de</strong> evidências, nacionais<br />
e internacionais, produzidas<br />
principalmente nos últimos <strong>de</strong>z anos.<br />
O guia alimentar para a população<br />
brasileira, do Departamento <strong>de</strong> Atenção<br />
Básica (DAB) disponível no site<br />
Tabela comparativa entre as porções norte-americana e brasileira<br />
GRUPOS EUA BRASIL<br />
Cereais 6 - 11 5 - 9<br />
Frutas 2 - 4 3 - 5<br />
Hortaliças 3 - 5 4 - 5<br />
Leite e <strong>de</strong>rivados 2 - 3 3<br />
Carnes<br />
2 - 3 (inclui<br />
leguminosas)<br />
1 - 2<br />
Leguminosas - 1<br />
Açúcares consumo mo<strong>de</strong>rado 1 - 2<br />
Gorduras consumo mo<strong>de</strong>rado 1 - 2<br />
http://dtr2004.sau<strong>de</strong>.gov.br/nutricao,<br />
traz recomendações sobre alimentação<br />
saudável condizentes com o que preconizam<br />
os especialistas <strong>de</strong> Harvard.<br />
O documento brasileiro não adotou<br />
nenhuma simbologia, porque ainda<br />
está em fase <strong>de</strong> construção.<br />
Além disso, o Plano Nacional <strong>de</strong><br />
Alimentação e Nutrição, propõe que<br />
“o conjunto das políticas <strong>de</strong> governo<br />
seja voltado à concretização do direi-<br />
to humano universal à alimentação<br />
e nutrição a<strong>de</strong>quadas – esta política<br />
tem como propósito a garantia da<br />
qualida<strong>de</strong> dos alimentos colocados<br />
para consumo no país, a promoção<br />
<strong>de</strong> práticas alimentares saudáveis e a<br />
prevenção e o controle dos distúrbios<br />
nutricionais, bem como o estímulo às<br />
ações intersetoriais que propiciem o<br />
acesso universal aos alimentos”.<br />
Entretanto, nenhum <strong>de</strong>sses guias<br />
alimentares, ou pirâmi<strong>de</strong>s, sejam elas<br />
nacionais ou não, contempla o consumo<br />
da água. A forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong><br />
não é a única adotada. A Austrália,<br />
por exemplo, utiliza a forma <strong>de</strong> um<br />
prato (ou uma pizza) e nela distribui<br />
os alimentos, ampliando os espaços<br />
para frutas e vegetais.<br />
Educação nutricional<br />
Emilson Portella diz que é importante<br />
envidar esforços na criação <strong>de</strong><br />
On<strong>de</strong> buscar mais<br />
informações<br />
11<br />
guias alimentares <strong>de</strong> fácil utilização.<br />
“Todos são muito válidos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
sejam bem trabalhados como uma ferramenta<br />
<strong>de</strong> educação nutricional para<br />
a população. O i<strong>de</strong>al é que levem a<br />
todos a melhor forma <strong>de</strong> adaptar seus<br />
hábitos alimentares, modificando-os<br />
para garantir a redução da ocorrência<br />
<strong>de</strong> doenças crônicas não transmissíveis<br />
na nossa socieda<strong>de</strong>”, orienta o<br />
professor.<br />
O s i te http://w w w. my pyramid.<br />
g o v, d a U S DA , d i s p o n i b i l i z a u m<br />
guia alimentar personalizado, com<br />
a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leguminosas, frutas<br />
e cereais que <strong>de</strong>vem ser consumidos<br />
por semana. Nele é possível verificar<br />
a proporcionalida<strong>de</strong>, a varieda<strong>de</strong><br />
e a a<strong>de</strong>quação da alimentação. Num<br />
mesmo grupo, existem alimentos<br />
com maior ou menor quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> nutrientes que ficam dispostos<br />
ao longo da faixa a qual pertencem.<br />
O pão branco, por exemplo, é um<br />
cereal localizado no topo da faixa<br />
dos cereais, enquanto que os cereais<br />
integrais estão na base. Todas essas<br />
variáveis são adaptadas às carac -<br />
terísticas (ida<strong>de</strong>, sexo e ativida<strong>de</strong>s<br />
físicas) que cada usuário fornece ao<br />
site (My Pyramid Plan).
12<br />
Ivana Bentes<br />
Rodrigo Ricardo<br />
fotos Marco Fernan<strong>de</strong>s<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: A universida<strong>de</strong> vem se auto<strong>de</strong>finindo<br />
como um centro <strong>de</strong> excelência. Afinal, o que significa<br />
isso hoje?<br />
Ivana Bentes: Na minha área, a excelência não tem<br />
nada a ver com a meritocracia abstrata. Em nome disso<br />
se sustentam discursos elitistas e se cometem muitas<br />
injustiças. Exemplo disso é o posicionamento <strong>de</strong> alguns<br />
setores contra as cotas, além do fechamento da<br />
universida<strong>de</strong> para fenômenos no âmbito da Cultura e<br />
da própria Comunicação que estão ocorrendo fora dos<br />
campi. A minha idéia é a produção <strong>de</strong> conhecimento<br />
com uma circulação social <strong>de</strong> forma muito ampla. Não<br />
acredito em ensino <strong>de</strong> excelência <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> guetos.<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
Entrevista<br />
Pela radicalização<br />
da <strong>de</strong>mocracia<br />
Decidida e crítica, Ivana Bentes, diretora da Escola <strong>de</strong> Comunicação (ECO), da <strong>UFRJ</strong>, quer ver a<br />
universida<strong>de</strong> extrapolar seus muros e contribuir para a radicalização da <strong>de</strong>mocracia. Nessa tarefa, que<br />
passa pela transformação <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>s e a circulação social do conhecimento, a professora propõe o<br />
fim <strong>de</strong> antigos discursos abstratos que paralisam a universida<strong>de</strong>.<br />
Para ela, que é pesquisadora na área <strong>de</strong> Comunicação e Cultura com ênfase no campo das novas<br />
mídias, midiativismo e estéticas da Comunicação, há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a <strong>UFRJ</strong> produzir mídia e adotar<br />
um projeto estratégico para a comunicação da universida<strong>de</strong>. “Se nós não pautarmos a mídia, nós vamos<br />
ser pautados por ela”, aponta Ivana.<br />
Autora <strong>de</strong> Joaquim Pedro <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>: a revolução intimista (Relume-Dumará, 1996) e organizadora<br />
<strong>de</strong> Cartas ao mundo (Companhia das Letras, 1997), com a correspondência <strong>de</strong> Glauber Rocha, Ivana<br />
não per<strong>de</strong> o ângulo da pesquisa e vem <strong>de</strong>senvolvendo Favela Global: riqueza da cultura e imagens da<br />
pobreza, estudo sobre o audiovisual com enfoque na pobreza, espaço informal <strong>de</strong> on<strong>de</strong> surgem novos<br />
fenômenos culturais.<br />
A professora discute, ainda, o que consi<strong>de</strong>ra “bipolarida<strong>de</strong> esquizofrênica”, o fato <strong>de</strong> o Jornalismo<br />
aterrorizar e a ficção amenizar, nos discursos midiáticos.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Como você avalia a universida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> hoje?<br />
Ivana Bentes: Vive-se um momento <strong>de</strong> consciência sobre<br />
suas qualida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>feitos. O principal <strong>de</strong>les é que<br />
a universida<strong>de</strong> ainda não é suficientemente pública,<br />
seja em pensamento ou em sua prática. Ainda estamos<br />
longe da livre circulação do conhecimento e do retorno<br />
para a socieda<strong>de</strong> do que se faz aqui <strong>de</strong>ntro. Nós somos<br />
socialmente pagos para produzir mais <strong>de</strong>mocracia e<br />
justiça social. É claro que existem avanços, aqui se faz<br />
ciência e se é referência. Mas, ainda assim, é preciso uma<br />
autocrítica. A questão do público também não po<strong>de</strong> ser<br />
uma abstração. É a hora da universida<strong>de</strong> ser efetivamente<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
pública, trabalhando com a inteligência comum que está<br />
na multidão, em meio a todos os grupos sociais. Hoje, a<br />
principal injeção na produção <strong>de</strong> saber na área cultural<br />
vem <strong>de</strong> movimentos como o Hip-hop e o Funk. Há uma<br />
dinâmica enorme nesse espaço informal, inclusive nas<br />
favelas. A universida<strong>de</strong> não é o único lugar em que se<br />
produz saber, nós não temos essa reserva <strong>de</strong> mercado.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Mas a universida<strong>de</strong> já não reconhece<br />
os movimentos sociais e populares?<br />
Ivana Bentes: A gente precisa sair, porém, da relação <strong>de</strong><br />
objeto. Durante muito tempo os movimentos foram matéria<br />
para teses e dissertações, on<strong>de</strong> ocorre a produção <strong>de</strong><br />
nossa fala e do olhar acadêmico sobre eles. A diferença<br />
acontece quando passamos a trabalhar juntos, trazendo<br />
os movimentos para se tornarem sujeitos <strong>de</strong>sse discurso.<br />
Hoje, através da proposta dos projetos <strong>de</strong> Extensão vem<br />
se quebrando essa antiga relação hierárquica. Até porque,<br />
esses grupos também estão se qualificando, entrando nas<br />
universida<strong>de</strong>s e criando seus próprios discursos. Portanto,<br />
é a hora da abertura da universida<strong>de</strong> para o que ficou<br />
<strong>de</strong> fora, o que a Extensão, <strong>de</strong> modo interessante, vem<br />
conseguindo realizar.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E como é esse encontro nos projetos<br />
<strong>de</strong> Extensão?<br />
Ivana Bentes: Certamente há conflitos e se <strong>de</strong>scobre que<br />
as relações são assimétricas e <strong>de</strong>siguais. Mas, o encontro<br />
com esses outros sujeitos, que também estão produzindo<br />
através <strong>de</strong> suas práticas, surge a construção <strong>de</strong> um novo<br />
conhecimento. Essa abertura é fundamental. No Brasil,<br />
a universida<strong>de</strong> transformou-se num gran<strong>de</strong> funil. A cota<br />
somos nós, doutores e mestres, com inúmeros privilégios.<br />
É o tempo <strong>de</strong> dividirmos, e até abrirmos mão <strong>de</strong> certos<br />
direitos adquiridos, em nome da radicalização <strong>de</strong>ssa<br />
<strong>de</strong>mocracia.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E como se daria essa radicalização da<br />
<strong>de</strong>mocracia nos espaços universitários?<br />
Ivana Bentes: “Discursos fossilizados” que <strong>de</strong>monizam<br />
o mercado ou os movimentos sociais precisam ser superados.<br />
A <strong>UFRJ</strong> tem que repensar todas as suas relações,<br />
até mesmo com o Estado. Precisamos interagir com esse<br />
público e qualificá-lo. Não há nada <strong>de</strong> errado com parcerias<br />
que, <strong>de</strong> fato, gerem contrapartida social e que não fujam
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
13<br />
<strong>de</strong> uma linha pública. A radicalização da<br />
<strong>de</strong>mocracia passa pela construção <strong>de</strong>sse<br />
novo discurso sobre essas relações. Será<br />
que vamos conseguir criar um pensamento<br />
que seja tão importante quanto foi o <strong>de</strong><br />
resistência durante a ditadura?<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E qual é o papel da Comunicação<br />
para a universida<strong>de</strong>?<br />
Ivana Bentes: É um campo extraordinário<br />
para esse tipo <strong>de</strong> trabalho, seja<br />
em parceria com os excluídos para a<br />
produção <strong>de</strong> novos conhecimentos ou<br />
na busca pela circulação e partilha do<br />
saber. A universida<strong>de</strong> precisa <strong>de</strong> um<br />
projeto <strong>de</strong> Comunicação que possa caminhar<br />
nessa direção. Também <strong>de</strong>fendo<br />
que precisamos ocupar espaços como<br />
a TV universitária e comunitária, criar<br />
a Rádio da <strong>UFRJ</strong> e produzir mídia. O<br />
próprio Jornal da <strong>UFRJ</strong>, o Olhar Virtual<br />
e o Olhar Vital já são avanços nesse<br />
sentido. Mas se nós não pautarmos a<br />
mídia, nós vamos ser pautados por ela.<br />
Há casos interessantes como a TV PUC-<br />
SP e o Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Resenhas da USP<br />
(Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo), encartado<br />
na Folha <strong>de</strong> São Paulo.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: As tevês comunitárias<br />
e universitárias ainda não são apenas<br />
brechas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema maior<br />
<strong>de</strong> Comunicação que se encontra fechado?<br />
Ivana Bentes: O i<strong>de</strong>al seria ocuparmos<br />
espaço na programação das emissoras<br />
abertas. Mas aí, volta-se à questão das<br />
concessões públicas que se transformaram<br />
em licenças para ganhar dinheiro.<br />
Aos poucos, a socieda<strong>de</strong> avança na<br />
consciência <strong>de</strong> que os meios <strong>de</strong> comunicação<br />
são públicos e logo <strong>de</strong>vem se<br />
voltar para a sua origem. Por enquanto,<br />
é ingênuo que uma universida<strong>de</strong> pública<br />
não ocupe esse espaço público das tevês<br />
comunitárias e universitárias. Todas as<br />
universida<strong>de</strong>s particulares já têm seus<br />
programas. O luxo que po<strong>de</strong>mos nos dar<br />
é o <strong>de</strong> experimentar linguagens, seja no<br />
telejornalismo e em outras produções<br />
audiovisuais.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: A Comunicação também<br />
po<strong>de</strong>ria atuar pedagogicamente?<br />
Ivana Bentes: Dentro da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
informação, a principal dificulda<strong>de</strong> acontece<br />
por conta do bombar<strong>de</strong>io <strong>de</strong> notícias,<br />
essas, muitas vezes, <strong>de</strong>scontextualizadas,<br />
<strong>de</strong>turpadas e fragmentadas. Por isso, a<br />
Comunicação é estratégica até em nível<br />
cognitivo, para se enten<strong>de</strong>r o mundo em<br />
que se vive. Ela (Comunicação) <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />
ser um privilégio do nosso curso, pois a<br />
exigência <strong>de</strong>ssa habilida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>codificar<br />
informações, se apresentar diante <strong>de</strong> uma<br />
câmera e utilizar uma série <strong>de</strong> recursos<br />
