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Junho de 2006 - UFRJ

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Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

http://www.jornal.ufrj.br<br />

Gabinete do Reitor – Coor<strong>de</strong>rnadoria <strong>de</strong> Comunicação da <strong>UFRJ</strong> • Divisão <strong>de</strong> Mídias Impressas • Serviço <strong>de</strong> Jornalismo Impresso • Ano 2 – nº 17 • <strong>Junho</strong> <strong>de</strong> <strong>2006</strong><br />

Um físico e cidadão brasileiro<br />

Um dos pais da Física mo<strong>de</strong>rna brasileira, José Leite Lopes faleceu<br />

dia 12 <strong>de</strong> junho. Professor Emérito da <strong>UFRJ</strong>, seu esforço intelectual<br />

não está circunscrito apenas à compreensão da natureza das partículas<br />

subatômicas, foi, também, um importante <strong>de</strong>fensor da universida<strong>de</strong><br />

pública, do <strong>de</strong>senvolvimento nacional da Ciência e um lutador das<br />

mais importantes causas progressistas. Dedicamos essa edição à sua<br />

memória.<br />

Pág. 2<br />

Ndongo, Matamba,<br />

‘Ngola<br />

Livre <strong>de</strong> guerras <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002,<br />

Angola busca se reconstruir apesar<br />

da herança colonialista.<br />

Pág. 3<br />

Pirâmi<strong>de</strong> alimentar<br />

invertida<br />

Diferentemente do que vem<br />

sendo dito até agora, e do estrondo<br />

midiatizado, pesquisador da <strong>UFRJ</strong><br />

alerta para o risco da alimentação<br />

mal feita.<br />

Pág. 10 e 11<br />

Personalida<strong>de</strong><br />

João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto<br />

A poesia como carnadura concreta<br />

Pág. 24<br />

Entrevista<br />

Ivana Bentes<br />

Pela radicalização<br />

da <strong>de</strong>mocracia<br />

Defen<strong>de</strong>ndo que a universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>va abdicar da austerida<strong>de</strong><br />

hierárquica do saber, Ivana Bentes, professora e diretora da Escola <strong>de</strong><br />

Comunicação (ECO) da <strong>UFRJ</strong>, diz que é tempo <strong>de</strong> abrirmos mão <strong>de</strong><br />

certos “direitos adquiridos”, em nome da radicalização da <strong>de</strong>mocracia.<br />

Para a professora, a <strong>UFRJ</strong> “tem que repensar todas as suas relações,<br />

até mesmo com o Estado”.<br />

Pág. 12 e 13<br />

Todo dia <strong>de</strong>ve ser dia <strong>de</strong> índio<br />

Do <strong>de</strong>scobrimento até aqui, como anda a questão indígena no Brasil?<br />

Como será que vivem essas populações? Quais os seus principais<br />

problemas?<br />

Pág. 6 e 7<br />

A representação do <strong>de</strong>sejo<br />

Uma das formas da perpetuação do <strong>de</strong>sejo humano é evi<strong>de</strong>nciada na<br />

relação entre Arte e erotismo.<br />

Pág. 21


2<br />

Expediente<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

Reitor: Aloísio Teixeira – Vice-Reitora: Sylvia da Silveira Mello Vargas – Pró-Reitoria <strong>de</strong> Graduação – PR-1: José Roberto Meyer Fernan<strong>de</strong>s - Pró-Reitoria <strong>de</strong> Pós-Graduação e Pesquisa – PR-2: José Luiz Fontes Monteiro – Pró-Reitoria<br />

<strong>de</strong> Planejamento e Desenvolvimento – PR-3: Carlos Antônio Levi da Conceição – Pró-Reitoria <strong>de</strong> Pessoal – PR-4: Luiz Afonso Henriques Mariz – Pró-Reitoria <strong>de</strong> Extensão – PR-5: Laura Tavares Ribeiro Soares – Superinten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

Graduação SG-1: Déia Maria Ferreira dos Santos – Superinten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Ensino SG-2: Leila Rodrigues da Silva – Superinten<strong>de</strong>nte Administrativa SG-2: Regina Dantas – Superinten<strong>de</strong>nte SG-3: Almaísa Monteiro <strong>de</strong> Souza – Superinten<strong>de</strong>nte<br />

SG-4: Roberto Antônio Gambine Moreira – Superinten<strong>de</strong>nte SG-5: Isabel Cristina Azevedo – Superintendência Geral <strong>de</strong> Administração e Finanças – SG-6: Milton Flores – Chefe <strong>de</strong> Gabinete: João Eduardo do Nascimento Fonseca<br />

– Forum <strong>de</strong> Ciência e Cultura: Carlos Antônio Kalil Tannus – Superinten<strong>de</strong>nte do FCC: Marcos Maldonado – Prefeitura Universitária: Hélio <strong>de</strong> Mattos Alves – Escritório Técnico da Universida<strong>de</strong> /ETU: Maria Ângela Dias – Sistema<br />

<strong>de</strong> Bibliotecas e Informação/SiBI: Paula Maria Abrantes Cotta <strong>de</strong> Melo – Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Comunicação: Francisco Conte<br />

José Leite Lopes<br />

Um físico e cidadão brasileiro<br />

Dia 12 <strong>de</strong> junho faleceu um dos homens fundamentais para a consolidação da Física Teórica no país e pelo <strong>de</strong>senvolvimento<br />

científico e tecnológico brasileiro. José Leite Lopes foi também um lutador pela transformação das condições sociais e<br />

políticas do país.<br />

Rafaela Pereira<br />

Pernambucano, nascido na cida<strong>de</strong> do<br />

Recife, em 28 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1918, Leite<br />

Lopes, foi um homem <strong>de</strong> muitas paixões:<br />

Física Teórica, pintura (que, como dizia,<br />

tem na observação da natureza um<br />

ponto em comum a Ciência), fotografia<br />

e política.<br />

A constante preocupação com o papel<br />

ético e social do cientista e a aguda<br />

convicção <strong>de</strong> que o domínio das ciências<br />

e das tecnologias são fundamentais para<br />

a construção do Brasil como nação,<br />

levam Leite Lopes a engajar-se na luta<br />

pela criação <strong>de</strong> um ambiente científico<br />

a<strong>de</strong>quado no país e na América Latina.<br />

Ainda Dom Hél<strong>de</strong>r da Paz<br />

Prezados responsáveis pelo Jornal da <strong>UFRJ</strong>,<br />

chamo-me George Ne<strong>de</strong>r e estou concluindo a<br />

graduação em Engenharia Civil pela nossa universida<strong>de</strong>,<br />

tendo sido presi<strong>de</strong>nte do nosso Centro<br />

Acadêmico e membro do DCE, inclusive, além<br />

<strong>de</strong> também ser graduando do curso <strong>de</strong> Direito pela<br />

PUC/Rio.<br />

Nesses espaços, sempre <strong>de</strong>fendi a expressão da<br />

nossa produção interna, tendo lutado, com todas<br />

as forças, por uma rádio universitária e, até mesmo,<br />

por um canal televisivo pois, estando a <strong>UFRJ</strong>,<br />

apoiada sobre o tripé Ensino-Pesquisa-Extensão,<br />

cabe-nos fazer retornar à socieda<strong>de</strong> o investimento<br />

que recebemos, não apenas produzindo mas, tam-<br />

A essa luta pelo domínio da ciência<br />

mo<strong>de</strong>rna, <strong>de</strong>senvolvida em várias frentes<br />

e travada em várias batalhas, <strong>de</strong>dicará,<br />

durante décadas, a mesma energia com<br />

a qual enfrentou os problemas físicos<br />

complexos.<br />

Como pesquisador, um dos trabalhos<br />

mais significativos <strong>de</strong> José Leite<br />

Lopes foi a previsão, em 1958, da<br />

existência do chamado Bóson Z°, que<br />

permitiu estabelecer o que os físicos<br />

chamam <strong>de</strong> unificação eletrofraca<br />

(<strong>de</strong>scrição unificada <strong>de</strong> duas das quatro<br />

forças fundamentais da natureza:<br />

eletromagnetismo e a força nuclear<br />

fraca). Ele também ganhou <strong>de</strong>staque na<br />

área <strong>de</strong> Física <strong>de</strong> Partículas e trabalhou<br />

Leite Lopes: “a Ciência <strong>de</strong>ve libertar homens e mulheres; e entendo que não apenas os homens e as mulheres das socieda<strong>de</strong>s avançadas”<br />

Cartas<br />

bém, mostrando o que produzimos. Para estarmos<br />

socialmente justificados, a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve nos<br />

ver não somente como uma instituição formadora<br />

<strong>de</strong> profissionais qualificados, o que já fazem outras<br />

universida<strong>de</strong>s privadas, mas como instituição<br />

responsável pelas propostas para os caminhos nacionais.<br />

Por exemplo, são as Intituições Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong><br />

Ensino Superior (Ifes) que geram 80% da pesquisa<br />

tecnológica nacional.<br />

Pensando assim, vejo com extrema simpatia<br />

qualquer mídia que publicize a nossa produção.<br />

Importante dizer que, em nosso caso, ainda lhe cabe<br />

o papel unificador <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> universitária<br />

que, por sua admirável gran<strong>de</strong>za, acaba por<br />

no problema da integração <strong>de</strong> forças<br />

fundamentais da natureza.<br />

Ao longo <strong>de</strong> sua trajetória, Leite<br />

Lopes ajudou na fundação <strong>de</strong> várias<br />

instituições <strong>de</strong> pesquisa, como o Centro<br />

Brasileiro <strong>de</strong> Pesquisas Físicas (CBPF),<br />

em companhia do cientista brasileiro<br />

César Lattes e outros renomados<br />

pesquisadores do Conselho Nacional<br />

<strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e<br />

Tecnológico (CNPq), do Funtec, atual<br />

Agência Financiadora <strong>de</strong> Estudos e<br />

Projetos (Finep), entre outros.<br />

O trabalho para a consolidação e o<br />

estabelecimento <strong>de</strong> condições para os<br />

cientistas o levou à diretoria do CNPq<br />

<strong>de</strong> 1955 a 1961 e, <strong>de</strong> 1961 até 1964, à<br />

participação como membro do Conselho<br />

Deliberativo do órgão. Suas ativida<strong>de</strong>s<br />

foram interrompidas em 1964, quando,<br />

em protesto contra golpe militar, pediu<br />

<strong>de</strong>missão do CNPq e se afastou da<br />

universida<strong>de</strong>.<br />

Nessa época foi convidado para<br />

ministrar aulas na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências,<br />

em Paris. Lá permaneceu durante um<br />

ano. Quando voltou, foi convidado<br />

para ser o diretor do Instituto <strong>de</strong> Física<br />

da <strong>UFRJ</strong> e tornou-se responsável pela<br />

transferência da graduação para o<br />

campus da Ilha do Fundão. Contudo,<br />

por sua luta na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma política<br />

<strong>de</strong> Ciência e Tecnologia soberana para o<br />

país, foi perseguido pelo regime militar,<br />

aposentado compulsoriamente, em<br />

1969, e obrigado a se exilar, provocando<br />

manifestações da comunida<strong>de</strong> científica<br />

internacional.<br />

torna-se uma família em que não se tem o prazer<br />

<strong>de</strong> conhecer todos os parentes. Apenas isso já bastaria<br />

para sinceros elogios, não fosse a qualida<strong>de</strong><br />

do jornal produzido, cuja riqueza em excelência na<br />

escolha das matérias e nos seus conteúdos, autentica<br />

um Jornal da <strong>UFRJ</strong>.<br />

Como última consi<strong>de</strong>ração, cito a matéria sobre<br />

Dom Hél<strong>de</strong>r como uma que me tocou sensivelmente,<br />

pelo justo resgate a quem tenho como um<br />

<strong>de</strong> meus heróis, que empresta o nome para o meu<br />

projeto com a criançada da Cruzada São Sebastião,<br />

comunida<strong>de</strong> que ele fundou e é o primeiro e<br />

único favela-bairro. Santo jamais beatificado, por<br />

suas posições libertárias que trouxeram a Igreja ao<br />

Na Universida<strong>de</strong> Louis Pasteur, em<br />

Strasburg, na França, <strong>de</strong>dicou-se aos<br />

cursos <strong>de</strong> Física Atômica, Simetrias<br />

na Física dos Campos e Partículas e às<br />

pesquisas, tornando-se, por sua obra,<br />

ainda mais conhecido. Foi nomeado<br />

professor Titular daquela universida<strong>de</strong>,<br />

fato raro para um cientista estrangeiro.<br />

Voltou ao Brasil, em 1985, para dirigir<br />

o CBPF, o que fez até 1989, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se<br />

tornou professor Emérito.<br />

Crítica da política científica<br />

Nos anos 1960 e, particularmente,<br />

<strong>de</strong>pois da implantação do regime<br />

militar, Leite Lopes <strong>de</strong>senvolveu um<br />

intenso trabalho <strong>de</strong> crítica da política<br />

científica brasileira, que prolongou<br />

sua atuação prática em vários campos<br />

e análises que vinha produzindo há<br />

duas décadas sobre a universida<strong>de</strong> e as<br />

instituições acadêmicas do país.<br />

Na contramão do pensamento Liberal<br />

(e do Neoliberal, também) Leite Lopes<br />

sublinhou sempre o caráter limitado<br />

da produção científica das empresas<br />

multinacionais nos países <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

e da precarieda<strong>de</strong> da sua contribuição<br />

para a construção <strong>de</strong>sses países como<br />

nações com i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s próprias. Não<br />

se tratando, assim, da implantação, nos<br />

países <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong> uma ciência<br />