tecnológicos, tornou-se uma <strong>de</strong>manda da<br />
alfabetização audiovisual.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Como po<strong>de</strong>ríamos construir,<br />
concretamente, uma comunida<strong>de</strong><br />
acadêmica “conectada”, em que conhecimentos<br />
e experiências sejam partilhados,<br />
além <strong>de</strong> dialogar com a socieda<strong>de</strong>?<br />
Ivana Bentes: O primeiro movimento<br />
passa por uma mudança <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>.<br />
A universida<strong>de</strong> precisa <strong>de</strong> transparência<br />
e <strong>de</strong> exposição, com avaliações externas<br />
e internas. As críticas dos pais ou <strong>de</strong><br />
outros atores precisam ser ouvidas e os<br />
<strong>de</strong>bates necessários <strong>de</strong>vem ser feitos.<br />
Ainda somos corporativos nesse sentido.<br />
Outro ponto é que ainda há problemas <strong>de</strong><br />
comunicação interna terríveis. A <strong>UFRJ</strong><br />
possui uma comunida<strong>de</strong> superdiversificada,<br />
assimétrica e com diferenças entre<br />
as suas unida<strong>de</strong>s. Ela se conhece pouco.<br />
Entrevista<br />
A conectivida<strong>de</strong> e sinergia <strong>de</strong>ntro da universida<strong>de</strong><br />
são pequenas.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E como você vê a gran<strong>de</strong><br />
mídia hoje?<br />
Ivana Bentes: Há uma crise nessa mídia<br />
tradicional, que é parcial e aborda mal<br />
os temas relacionados à Comunicação.<br />
Não há crítica entre os veículos e entre os<br />
próprios jornalistas, que são complacentes<br />
com o próprio po<strong>de</strong>r. Durante o seminário<br />
A Mídia da Crise ou Crise da Mídia<br />
(realizado em abril passado, na ECO), o<br />
professor Wan<strong>de</strong>rley Guilherme do Santos<br />
(da Universida<strong>de</strong> Cândido Men<strong>de</strong>s)<br />
lembrou que a mídia ven<strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong><br />
política e segurança, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> criar crises<br />
ou gerar o medo. Na verda<strong>de</strong>, os meios <strong>de</strong><br />
Comunicação são importantes <strong>de</strong>mais para<br />
estarem somente nas mãos dos jornalistas<br />
e dos comunicólogos. Precisamos <strong>de</strong> uma<br />
espécie <strong>de</strong> acompanhamento social sobre<br />
o setor. Até porque, on<strong>de</strong> nós vamos fazer<br />
a crítica sobre eles?<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Qual a sua avaliação sobre<br />
a implantação da TV Digital no Brasil?<br />
Ivana Bentes: A TV Digital apenas como<br />
melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imagem não<br />
vai alterar nada. A <strong>de</strong>manda social é por<br />
multicanais, que abram o mais po<strong>de</strong>roso<br />
instrumento <strong>de</strong> Comunicação da contemporaneida<strong>de</strong><br />
para as diversas vozes da<br />
socieda<strong>de</strong>. Agora, como há um interesse<br />
concreto da mídia, o <strong>de</strong>bate foi barrado e<br />
não se tornou suficientemente público. É<br />
um momento <strong>de</strong>licado para qualquer <strong>de</strong>cisão.<br />
Afinal, qual governo vai encarar os<br />
meios <strong>de</strong> Comunicação nos seus interesses<br />
mais íntimos?<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Qual seria o papel do<br />
governo na <strong>de</strong>mocratização dos meios <strong>de</strong><br />
comunicação?<br />
Ivana Bentes: O governo <strong>de</strong>veria ocupar<br />
o seu espaço <strong>de</strong> mediador entre as forças<br />
envolvidas (meios <strong>de</strong> Comunicação versus<br />
socieda<strong>de</strong>), até por ser ele quem faz as<br />
concessões. Entretanto, não haverá uma<br />
discussão mais ampla sem a mobilização<br />
social para pressionar e exigir esse <strong>de</strong>bate<br />
que, necessariamente, não precisa ser um<br />
embate, mas até uma parceria.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Você <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “bipolarida<strong>de</strong><br />
esquizofrênica” os discursos midiáticos<br />
nos quais o Jornalismo aterroriza<br />
e a ficção ameniza. Há momentos em que<br />
esses discursos se fun<strong>de</strong>m?<br />
Ivana Bentes: Não. Os discursos aparecem<br />
bem <strong>de</strong>marcados e funcionam numa espécie<br />
<strong>de</strong> compensação simbólica. Enquanto<br />
os noticiários criminalizam o pobre, nas<br />
novelas ele é mostrado como trabalhador<br />
honesto e as favelas chegam a ser cenários<br />
idílicos. No caso das drogas também há<br />
uma simplificação brutal do problema,<br />
colocando o usuário como o responsável<br />
pela violência e o tráfico. Nunca se aponta<br />
o <strong>de</strong>bate da legalização das drogas ou um<br />
discurso social mais amplo. No caso do<br />
PCC (Primeiro Comando da Capital), em<br />
São Paulo, houve um terrorismo midiático,<br />
quase que clamando por uma reação<br />
policial fascista. No plano político, a cobertura<br />
também é péssima. Falta o <strong>de</strong>bate<br />
<strong>de</strong> idéias e tudo é muito editorializado e<br />
com manipulações grosseiras. Chega a ser<br />
impressionante como não caiu esse governo,<br />
que teve o mérito <strong>de</strong> fazer com que<br />
as elites conservadoras e o pensamento<br />
<strong>de</strong> direita se assumissem e per<strong>de</strong>ssem a<br />
vergonha <strong>de</strong> aparecer.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Qual é o maior impacto<br />
das novas tecnologias sobre a mídia?<br />
Ivana Bentes: Há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
formarem contra-discursos, a criação <strong>de</strong><br />
novas ocupações e do leitor virar produtor<br />
<strong>de</strong> informação. Elas colocam em crise a<br />
tradicional mídia, por representarem a<br />
chance <strong>de</strong> quebra <strong>de</strong> monopólio, pulverizando<br />
a idéia <strong>de</strong> que somente através <strong>de</strong><br />
uma “Hollywood tropical” se emita opinião.<br />
Agora, ainda falta que a Internet seja<br />
parte da base popular. Enquanto a inclusão<br />
digital não acontece, os laboratórios<br />
tecnológicos da universida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>riam<br />
ser abertos ao uso social. Aos sábados e<br />
domingos, nenhuma produtora <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o<br />
fecha. Nos movimentos sociais, eles costumam<br />
dizer que não querem aparecer na<br />
televisão, mas ter um canal <strong>de</strong> tevês.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E quais são as maiores<br />
dificulda<strong>de</strong>s que você encontra na Direção<br />
da ECO?<br />
Ivana Bentes: A primeira reivindicação<br />
é aparelhar tecnologicamente o nosso<br />
curso. Outra questão passa por espaço, em<br />
especial, para o curso <strong>de</strong> Direção Teatral.<br />
Também estamos travando uma discussão<br />
para renovar o projeto pedagógico,<br />
inclusive ouvindo os nossos estudantes.<br />
O nosso campo é muito veloz, portanto o<br />
curso não po<strong>de</strong> se acomodar.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Alguma surpresa ou<br />
<strong>de</strong>cepção?<br />
Ivana Bentes: Há uma potência muito<br />
gran<strong>de</strong> na universida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>tém um<br />
prestígio e capital simbólico que precisam<br />
ser usados. Sem falar em professores e<br />
funcionários, que <strong>de</strong>dicam sua criativida<strong>de</strong><br />
e afetivida<strong>de</strong> à <strong>UFRJ</strong>. Por outro lado,<br />
ainda existem as estruturas burocratizadas<br />
e hierarquizadas, que nos remetem a uma<br />
cátedra do século XIX, às vezes, com muito<br />
ritual para pouca dinâmica e produção.<br />
A falta <strong>de</strong> um horizonte profissional também<br />
<strong>de</strong>sanima a muitos.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Como você avalia o processo<br />
<strong>de</strong> Reforma Universitária?<br />
Ivana Bentes: Há um lado promissor e<br />
precisa ser <strong>de</strong>batido. O que me parece absurdo<br />
é rejeitar essa oportunida<strong>de</strong>, numa<br />
recusa da complexida<strong>de</strong> sobre o que é a<br />
universida<strong>de</strong>. Vejo que muitos fantasmas<br />
começam a ser encarados, principalmente<br />
os que tratam da relação entre público e<br />
privado. O que me parece hipócrita é ver<br />
esse processo <strong>de</strong> privatização ocorrendo<br />
internamente, sem que ele traga retorno<br />
para o público. É preciso dizer e saber o<br />
que queremos <strong>de</strong>sse mercado, para po<strong>de</strong>rmos<br />
pautá-lo. Não o contrário.<br />
“Dentro da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
informação, a principal<br />
dificulda<strong>de</strong> acontece por<br />
conta do bombar<strong>de</strong>io <strong>de</strong><br />
notícias, essas, muitas<br />
vezes, <strong>de</strong>scontextualizadas,<br />
<strong>de</strong>turpadas e fragmentadas”
14<br />
PDI<br />
Aline Durães, do Olhar Virtual<br />
fotos Raquel Lima<br />
A discussão do Plano Qüinqüenal<br />
<strong>de</strong> Desenvolvimento Institucional (PDI)<br />
chegou ao Instituto <strong>de</strong> Pediatria e Puericultura<br />
Martagão Gesteira (IPPMG),<br />
ao Instituto <strong>de</strong> Microbiologia Professor<br />
Paulo <strong>de</strong> Góes (IMPPG) e ao Instituto<br />
Alberto Luiz Coimbra <strong>de</strong> Pós-graduação<br />
e Pesquisa <strong>de</strong> Engenharia (Coppe). As<br />
três unida<strong>de</strong>s receberam o reitor Aloísio<br />
Teixeira e outros membros da Administração<br />
Central da <strong>UFRJ</strong> para <strong>de</strong>bater os<br />
principais itens do plano.<br />
Esses encontros perseguem a intenção<br />
<strong>de</strong> se construir coletivamente o PDI. Nesse<br />
sentido, a Reitoria tem se esforçado para,<br />
em todos os eventos, abordar os pontos<br />
mais controvertidos do documento. O<br />
objetivo é chegar a um consenso sobre<br />
eles. “O que nos interessa no momento<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
Universida<strong>de</strong><br />
A busca por<br />
consensos<br />
Três unida<strong>de</strong>s discutiram a proposta <strong>de</strong> Plano <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />
Institucional (PDI) com a Reitoria durante o mês <strong>de</strong> junho. As reuniões<br />
preten<strong>de</strong>m produzir consensos sobre pontos nevrálgicos do documento.<br />
Sintufrj e DCE/<strong>UFRJ</strong> também se preparam para o encontro com o reitor<br />
é recolher sugestões para que possamos<br />
fazer do PDI a expressão da opinião da<br />
maior parte da comunida<strong>de</strong> universitária”,<br />
afirma Aloísio Teixeira.<br />
A estrutura fragmentada da <strong>UFRJ</strong> permanece<br />
como o gran<strong>de</strong> tema condutor dos<br />
<strong>de</strong>bates. Marcelo Land, diretor do IPPMG e<br />
professor do Departamento <strong>de</strong> Pediatria da<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da <strong>UFRJ</strong>, acredita<br />
que a fragmentação afeta também os hospitais<br />
universitários. “O PDI <strong>de</strong>ve esclarecer<br />
como po<strong>de</strong>mos superar a segmentação dos<br />
hospitais. Acredito que uma maior integração<br />
entre os HU e o IPPMG seria muito<br />
interessante”, <strong>de</strong>staca Land.<br />
O reitor Aloísio Teixeira, reconhecendo<br />
que a fragmentação faz parte da<br />
cultura organizacional da <strong>UFRJ</strong>, afirma<br />
que ela “é o fator que impe<strong>de</strong> a execução<br />
do trabalho integrado”. De acordo com o<br />
professor, a solução resi<strong>de</strong> em uma mudança<br />
na mentalida<strong>de</strong> dos profissionais<br />
da universida<strong>de</strong>.<br />
No Instituto <strong>de</strong> Microbiologia, os<br />
docentes manifestaram gran<strong>de</strong> interesse<br />
na questão do aumento do número <strong>de</strong><br />
vagas dos cursos <strong>de</strong> graduação e <strong>de</strong> pósgraduação.<br />
Para abrigar novos alunos,<br />
os professores do IMPPG sugeriram a<br />
utilização do espaço universitário no<br />
período noturno.<br />
Durante esse encontro, surgiu também<br />
a idéia <strong>de</strong> estabelecer um curso para<br />
preparar melhor os estudantes que pretendam<br />
ingressar na universida<strong>de</strong>. Essas<br />
aulas seriam ministradas por docentes<br />
da universida<strong>de</strong>, durante as férias, e po<strong>de</strong>riam<br />
funcionar como uma espécie <strong>de</strong><br />
revisão <strong>de</strong> conteúdos do Ensino Médio,<br />
visto que os professores <strong>de</strong>sse nível <strong>de</strong><br />
ensino também po<strong>de</strong>riam freqüentá-las.<br />
A análise da Coppe<br />
Uma comissão do Conselho Deliberativo<br />
da Coppe organizou um documento<br />
preliminar, que avança uma leitura<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
crítica dos itens da proposta <strong>de</strong> PDI. O<br />
relatório guiou o encontro do instituto<br />
com a Reitoria, no dia 6 <strong>de</strong> junho, mas<br />
novas reuniões internas serão estimuladas.<br />
A Coppe <strong>de</strong>seja contribuir para a<br />
implantação do PDI e, para isso, entregará<br />
ao reitor, no prazo <strong>de</strong> um mês, a versão<br />
<strong>de</strong>finitiva do documento que, além das<br />
críticas presentes na primeira análise,<br />
incluirá também sugestões e proposições<br />
para o Plano.<br />
Uma das reclamações em relação ao<br />
PDI resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> que a proposta<br />
redigida pela Reitoria não faz menção a<br />
Alberto Luiz Coimbra, um dos fundadores<br />
do instituto. “Ele foi um dos maiores<br />
sonhadores da pós-graduação no país e<br />
um dos gran<strong>de</strong>s nomes da <strong>UFRJ</strong>, mas o<br />
PDI ignora isso”, afirma Marcelo Neves,<br />
vice-presi<strong>de</strong>nte do Conselho Deliberativo<br />
da Coppe.<br />
A valida<strong>de</strong> da resenha histórica realizada<br />
pelo PDI também foi questionada.