<strong>de</strong>scompromissada da vida dos povos, uma<br />

vez que “a Ciência <strong>de</strong>ve libertar homens<br />

e mulheres; e entendo que não apenas<br />

os homens e as mulheres das socieda<strong>de</strong>s<br />

avançadas”, afirmava o físico, professor<br />

Emérito da <strong>UFRJ</strong> e cidadão brasileiro.<br />

reencontro com o Evangelho <strong>de</strong> Cristo. Através do<br />

conhecimento <strong>de</strong> mais e mais pessoas sobre sua vida<br />

e obra, po<strong>de</strong>rá ocorrer o processo <strong>de</strong> beatificação,<br />

on<strong>de</strong> o Nobel da Paz, que lhe foi tirado, vergonhosamente,<br />

por três vezes, fará parte da trajetória <strong>de</strong><br />

quem, além do reconhecimento divino, do qual já<br />

estamos certos, também receberá o justo reconhecimento<br />

social <strong>de</strong> seu povo.<br />

Um abraço fraterno, extensivo a cada membro<br />

<strong>de</strong> vossa competente equipe.<br />

George Ne<strong>de</strong>r<br />

Estudante da Escola Politécnica da <strong>UFRJ</strong><br />

JORNAL DA <strong>UFRJ</strong> é UMA PUBLICAçãO MENSAL DO SERVIçO DE JORNALISMO IMPRESSO DA DIVISãO DE MÍDIA IMPRESSA DA COORDENADORIA DE COMUNICAçãO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – Av. Briga<strong>de</strong>iro<br />

Trompovsky, s/n. Prédio da Reitoria - 2º Andar - Cida<strong>de</strong> Universitária - Ilha do Fundão - CEP 21941-590 - Rio <strong>de</strong> Janeiro - RJ – Telefones: (21) 2598 1621 – Fax: (21) 2598 1605 – jornaldaufrj@reitoria.ufrj.br – Editor Chefe/Jornalista Responsável: Fortunato<br />

Mauro (Reg. 20732 MTE) – Pauta: Fortunato Mauro, Francisco Conte e Luciana Campos – Reportagem: Coryntho Bal<strong>de</strong>z, Joana Jahara, Rafaela Pereira e Rodrigo Ricardo – Projeto Gráfico: José Antonio <strong>de</strong> Oliveira – Ilustração: Jefferson Nepomuceno<br />

– Revisão: Mônica Aggio – Estagiários <strong>de</strong> Jornalismo ECO/<strong>UFRJ</strong>: Bruno Franco, Carlos Eduardo Cayres, Carmen Lúcia Carvalho e Luciana Campos – Estagiários <strong>de</strong> Arte, Ilustração e Fotografia: Anna Carolina Bayer, Juliano Pires, Patrícia Perez, Pina Brandi<br />

e Marco Fernan<strong>de</strong>s (EBA/<strong>UFRJ</strong>) – Estagiária <strong>de</strong> Revisão <strong>de</strong> Texto: Daniele Robert (Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras/<strong>UFRJ</strong>) – Estagiário <strong>de</strong> Web: Virgílio Fávero Neto (Instituto <strong>de</strong> Matemática/<strong>UFRJ</strong>) – Resenhas: Francisco Conte - Colaboração: Márcia Carnaval<br />

Fotolito e Impressão – Gráfica Ediouro – 20 mil exemplares


Jornal da<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />

3<br />

Angola<br />

Bruno Franco<br />

ilustração Marco Fernan<strong>de</strong>s<br />

A in<strong>de</strong>pendência angolana – <strong>de</strong>clarada<br />

no dia 11 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1975, após<br />

um processo <strong>de</strong> transição negociado com<br />

Portugal nos Acordos <strong>de</strong> Alvor – não foi<br />

o início da paz, mas sim o princípio <strong>de</strong><br />

uma nova guerra, estimulada pela dicotomia<br />

Capitalismo/Comunismo característica<br />

da então Guerra Fria protagonizada<br />

por norte-americanos e soviéticos.<br />

Reunidos, inicialmente, na luta anticolonial<br />

na União dos Povos Angolanos<br />

(UPA), a divisão se <strong>de</strong>u em três frentes<br />

– conforme explica Carmen Lúcia Tindó,<br />

professora <strong>de</strong> Literatura Africana da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Letras (FL), da <strong>UFRJ</strong> – marcadas<br />

pelas diferenças étnicas e religiosas:<br />

o Movimento Popular pela Libertação <strong>de</strong><br />

Angola (MPLA), multirracial e marxista,<br />

pró-União das Repúblicas Socialistas<br />

Soviéticas (URSS), com predomínio da<br />

etnia Quimbundo; a Frente Nacional<br />

para Libertação <strong>de</strong> Angola (FNLA), anticomunista,<br />

sustentada pelos EUA, pelo<br />

Zaire e pelo Congo, com base na etnia<br />

Bacongo; e a União Nacional para a In<strong>de</strong>pendência<br />

Total <strong>de</strong> Angola (Unita), com<br />

base na etnia Ovimbundo, inicialmente<br />

<strong>de</strong> orientação maoísta e posteriormente<br />

anticomunista.<br />

Após a in<strong>de</strong>pendência, a FNLA e tropas<br />

do Zaire avançaram do Norte para<br />

atacar a capital, Luanda, dominada pelo<br />

MPLA. A invasão foi <strong>de</strong>rrotada pelos<br />

marxistas com apoio <strong>de</strong> instrutores cubanos<br />

que chegavam ao país, no início da<br />

cooperação entre essas nações.<br />

Os confrontos prosseguiram, entretanto.<br />

Ao Sul do território angolano, a<br />

Unita e o exército sul-africano <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram<br />

uma rápida ofensiva contra o<br />

MPLA. Graças a uma ponte aérea entre<br />

Havana e Luanda, com o envio <strong>de</strong> armas<br />

e soldados, as tropas <strong>de</strong> Cuba e do<br />

MPLA <strong>de</strong>rrotaram a aliança entre Unita<br />

e sul-africanos.<br />

O MPLA não teve sossego para governar<br />

o país. A Unita permaneceu atuante,<br />

apoiada pelos governos estaduni<strong>de</strong>nse<br />

e sul-africano. Apenas em 2002, com a<br />

morte <strong>de</strong> Jonas Savimbi, lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ssa organização,<br />

o país foi, enfim, pacificado.<br />

Saldo da guerra<br />

As marcas <strong>de</strong>sse período ainda são<br />

muitas. Segundo estimativas da Organização<br />

das Nações Unidas (ONU), 1,8<br />

milhão <strong>de</strong> pessoas foram <strong>de</strong>slocadas <strong>de</strong>vido<br />