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
15<br />
Os docentes acreditam que o documento<br />
peca ao associar o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
pós-graduação da universida<strong>de</strong> com a<br />
ditadura militar. De acordo com a análise<br />
feita pela Coppe, a unida<strong>de</strong>, criada em<br />
1963, é anterior ao regime autoritário e,<br />
em várias ocasiões, encontrou dificulda<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> convivência com os militares no<br />
po<strong>de</strong>r.<br />
O reitor Aloísio Teixeira enten<strong>de</strong> que a<br />
relação entre o regime militar e a pesquisa<br />
em pós-graduação não exclui a resistência<br />
política <strong>de</strong> parte dos pesquisadores. “A<br />
questão é saber se esse sistema instaurado<br />
durante a ditadura, apesar <strong>de</strong> eficiente,<br />
é a<strong>de</strong>quado à realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. A<br />
baixa institucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo<br />
dificulta a integração”, problematizou<br />
Aloísio Teixeira.<br />
O conceito <strong>de</strong> fragmentação, <strong>de</strong>finido<br />
no PDI como um dos principais entraves<br />
ao <strong>de</strong>senvolvimento institucional,<br />
foi outro ponto intenso <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate. Um<br />
percentual significativo <strong>de</strong> docentes da<br />
Coppe não encara a fragmentação como<br />
uma realida<strong>de</strong> essencialmente negativa.<br />
“Ela po<strong>de</strong> ser, muitas vezes, uma forma<br />
<strong>de</strong> criar ativida<strong>de</strong>s e setores mais mo<strong>de</strong>rnos”,<br />
enfatiza Marcelo Neves.<br />
O Núcleo <strong>de</strong> Computação Eletrônica<br />
(NCE) e o Instituto <strong>de</strong> Pesquisa e Planejamento<br />
Urbano e Regional (IPPUR),<br />
órgãos originalmente ligados à Coppe,<br />
foram citados pelos docentes como exemplos<br />
positivos da estrutura fragmentada<br />
da universida<strong>de</strong>. O reitor, no entanto,<br />
reiterou a idéia <strong>de</strong> que a existência <strong>de</strong><br />
unida<strong>de</strong>s autônomas ten<strong>de</strong> a prejudicar<br />
o progresso institucional: “a <strong>UFRJ</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a sua criação, não tem um projeto universitário,<br />
mas sim a justaposição <strong>de</strong> setores<br />
isolados”, afirma.<br />
Não figuraram somente críticas na análise<br />
da Coppe. A unida<strong>de</strong> apoiou <strong>de</strong>terminadas<br />
medidas estabelecidas pelo Plano.<br />
Dentre elas, <strong>de</strong>staca-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
a <strong>UFRJ</strong> diminuir o excesso <strong>de</strong> burocracia<br />
e regulamentação dos processos institucionais.<br />
Um outro ponto <strong>de</strong> concordância<br />
foi a <strong>de</strong>mocratização do acesso <strong>de</strong> novos<br />
alunos. “Não po<strong>de</strong>mos fugir <strong>de</strong>ssa questão”,<br />
ressalta Antônio MacDowell <strong>de</strong><br />
Figueiredo, professor do Programa<br />
<strong>de</strong> Engenharia Mecânica da<br />
Coppe.<br />
Expectativas dos técnicos-administrativos<br />
No I seminário da<br />
Comissão Interna<br />
<strong>de</strong> Supervisão da<br />
Carreira (CIS), organizado,<br />
nos dias<br />
7 e 8 <strong>de</strong> junho,<br />
pelo Sindicato dos<br />
Reunião do PDI na Coppe<br />
Trabalhadores em Educação da <strong>UFRJ</strong><br />
(Sintufrj), o reitor Aloísio Teixeira confirmou<br />
a intenção <strong>de</strong> promover reuniões<br />
com os técnicos-administrativos para a<br />
discussão do PDI.<br />
O encontro, ainda sem data prevista, é<br />
visto com otimismo pelos novos dirigentes<br />
sindicais da categoria. “A iniciativa<br />
é muito positiva. Temos uma relação <strong>de</strong><br />
diálogo com a Reitoria. Por isso, vamos<br />
ouvir a proposta e reivindicar mudanças”,<br />
antecipa Ana Maria Ribeiro, uma<br />
das coor<strong>de</strong>nadoras gerais do Sintufrj,<br />
recém-eleita.<br />
Marcílio Lourenço <strong>de</strong> Araújo, também<br />
recém-eleito para a Coor<strong>de</strong>nador Geral,<br />
consi<strong>de</strong>ra que o primeiro passo a ser<br />
dado para fomentar a discussão do PDI é<br />
conversar separadamente com os funcionários<br />
<strong>de</strong> cada unida<strong>de</strong>. Marcílio acredita<br />
que, <strong>de</strong>ssa forma, o sindicato po<strong>de</strong>rá<br />
enumerar as questões mais importantes<br />
a serem <strong>de</strong>batidas com a reitoria.<br />
Para Francisco <strong>de</strong> Assis, outro coor<strong>de</strong>nador<br />
geral recém-eleito, a participação<br />
dos funcionários é essencial<br />
para o projeto <strong>de</strong> construção<br />
coletiva do<br />
PDI. “Se cada sessão<br />
<strong>de</strong> trabalho<br />
elaborar um<br />
planejamento<br />
qüinqüenal,<br />
em tese, teremos<br />
um planoqüinqüenal<br />
Universida<strong>de</strong><br />
construído por todos”. os trabalhadores”<br />
Apesar <strong>de</strong> a atual direção do Sintufrj,<br />
empossada no dia 21 <strong>de</strong> junho, ainda<br />
não ter tido tempo hábil <strong>de</strong> organizar um<br />
programa único <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate do PDI, os coor<strong>de</strong>nadores<br />
já elegem alguns itens como<br />
reivindicações prioritárias. É o caso do<br />
incentivo à qualificação profissional dos<br />
trabalhadores técnico-administrativos. Um<br />
dos objetivos do PDI é adotar um projeto<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e capacitação permanente<br />
dos servidores, visando sua formação<br />
integral.<br />
De acordo com Ana Maria Ribeiro, o<br />
técnico-administrativo em Educação, em<br />
especial, está em contato, a todo momento,<br />
com inovadoras técnicas <strong>de</strong> trabalho e<br />
novos conhecimentos, o que torna indispensável<br />
uma melhor especialização. “Se<br />
o funcionário não crescer, a instituição também<br />
não evolui. Ao investir na qualificação<br />
do corpo técnico, a <strong>UFRJ</strong> está, na verda<strong>de</strong>,<br />
investindo no seu próprio crescimento”,<br />
enfatiza.<br />
Francisco <strong>de</strong> Assis acredita que as vagas<br />
ociosas dos cursos <strong>de</strong> graduação da universida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>veriam ser preenchidas, através<br />
<strong>de</strong> um mecanismo específico <strong>de</strong> seleção,<br />
por funcionários. Segundo ele, essa seria<br />
uma forma <strong>de</strong> promover a qualificação<br />
profissional dos servidores sem envolver<br />
a criação <strong>de</strong> turmas especiais.<br />
DCE em clima <strong>de</strong> PDI<br />
Nem bem ganhou as eleições para a direção<br />
do Diretório Central dos Estudantes<br />
(DCE) Mário Prata, a Chapa 1 – Oposição<br />
– DCE em movimento, juntos pela <strong>UFRJ</strong> –,<br />
já <strong>de</strong>monstra profundo interesse no Plano<br />
Qüinqüenal <strong>de</strong> Desenvolvimento Institucional.<br />
Essa é uma oportunida<strong>de</strong> única <strong>de</strong><br />
concretizar propostas históricas do Movimento<br />
Estudantil, como a eliminação dos<br />
<strong>de</strong>partamentos da estrutura organizacional<br />
e a instituição <strong>de</strong> um órgão colegiado<br />
único para gerir as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Ensino, Pesquisa e Extensão.<br />
A nova coor<strong>de</strong>nação do DCE/<br />
<strong>UFRJ</strong> intenta organizar, ainda<br />
nas primeiras semanas <strong>de</strong><br />
gestão, um congresso<br />
interno para analisar<br />
as propostas do PDI.<br />
O diretório preten-<br />
<strong>de</strong> também convocar os estudantes para<br />
participarem das reuniões promovidas<br />
pela Reitoria com as respectivas unida<strong>de</strong>s<br />
acadêmicas. Aloísio Teixeira já manifestou<br />
interesse em se reunir com os estudantes<br />
e aguarda o contato da nova direção para<br />
marcar uma data específica.<br />
Os membros do DCE Mário Prata estão<br />
otimistas em relação ao PDI. Segundo o<br />
grupo, o PDI busca alternativas concretas<br />
para resolver gran<strong>de</strong>s problemas da universida<strong>de</strong>.<br />
“Temos plena noção <strong>de</strong> que o PDI<br />
não é apenas um documento da Reitoria,<br />
mas sim um projeto estratégico para toda<br />
a <strong>UFRJ</strong>”, afirma Gustavo Moura, estudante<br />
do curso <strong>de</strong> história, membro eleito do<br />
diretório.<br />
Os projetos <strong>de</strong> Assistência Estudantil<br />
contemplados pela proposta <strong>de</strong> PDI são os<br />
principais alvos da atenção da entida<strong>de</strong>. O<br />
Plano prevê a construção <strong>de</strong> mais dois restaurantes<br />
universitários na Ilha do Fundão<br />
e um no campi da Praia Vermelha. Gustavo<br />
Moura apóia a iniciativa, mas afirma que o<br />
i<strong>de</strong>al seria instalar um “ban<strong>de</strong>jão” também<br />
no Centro da cida<strong>de</strong>, para aten<strong>de</strong>r aos que<br />
ali estudam.<br />
Para a direção do DCE Mário Prata,<br />
faltou, na proposta inicial do PDI, um<br />
item que dispusesse sobre o aumento no<br />
número <strong>de</strong> vagas do Alojamento Estudantil<br />
e a recuperação <strong>de</strong> seu espaço físico. De<br />
acordo com Miriam Starosky, estudante<br />
do Instituto <strong>de</strong> Psicologia e integrante da<br />
nova coor<strong>de</strong>nação, criar um novo alojamento<br />
para os estudantes é uma opção<br />
interessante.<br />
Fórum <strong>de</strong> Discussão do PDI<br />
Os interessados em participar dos <strong>de</strong>bates<br />
acerca do PDI não precisam esperar pelo<br />
encontro com o reitor. No en<strong>de</strong>reço www.<br />
ufrj.br/pdi, existe um link para um fórum<br />
<strong>de</strong> discussão da proposta. Lá, professores,<br />
estudantes e técnicos-administrativos po<strong>de</strong>m<br />
enviar comentários e sugestões para<br />
o Plano.<br />
Aos que <strong>de</strong>sejarem obter cópias da versão<br />
impressa da proposta po<strong>de</strong>m entrar<br />
em contato com a Divisão <strong>de</strong> Relações Públicas,<br />
da Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Comunicação<br />
da <strong>UFRJ</strong> (relacoespublicas@reitoria.ufrj.br)<br />
ou pelos telefones 2598-1621, 2598-1622 e<br />
2598-1898.
16<br />
Rodrigo Ricardo<br />
A partir <strong>de</strong> 2008, os milhares <strong>de</strong> candidatos<br />
a uma vaga na <strong>UFRJ</strong> po<strong>de</strong>rão<br />
contar com mais uma disciplina durante<br />
a maratona <strong>de</strong> estudos. Traduzida do<br />
grego como “amor pela sabedoria”, a<br />
Filosofia vem interrogando a aca<strong>de</strong>mia<br />
sobre a sua participação nos exames <strong>de</strong><br />
acesso à universida<strong>de</strong>. Decisão aprovada,<br />
anteriormente, pelas próprias instâncias<br />
universitárias, esbarrou em entraves no<br />
momento <strong>de</strong> ser colocada em prática.<br />
Há dúvidas, por exemplo, se haverá<br />
uma prova específica <strong>de</strong> Filosofia ou se<br />
seus conteúdos serão alocados em outras<br />
disciplinas. A Comissão <strong>de</strong> Vestibular<br />
do Conselho <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Graduação<br />
(CEG) busca, por seu turno, a diminuição<br />
do tempo <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> provas<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
Universida<strong>de</strong><br />
Filosofia<br />
a espera do diálogo<br />
Debate sobre a inclusão da Filosofia no Concurso <strong>de</strong> Acesso aos Cursos <strong>de</strong> Graduação da<br />
<strong>UFRJ</strong> – o Vestibular – continua, e disciplina po<strong>de</strong>rá virar prova em 2008<br />
(quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dias, principalmente), o<br />
que dificulta mudanças mais profundas<br />
no vestibular.<br />
Na sessão do Conselho Universitário<br />
(Consuni), <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> junho, a relatora do<br />
processo, professora Belkis Valdman,<br />
propôs a criação <strong>de</strong> uma comissão mista,<br />
composta por integrantes do CEG e<br />
do Consuni. A medida visa harmonizar<br />
as divergências, mas ainda precisa ser<br />
votada pelo colegiado.<br />
Marcelo Corrêa e Castro, presi<strong>de</strong>nte<br />
da Comissão <strong>de</strong> Vestibular do CEG avalia<br />
que “essa é uma história que não po<strong>de</strong><br />
ser feita <strong>de</strong> gestos bruscos. Qualquer mudança<br />
implica muita análise e discussão.<br />
Da primeira vez, isso não aconteceu nem<br />
no próprio Departamento <strong>de</strong> Filosofia do<br />
Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais<br />
(IFCS). Agora já houve um certo avanço,<br />
mas o assunto, novamente, não passou<br />
pelo Centro <strong>de</strong> Filosofia e<br />
Ciências Humanas (CFCH)”.<br />
O professor indaga, também:<br />
“qual o problema <strong>de</strong><br />
se reconhecer a inviabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> uma questão na<br />
hora <strong>de</strong> sua implementação?”<br />
Marcelo Corrêa pon<strong>de</strong>ra,<br />
ainda, que “as<br />
provas <strong>de</strong> acesso<br />
à <strong>UFRJ</strong> já avaliam<br />
a capacida<strong>de</strong><br />
do candidato<br />
em refletir e<br />
argumentar – práticas<br />
da Filosofia – apesar<br />
das <strong>de</strong>ficiências do<br />
sistema educacional<br />
em formar cidadãos<br />
com raciocínio abstrato.<br />
Agora, incluir uma<br />
nova disciplina que, <strong>de</strong><br />
certa forma já é abordada,<br />
seria caminhar na<br />
contramão.”<br />
Ricardo Jardim: o ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> Filosofia “é interrogar a vida”<br />
Espírito crítico<br />
A inclusão da Filosofia nos vestibulares<br />
não é novida<strong>de</strong> no Brasil. Na<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais<br />
(UFMG), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000, a disciplina consta<br />
do conjunto das provas. Em 2002, a resolução<br />
2453/02 da Secretaria <strong>de</strong> Estado<br />
<strong>de</strong> Educação do Rio <strong>de</strong> Janeiro também<br />
constituiu a obrigatorieda<strong>de</strong> do ensino<br />
<strong>de</strong> Filosofia e <strong>de</strong> Sociologia para as 1ª e<br />
3ª séries do Ensino Médio. Na <strong>UFRJ</strong>, a<br />
reivindicação, aprovada pelo CEG e pelo<br />
Consuni, era para começar a vigorar já no<br />
concurso <strong>de</strong> 2005.<br />
Ricardo Jardim, chefe do Departamento<br />
<strong>de</strong> Filosofia do IFCS, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />
que exista uma prova específica da<br />
disciplina, sob pena dos conteúdos<br />
filosóficos serem diluídos pelas outras<br />
matérias. O professor enten<strong>de</strong><br />
que a medida vem contribuir para o<br />
<strong>de</strong>spertar do espírito crítico e na formação<br />
ética do futuro universitário.<br />
“Apesar do aparente distanciamento,<br />
a Filosofia está mais próxima do que a<br />
própria Ciência. O seu ponto <strong>de</strong> partida<br />
é interrogar a vida. Ela oferece uma<br />
perspectiva <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong>, contrariando<br />
a excessiva especialização, um dos<br />
riscos do mundo mo<strong>de</strong>rno”, afirma o<br />
professor<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
foto Juliano Pires<br />
Inércia existencial<br />
O argumento <strong>de</strong> que esse esforço, em<br />
verda<strong>de</strong>, busca garantir uma reserva <strong>de</strong> mercado<br />
<strong>de</strong> trabalho para os profissionais da<br />
área é rebatido categoricamente por Jardim.<br />
“Quem pensa em dinheiro não escolhe ser<br />
filósofo. Não é o que move a sua existência.<br />
No meu caso, a partir <strong>de</strong> um professor é que<br />
me <strong>de</strong>cidi por essa profissão. A Filosofia<br />
nunca foi e nunca será um fenômeno <strong>de</strong><br />
massa. Aparentemente, refletir e se autoconhecer<br />
são tarefas fáceis. Entretanto, as<br />
questões filosóficas são raramente colocadas.<br />
O que falta ao homem comum é esse<br />
estranhamento, que acaba apontando numa<br />
acomodação que <strong>de</strong>semboca numa inércia<br />
existencial”, <strong>de</strong>staca o professor.<br />
Para o estudante do sétimo período, Igor<br />
Tkaczenko – membro do Centro Acadêmico<br />
<strong>de</strong> Filosofia (Cafil) – a questão do mercado<br />
também tem relevância e não vê vergonha<br />
em pleitear emprego. “O ganho será <strong>de</strong> todos<br />
ao valorizarmos uma disciplina que se<br />
distancia do mo<strong>de</strong>lo tecnicista. No início,<br />
até havia uma divergência interna entre os<br />
estudantes, que pensavam que ministrar<br />
aula não era tarefa <strong>de</strong> filósofo. Mas, esse<br />
elitismo barato ficou para trás, já temos o<br />
conteúdo programático e até um mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> prova. Não entendo porque tanta relutância?”,<br />
pergunta o estudante.