à guerra civil. Além <strong>de</strong>ssas, Carmen<br />

Lúcia Tindó cita, também, as minas ainda<br />

enterradas em áreas rurais; prédios cheios<br />

<strong>de</strong> furos <strong>de</strong> balas; pontes <strong>de</strong>struídas; pessoas<br />

mutiladas física e psicologicamente;<br />

doenças; falta <strong>de</strong> empregos e carência <strong>de</strong><br />

quadros em diversos campos<br />

profissionais.<br />

Contrariamente à gran<strong>de</strong><br />

imprensa que costuma<br />

apresentar apenas as mazelas<br />

das recém-libertas<br />

e longamente exploradas<br />

nações africanas, Carmen Tindó<br />

prefere ressaltar que a “maior<br />

parte do povo angolano sempre <strong>de</strong>monstrou,<br />

no transcorrer <strong>de</strong> sua história, uma<br />

‘garra’ enorme, buscando resistir aos colonizadores,<br />

às doenças, à fome, ao sofrimento,<br />

com <strong>de</strong>terminação e coragem”.<br />

Além disso, os angolanos – ainda<br />

que acossados pelas agruras da guerra<br />

– não <strong>de</strong>scuidaram do capricho <strong>de</strong> sua<br />

produção artística. “As artes angolanas<br />

(literatura, pintura, escultura, música)<br />

tiveram sempre importante papel <strong>de</strong> resistência,<br />

não <strong>de</strong>ixando que a memória<br />

cultural se apagasse completamente”,<br />

assegura Tindó.<br />

A arte dialogava com as utopias revolucionárias,<br />

a exemplo do que fazia<br />

Agostinho Neto, lí<strong>de</strong>r do MPLA. “Conscientizando<br />

os povos humilhados da<br />

opressão sofrida, esses intelectuais e<br />

poetas colocaram seus escritos a serviço<br />

<strong>de</strong> projetos libertadores”, sublinha a<br />

professora.<br />

Herança colonial<br />

Segundo Carmen Tindó, as dificulda<strong>de</strong>s<br />

enfrentadas pelos angolanos<br />

no alvorecer <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>mocracia estão<br />

assentadas mais no passado colonial<br />

do que em guerras recentes. “Os povos<br />

que habitavam o território atualmente<br />

pertencente a Angola eram quase todos<br />

<strong>de</strong> origem Bantu”, explica. E não eram,<br />

como às vezes se noticia, inimigos entre<br />

si. “Segundo historiadores angolanos, fo-<br />

Internacional<br />

ram os colonizadores e, posteriormente,<br />

as guerras colonial e civil que acentuaram<br />

e exacerbaram rivalida<strong>de</strong>s étnicas<br />

que não eram assim, em sua origem, tão<br />

profundas”, <strong>de</strong>staca a professora.<br />

O país foi formado pela junção dos reinos<br />

<strong>de</strong> Ndongo e Matamba. O nome Angola<br />

provém <strong>de</strong> ‘Ngola’, a <strong>de</strong>nominação<br />

dada aos reis <strong>de</strong> Ndongo, que resistiram<br />

aos portugueses até 1640.<br />

Relação com o Brasil<br />

As influências angolanas no Brasil<br />

são múltiplas. Vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> termos como<br />

“moleque” e “cafuné” até contribuições à<br />

culinária, como vatapá, azeite <strong>de</strong> <strong>de</strong>ndê,<br />

caruru e bobó (aipim, em quimbundo, é<br />

bombo), passando pelo samba – uma das<br />

mais famosas expressões culturais brasileiras<br />

– originou-se da semba angolana.<br />

Brasil e Angola vêm reatando seus<br />

laços culturais. Escritores como Pepetela<br />

e Agualusa têm sido lidos com mais<br />

freqüência, <strong>de</strong> acordo com Carmen Lúcia<br />

Tindó. Além disso, em <strong>2006</strong>, virá à Festa<br />

Literária Internacional <strong>de</strong> Parati, outro<br />

jovem escritor angolano, Ondjaki, que vai<br />

publicar seu livro Bom Dia, Camarada!,<br />

pela Ediouro.<br />

Tindó <strong>de</strong>staca ainda que há, atualmente,<br />

Casas <strong>de</strong> Angola e da África, em<br />

Salvador e em São Paulo, com o objetivo<br />

<strong>de</strong> divulgar a cultura africana no Brasil,<br />

Ndongo,<br />

Matamba,<br />

‘Ngola<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte há 30 anos e<br />

livre <strong>de</strong> guerras <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002,<br />

Angola ainda conta com a garra<br />

<strong>de</strong> seu povo para se reconstruir,<br />

apesar do passivo da colonização<br />

portuguesa<br />

“que esteve silenciada, durante séculos,<br />

em nossos meios educacionais e culturais”.<br />

O Ministério da Cultura angolano tem<br />

um acordo <strong>de</strong> cooperação com a Cátedra<br />

Jorge <strong>de</strong> Sena para Estudos Literários<br />

Luso-Afro-Brasileiros que funciona<br />

na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da <strong>UFRJ</strong>. Esse<br />

convênio propiciou a vinda da escritora<br />

Paula Tavares, em 2000, do antropólogo<br />

Virgílio <strong>de</strong> Lemos, em 2001, e do historiador<br />

Cornélio Caley, em 2004, à Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Letras da <strong>UFRJ</strong>.<br />

Outro fator que contribuiu para o fortalecimento<br />

<strong>de</strong>sses laços, <strong>de</strong> acordo com<br />

Tindó, foi a Lei 10639/2003, assinada,<br />

pelo presi<strong>de</strong>nte Lula, tornando obrigatório<br />

o ensino da cultura africana em todo o<br />

território nacional, nos três níveis <strong>de</strong> ensino.<br />

Com isso, afirma a professora, “tem<br />

crescido a procura, na <strong>UFRJ</strong>, junto ao<br />

Setor <strong>de</strong> Literaturas Africanas”, mas avisa:<br />

“precisamos, com urgência, <strong>de</strong> mais<br />

vagas <strong>de</strong> docentes para o quadro efetivo<br />

do Setor <strong>de</strong> Literaturas Africanas”.<br />

Voz do sangue<br />

(Agostinho Neto, poeta angolano)<br />

Palpitam-me<br />

os sons do batuque<br />

e os ritmos melancólicos do blues<br />

Ó negro esfarrapado do Harlem<br />

ó dançarino <strong>de</strong> Chicago<br />

ó negro servidor do South<br />

Ó negro <strong>de</strong> África<br />

negros <strong>de</strong> todo o mundo<br />

eu junto ao vosso canto<br />

a minha pobre voz<br />

os meus humil<strong>de</strong>s ritmos.<br />

Eu vos acompanho<br />

pelas emaranhadas áfricas<br />

do nosso Rumo<br />

Eu vos sinto<br />

negros <strong>de</strong> todo o mundo<br />

eu vivo a vossa Dor<br />

meus irmãos.