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
17<br />
Fortalecendo a <strong>UFRJ</strong><br />
Reitoria Itinerante e Plenária <strong>de</strong> Decanos e Diretores. Essas são duas<br />
ativida<strong>de</strong>s que marcam a atual administração. O principal objetivo:<br />
aprofundar o relacionamento entre as unida<strong>de</strong>s e seus diretores<br />
Rafaela Pereira<br />
com a Reitoria. E o resultado tem sido positivo<br />
As manhãs <strong>de</strong> todas as quintas-feiras<br />
são marcadas pela presença, em alguma<br />
unida<strong>de</strong> da <strong>UFRJ</strong>, do reitor Aloísio Teixeira,<br />
da vice-reitora Sylvia Vargas e dos<br />
pró-reitores. Essa é a equipe que integra<br />
a Reitoria Itinerante, que tem lugar <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
o início da atual gestão da Reitoria da<br />
<strong>UFRJ</strong>, em 2003. O principal objetivo é<br />
intensificar o diálogo entre os institutos,<br />
faculda<strong>de</strong>s, escolas, núcleos e a Administração<br />
Central. E, é claro, levantar,<br />
in loco, os problemas, reivindicações<br />
e necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada unida<strong>de</strong>. “Nós<br />
nos <strong>de</strong>spimos da aura <strong>de</strong> sermos Reitoria<br />
para discutirmos assuntos com as<br />
unida<strong>de</strong>s. Tenho visto coisas que jamais<br />
imaginei que houvesse na universida<strong>de</strong>,<br />
tanto negativas, quanto positivas”, revela<br />
Sylvia Vargas.<br />
Instituto <strong>de</strong> Biofísica Carlos Chagas<br />
Filho (IBCCF), Instituto <strong>de</strong> Ciências<br />
Biomédicas (ICB), Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa<br />
<strong>de</strong> Produtos Naturais (NPPN), Instituto<br />
<strong>de</strong> Microbiologia Professor Paulo <strong>de</strong><br />
Góes (IMPPG), Núcleo <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong><br />
Saú<strong>de</strong> Coletiva (Nesc), Instituto <strong>de</strong> Pediatria<br />
e Puericultura Martagão Gesteira<br />
(IPPMG), Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna<br />
Nery (EEAN), Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Odontologia<br />
(FO), Faculda<strong>de</strong> Medicina (FM), Faculda<strong>de</strong><br />
Nacional <strong>de</strong> Direito (FND), Escola<br />
<strong>de</strong> Serviço Social (ESS), Instituto <strong>de</strong><br />
Química (IQ) e Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura<br />
e Urbanismo (FAU) são algumas das unida<strong>de</strong>s<br />
visitadas pela equipe da Reitoria<br />
Itinerante durante esses quase quatro<br />
anos. “Isso é extremamente positivo, na<br />
medida em que o po<strong>de</strong>r central se <strong>de</strong>scentraliza,<br />
no momento em que ele se<br />
<strong>de</strong>sloca e vai para as unida<strong>de</strong>s”, <strong>de</strong>staca<br />
o <strong>de</strong>cano do Centro <strong>de</strong> Tecnologia (CT),<br />
professor Cláudio Luiz Baraúna Vieira.<br />
E as reivindicações? Segundo Sylvia<br />
Vargas, <strong>de</strong> um modo geral, elas são comuns<br />
a todos, como, por exemplo, falta<br />
<strong>de</strong> funcionários, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais vagas,<br />
mais recurso e mais laboratórios.<br />
Já no caso da Plenária <strong>de</strong> Decanos<br />
e Diretores, que acontece sempre na<br />
última segunda-feira <strong>de</strong> cada mês, a<br />
proposta é unir os diretores e <strong>de</strong>canos,<br />
principalmente aqueles <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s<br />
mais distantes. E as pautas discutem<br />
as questões mais variadas, como, por<br />
exemplo, orçamento e sua execução,<br />
mudanças na estrutura administrativa,<br />
reforma universitária, política <strong>de</strong> análise<br />
e melhoria das condições <strong>de</strong> segurança<br />
e saú<strong>de</strong> em laboratórios e <strong>de</strong>mais ambientes<br />
da <strong>UFRJ</strong>, vagas para docentes,<br />
fundação <strong>de</strong> apoio, projeto pedagógico<br />
<strong>de</strong> curso e avaliação interna <strong>de</strong> cursos<br />
da Pró-reitoria <strong>de</strong> Graduação (PR-1) e<br />
restaurante universitário.<br />
Para a <strong>de</strong>cana do Centro <strong>de</strong> Ciências<br />
Matemáticas e da Natureza (CCMN),<br />
professora Ângela Rocha, esse é o meio<br />
<strong>de</strong> comunicação entre os diretores. “Em<br />
geral temos dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso aos diretores,<br />
<strong>de</strong>canos e Administração Central.<br />
Assim, com a Plenária, a gente sabe que<br />
uma vez por mês iremos nos encontrar”,<br />
explica. Para Rosana Morgado, diretora<br />
da Escola <strong>de</strong> Serviço Social (ESS), esses<br />
encontros permitem a discussão <strong>de</strong> temas<br />
centrais da universida<strong>de</strong>. “E que são <strong>de</strong>batidos<br />
por todos os diretores, fazendo,<br />
também, com que a gente se conheça”,<br />
analisa a diretora. Quem faz coro com<br />
ela, é o novo diretor da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Medicina, o professor Antônio Ledo. Para<br />
ele, apesar <strong>de</strong> essa não ser uma plenária<br />
<strong>de</strong>liberativa, traz benefícios para toda a<br />
universida<strong>de</strong>. “Dessa união é possível<br />
discutir as questões em conjunto. Muitas<br />
sugestões, idéias e comentários surgem”,<br />
explica o diretor.<br />
As duas iniciativas, segundo as avaliações,<br />
são importantes como meio<br />
<strong>de</strong> contato direto com os responsáveis<br />
pelas unida<strong>de</strong>s, no caso da Plenária <strong>de</strong><br />
Decanos e Diretores, e com os servidores<br />
docentes, técnicos-administrativos<br />
e estudantes, na Reitoria Itinerante. Em<br />
ambas, a Reitoria apresenta suas propostas<br />
e ouve as <strong>de</strong>mandas diretamente da<br />
comunida<strong>de</strong> da <strong>UFRJ</strong>. De 2003 até aqui,<br />
foram realizadas 40 reuniões da Reitoria<br />
Itinerante (e ainda faltam 11 a serem realizadas).<br />
A Plenária <strong>de</strong> Decanos e Diretores,<br />
conta com 24 reuniões realizadas<br />
e sete ainda por realizarem-se.<br />
Universida<strong>de</strong><br />
Uma mulher à frente da<br />
Taísa Gamboa, da AgN/CCS<br />
Maternida<strong>de</strong><br />
Des<strong>de</strong> 1904, em seus mais <strong>de</strong> cem<br />
anos <strong>de</strong> existência, é a primeira vez que<br />
a Maternida<strong>de</strong>-Escola (ME) da <strong>UFRJ</strong><br />
conta com uma mulher à frente <strong>de</strong> sua<br />
Direção. A curitibana Rita Berna<strong>de</strong>te<br />
Ribeiro Gueiros Bornia se formou em<br />
Medicina pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />
Paraná (UFPR), em 1978, e, a influência<br />
paterna foi <strong>de</strong>terminante na escolha da<br />
especialização. Seu pai era obstetra e<br />
atendia às pacientes em casa.<br />
O primeiro contato com a Maternida<strong>de</strong>-Escola<br />
foi em março <strong>de</strong> 1981,<br />
quando a então médica chegou ao Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro para cursar mestrado em Clínica<br />
Obstétrica, oferecido pelo Departamento<br />
<strong>de</strong> Ginecologia e Obstetrícia da<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina (FM) da <strong>UFRJ</strong>,<br />
que funciona na ME. Na época, a única<br />
instituição que oferecia pós-graduação<br />
stricto sensu (mestrado e doutorado)<br />
nessa área. Des<strong>de</strong> então, a obstetra,<br />
que é professora adjunta da FM/<strong>UFRJ</strong>,<br />
está na Maternida<strong>de</strong> – on<strong>de</strong> concluiu,<br />
também, o doutorado – e trabalhou no<br />
Ambulatório <strong>de</strong> Pré-Natal, nas enfermarias<br />
<strong>de</strong> Obstetrícia. Além disso, foi<br />
diretora da Divisão Médica e coor<strong>de</strong>nadora<br />
da Residência em Obstetrícia<br />
da instituição.<br />
A candidatura à direção da ME surgiu<br />
com a intenção <strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong><br />
aos trabalhos <strong>de</strong> reestruturação e reno-<br />
Rita Bornia: cumprir com eficiência a missão da Maternida<strong>de</strong>-Escola<br />
Alane Beatriz<br />
Vermelho,<br />
Antônio Ferreira<br />
Pereira, Rosalie<br />
Reed Rodrigues<br />
Coelho e Thaís<br />
Souto-Padrón,<br />
todos professores<br />
do Instituto <strong>de</strong> Microbiologia<br />
Professor<br />
Paulo <strong>de</strong> Góes (IM-<br />
PPG), da <strong>UFRJ</strong>, acabam<br />
<strong>de</strong> lançar, pela Sonopress<br />
Rimo, o livro Práticas<br />
<strong>de</strong> Microbiologia.<br />
vação física da unida<strong>de</strong>. Rita Bornia<br />
venceu o último pleito realizado na<br />
instituição com 71,60% dos 465 votos,<br />
contra 28,28% <strong>de</strong> Osvaldo Coura Filho.<br />
Rita Bornia tem como vice-diretor, o<br />
professor Joffre Amim Júnior, ex-diretor<br />
da ME.<br />
Todas as propostas <strong>de</strong> trabalho da<br />
nova direção têm por objetivo cumprir<br />
com eficiência a missão da Maternida<strong>de</strong>,<br />
formar recursos humanos e <strong>de</strong>senvolver<br />
tecnologias que permitam melhorar a<br />
assistência na área materno-infantil.<br />
Fundamentalmente, os projetos visam<br />
a<strong>de</strong>quar e mo<strong>de</strong>rnizar o Ensino, a Assistência<br />
e a Pesquisa para os padrões<br />
atuais. Todos passam pela ampliação da<br />
área física, visando aten<strong>de</strong>r não apenas<br />
aos professores e estudantes da Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Medicina, mas também <strong>de</strong> outras<br />
unida<strong>de</strong>s do Centro <strong>de</strong> Ciências da<br />
Saú<strong>de</strong> (CCS), assim como do Centro <strong>de</strong><br />
Filosofia e Ciências Sociais (CFCH), tais<br />
como o Instituto <strong>de</strong> Psicologia e a Escola<br />
<strong>de</strong> Serviço Social. Isso porque, o espaço<br />
físico ainda é ina<strong>de</strong>quado para aten<strong>de</strong>r<br />
a todos esses profissionais que utilizam<br />
a Maternida<strong>de</strong>-Escola como campo <strong>de</strong><br />
Treinamento, Ensino e Pesquisa.<br />
Professores do IMPPG lançam<br />
livro <strong>de</strong> Microbiologia<br />
foto Juliano Pires<br />
A obra, uma brochura com<br />
256 páginas, reúne o resultado<br />
das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino<br />
dos autores, na área das Ciências<br />
da Saú<strong>de</strong> da <strong>UFRJ</strong>.<br />
Por meio das ativida<strong>de</strong>s<br />
apresentadas no livro,<br />
é possível compreen<strong>de</strong>r<br />
as técnicas básicas<br />
da Microbiologia, os<br />
materiais utilizados,<br />
assepsias e métodos<br />
físicos e químicos <strong>de</strong> controle<br />
microbiano, entre outros assuntos<br />
abordados.
18<br />
foto Marco Fernan<strong>de</strong>s<br />
Centro Nacional <strong>de</strong><br />
Ressonância Magnética<br />
As obras do prédio do Centro Nacional <strong>de</strong><br />
Ressonância Magnética Nuclear Jiri Jonas (CNRMN)<br />
estão a todo vapor. Ligado a Decania do Centro<br />
<strong>de</strong> Ciências da Saú<strong>de</strong> (CCS) o prédio <strong>de</strong>ve ser<br />
inaugurado em setembro<br />
Geralda Alves, da AgN/CCS<br />
A construção do prédio, que vai ser<br />
localizado ao lado do CCS, vizinho à<br />
Fundação Bio-Rio, é resultado <strong>de</strong> um<br />
convênio entre a <strong>UFRJ</strong> e a Fundação<br />
Universitária José Bonifácio (FUJB)<br />
no valor <strong>de</strong> R$ 500 mil. Construído<br />
com peças pré-moldadas em concreto<br />
armado (sistema que apresenta baixo<br />
custo e rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> montagem), leva em<br />
consi<strong>de</strong>ração o curto tempo disponível<br />
para a conclusão da obra.<br />
Segundo Fábio Almeida, coor<strong>de</strong>nador<br />
do Laboratório <strong>de</strong> Ressonância<br />
Magnética e professor do Instituto<br />
<strong>de</strong> Ciências Biomédicas (ICB) da<br />
<strong>UFRJ</strong>, a idéia é a constituição <strong>de</strong> um<br />
laboratório <strong>de</strong> Biologia Estrutural com<br />
profissionais especializados, capazes<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar estruturas <strong>de</strong> proteínas<br />
e <strong>de</strong> outras moléculas. “A Biologia<br />
Estrutural se ocupa do <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> tecnologias e <strong>de</strong> novas drogas para<br />
tratamentos específicos, como é o<br />
caso dos retrovirais do HIV, que foram<br />
criados por pesquisas nesse campo. Por<br />
ser uma técnica cara, poucas instituições<br />
a possuem, principalmente no Terceiro<br />
Mundo”, informa Fábio Almeida.<br />
Projetado para abrigar equipamentos<br />
<strong>de</strong> ressonância magnética <strong>de</strong> última<br />
geração, para o CCS e seus laboratórios,<br />
as novas instalações vão acolher<br />
aparelhos <strong>de</strong> 400, 600 e 800 MHz.<br />
“Esse vai ser o terceiro equipamento<br />
<strong>de</strong> 800 MHz instalado no Hemisfério<br />
Sul e o primeiro da América Latina.<br />
Fora da <strong>UFRJ</strong> existem outros dois iguais<br />
a esse, em via <strong>de</strong> instalação na Nova<br />
Zelândia. Essa aquisição nos coloca<br />
na categoria <strong>de</strong> vanguarda, nos eleva<br />
a um laboratório <strong>de</strong> ponta no mundo<br />
em Biologia Estrutural e nos permite a<br />
formação <strong>de</strong> novos pesquisadores nessa<br />
área”, relata o coor<strong>de</strong>nador.<br />
Centro multiuso<br />
Dirigido pelo professor Jerson Lima<br />
Silva, do ICB, o CNRMN, permite<br />
facilida<strong>de</strong>s multiusuário e tem o apoio<br />
dos institutos <strong>de</strong> Biofísica Carlos<br />
Chagas Filho (IBCCF), <strong>de</strong> Ciências<br />
Biomédicas (ICB), <strong>de</strong> Microbiologia<br />
Professor Paulo <strong>de</strong> Góes (IMPPG), <strong>de</strong><br />
Química (IQ), do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisas <strong>de</strong><br />
Produtos Naturais (NPPN), do Hospital<br />
Universitário Clementino Fraga Filho<br />
(HUCFF), todos da <strong>UFRJ</strong>, sem contar que<br />
também aten<strong>de</strong> a grupos externos como<br />
a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e<br />
as universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> São Paulo (USP),<br />
Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais (UFMG),<br />
Fe<strong>de</strong>ral Rural do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UFRRJ),<br />
Estadual <strong>de</strong> São Paulo (Unesp), do<br />
Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (Uerj), além <strong>de</strong><br />
outras fora do Brasil. “A parceria com<br />
a Fiocruz foi firmada com o intuito <strong>de</strong><br />
trabalhar no controle <strong>de</strong> vacinas”, diz<br />
o professor.<br />
Atualmente, o CNRMN pesquisa<br />
proteínas <strong>de</strong> fusão <strong>de</strong> vírus, proteínas<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesas (<strong>de</strong>fensinas), tioredoxinas<br />
(proteínas que mantém o potencial redox<br />
<strong>de</strong>ntro da célula), além da Chagazin, que<br />
age como inibidora <strong>de</strong> uma protease,<br />
reguladora do ciclo do parasita da doença<br />
<strong>de</strong> chagas, o Tryponosoma cruzi.<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
Universida<strong>de</strong><br />
Nacional<br />
Nos dias 21 e 23 a Creche Universitária<br />
Pintando a Infância, da <strong>UFRJ</strong>, comemorou<br />
o seu 25º aniversário. A data foi marcada<br />
pelo <strong>de</strong>bate O papel da Educação<br />
Infantil na Universida<strong>de</strong>: possibilida<strong>de</strong>s<br />
e <strong>de</strong>safios e por uma solenida<strong>de</strong><br />
comemorativa, com a presença <strong>de</strong><br />
autorida<strong>de</strong>s da <strong>UFRJ</strong> e <strong>de</strong> alunos da<br />
Turma Sete, da Creche Universitária,<br />
no dia 23 <strong>de</strong> junho, pela manhã, no<br />
Auditório do Centro Cultural Professor<br />
Horácio Macedo, no Centro <strong>de</strong> Ciências<br />
Matemáticas e da Natureza (CCMN).<br />
Mães, pais, familiares e integrantes<br />
da comunida<strong>de</strong> da <strong>UFRJ</strong> estavam<br />
presentes para comemorar a data, que<br />
teve como ponto principal o <strong>de</strong>bate<br />
sobre a institucionalização da Educação<br />
Infantil, que contou com a participação<br />
<strong>de</strong> Yvone Souza (creche da Fundação<br />
Oswaldo Cruz – Fiocruz), Mônica<br />
Picanço (creche da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
Fluminense – UFF), Maria Elisa (creche<br />
da <strong>UFRJ</strong>) e Patrícia Corsino (Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Educação da <strong>UFRJ</strong>).<br />
Segundo Veloni Vicentini, exdiretora<br />
da Pintando a Infância, a<br />
meta é institucionalizar a creche como<br />
uma unida<strong>de</strong> acadêmica. “A proposta<br />
do evento foi não apenas comemorar<br />
a data, mas também fazer com que<br />
toda a <strong>UFRJ</strong> nos escute. Estamos aqui,<br />
prestamos um serviço para a socieda<strong>de</strong><br />
e queremos mais”, aponta Veloni.<br />
Desejo esse que é compartilhado pela<br />
atual direção. “Queremos a ampliação<br />
e o fortalecimento da integração com<br />
as diversas unida<strong>de</strong>s acadêmicas da<br />
<strong>UFRJ</strong>, pois o nosso maior objetivo é<br />
proporcionar uma Educação Infantil<br />
<strong>de</strong> referência e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Assim, a<br />
direção da creche continua em busca<br />
<strong>de</strong> seu sonho <strong>de</strong> uma se<strong>de</strong> própria, que<br />
atenda, ainda mais, as necessida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> nossas crianças e que permita a<br />
ampliação das vagas oferecidas”, ressalta<br />
Tatiana Pereira, diretora em exercício.<br />
S e g u n d o R o b e r t o G a m b i n e ,<br />
superinten<strong>de</strong>nte da Pró-reitoria <strong>de</strong><br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
25 anos pintando a<br />
Rafaela Pereira<br />
foto Raquel Lima<br />
Educação Infantil na <strong>UFRJ</strong>: possibilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios<br />
infância<br />
Pessoal (PR-4), existe um projeto<br />
elaborado pela creche, em parceria com<br />
o Instituto Alberto Luiz Coimbra <strong>de</strong><br />
Pós-graduação e Pesquisa <strong>de</strong> Engenharia<br />
(Coppe), que já foi encaminhado ao<br />
Escritório Técnico da Universida<strong>de</strong><br />
(ETU) para que a construção da nova<br />
se<strong>de</strong> seja incluída no Plano Diretor da<br />
Ilha do Fundão.<br />
Dalva Coutinho Saieg, professora<br />
aposentada da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina<br />
da <strong>UFRJ</strong> e fundadora da Creche<br />
Universitária, também esteve presente<br />
à comemoração: “parece que foi ontem<br />
que estive aqui. Fiquei muito contente<br />
e orgulhosa <strong>de</strong> verificar que a creche<br />
cresceu e melhorou muito nesses 25<br />
anos. Hoje ela é digna <strong>de</strong> representar<br />
a <strong>UFRJ</strong>”, disse a pediatra. Luiz Afonso<br />
Mariz, pró-reitor <strong>de</strong> Pessoal, faz coro<br />
com ela. “Todos os funcionários que<br />
passaram pela creche fizeram seu papel<br />
e contribuíram para essa história”.<br />
Novo horizonte para a Educação Infantil<br />
Na comemoração dos 25 anos, pensar<br />
nas bases e nos rumos da Creche<br />
Universitária se torna fundamental. E<br />
uma mudança nesse caminho é essencial.<br />
Hoje uma creche universitária não<br />
cumpre apenas um papel assistencialista,<br />
mas, também, educacional. A propósito<br />
disso, Patrícia Corsino explica que<br />
“estamos em um momento em que a<br />
Educação Infantil ganha relevância<br />
basal. A Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases<br />
(LDB) da Educação Nacional buscou a<br />
consolidação da Educação Infantil como<br />
a primeira etapa da Educação Básica”.<br />
Para Mônica Picanço, as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
Educação Infantil po<strong>de</strong>m contribuir com<br />
a excelência acadêmica das Instituições<br />
Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Ensino Superior (Ifes).<br />
“Devemos ser uma unida<strong>de</strong> produtora<br />
<strong>de</strong> conhecimento e não po<strong>de</strong>mos<br />
ser vistos apenas como um espaço<br />
<strong>de</strong> atendimento <strong>de</strong> criança. Somos<br />
unida<strong>de</strong> universitária e isso mostra<br />
que vivemos num espaço sustentado<br />
pelo tripé da universida<strong>de</strong> pública<br />
— Ensino, Pesquisa e Extensão”, analisa<br />
a representante da Creche da UFF.