4<br />

Coryntho Bal<strong>de</strong>z e Rodrigo Ricardo<br />

Em pauta há mais <strong>de</strong> três anos, motivo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>bates e polêmicas na universida<strong>de</strong><br />

e fora <strong>de</strong>la, a quarta e última versão do<br />

projeto <strong>de</strong> reforma do Ensino Superior<br />

chega ao Congresso Nacional sem gran<strong>de</strong>s<br />

comemorações. Ao contrário, o anticlímax<br />

é evi<strong>de</strong>nte entre as entida<strong>de</strong>s acadêmicas<br />

que acompanharam mais <strong>de</strong> perto, versão<br />

a versão, o vaivém das mudanças. Aguardaram<br />

com expectativa o <strong>de</strong>senrolar da<br />

batalha final entre a equipe econômica e<br />

o Ministério da Educação – que fez o texto<br />

dormitar na Casa Civil por quase um ano<br />

– e agora não escon<strong>de</strong>m certa frustração<br />

com as soluções encontradas para questões-chave,<br />

como o financiamento das<br />

Instituições Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Ensino Superior<br />

(Ifes) e a autonomia universitária.<br />

Na proposta que saiu da Casa Civil, em 8<br />

<strong>de</strong> junho, foi mantida a subvinculação, ou<br />

seja, o percentual <strong>de</strong>stinado à manutenção<br />

e ao <strong>de</strong>senvolvimento do Ensino Superior<br />

– 75% dos 18% previstos na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral para a Educação. Contudo, foi<br />

consensual a crítica ao fim da garantia <strong>de</strong><br />

divisão, com o Ministério da Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas<br />

relativas aos hospitais universitários,<br />

que hoje atingem a cifra <strong>de</strong> R$ 1,5 bilhão.<br />

Há, também, certa <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong> que os<br />

recursos orçamentários a serem <strong>de</strong>stinados<br />

às Ifes – R$ 9,6 bilhões, segundo o Ministério<br />

da Educação – continuem funcionando<br />

como cobertor curto, sem dar conta dos<br />

gastos necessários, por exemplo, com<br />

expansão e contratação <strong>de</strong> pessoal. Além<br />

disso, com a manutenção das listas tríplices<br />

na escolha do reitor e o fim do orçamento<br />

global – e da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> remanejar<br />

recursos não apenas entre rubricas, mas <strong>de</strong><br />

um ano para outro – a autonomia universitária<br />

sofreu revés inesperado.<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Nacional<br />

Reforma insossa<br />

Projeto <strong>de</strong> reforma do Ensino Superior chega ao Congresso<br />

Nacional sem muito entusiasmo<br />

Recursos insuficientes<br />

O presi<strong>de</strong>nte da Associação Nacional<br />

dos Dirigentes das Instituições<br />

Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Ensino Superior (Andifes),<br />

Paulo Speller, anunciou que a entida<strong>de</strong><br />

vai tentar, através <strong>de</strong> emendas, alterar<br />

o texto no Congresso. Speller – que é<br />

reitor da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Mato<br />

Grosso (UFMT) – ainda consi<strong>de</strong>ra insuficiente<br />

o orçamento das Ifes. “Se forem<br />

contabilizados os gastos com novos<br />

campi e profissionais a serem contratados,<br />

o montante <strong>de</strong> recursos começa<br />

a se diluir”, afirma. Para ele, um ponto<br />

central é <strong>de</strong>finir outra fonte para os hospitais<br />

universitários, que, nos últimos<br />

anos, passaram a realizar um número<br />

crescente <strong>de</strong> atendimentos. Ele criticou,<br />

ainda, o impedimento <strong>de</strong> reutilização <strong>de</strong><br />

recursos não gastos até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> cada ano. A Andifes quer também o<br />

restabelecimento da eleição direta para<br />

reitores, com o fim da lista tríplice. Depois<br />

<strong>de</strong> se encontrar com o presi<strong>de</strong>nte<br />

Lula, recentemente, Speller ressaltou<br />

que o governo não tem posição rígida<br />

sobre alguns pontos e admite alterá-los<br />

no Parlamento.<br />

No entanto, na cerimônia em que<br />

anunciou o texto final do projeto, o ministro<br />

da Educação, Fernando Haddad,<br />

falou em avanços no financiamento das<br />

Ifes. Segundo ele, “a subvinculação <strong>de</strong><br />

75% garantirá cerca <strong>de</strong> R$ 1 bilhão a<br />

mais no orçamento das universida<strong>de</strong>s<br />

que, em 2005, ficou em R$ 8,6 bilhões”.<br />

Haddad observou que houve sucateamento<br />

do sistema público nos últimos<br />

anos, e que o governo estaria agora recuperando<br />

o pico <strong>de</strong> investimentos no<br />

Ensino Superior que existiu em 1995.<br />

Chance perdida<br />

No balanço que fez do <strong>de</strong>sfecho da<br />

discussão sobre a Reforma Universitária,<br />

a presi<strong>de</strong>nte do Sindicato Nacional <strong>de</strong> Docentes<br />

das Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior<br />

(An<strong>de</strong>s-SN), Marina Barbosa Pinto, frisa<br />

que se per<strong>de</strong>u mais uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

assegurar a supremacia do setor público<br />

sobre as instituições privadas <strong>de</strong> Ensino.<br />

A proposta inicial, segundo ela, era tímida<br />

e permissiva em relação à mercantilização<br />

e não possibilitava nenhuma mudança<br />

no padrão <strong>de</strong> financiamento das instituições<br />

públicas. No entanto, continha um<br />

capítulo sobre as mantenedoras privadas<br />

que, embora débil, <strong>de</strong>terminava sobre elas<br />

algum controle. “Na última versão isso<br />

<strong>de</strong>sapareceu”, protesta Marina.<br />

Em relação ao financiamento, i<strong>de</strong>ntifica<br />

alguns retrocessos. “A primeira versão<br />

previa o fim da aplicação da Desvinculação<br />

<strong>de</strong> Receitas da União sobre as verbas<br />

educacionais, o que também sumiu do<br />

projeto”, lamenta a dirigente sindical. Ela<br />

também consi<strong>de</strong>ra precária a subvinculação<br />

<strong>de</strong> 75% prevista na lei: “teremos,<br />

em or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>za, o mesmo que<br />

temos hoje, o que conforma um quadro<br />

<strong>de</strong> universida<strong>de</strong>s em ruínas”. Contudo<br />

– prossegue – como a promessa <strong>de</strong> criação<br />

<strong>de</strong> novos campi e universida<strong>de</strong>s é parte<br />

da campanha <strong>de</strong> reeleição <strong>de</strong> Lula, o cobertor<br />

que era curto encolherá ainda mais<br />

no futuro. A partir <strong>de</strong> projeções feitas em<br />

relatórios do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União<br />

(TCU), diz que a subvinculação, em 2005,<br />

teria assegurado às Ifes algo em torno <strong>de</strong><br />

R$ 7,3 bilhões. “Mas o orçamento executado<br />

em 2005 foi <strong>de</strong> R$ 8 bilhões que, em<br />

valores corrigidos, é 20% menor que o <strong>de</strong><br />

2002. Assim, mesmo com a exclusão dos<br />

aposentados e pensionistas, voltaríamos<br />

ao medíocre patamar <strong>de</strong> Cardoso”, calcula<br />

a professora, em nítida divergência com<br />

os números apresentados pelo Ministério<br />

da Educação.<br />

Autonomia e “contra-reforma”<br />

Marina Barbosa<br />

também acredita<br />

que a autonomia<br />

universitária sofreu<br />

um duro golpe.<br />

Segundo ela,<br />

“os dois pilares da<br />

autonomia são a<br />

autonormação, ou<br />

seja, a criação <strong>de</strong><br />

suas próprias leis,<br />

e o autogoverno”.<br />

Com a manutenção<br />

das listas tríplices<br />

na escolha do reitor<br />

– <strong>de</strong> acordo com a<br />

presi<strong>de</strong>nte do An<strong>de</strong>s-SN<br />

– o presi<strong>de</strong>nte<br />

da República<br />

po<strong>de</strong> escolher um<br />

dirigente que seja<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

submisso ao seu projeto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r em <strong>de</strong>trimento<br />

da autonomia da universida<strong>de</strong>.<br />

Ela critica, ainda, “a exclusão do texto<br />

final do orçamento global, que previa<br />

remanejamentos e o repasse em duodécimos”.<br />

E afirma que toda a vida acadêmica<br />

continua prisioneira <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong><br />

avaliação heteronômico e <strong>de</strong> baixíssima<br />

qualificação acadêmica.<br />

A presi<strong>de</strong>nte do An<strong>de</strong>s-SN avalia que o<br />

governo vem implementando, na verda<strong>de</strong>,<br />

uma “contra-reforma” do Ensino Superior,<br />

por meio <strong>de</strong> medidas provisórias<br />

(sistema <strong>de</strong> avaliação e Prouni) e <strong>de</strong>cretos<br />

(Educação a Distância etc). “E a política <strong>de</strong><br />

cotas também está sendo implementada<br />

por expedientes <strong>de</strong>sarticulados <strong>de</strong> um<br />

projeto orgânico e estrutural para a universida<strong>de</strong><br />

brasileira”. A questão saiu do<br />

texto proposto e está sendo encaminhada<br />

através <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei específico.<br />

Para a dirigente sindical, as políticas<br />

que objetivam formar “uma pequeníssima<br />

elite <strong>de</strong> uma dada etnia” não é<br />

universalista, assim como a política<br />

<strong>de</strong> cotas para pobres em instituições<br />

<strong>de</strong>squalificadas – “como a empreendida<br />

pelo Prouni” – também não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratizar<br />

o acesso e garantir a permanência<br />

<strong>de</strong> pessoas pobres na universida<strong>de</strong><br />

pública. Ela lembra que somente 12%<br />

das vagas dos vestibulares são públicas<br />

e que 88% das Instituições <strong>de</strong> Ensino<br />

Superior são privadas.<br />

A presi<strong>de</strong>nte do An<strong>de</strong>s-SN não crê<br />

que o projeto, com duas ou três emendas,<br />

possa ser melhorado. E aposta, na verda<strong>de</strong>,<br />

em ampla mobilização social para<br />

que – “a exemplo do Chile” – se possa<br />

inaugurar um período virtuoso para a<br />

universida<strong>de</strong> pública brasileira.<br />

Pressão e recuo<br />

Ana Maria Ribeiro, da Coor<strong>de</strong>nação<br />

Geral do Sindicato dos Trabalhadores<br />

em Educação da <strong>UFRJ</strong> (Sintufrj), ao<br />

analisar o teor do projeto final encaminhado<br />

ao Congresso, consi<strong>de</strong>rou-o<br />

Paulo Speller: <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> outra fonte <strong>de</strong> recursos para os HU


Jornal da<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />

5<br />

Marcílio Lourenço: “é a hora <strong>de</strong> fazermos o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> casa”<br />

como “um gran<strong>de</strong> recuo em relação<br />

ao que havia sido construído pelos<br />

movimentos sociais e o Ministério da<br />

Educação, em julho <strong>de</strong> 2005”. Segundo<br />

ela, as versões anteriores incorporaram<br />

avanços e ban<strong>de</strong>iras históricas <strong>de</strong> muitas<br />

entida<strong>de</strong>s. “Mas, agora, fruto da pressão<br />

do setor privado, houve retrocessos, especialmente<br />

no controle do Estado sobre<br />

instituições particulares”, observa.<br />

Ao comentar o capítulo do financiamento,<br />

Ana Maria afirma que a subvinculação<br />

é uma importante ban<strong>de</strong>ira<br />

histórica. Adverte, porém, que é preciso<br />

lutar pela não prorrogação da Desvinculação<br />

<strong>de</strong> Receitas da União (DRU),<br />

“o que significará um aporte financeiro<br />

consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> R$ 5 bilhões/<br />

ano para as Ifes”. Ela também lamenta<br />

que as <strong>de</strong>spesas com ações e serviços<br />

públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> prestados nos hospitais<br />

universitários continuem sendo<br />

bancadas com o dinheiro da Educação.<br />

“Defen<strong>de</strong>mos que <strong>de</strong>vam ser <strong>de</strong>stinados<br />

recursos do Ministério da Saú<strong>de</strong> e<br />

do Ministério da Ciência e Tecnologia<br />

para o orçamento <strong>de</strong> cada Ifes, não na<br />

forma <strong>de</strong> projetos individuais”, explica,<br />

acrescentando que a falta <strong>de</strong> outra<br />

fonte <strong>de</strong> financiamento foi, <strong>de</strong> fato, um<br />

retrocesso.<br />

Vestibular e novos cursos<br />

Em relação à autonomia acadêmica<br />

e <strong>de</strong> gestão administrativa, Ana Maria<br />

Ribeiro elogia o fim da obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> processo seletivo (Vestibular) para o<br />

acesso à graduação e a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> educação<br />

superior como sistema integrado<br />

<strong>de</strong> graduação, pós-graduação, Pesquisa,<br />

Extensão e formação continuada.<br />

Mas critica a incorporação <strong>de</strong> cursos<br />

tecnólogos à graduação e a criação do<br />

Ciclo Básico: “em instituições que não<br />

têm compromisso com a qualida<strong>de</strong> isso<br />

po<strong>de</strong> significar o surgimento <strong>de</strong> cursos<br />

<strong>de</strong> curta duração e <strong>de</strong> formação questionável”.<br />