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
19<br />
Museu Nacional<br />
Arqueologia Pré-colombiana e Culturas<br />
Mediterrâneas – Afrescos <strong>de</strong><br />
Pompéia: essas são as duas exposições,<br />
montadas com o apoio da Fundação Vitae<br />
(apoiadora <strong>de</strong> projetos nas áreas <strong>de</strong><br />
Cultura, Educação e Promoção Social),<br />
que disponibilizam um valioso e inédito<br />
acervo sobre a história da ocupação das<br />
Américas e afrescos que pertenceram ao<br />
Templo <strong>de</strong> Ísis, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pompéia<br />
(Itália), e foram trazidos para o Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro em 1855, para compor parte da<br />
coleção da imperatriz Teresa Cristina.<br />
São mais <strong>de</strong> 500 peças <strong>de</strong> um legado<br />
cultural <strong>de</strong>ixado por povos que habitaram<br />
a América Latina e a Europa. “Essa<br />
iniciativa significa o resgate <strong>de</strong> um espaço<br />
inutilizado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000 e a oportunida<strong>de</strong><br />
para disponibilizar ao público<br />
outra parcela <strong>de</strong> nosso valioso<br />
acervo. Somos uma instituição<br />
<strong>de</strong> Ensino e Pesquisa com 188<br />
anos <strong>de</strong> ação contínua. Nossas<br />
coleções, exposições e pesquisas<br />
fornecem um quadro do avanço<br />
da ciência nacional através do<br />
tempo”, sublinha Sérgio Alex<br />
Kugland <strong>de</strong> Azevedo, professor<br />
e diretor do Museu Nacional<br />
(MN).<br />
Arqueologia Pré-colombiana<br />
Segundo Sérgio Alex, gran<strong>de</strong><br />
parte <strong>de</strong>sse acervo é inédita,<br />
como por exemplo, uma múmia<br />
Aymara (cultura dos povos précolombianos,<br />
anteriores aos Inca).<br />
Com o objetivo <strong>de</strong> resgatar as origens<br />
das populações americanas<br />
e contar um pouco da história da<br />
ocupação das Américas, as peças<br />
foram organizadas tematicamen-<br />
Universida<strong>de</strong><br />
Marco para a cultura brasileira<br />
Quando se comemora o Ano Nacional dos Museus, o Museu Nacional, da <strong>UFRJ</strong>, criado em 1818 por D. João VI, festeja<br />
seu 188º aniversário em gran<strong>de</strong> estilo. No dia 6 <strong>de</strong> junho duas exposições foram inauguradas e um novo sistema <strong>de</strong><br />
segurança foi instalado<br />
Rafaela Pereira<br />
fotos Marco Fernan<strong>de</strong>s<br />
te, procurando respeitar a diversida<strong>de</strong><br />
cultural da América Pré-colombiana. As<br />
culturas Chimú, Chancay, Inca, Huari,<br />
Tiahuanaco, Mochica, Nazca, Ichma e<br />
Lambayeque estão representadas pelos<br />
artefatos utilizados por esses povos em<br />
rituais da montanha e da costa, instrumentos<br />
musicais, além <strong>de</strong> cerâmicas.<br />
Os tecidos pré-colombianos são outro<br />
gran<strong>de</strong> atrativo, higienizados e acondicionados<br />
com o apoio da Vitae. Estão expostas<br />
também cestinhas para guardar utensílios<br />
<strong>de</strong> tecer com birros, fusos, agulhas <strong>de</strong><br />
osso, novelos <strong>de</strong> lã e <strong>de</strong> linha, exemplos<br />
dos diferentes pontos, materiais, cores e<br />
temas utilizados. Contudo, o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />
da mostra é a sala das mumificações,<br />
on<strong>de</strong> estão a múmia Aymara (exposta pela<br />
primeira vez); a múmia<br />
indígena brasileira <strong>de</strong> 600<br />
anos (doada a D. Pedro<br />
II); a múmia chilena do<br />
<strong>de</strong>serto do Atacama (que<br />
passou pelo processo mumificação<br />
natural a partir<br />
do frio e do tempo seco<br />
do <strong>de</strong>serto) e uma cabeça<br />
Jívaro (tribos amazônicas<br />
da região do Equador que<br />
<strong>de</strong>capitavam e encolhiam<br />
a cabeça <strong>de</strong> seus inimigos),<br />
que surpreen<strong>de</strong> pelo<br />
tamanho.<br />
Exposição permanente<br />
Quatro raríssimos<br />
afrescos <strong>de</strong> Pompéia<br />
são os <strong>de</strong>staques <strong>de</strong>ssa<br />
mostra. Parte da Coleção<br />
Arqueológica Imperatriz<br />
Teresa Cristina,<br />
pertencente ao Museu<br />
Nacional, essas peças<br />
formavam pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
um santuário <strong>de</strong> Pompéia,<br />
o Templo <strong>de</strong> Ísis, e<br />
foram trazidas para o Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro em 1855. Restaurados<br />
por uma equipe<br />
<strong>de</strong> italianos, chefiada<br />
por Pietro Tranchina, com a participação<br />
<strong>de</strong> técnicos do Museu Nacional, em<br />
2004, os afrescos retornam à exposição<br />
permanente do MN.<br />
A mostra reúne também painéis<br />
informativos com mapas da região<br />
mediterrânea e seis vitrines com artefatos<br />
<strong>de</strong> bronze, cerâmica, material <strong>de</strong><br />
tocador, estatuetas <strong>de</strong> terracota, uma<br />
ânfora <strong>de</strong> bronze e todo o restante da<br />
coleção greco-romana.<br />
Investindo em segurança<br />
Além das exposições, o Museu<br />
Nacional comemorou seu aniversário<br />
inaugurando um sistema <strong>de</strong> segurança<br />
mais mo<strong>de</strong>rno, com câmeras instaladas<br />
em diversas áreas do gran<strong>de</strong> palácio.<br />
Cerca <strong>de</strong> R$ 1 milhão está sendo investido<br />
nesse projeto e, segundo o diretor<br />
Sérgio Alex, o recurso veio do Instituto<br />
do Patrimônio Histórico e Nacional<br />
(Iphan), do Ministério da Cultura.<br />
Vítima <strong>de</strong> roubos em 2004, o Museu<br />
Nacional da <strong>UFRJ</strong> conta agora com câmeras<br />
no prédio principal e, segundo o<br />
diretor, até o final do ano, a segurança<br />
será reforçada com a instalação <strong>de</strong> roletas<br />
<strong>de</strong> controle ao acesso <strong>de</strong> visitantes e<br />
pesquisadores, câmeras no Horto e no<br />
prédio da biblioteca, e outras voltadas<br />
para a Quinta da Boa Vista.<br />
A equipe da direção ainda acena<br />
com novas exposições para este ano.<br />
De acordo com Sérgio Alex, em agosto<br />
será inaugurado o Salão dos Dinossauros,<br />
em outubro ocorrerá a reabertura<br />
do Corredor dos Mamíferos e a Sala<br />
da Baleia e, em <strong>de</strong>zembro, a reabertura<br />
do Bloco IV, on<strong>de</strong> se encontram as<br />
exposições <strong>de</strong> peixes e aves, fechadas<br />
há 15 anos.
20<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
Aula Magna Universida<strong>de</strong><br />
Joana Jahara<br />
Dia 20 <strong>de</strong> junho, durante o seminário<br />
Acesso e permanência dos estudantes<br />
<strong>de</strong> origem popular na <strong>UFRJ</strong>, promovido<br />
pelo projeto Conexões <strong>de</strong> Saberes da<br />
Secretaria <strong>de</strong> Educação Continuada,<br />
Alfabetização e Diversida<strong>de</strong> (Secad), do<br />
Ministério da Educação, a Pró-reitoria <strong>de</strong><br />
Extensão divulgou o resultado do perfil<br />
básico do estudante da <strong>UFRJ</strong>. O aumento<br />
do ingresso gradativo dos estudantes<br />
<strong>de</strong> extratos populares, entre os anos<br />
<strong>de</strong> 1997 e 2005 foi uma das principais<br />
constatações. Entre os objetivos da<br />
pesquisa está a oferta <strong>de</strong> subsídios para<br />
a reflexão e implementação das políticas<br />
públicas voltadas para a <strong>de</strong>mocratização<br />
do Ensino Superior.<br />
Quem são os estudantes<br />
da <strong>UFRJ</strong>?<br />
Pesquisa revela o perfil socioeconômico dos estudantes da <strong>UFRJ</strong>. Quantos são, on<strong>de</strong> moram e que curso freqüentam,<br />
foram algumas das questões abordadas pelo projeto Conexões <strong>de</strong> Saberes, da Pró-reitoria <strong>de</strong> Extensão (PR-5)<br />
Definindo conceitos<br />
Carmem Teresa Gabriel, professora do<br />
curso <strong>de</strong> História do Instituto <strong>de</strong> Filosofia<br />
e Ciências Sociais (IFCS) e coor<strong>de</strong>nadora<br />
do Conexões <strong>de</strong> Saberes da <strong>UFRJ</strong>,<br />
explica que para que se pu<strong>de</strong>sse chegar<br />
a uma discussão conceitual, primeiro foi<br />
preciso construir a categoria <strong>de</strong> análise<br />
do que é entendido como estudante<br />
<strong>de</strong> origem popular. “Depois <strong>de</strong> muita<br />
discussão escolhemos algumas variáveis<br />
para a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>sse estudante: o<br />
território, o espaço popular, o espaço<br />
on<strong>de</strong> esse estudante mora e como ele<br />
representa esse espaço; a escolarida<strong>de</strong><br />
dos pais – on<strong>de</strong> foi feito um corte até o<br />
ensino fundamental completo; a renda<br />
Democratização do acesso e políticas <strong>de</strong> permanência: anseio <strong>de</strong> um número cada vez maior <strong>de</strong> jovens<br />
familiar <strong>de</strong> até três Salários Mínimos; a<br />
trajetória do aluno, cor e etnia”, informa<br />
a professora.<br />
Dos 25.287 alunos que respon<strong>de</strong>ram<br />
à pesquisa on-line, o que correspon<strong>de</strong><br />
a 73,92% do total <strong>de</strong> estudantes ativos<br />
da <strong>UFRJ</strong>, apenas 7,93% constitui o<br />
universo <strong>de</strong> estudantes <strong>de</strong> origem<br />
popular, segundo critérios estabelecidos<br />
pela pesquisa. A partir <strong>de</strong>sse recorte o<br />
projeto também buscou saber em que<br />
cursos e turnos esses se encontram:<br />
Serviço Social, com 17% em relação<br />
aos ativos, Letras (Português/Literatura)<br />
com 16,2% e História com 13%. O curso<br />
<strong>de</strong> Direito tem 3,9% <strong>de</strong> seus alunos<br />
com esse perfil, Arquitetura, 3,2% e<br />
Medicina apresenta somente 0,5%.<br />
O turno da noite também é o mais<br />
procurado, on<strong>de</strong> 31,7% são oriundos <strong>de</strong><br />
camadas populares, número um pouco<br />
acima do da manhã, com 30,5%.<br />
Condições <strong>de</strong> permanência<br />
A <strong>de</strong>mocratização do acesso ao<br />
Ensino Superior para jovens <strong>de</strong> origem<br />
popular é uma das metas que vêm<br />
sendo perseguida pelo Ministério da<br />
Educação. Contudo, a permanência<br />
Francisco Potiguara Júnior,<br />
diretor da Secad, participante do<br />
seminário, reafirma a importância<br />
do Conexões: “um projeto pleno <strong>de</strong><br />
sentidos, que permite esse diálogo<br />
entre espaços tão distintos, mas que<br />
não são contraditórios”. Para ele, é<br />
preciso romper com a bipolarida<strong>de</strong> e<br />
com o dualismo <strong>de</strong> saberes e, “nessa<br />
lógica, quando nós vislumbramos<br />
uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> no século<br />
XXI, <strong>de</strong>vemos pensar em todas as<br />
possibilida<strong>de</strong>s relacionadas a uma<br />
formação. O ensinar e o apren<strong>de</strong>r<br />
estão juntos e não separados”.<br />
Potiguara Júnior sublinha que<br />
ensinar a conviver é fundamental<br />
para a formação geral dos seres<br />
h u m a n o s . “ A e s c o l a t e m q u e<br />
trabalhar para construir valores <strong>de</strong><br />
convivência, tolerância, respeito à<br />
diferença, humilda<strong>de</strong> e diversida<strong>de</strong>.<br />
Nós professores temos que apren<strong>de</strong>r<br />
a mediar conflitos, a enten<strong>de</strong>r a<br />
lógica da juventu<strong>de</strong> e a compreen<strong>de</strong>r<br />
o outro, seja ele <strong>de</strong> qualquer origem.<br />
É na escola que temos que nos<br />
sentir parte integrante do mundo”,<br />
afirma.<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
<strong>de</strong>ssa parcela significativa <strong>de</strong> jovens<br />
na universida<strong>de</strong> pública ainda é<br />
problemática, na medida em que a<br />
sua condição sócio-econômica impõe<br />
importante entrave para a continuida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> seus estudos.<br />
A proposta do seminário, assim, não<br />
foi apenas a <strong>de</strong> buscar mecanismos <strong>de</strong><br />
aumento do número <strong>de</strong>sses alunos na<br />
universida<strong>de</strong>. “Há centros e unida<strong>de</strong>s<br />
on<strong>de</strong> não se tem nenhum estudante <strong>de</strong><br />
origem popular, por outro lado, existem<br />
outros que estão concentrados. Além<br />
disso, temos que focar na permanência<br />
<strong>de</strong>sses alunos com qualida<strong>de</strong>, não<br />
somente para evitar a evasão, mas para<br />
que eles não sejam vistos como <strong>de</strong><br />
segunda or<strong>de</strong>m aqui <strong>de</strong>ntro”, explica<br />
Carmem Teresa.<br />
Déia Maria Ferreira dos Santos,<br />
superinten<strong>de</strong>nte geral <strong>de</strong> Graduação<br />
(SG-1), da Pró-reitoria <strong>de</strong> Graduação<br />
(PR-1), propõe a utilização <strong>de</strong> formas<br />
alternativas, como o Conexões, para<br />
incorporar à universida<strong>de</strong> os saberes<br />
que estão à margem da aca<strong>de</strong>mia.<br />
Atualmente, o Conexão <strong>de</strong> Saberes<br />
envolve 31 Instituições Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong><br />
Ensino Superior.<br />
Repensando o acesso<br />
Segundo ele, na lógica da globalização,<br />
a periferia não está distante. O primeiro<br />
e o último mundo convivem no mesmo<br />
espaço e na mesma universida<strong>de</strong>. “As<br />
universida<strong>de</strong>s públicas brasileiras <strong>de</strong>vem<br />
constituir processos que permitam<br />
soluções inteligentes para os problemas<br />
da contemporaneida<strong>de</strong>. O <strong>de</strong>safio<br />
é a<strong>de</strong>quar as estruturas internas à<br />
necessida<strong>de</strong> urgente da produção <strong>de</strong><br />
um conhecimento transdisciplinar, que<br />
integre também os espaços”, finaliza o<br />
diretor.<br />
Na opinião <strong>de</strong> Déia Ferreira,<br />
construímos uma nação <strong>de</strong> diferenças,<br />
on<strong>de</strong> as populações contribuem<br />
econômica e socialmente, mas continuam<br />
na periferia ficando <strong>de</strong> fora do local<br />
<strong>de</strong> construção dos gran<strong>de</strong>s saberes<br />
científicos. “Quando se fala, hoje, nos<br />
gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sequilíbrios da ação humana,<br />
ele é resultante <strong>de</strong> uma ação única, <strong>de</strong><br />
um mo<strong>de</strong>lo perverso que <strong>de</strong>termina<br />
quem são as pessoas e os comandos<br />
em <strong>de</strong>terminadas regiões. Para isso<br />
a universida<strong>de</strong> precisa ter uma ação<br />
imediata na forma <strong>de</strong> acesso, para,<br />
em seguida, garantir a permanência”,<br />
afirma.
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
21<br />
Desejo<br />
Cultura<br />
Desejo<br />
Desejo Desejo<br />
A representação do<br />
Kadu Cayres<br />
ilustração Patrícia Perez<br />
O erotismo na Arte tem sido visto como uma forma <strong>de</strong> manifestar, representar e perpetuar o <strong>de</strong>sejo humano<br />
Manifestar, traduzir ou interpretar o<br />
<strong>de</strong>sejo por meio <strong>de</strong> objetos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
do local ou período on<strong>de</strong> foram<br />
produzidos é <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> erotismo. Na<br />
Arte, alguns enfatizam que, muitas vezes,<br />
a representação <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sejo esbarra<br />
em sentimentos como prazer e dor, vida<br />
e morte, transcendência e imanência,<br />
reconhecimento e alienação, ou seja,<br />
dicotomias que estão na base da simbolização<br />
do erótico nas Artes Plásticas e na<br />
Literatura.<br />
Vladimir Machado, professor<br />
<strong>de</strong> Pintura da Escola<br />
<strong>de</strong> Belas Artes (EBA),<br />
da <strong>UFRJ</strong>, acredita que<br />
a relação entre erotismo,<br />
Artes Plásticas e a<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestar<br />
o <strong>de</strong>sejo, se dá, principal-<br />
mente, por três<br />
motivos: preocupação<br />
que a Arte tem em manter<br />
sempre ao alcance dos<br />
olhos o ausente; vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> transpor<br />
para o coletivo o <strong>de</strong>sejo abrigado na solitária<br />
consciência; e, por fim, trazer à<br />
presença o que está distante, para <strong>de</strong>leite<br />
e perpetuação, na imagem, do objeto que<br />
se afasta. “O gozo acabou, a mulher partiu,<br />
o tempo passou, a Garota <strong>de</strong> Ipanema passou,<br />
mas aquele instante ficou eternizado<br />
na poesia, na música e na pintura como<br />
uma espécie <strong>de</strong> prolongamento da vida”,<br />
afirma o professor a respeito da capacida<strong>de</strong><br />
que a Arte tem <strong>de</strong> eternizar objetos<br />
e momentos.<br />
Em sua opinião, a obra <strong>de</strong> arte erótica<br />
não substitui a experiência real, entretanto,<br />
sugere o que foi vivido e o que é possível<br />
talvez viver. “Ela tem esse po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
manter presente a promessa imaginária do<br />
antigo <strong>de</strong>sejo humano da realização plena<br />
dos instintos sexuais e amorosos,<br />
livres como os animais. Talvez por<br />
isso exista <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a pré-história da<br />
humanida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>staca Vladimir,<br />
que lembra a tragédia Grega da<br />
filha <strong>de</strong> Budapeste, que ao ver<br />
seu amado, marinheiro,<br />
partir em viagem, projeta<br />
sua sombra na pare<strong>de</strong> e<br />
traça, com carvão, sua silhueta,<br />
fixando em imagem,<br />
aquela ausência.<br />
Marcelo Jacques, professor <strong>de</strong><br />
Literatura Francesa da Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Letras (FL), da<br />
<strong>UFRJ</strong>, afirma que<br />
assim como nas artes<br />
plásticas, o erotismo<br />
também foi um gran<strong>de</strong><br />
tema para a Literatura.<br />
Sua relação com a transposição <strong>de</strong><br />
sentimentos se baseia numa espécie <strong>de</strong><br />
superação dos limites humanos, e isso,<br />
por sua vez, se assemelha à relação da<br />
Literatura com outros assuntos limítrofes<br />
como a violência e a morte. “As<br />
experiências eróticas na Literatura são<br />
calcadas na busca das fronteiras <strong>de</strong> si.<br />
Num primeiro momento, eu diria que o<br />
erotismo é um tema <strong>de</strong> interrogação do<br />
homem sobre outras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
sentido para própria existência. É alguma<br />
coisa que diz respeito à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
comunhão com o próximo”, avalia.<br />
Imaginação livre<br />
Tanto Vladimir Machado como Marcelo<br />
Jacques sustentam que o erotismo<br />
é uma ativida<strong>de</strong> que perpassa a cultura<br />
como um todo e não é privilégio <strong>de</strong> nenhuma<br />
época. “A Arte prolongou esse<br />
instante fugaz do gozo erótico, eternizando-o<br />
numa representação imaginária”,<br />
lembra Marcelo Jacques.<br />
Vladimir Machado crê que o Surrealismo<br />
foi o movimento artístico do século<br />
XX que melhor conseguiu elaborar<br />
o erotismo em Arte, <strong>de</strong> forma revolucionária<br />
e subversiva. “Esse movimento<br />
colocou a mulher como a musa da vida<br />
e das artes, como a que provoca a imaginação<br />
<strong>de</strong> todos os sonhos, os <strong>de</strong>satinos e<br />
os <strong>de</strong>sejos; a que enlouquece os homens e<br />
é o obscuro objeto do<br />
<strong>de</strong>sejo”, explica<br />
Machado.<br />
Segundo ele,<br />
o Surrealismo foi,<br />
por excelência, a<br />
corrente artística mo<strong>de</strong>rna<br />
da representação<br />
do irracional e do<br />
subconsciente. Suas<br />
origens remontam ao<br />
Dadaísmo e à pintura<br />
metafísica <strong>de</strong> Giorgio De<br />
Chirico. A problemática<br />
surrealista emerge todas as<br />
vezes que a imaginação se<br />
manifesta livremente, sem o freio do<br />
espírito crítico. O que vale é o impulso<br />
psíquico. Os surrealistas <strong>de</strong>ixam o<br />
mundo real para penetrarem no irreal,<br />
pois a emoção mais profunda tem a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se expressar quando<br />
se aproxima do fantástico, naquele<br />
<strong>de</strong>sconcertante ponto on<strong>de</strong> a razão<br />
humana per<strong>de</strong> o comando do discurso.<br />
Erotismo versus pornografia<br />
Diferentemente <strong>de</strong> “arte erótica”, <strong>de</strong><br />
“arte sexy” ou ainda <strong>de</strong> “sensualida<strong>de</strong><br />
na Arte”, para além da sensualida<strong>de</strong> e do<br />
erotismo, está a questão do sexo. Segundo<br />
Marcelo Jacques, o sexo, como força<br />
po<strong>de</strong>rosa tem movimentado o mundo,<br />
suscitado guerras, gerado negócios, provocado<br />
paixões avassaladoras, movimentos<br />
religiosos, crimes terríveis, poemas perfeitos.<br />
Enfim, tem sido o combustível da<br />
humanida<strong>de</strong> para a maior parte <strong>de</strong> suas<br />
ações, quase tudo o que se faz tem uma<br />
certa contraparte sexual. Quer seja pelo<br />
instinto da perpetuação da espécie, quer<br />
seja pelo <strong>de</strong>sejo, puro e simples, do sexo<br />
na vida. Portanto, será possível reproduzir<br />
o <strong>de</strong>sejo sexual através das artes, sem, no<br />
entanto, vulgarizá-lo? Existe diferença<br />
entre o erótico e o pornográfico?<br />
Para Vladimir Machado, as pinturas<br />
eróticas da <strong>de</strong>usa Vênus, na Mitologia<br />
Romana ou Afrodite, na Grega; as bacanais<br />
dionisíacas; o <strong>de</strong>us Zeus e suas conquistas<br />
sexuais (ambos gregos), são obras<br />
clássicas e sofisticadas que tratam do ato<br />
sexual. Logo, os limites entre erotismo<br />
e pornografia são difíceis, porém, não<br />
impossíveis <strong>de</strong> serem estabelecidos. “A<br />
Arte erótica possui uma diferença básica<br />
e fundamental: ela não é absolutamente<br />
explícita, não visa uma representação tal e<br />
qual a vida é. O erotismo na Arte – mesmo<br />
na Arte vulgar kitsch (exagero com mescla<br />
<strong>de</strong> vários estilos) ou pop (apropriação intencional<br />
<strong>de</strong> temas e imagens da cultura<br />
<strong>de</strong> massa) – lida sempre com o simbólico<br />
e o imaginário, com seus <strong>de</strong>slocamentos<br />
e fetiches. Sem imaginação, o ato sexual<br />
representado é pornografia”, explica o<br />
professor.<br />
Na Literatura, segundo Jacques, afirmar<br />
a diferença entre erotismo e pornografia é<br />
uma aposta que precisa ser refeita a cada<br />
momento. “Acredito ser muito difícil ler<br />
um texto e conseguir discernir o erótico<br />
do pornográfico. Isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito da<br />
sua estratégia <strong>de</strong> leitura, do sentido que<br />
aquilo produz no sujeito”, avalia, afirmando<br />
que antes <strong>de</strong> classificar um texto como<br />
pornográfico ou não, <strong>de</strong>ve-se avaliar os<br />
fins comerciais que o rondam.<br />
Erotismo, Arte e Psicanálise<br />
O erotismo na Arte po<strong>de</strong> ser visto<br />
como uma forma <strong>de</strong> expressar um <strong>de</strong>sejo<br />
reprimido? Para Theodor Lowenkron, psicanalista<br />
e professor do Departamento <strong>de</strong><br />
Psiquiatria e Medicina Legal da Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Medicina da <strong>UFRJ</strong>, a expressão “<strong>de</strong>sejo<br />
reprimido”, segundo a Psicanálise, é ina<strong>de</strong>quada<br />
para se referir ao erotismo na Arte.<br />
“O conceito <strong>de</strong> sublimação é mais preciso<br />
para compreen<strong>de</strong>r o erotismo nesse caso,<br />
pois é o processo postulado por Freud para<br />
explicar ativida<strong>de</strong>s humanas sem qualquer<br />
relação com a sexualida<strong>de</strong>”, explica o professor<br />
afirmando que o pai da Psicanálise<br />
<strong>de</strong>finiu como ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sublimação,<br />
por excelência, tanto a Arte como a investigação<br />
intelectual.<br />
Lowenkron <strong>de</strong>staca, também, que não<br />
<strong>de</strong>vemos partir <strong>de</strong> forças externas para<br />
nos referirmos ao <strong>de</strong>sejo sexual humano.<br />
Em sua opinião, na experiência clínica e<br />
na teoria psicanalítica, a sexualida<strong>de</strong> não<br />
<strong>de</strong>signa apenas as ativida<strong>de</strong>s e o prazer<br />
<strong>de</strong>rivado da cópula, mas toda uma série <strong>de</strong><br />
excitações mais amplas presentes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
infância.