Outro retrocesso, segundo a coor<strong>de</strong>nadora<br />

geral do Sintufrj, foi a manutenção<br />

do Parágrafo Único do Artigo 56 da<br />

Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação<br />

Nacional (LDB), que estabelece o percentual<br />

<strong>de</strong> 70% para o corpo docente<br />

em órgãos colegiados. Tal previsão havia<br />

sido revogada na versão anterior.<br />

No que toca à gestão<br />

administrativa, Ana Maria<br />

vê com bons olhos a<br />

institucionalização do<br />

Plano Qüinqüenal <strong>de</strong> DesenvolvimentoInstitucional<br />

(PDI), “uma ban<strong>de</strong>ira<br />

antiga da Fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong><br />

Sindicatos <strong>de</strong> Trabalhadores<br />

das Universida<strong>de</strong>s<br />

Brasileiras (Fasubra)”.<br />

Para ela, o PDI representa<br />

um processo coletivo <strong>de</strong><br />

construção <strong>de</strong> objetivos<br />

e metas da instituição.<br />

Mas não concorda com<br />

a retirada, do projeto, da<br />

proposta <strong>de</strong> orçamento<br />

global e <strong>de</strong> real exercício<br />

da autonomia das universida<strong>de</strong>s<br />

para gerir os<br />

recursos financeiros e<br />

humanos.<br />

Eleição na universida<strong>de</strong><br />

Quando fala sobre a lista tríplice, Ana<br />

Maria lembra que a atual redação <strong>de</strong>termina<br />

a eleição <strong>de</strong> uma chapa com três<br />

nomes. “No projeto Universida<strong>de</strong> Cidadã<br />

para os Trabalhadores – da Fasubra<br />

– sempre <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos a eleição por chapa<br />

<strong>de</strong> toda a equipe”, diz. Mas sublinha<br />

que a nova norma prevê que o estatuto<br />

<strong>de</strong> cada universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>fina – além do<br />

reitor e vice-reitor – os outros cargos a<br />

serem eleitos. “Po<strong>de</strong>rá ser o pró-reitor<br />

<strong>de</strong> Graduação ou Finanças ou ainda outro<br />

cargo”, observa. Ela consi<strong>de</strong>ra que a<br />

nomeação <strong>de</strong> dirigentes universitários<br />

pelo presi<strong>de</strong>nte da República, a partir<br />

<strong>de</strong> lista tríplice, assim como o reitor<br />

nomeia os diretores eleitos, é ato da<br />

administração pública. “O importante<br />

é que conquistamos a eleição direta e<br />

por chapa, o que politizará muito mais<br />

o <strong>de</strong>bate”, <strong>de</strong>staca. A gran<strong>de</strong> questão,<br />

para ela, é a proporção dos votos que a<br />

ser <strong>de</strong>finida no estatuto.<br />

Ao comentar se, com esta reforma,<br />

será possível caminhar <strong>de</strong> modo sustentável<br />

para a ampliação do acesso dos<br />

jovens brasileiros ao Ensino Superior,<br />

frisa que a questão está mais ligada ao<br />

aumento da escolarida<strong>de</strong> obrigatória.<br />

Portanto, vincula-se, <strong>de</strong> fato, “à obrigação<br />

do Estado em dar escola até a<br />

conclusão do Ensino Médio”. Porém,<br />

ressalta que a previsão <strong>de</strong> política <strong>de</strong><br />

assistência estudantil estimula a permanência<br />

<strong>de</strong> jovens no Ensino Superior.<br />

Mas não se <strong>de</strong>mocratizará o acesso<br />

– garante Ana Maria – se não forem<br />

estabelecidas condições iguais da Educação<br />

Infantil ao Ensino Médio, com<br />

escola pública, gratuita e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />

para todos. “Qualquer outra política é<br />

paliativa e populista”, sustenta.<br />

A coor<strong>de</strong>nadora geral do Sintufrj espera,<br />

ainda, que o projeto Universida<strong>de</strong><br />

Cidadã para os Trabalhadores, já em forma<br />

<strong>de</strong> Projeto <strong>de</strong> Lei (ver www.fasubra.<br />

org.br) e protocolado no Congresso Nacional,<br />

seja um importante contraponto<br />

às lacunas do projeto oficial do governo,<br />

durante o <strong>de</strong>bate na Câmara dos Deputados<br />

e no Senado.<br />

Para o também coor<strong>de</strong>nador geral do<br />

Sintufrj, Marcílio Lourenço <strong>de</strong> Araújo,<br />

o projeto retroce<strong>de</strong> a cada nova versão<br />

e, se não for logo aprovado, ficará ain-<br />

Nacional<br />

da mais rebaixado e, “diante do atual<br />

quadro político e da falta <strong>de</strong> pressão da<br />

socieda<strong>de</strong>, essa é a única reforma que se<br />

conseguirá”.<br />

Para Lourenço <strong>de</strong> Araújo, se há alguma<br />

pressão social, ela está no âmbito<br />

restrito das direções <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s, mas<br />

que é “insuficiente para sensibilizar o<br />

governo e o Congresso Nacional”. Por<br />

outro lado, o coor<strong>de</strong>nador avalia que<br />

“é a hora <strong>de</strong> fazermos o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> casa,<br />

aproveitando o fato <strong>de</strong> a reforma regulamentar<br />

práticas e discussões, que já estão<br />

acontecendo internamente – como a<br />

da Assistência Estudantil, que também<br />

implica na do ‘ban<strong>de</strong>jão’ – para avançarmos<br />

outros temas, tal como o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

profissional e educacional dos<br />

trabalhadores técnico-administrativos”.<br />

Esse entendimento, segundo Marcílio,<br />

está sustentado na tese <strong>de</strong> que “ainda<br />

prevalece o Artigo 207 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, que garante a Autonomia<br />