22<br />
Kadu Cayres<br />
ilustração Anna Carolina Bayer<br />
Luta do bem contra o mal. Filho<br />
que <strong>de</strong>sconhece o pai<br />
biológico.<br />
Jovens que<br />
se apaixonam<br />
sem saber<br />
que são irmãos.<br />
Conflitos familiares.<br />
Amores possíveis<br />
e impossíveis.<br />
Todos esses são<br />
temas recorrentes<br />
nas telenovelasbrasileiras,<br />
que têm<br />
como paradigma<br />
o melodrama<br />
– drama popular,<br />
muitas vezes acompanhado<br />
por melodia, caracterizado pela<br />
complexida<strong>de</strong> das intrigas e das situações,<br />
pela multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> episódios.<br />
Ou seja, uma narrativa em que os temas<br />
são repetitivos.<br />
De uns tempos para cá, essa temática<br />
renitente vem incomodando alguns telespectadores<br />
brasileiros, que alegam<br />
existir certo <strong>de</strong>sgaste na fórmula. Na<br />
opinião da publicitária, e noveleira<br />
assumida, porém crítica, Andréia<br />
Castro, “assistir uma novela equivale a<br />
dizer que já assistiu todas, pois enredos e<br />
personagens se repetem e, às vezes, com<br />
o mesmo nome”.<br />
A antropóloga Ilana Strozenberg,<br />
professora do Programa Avançado <strong>de</strong><br />
Cultura Contemporânea (PACC), do<br />
Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura (FCC), da<br />
<strong>UFRJ</strong>, discorda. Segundo ela, a fórmula<br />
não está <strong>de</strong>sgastada porque as telenovelas<br />
têm como característica fundamental<br />
a flexibilida<strong>de</strong>, que permite ao enredo<br />
tomar rumos diversos ao longo <strong>de</strong> seu<br />
<strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Padrão redundante<br />
Professor do Departamento<br />
<strong>de</strong> Expressões e Linguagens<br />
da Escola<br />
<strong>de</strong> Comunicação<br />
(ECO), da <strong>UFRJ</strong>,<br />
Fernando Fragozo,<br />
não sabe dizer se há<br />
ou não <strong>de</strong>sgaste.<br />
Ele simplesmente<br />
aponta que a telenovela<br />
trabalha<br />
com elementos básicos<br />
da narrativa,<br />
ou seja, com um conjunto<br />
<strong>de</strong> procedimentos<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
Cultura<br />
Um melodrama<br />
DESGASTADO<br />
A telenovela brasileira – fórmula calcada no melodrama – po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um mo<strong>de</strong>lo ultrapassado?<br />
– direção e montagem –, reelaborados,<br />
para contar histórias. Logo, afirmar um<br />
suposto <strong>de</strong>sgaste seria o mesmo que<br />
afirmar que a narrativa clássica está<br />
ultrapassada.<br />
Fernando segue dizendo que toda<br />
telenovela convive com padrões<br />
redundantes que, paradoxalmente,<br />
conflita com os índices <strong>de</strong> elevada<br />
audiência. “As pessoas reclamam,<br />
mas assistem. Hoje,<br />
uma novela do horário<br />
nobre estréia com 60<br />
pontos <strong>de</strong> audiência,<br />
na escala do Ibope”,<br />
constata o professor.<br />
Heloísa Buarque <strong>de</strong><br />
Holanda, professora <strong>de</strong><br />
Teoria da Cultura, também<br />
da ECO, não acredita<br />
no <strong>de</strong>sgaste. “Muito<br />
pelo contrário, acho que está<br />
cada vez mais se renovando graças<br />
à evolução <strong>de</strong> seu padrão técnico”, sublinha<br />
a professora, que afirma ter, a telenovela,<br />
um estilo próprio que se não <strong>de</strong>sse<br />
certo, não existiria há tanto tempo. Ela<br />
t a m b é m<br />
se permite<br />
falar do<br />
ponto <strong>de</strong><br />
vista da<br />
expectadora, por se recusar em ser “intelectual<br />
diante da tela”, dizendo-se apaixonada<br />
por telenovela e que “seria uma<br />
perda pavorosa raciocinar sobre ela”.<br />
A repetição dos temas, na visão <strong>de</strong><br />
Ilana Strozenberg, é importante,<br />
na medida em que faz parte do<br />
imaginário Oci<strong>de</strong>ntal. Para ela,<br />
afirmar que a telenovela esteja<br />
<strong>de</strong>sgastada, é o mesmo que<br />
dizer que o Mito <strong>de</strong> Édipo e<br />
a história do amor estão, também,<br />
gastos: “a repetição tem<br />
uma função <strong>de</strong>stacável para<br />
o telespectador. Assim como a<br />
socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo procura<br />
sempre a inovação – Edgard Morin,<br />
em Cultura <strong>de</strong> Massa no Século<br />
XX (Forense, 1967), afirma<br />
que a socieda<strong>de</strong> da Indústria<br />
Cultural oscila entre dois pólos:<br />
padronização e inovação<br />
– necessita, também, que toda<br />
mudança esteja inserida num<br />
<strong>de</strong>terminado padrão.”<br />
Heloísa Buarque afirma, ainda,<br />
que a redundância na temática, numa<br />
obra extensa<br />
como essa, não<br />
é novida<strong>de</strong>. Isso<br />
acontece também<br />
na Literatura:<br />
“basta<br />
ler um<br />
livro<br />
do Fernando<br />
Sabino,<br />
que já leu<br />
todos”.<br />
Concordando com a publicitária<br />
Andréia Castro, o roteirista Hugo<br />
Moss, autor <strong>de</strong> Como formatar o seu<br />
roteiro -– um pequeno guia <strong>de</strong> master<br />
scenes (Aeroplano Editora, 2002), lembra<br />
que o que se faz na telenovela é o contrário<br />
do que <strong>de</strong>veria ser feito em qualquer<br />
arte. “Presencio bastante o fato <strong>de</strong> uma<br />
história que po<strong>de</strong> ser contada em dois,<br />
seis meses, um ano. Isso é o inverso do<br />
que se faz em qualquer obra artística,<br />
que prioriza a concisão, ou seja,<br />
o maior número <strong>de</strong> informação<br />
num curto espaço”, constata o<br />
roteirista.<br />
M o s s c o n d e n a ,<br />
também, a monotonia<br />
que ronda as tramas<br />
novelescas atuais, mas<br />
se diz admirado com o trabalho<br />
dos roteiristas “que conseguem<br />
escrever <strong>de</strong>sse jeito. A tarefa do<br />
contador <strong>de</strong> história é enxugar<br />
o excesso <strong>de</strong> elementos, é<br />
fazer o melhor com menos.<br />
E na telenovela o excesso é<br />
o que dá sentido à obra”,<br />
explica, sublinhando que<br />
por conta da mesmice,<br />
acompanhar uma novela<br />
duas vezes por semana, é<br />
o suficiente para compreen<strong>de</strong>r<br />
toda a história.<br />
Para explicar o fato <strong>de</strong><br />
as pessoas reclamarem, mas<br />
assistirem, a professora Heloísa<br />
Buarque estabelece uma comparação<br />
com o cinema. Segundo<br />
ela, ver telenovela não é o mesmo que ir<br />
ao cinema, pelo simples motivo <strong>de</strong> que<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
outros fatores influenciam<br />
essa <strong>de</strong>cisão<br />
como, por exemplo,<br />
o filme ou o<br />
diretor. “Quando<br />
alguém vai ver um<br />
filme, vai para contemplar<br />
aquilo que<br />
lhe foi eleito. Já na<br />
novela ocorre o contrário.<br />
O expectador a recebe, e o máximo<br />
que ele escolhe é o horário”, constata a<br />
professora.<br />
O papel da telenovela na construção da socieda<strong>de</strong><br />
Para Ilana Strozenberg, o papel da<br />
telenovela é fundamental para a cultura,<br />
porém não produz a realida<strong>de</strong> brasileira.<br />
Em sua opinião, o que existe é um diálogo<br />
em que, por um lado, os autores têm<br />
a preocupação <strong>de</strong> estarem atentos ao que<br />
acontece; e por outro, jogam luz sobre<br />
<strong>de</strong>terminados aspectos da socieda<strong>de</strong>,<br />
enfatizando questões que, por estarem<br />
nas telas <strong>de</strong> TV, circulam com muita<br />
facilida<strong>de</strong>.<br />
“Acho que a novela põe no campo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>bate as situações que registra e<br />
representa, fazendo com que se tornem<br />
parte do diálogo social. Não é que essas<br />
circunstâncias não existissem antes, elas<br />
apenas ganham mais notorieda<strong>de</strong>”, explica<br />
Ilana, ressaltando que a importância<br />
<strong>de</strong>sse aspecto, “está no fato <strong>de</strong> a novela<br />
estabelecer um vínculo com a idéia <strong>de</strong><br />
nacionalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> imaginário social sobre<br />
o Brasil”.
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
Joana Jahara<br />
Cultura<br />
A Literatura ainda não<br />
entrou em campo<br />
A produção dos escritores brasileiros que incorpora a temática do futebol<br />
continua marginal em relação à importância que o esporte ganhou. Algumas das<br />
razões que explicam esse <strong>de</strong>sinteresse são o preconceito da socieda<strong>de</strong> em relação à<br />
popularização do esporte, que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser apenas uma ativida<strong>de</strong> da elite e passou<br />
a ser praticado por extratos sociais mais amplos, e a origem da intelectualida<strong>de</strong><br />
brasileira, distante da nossa realida<strong>de</strong> e mais interessada no berço europeu. Embora<br />
hoje esse quadro tenha sofrido modificações consi<strong>de</strong>ráveis, são ainda poucas as<br />
produções artístico-literárias, como contos, romances e crônicas sobre o futebol.<br />
Contemporâneo às transformações que, no<br />
início do século XX, apontavam para uma mo<strong>de</strong>rnização<br />
política, social e cultural no país, a<br />
popularização do futebol conviveu com a transição<br />
entre duas gerações literárias brasileiras. Bernardo<br />
Borges Buarque <strong>de</strong> Hollanda, doutor em História<br />
Social, autor do livro O <strong>de</strong>scobrimento do futebol:<br />
mo<strong>de</strong>rnismo, regionalismo e paixão esportiva em<br />
José Lins do Rego (Edições Biblioteca Nacional,<br />
2005), explica que, enquanto os autores filiados<br />
às correntes parnasianas, naturalistas e realistas<br />
foram contemporâneos do processo <strong>de</strong> implantação<br />
do futebol no Brasil, na virada do século XIX<br />
para o século XX, os mo<strong>de</strong>rnistas vivenciaram um<br />
período em que este esporte havia se popularizado<br />
e se tornado uma paixão nacional. “Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />
Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Antônio <strong>de</strong> Alcântara<br />
Machado, expoentes do Mo<strong>de</strong>rnismo paulista, vão<br />
<strong>de</strong>screver o futebol na ambiência das transformações<br />
urbanas que passava o país”, afirma. Antes<br />
<strong>de</strong>les, Lima Barreto havia percebido os impasses<br />
daquela transição. Ele criou uma Liga contra o Futebol,<br />
porque não acreditava na penetração social<br />
do esporte e o via como uma das formas <strong>de</strong> continuação,<br />
em outros mol<strong>de</strong>s, da tradição autoritária<br />
do regime escravista do Império. Demonstrava<br />
paixão pelo que fosse genuinamente brasileiro, e<br />
pensava o futebol como um esporte intruso.<br />
Expressão trágica<br />
Ronaldo Pereira Lima Lins, professor <strong>de</strong> Teoria<br />
Literária e diretor da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da <strong>UFRJ</strong>,<br />
analisa a exígua presença do tema em nossa literatura.<br />
“É uma boa questão a ser pensada. Sabemos<br />
da confiança que o Brasil ganhava, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
século XIX, sendo consi<strong>de</strong>rado o país do futuro.<br />
O otimismo se inscreveu na i<strong>de</strong>ologia, mas, apesar<br />
disso, a expressão artística nunca foi compatível<br />
com essa confiança, porque o balanço que faz<br />
<strong>de</strong>ssa expressão é <strong>de</strong> caráter trágico, e isso é no<br />
mundo inteiro. O futebol constitui o <strong>de</strong>pósito<br />
das alegrias, das esperanças, das emoções, mas a<br />
literatura não compartilha esses sentimentos. É<br />
o caso <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis, em Memórias póstumas<br />
<strong>de</strong> Brás Cubas (1881), on<strong>de</strong>, em um trecho<br />
aparentemente leve, <strong>de</strong> repente solta a frase: ‘Não<br />
tive filhos. Não <strong>de</strong>ixei a outrem o legado <strong>de</strong> nossa<br />
miséria’, avalia o professor.<br />
Graciliano Ramos constrói um amálgama <strong>de</strong><br />
angústia e tragédia social e, freqüentemente, atribui<br />
ao futebol importante papel na formação da<br />
cultura contemporânea brasileira. “É o panorama<br />
que ele mostra do Brasil. Dizia que a rasteira era<br />
um esporte nacional por excelência. Em A crônica<br />
do valente Parintins (1963), <strong>de</strong> Ewelson Soares<br />
Pinto, chega-se ao questionamento se o futebol<br />
vai salvar o personagem, que se torna jogador,<br />
da história da frau<strong>de</strong>. Ou seja, essa reflexão não<br />
vai ser propriamente <strong>de</strong> alegria e realização dos<br />
homens”, afirma o professor.<br />
Sobrevôos literários<br />
Mesmo escritores como José Lins do Rego,<br />
que começavam a ver o futebol como matériaprima<br />
<strong>de</strong> suas obras, não focaram o assunto nos<br />
romances, e apenas <strong>de</strong>ram <strong>de</strong>staque a ele em suas<br />
crônicas e ensaios. “Em dois romances, Água-mãe<br />
(1941) e Eurídice (1947), o futebol faz-se presente,<br />
ainda que não tenha ocupado o lugar central do<br />
enredo. As crônicas esportivas foram um tema<br />
privilegiado por José Lins do Rego. Acredito que<br />
no romance, por se tratar <strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong> maior<br />
sofisticação, menos propícia a experimentações,<br />
o futebol tenha tido uma incidência menor. Mas,<br />
ainda assim é possível pincelar, aqui e ali, autores<br />
que trabalharam o futebol em sentido romanesco,<br />
como Marques Rebelo”, afirma Bernardo<br />
Buarque.<br />
É através das crônicas e da imprensa esportiva<br />
recém-estruturada que se po<strong>de</strong>, porém, resgatar<br />
como o futebol daquele tempo era percebido pela<br />
população. Visto com <strong>de</strong>sconfiança ou exaltado<br />
como expressão da nacionalida<strong>de</strong>, o esporte ganhou,<br />
pouco a pouco, espaço na mídia, fazendo<br />
com que a crônica jornalística, não raro, adquirisse<br />
condição <strong>de</strong> produção literária. “A crônica é um<br />
gênero que não entra propriamente entre os clássicos<br />
da literatura, porque ela está condicionada<br />
ao veículo. E o que a <strong>de</strong>fine é a leveza, o fato cotidiano”,<br />
sublinha Ronaldo Lima Lins. Na difusão<br />
<strong>de</strong> gêneros literários, Bernardo Buarque ressalta<br />
que “na primeira meta<strong>de</strong> do século XX, muitos romancistas<br />
tinham nos periódicos seu único ofício<br />
e meio <strong>de</strong> sobrevivência”.<br />
Apropriado pela crônica<br />
Foi, sem dúvida, na crônica que o futebol<br />
ganhou maior expressão literária. Os olhos experientes<br />
<strong>de</strong> alguns escritores amantes do tema<br />
flagraram momentos únicos do esporte brasileiro.<br />
“Nelson Rodrigues marcou época ao <strong>de</strong>screver os<br />
acontecimentos do mundo da bola porque as suas<br />
crônicas eram engraçadas. Chamava, por exemplo,<br />
o jogador Amarildo (que substituiu Pelé na Copa do<br />
Mundo <strong>de</strong> 1962) <strong>de</strong> “O possesso”, trazia Dostoievski<br />
para o comentário, e isso era inovador para a<br />
época. Mas, é preciso ressaltar que o envolvimento<br />
nacional quando o Brasil sediou a Copa do Mundo<br />
<strong>de</strong> 1950, <strong>de</strong>u frutos para a relevância do futebol na<br />
crônica”, <strong>de</strong>staca Ronaldo Lima Lins.<br />
Rio nacional, Rio local: mitos<br />
e visões da crise carioca e<br />
fluminense<br />
Mauro Osorio<br />
Editora Senac<br />
2005, 296 páginas<br />
23<br />
Para ler<br />
D o s m e i o s à s m e d i a ções:<br />
c o m u n i c a ç ã o , c u l t u r a e<br />
hegemonia<br />
Jesus Martin-Barbero<br />
Editora <strong>UFRJ</strong>, 2ª edição<br />
2003, 372 páginas<br />
Martin-Barbero <strong>de</strong>senvolve, sem<br />
dúvida, uma das mais originais e fecundas<br />
reflexões sobre os processos<br />
<strong>de</strong> comunicação contemporâneos.<br />
Espanhol radicado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1963 na<br />
Colômbia, sua obra se caracteriza<br />
pela incorporação crítica <strong>de</strong> contribuições<br />
oriundas dos mais diversos<br />
campos do conhecimento, como o da sociologia, o da economia<br />
e o da história e por trazer o <strong>de</strong>bate para a realida<strong>de</strong> latino-americana.<br />
Entre os estudiosos brasileiros suas teses vêm obtendo<br />
aceitação, contribuído significativamente para compreen<strong>de</strong>r as<br />
contradições <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>rnização compulsória, que atribui<br />
papel expressivo aos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, ao mesmo<br />
tempo em que perpetua <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais gritantes.<br />
Livro seminal não apenas para o estudo das formas contemporânea<br />
da comunicação, Dos meios às mediações <strong>de</strong>sloca<br />
a ênfase até então atribuída à crítica, em geral excessivamente<br />
unilaterais e redutoras, dos impactos dos produtos da indústria<br />
cultural e da transformação da cultura em mercadoria, cujo paradigma<br />
remonta à Escola <strong>de</strong> Frankfurt, e resgata o dado crucial<br />
da recepção. Ou seja, os sujeitos sociais são fundamentais para<br />
o entendimento da comunicação massiva e não <strong>de</strong>positários<br />
passivos <strong>de</strong> sentidos que lhes antece<strong>de</strong>m. A partir daí, enfatiza<br />
as inter-relações que tecem emissores e receptores e os fatores<br />
intervenientes nessa relação, bem como nas formas <strong>de</strong> apropriação<br />
e (re)significação <strong>de</strong> sentidos que freqüentam a pluralida<strong>de</strong><br />
dos discursos contemporâneos. Em outras palavras, o conceito<br />
<strong>de</strong> mediações avançado por Martin-Barbero possibilita captar o<br />
processo <strong>de</strong> comunicação por inteiro, em sua complexida<strong>de</strong> internacional,<br />
e evita absolutizar a intencionalida<strong>de</strong> dos meios.<br />
A partir <strong>de</strong>sse mapa conceitual, Martin-Barbero discute a<br />
emergência dos conceitos <strong>de</strong> povo e massa na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e<br />
as matrizes histórica da mediação <strong>de</strong> massa na América Latina,<br />
com <strong>de</strong>staque para as relações entre as massas e a mídia e os<br />
condicionamentos mútuos na produção e inversão <strong>de</strong> sentidos.<br />
A região, pela sua diversida<strong>de</strong>, se transforma em lugar privilegiado<br />
<strong>de</strong> pesquisa.<br />
Uma importante conseqüência <strong>de</strong>sse percurso é, na contramão<br />
das abordagens funcionalistas e estruturalistas, o resgate<br />
do popular como um espaço importante para se compreen<strong>de</strong>r os<br />
processos comunicacionais e culturais em curso na contemporaneida<strong>de</strong>.<br />
O massivo não anula o popular na produção da cultura.<br />
Ao contrário, elementos da dimensão popular conseguem se infiltrar<br />
no massivo, mantendo sua tradição e cultura, o que leva a<br />
constituição <strong>de</strong> uma heterogeneida<strong>de</strong> – uma mestiçagem cultural<br />
– com valores, crenças e formatos que, não raro, se opõem.<br />
Uma contribuição por certo necessária ainda que, como<br />
aponta Néstor Garcia Canclini no prefácio, distante da complacência<br />
satisfeita que perpassa parte das análises da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />
neoliberal.<br />
Principal centro cultural, político,<br />
econômico e financeiro do Brasil, o<br />
papel do Rio <strong>de</strong> Janeiro como espaço<br />
hegemônico <strong>de</strong> articulação nacional, vai<br />
sofrer com a transferência, em 1960, da<br />
capital fe<strong>de</strong>ral para Brasília uma fratura<br />
institucional cuja abrangência será percebida apenas duas décadas<br />
<strong>de</strong>pois, quando a crise econômica dos anos 1980 interromperá a<br />
trajetória <strong>de</strong> crescimento que o país vinha experimentando ao longo<br />
do século XX. Mauro Osório, economista com doutorado em Planejamento<br />
Urbano e Regional pelo Ippur e, atualmente, professor da<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da <strong>UFRJ</strong>, sustenta, porém, a existência <strong>de</strong> uma<br />
crise específica da cida<strong>de</strong> e da “Velha Província”, – a área do antigo<br />
Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro polarizada por ela. O pano <strong>de</strong> fundo: a<br />
transferência paulatina <strong>de</strong> serviços fe<strong>de</strong>rais seguida por uma crise<br />
fiscal do Estado brasileiro que fragiliza ainda mais o investimento<br />
público na região, crucial para sustentar o seu dinamismo.<br />
Após discutir como a capitalida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong> se constituiu e<br />
como foram se forjando suas articulações econômicas com a Velha<br />
Província, ou seja, o Rio Nacional, Osorio se <strong>de</strong>bruça sobre<br />
o segundo termo do título, o <strong>de</strong> uma nova institucionalida<strong>de</strong><br />
marcada pela transformação do distrito fe<strong>de</strong>ral em Estado da<br />
Guanabara. O resultado é um impressionante painel das visões e<br />
estratégias que informaram os dois primeiros governos eleitos do<br />
recém-criado Estado: o <strong>de</strong> Carlos Lacerda, <strong>de</strong> 1960 a 1965, que<br />
assumiu após o governo provisório <strong>de</strong> Sette Câmara, nomeado<br />
por Juscelino Kubitschek para o interregno entre a transferência<br />
da capital e as eleições em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1960; e o <strong>de</strong> Negrão <strong>de</strong><br />
Lima, <strong>de</strong> 1965 a 1971.<br />
Há importantes continuida<strong>de</strong>s sublinhadas por Mauro Osorio.<br />
Entre elas, a ênfase atribuída à mo<strong>de</strong>rnização urbana, concebida<br />
equivocadamente como capaz <strong>de</strong>, por si mesma, reafirmar a “centralida<strong>de</strong><br />
carioca” e a uma política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento com foco<br />
na indústria, em especial na articulação <strong>de</strong> distritos industriais,<br />
que também não teve frutos duradouros. Esses primeiros governos<br />
foram, portanto, incapazes <strong>de</strong> (re)construir um perfil a<strong>de</strong>quado<br />
para a região que acabou presa, até nossos dias, <strong>de</strong> uma “lógica<br />
circular negativa” – feliz expressão <strong>de</strong> Myrdall.
24<br />
Jornal da<br />
<strong>UFRJ</strong><br />
Personalida<strong>de</strong><br />
João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto<br />
A poesia como carnadura concreta<br />
Coryntho Bal<strong>de</strong>z<br />
ilustração Jefferson Nepomuceno<br />
“O problema do poeta é fazer um poema poético. Ele perfuma a<br />
flor.” A <strong>de</strong>sconcertante imagem antilírica é <strong>de</strong> João Cabral <strong>de</strong> Melo<br />
Neto (1920-1999), um artesão da palavra, o poeta brasileiro que conseguiu<br />
imprimir em seus versos a exata dicção da pedra. Coerente com<br />
a idéia <strong>de</strong> que lhe bastava a realida<strong>de</strong> externa como matéria-prima,<br />
teceu, com paciência <strong>de</strong> ourives, versos secos e racionais. Conta-se<br />
que lapidou um <strong>de</strong> seus poemas, “Tecendo a manhã”, por mais <strong>de</strong><br />
quatro anos.<br />
Aquele que tentou livrar sua obra <strong>de</strong> si próprio – ou do “perfume”<br />
da sua subjetivida<strong>de</strong> – representa um divisor <strong>de</strong> águas na poesia<br />
brasileira. “Ele diferenciou-se tanto da índole metafísica da geração<br />
<strong>de</strong> 1945, a que pertence, quanto do envelhecimento das fórmulas<br />
vanguardistas propagadas pela geração do Mo<strong>de</strong>rnismo”, afirma<br />
Antonio Carlos Secchin, professor titular <strong>de</strong> Literatura Brasileira da<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da <strong>UFRJ</strong>. Para ele, João Cabral ombreia-se, no<br />
plano internacional, com os maiores nomes da poesia mundial da<br />
segunda meta<strong>de</strong> do século XX.<br />
Consistência formal<br />
Ao <strong>de</strong>scobrir Cabral fora do Brasil, em 1977, quando, recém-formado<br />
pela <strong>UFRJ</strong>, foi dar aulas em Bor<strong>de</strong>aux, França Secchin – membro<br />
da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2004 e autor <strong>de</strong> vários livros<br />
sobre a obra do escritor pernambucano – ficou fascinado com a complexida<strong>de</strong><br />
da sua poesia. As qualida<strong>de</strong>s que mais o cativaram foram a<br />
consistência formal, a aposta em um projeto geral <strong>de</strong> obra – para além<br />
<strong>de</strong> poemas ou livros singulares – e a revitalização <strong>de</strong> formas arcaicas<br />
e esquecidas. O “Auto <strong>de</strong> Natal”, por exemplo, que remonta à Ida<strong>de</strong><br />
Média, ganhou força notável em Morte e Vida Severina (1956)– que<br />
comemora 50 anos <strong>de</strong> publicação este ano.<br />
Com a especificação do autor <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> um “Auto <strong>de</strong> Natal<br />
pernambucano”, é um poema dramático que conta a via crucis <strong>de</strong> um<br />
retirante que apenas encontra a morte, ao fugir do flagelo da seca,<br />
mas vê a vida reafirmada, ainda que esquálida e provisória, com o<br />
nascimento <strong>de</strong> uma criança. Em 1966, adaptado para o teatro e<br />
musicado por Chico Buarque, fez sucesso em palcos da Europa e<br />
do Brasil.<br />
O processo <strong>de</strong> criação do poeta, para Antonio Carlos Secchin,<br />
ligava-se à sua “conhecida apologia da inteligência, em<br />
<strong>de</strong>trimento do mero surto da inspiração”. Conta ele que João<br />
Cabral – com quem conviveu <strong>de</strong> perto – gostava <strong>de</strong> lançarse<br />
a <strong>de</strong>safios extremos, pois <strong>de</strong>sconfiava <strong>de</strong> tudo que lhe<br />
brotasse rápido <strong>de</strong>mais. Indagado sobre a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> classificação literária da obra <strong>de</strong> Cabral, o professor<br />
da <strong>UFRJ</strong> é taxativo: “ela inaugura uma nova perspectiva<br />
<strong>de</strong> pensar o poema, <strong>de</strong>svinculando-o do lirismo a<br />
que a tradição nos acostumara”. Para Secchin, os poemas<br />
do pernambucano têm mais lastro na antiga literatura espanhola<br />
do que na tradição da poesia em língua portuguesa.<br />
Em nossas letras – <strong>de</strong> acordo com ele – talvez o parente<br />
mais próximo <strong>de</strong> João Cabral seja Graciliano Ramos,<br />
“pela concisão e pela secura referencial e lingüística<br />
encontrada na obra <strong>de</strong> ambos”.<br />
Origens<br />
Natural <strong>de</strong> Recife (PE), João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto<br />
nasce em 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1920 e passa a infância em<br />
engenhos <strong>de</strong> açúcar. Primo <strong>de</strong> Manuel Ban<strong>de</strong>ira e<br />
Gilberto Freyre, não refuga o parentesco literário e,<br />
aos 18 anos, começa a freqüentar a roda literária do<br />
Café Lafayette, on<strong>de</strong> marcavam ponto jovens intelectuais,<br />
como o escritor Lêdo Ivo e o pintor Vicente<br />
do Rego Monteiro. O seu primeiro livro, Pedra do<br />
Sono, publicado em 1942, recebe elogios do crítico<br />
literário Antonio Cândido, que enxerga na obra<br />
influências surrealistas e cubistas.<br />
Depois <strong>de</strong> ingressar no Instituto Rio Branco,<br />
em 1945, Cabral conhece, como diplomata,<br />
cida<strong>de</strong>s do mundo inteiro. Mas é Sevilha<br />
(Espanha) que adota como segunda cida<strong>de</strong><br />
natal. Arrebatado pela paisagem da Sevilha<br />
dos bairros populares, <strong>de</strong>dica à cida<strong>de</strong><br />
os Poemas sevilhanos (Nova Fronteira,<br />
1992). Na Espanha – on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sembarca<br />
em 1947 – faz amiza<strong>de</strong> com artistas<br />
como Joan Brossa e o aclamado pintor<br />
Joan Miró, à época proibido <strong>de</strong><br />
expor seu trabalho pela ditadura<br />
franquista.<br />
Já no Consulado Geral <strong>de</strong><br />
Londres, em 1950, publica<br />
O cão sem plumas (José Olympio, 3a. ed., 1979), um impressionante<br />
retrato da geografia física e humana do rio que corta a sua<br />
Recife – o Capibaribe.<br />
Perseguição e premiação<br />
Em 1952, respon<strong>de</strong> a inquérito no Brasil sob a acusação <strong>de</strong> “subversão”<br />
e tem ativida<strong>de</strong>s e vencimentos suspensos pelo Itamaraty. Após<br />
o arquivamento do inquérito, em 1954, vai para Pernambuco com a<br />
família. No ano seguinte, recebe o Prêmio Olavo Bilac da Aca<strong>de</strong>mia<br />
Brasileira <strong>de</strong> Letras e, em 1956, a editora José Olympio publica Duas<br />
águas, que reúne as obras anteriores e os inéditos Morte e vida Severina,<br />
Paisagens com figuras e Uma faca só lâmina.<br />
Depois <strong>de</strong> reintegrado ao Itamaraty, por <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal<br />
Fe<strong>de</strong>ral (STF), volta a condição <strong>de</strong> diplomata andarilho. Como<br />
conselheiro junto às Nações Unidas, em Genebra, no ano <strong>de</strong> 1964,<br />
tem a alegria <strong>de</strong> ver nascer seu quinto e último filho.<br />
Pelo livro A educação pela pedra (1966), João Cabral recebe, entre<br />
outros, um dos mais importantes prêmios literários do país: o Jabuti.<br />
Não por acaso é eleito para a Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras (ABL),<br />
na vaga <strong>de</strong> Assis Chateaubriand, em 15 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1968. Nos anos<br />
seguintes, continua <strong>de</strong>monstrando o rigor formal que o fazia um “engenheiro”<br />
<strong>de</strong> versos em obras como Museu <strong>de</strong> tudo (Nova Fronteira,<br />
1975), A escola das facas (José Olympio, 1980), Auto do fra<strong>de</strong> (1984),<br />
Agrestes (1985), Sevilha andando (1990) e Andando Sevilha (1994),<br />
todos pela Nova Fronteira.<br />
Na década <strong>de</strong> 1990, João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto, já aposentado,<br />
convive com problemas físicos e crises <strong>de</strong>pressivas. As terríveis dores<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />
<strong>de</strong> cabeça que o atormentavam eram combatidas com analgésicos; a<br />
melancolia, com remédios importados. Aos poucos, per<strong>de</strong> a visão e<br />
passa a viver na penumbra, em seu apartamento no bairro do Flamengo,<br />
na companhia da segunda esposa, a poeta Marly <strong>de</strong> Oliveira,<br />
recebendo apenas a visita dos filhos e <strong>de</strong> raros amigos – entre eles<br />
Secchin – até a sua morte, em 9 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1999.<br />
A educação pela pedra<br />
(João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto)<br />
Uma educação pela pedra: por lições;<br />
para apren<strong>de</strong>r da pedra, freqüentá-la;<br />
captar sua voz inenfática, impessoal<br />
(pela <strong>de</strong> dicção ela começa as aulas).<br />
A lição <strong>de</strong> moral, sua resistência fria<br />
ao que flui e a fluir, a ser maleada;<br />
a <strong>de</strong> poética, sua carnadura concreta;<br />
a <strong>de</strong> economia, seu a<strong>de</strong>nsar-se compacta:<br />
lições da pedra (<strong>de</strong> fora para <strong>de</strong>ntro,<br />
cartilha muda), para quem soletrá-la.<br />
Outra educação pela pedra: no Sertão<br />
(<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro para fora,<br />
e pré-didática).<br />
No Sertão a pedra<br />
não sabe lecionar,<br />
e se lecionasse,<br />
não ensinaria nada;<br />
lá não se apren<strong>de</strong><br />
a pedra: lá a pedra,<br />
uma pedra <strong>de</strong><br />
nascença,<br />
entranha<br />
a alma.<br />
*