Universitária e que é auto-aplicável. A<br />

reforma altera poucas questões <strong>de</strong>sse<br />

artigo, portanto, a autonomia <strong>de</strong>ve ser<br />

plenamente exercitada”.<br />

O dirigente sindical<br />

avalia, ainda,<br />

que, mesmo com<br />

a manutenção no<br />

projeto <strong>de</strong> reforma,<br />

da lista tríplice<br />

para a escolha <strong>de</strong><br />

reitor e da forma<br />

<strong>de</strong> financiamento,<br />

“po<strong>de</strong>mos rever o<br />

processo eleitoral<br />

para os outros cargos<br />

dirigentes da<br />

instituição, com<br />

base na Autonomia<br />

prevista no Artigo<br />

207 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral”.<br />

Regime <strong>de</strong> urgência<br />

O governo voltou<br />

atrás e garantiu<br />

uma <strong>de</strong>manda da<br />

União Nacional dos Estudantes (UNE),<br />

ao admitir, na última hora, regime <strong>de</strong><br />

urgência na tramitação do Projeto <strong>de</strong><br />

Lei da Reforma Universitária. Portanto,<br />

será criada uma comissão especial na<br />

Câmara, que terá 45 dias para apreciar o<br />

projeto antes <strong>de</strong> ele seguir para votação<br />

em plenário. O presi<strong>de</strong>nte da entida<strong>de</strong>,<br />

Gustavo Petta, <strong>de</strong>clarou que a <strong>de</strong>cisão<br />

vai “agilizar a tramitação, compensando<br />

a <strong>de</strong>mora na finalização do Projeto<br />

<strong>de</strong> Lei”.<br />

Gustavo Petta já adiantou que, nesta<br />

fase, a UNE preten<strong>de</strong> reunir forças<br />

“para disputar o conteúdo do projeto,<br />

buscando apoio dos parlamentares<br />

para as mudanças que acreditamos ser<br />

necessárias”. Outro alvo anunciado<br />

da UNE, segundo Petta, é o “lobby<br />

dos ‘tubarões’ <strong>de</strong> Ensino, que tentarão<br />

<strong>de</strong>rrubar pontos importantes, como a<br />

regulamentação do capital externo no<br />

Ensino privado”.<br />

A UNE <strong>de</strong>ve apresentar, entre outras,<br />

emendas para a regulamentação das mensalida<strong>de</strong>s<br />

no Ensino Superior privado.<br />

Gustavo Petta: “agilizar a tramitação, compensando a <strong>de</strong>mora na finalização do projeto”


6<br />

Do <strong>de</strong>scobrimento até aqui, como anda a questão indígena<br />

no Brasil? Em pleno século XXI, como será que vivem esses<br />

povos? Quais os seus principais problemas?<br />

Rafaela Pereira<br />

fotos William Santos<br />

Segundo dados <strong>de</strong> 2005 da Fundação<br />

Nacional do Índio (Funai), do Ministério<br />

da Justiça, estima-se que o Brasil tenha,<br />

atualmente, cerca <strong>de</strong> 358 mil índios<br />

pertencentes a 215 etnias que falam 180<br />

línguas. Isso sem levar em consi<strong>de</strong>ração<br />

os que vivem isolados e que não têm<br />

qualquer contato com os brancos. O crescimento<br />

<strong>de</strong>mográfico <strong>de</strong>ssas populações<br />

é, em média, <strong>de</strong> 3,5% ao ano.<br />

Segundo a Organização da Socieda<strong>de</strong><br />

Civil <strong>de</strong> Interesse Público (Oscip) Instituto<br />

Socioambiental, em quase todo<br />

o território brasileiro existem povos<br />

indígenas. Espírito Santo, Alagoas, Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, São Paulo, Paraíba, Paraná,<br />

Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e Sergipe, mas é na<br />

Amazônia Legal, que compreen<strong>de</strong> os<br />

estados do Tocantins, Maranhão, Pará,<br />

Amazonas, Amapá, Roraima, Mato Grosso<br />

e Acre, que vivem mais <strong>de</strong> 60% <strong>de</strong>ssa<br />

população.<br />

Essas socieda<strong>de</strong>s não se encontram<br />

em completo isolamento. Além do<br />

contato com os “brancos”, eles sempre<br />

mantiveram relação entre si, seja pela<br />

troca <strong>de</strong> objetos, casamentos, festas,<br />

rituais ou mesmo por guerras. A região<br />

do Alto Xingu, por exemplo, é cenário<br />

<strong>de</strong> inter-relações entre as diferentes nações,<br />

agrupando socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> língua<br />

Jê, Tupi, Caribe, Aruaque e Trumai. Já na<br />

região do Alto Rio Negro a regra é que<br />

cada homem case-se com uma mulher<br />

<strong>de</strong> outro grupo que, necessariamente,<br />

<strong>de</strong>ve falar uma língua diferente. Assim,<br />

os Tukano, os Arapasso, os Desana e os<br />

Tariana, por exemplo, são consi<strong>de</strong>rados<br />

unida<strong>de</strong>s abertas e dispostas à novos<br />

intercâmbios.<br />

O índio na visão do índio<br />

A realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas populações, atualmente,<br />

é bem distante dos estereótipos<br />

que lhes foram impostos, já que nenhuma<br />

socieda<strong>de</strong> – e os povos indígenas<br />

não são exceção – é estática. Para muitos<br />

índios, a vida já não gira em volta à taba.<br />

Celular, internet, roupas e sapatos fazem<br />

parte da rotina <strong>de</strong> várias tribos, combinados<br />

sempre aos rituais, às pinturas,<br />

às crenças. “Do ponto <strong>de</strong> vista social,<br />

porém, eles se pensam e se sentem como<br />

índios”, explica João Pacheco, professor<br />

do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Antropologia do<br />

Museu Nacional da <strong>UFRJ</strong>.<br />

O antropólogo Rubem Ferreira Thomaz<br />

<strong>de</strong> Almeida, ex-mestrando no Museu<br />

Nacional da <strong>UFRJ</strong>, e que participa<br />

<strong>de</strong> trabalhos com os Guarani, no Mato<br />

Grosso do Sul, faz coro com Pacheco.<br />

Para ele, em muitos casos, os grupos<br />

indígenas estabelecem relações com os<br />

brancos sem per<strong>de</strong>rem a tradição ou a<br />

cultura. “Quando você pergunta as horas<br />

para um Guarani, mesmo que ele tenha<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Nacional<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

Todo dia <strong>de</strong>ve ser<br />

dia <strong>de</strong> índio<br />

Criança Xavante, al<strong>de</strong>ia Parabubure, no Mato Grosso<br />

Criança Guarani, al<strong>de</strong>ia M’byá, Su<strong>de</strong>ste e Sul brasileiros


Jornal da<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />

7<br />

relógio no pulso, ele vai olhar para o<br />

sol”, revela o pesquisador.<br />

Foi para tentar <strong>de</strong>smistificar a visão<br />

ultrapassada e romântica do índio, que<br />

Rafael Pessoa, doutorando <strong>de</strong> Antropologia<br />

do Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências<br />

Sociais (IFCS), criou o projeto Arte do<br />

Mito e lançou o site com o mesmo nome<br />

(www.artedomito.com). “Preten<strong>de</strong>mos<br />

com isso, contribuir para corrigir<br />

essa imagem, apresentando uma visão<br />

do índio mais próxima da realida<strong>de</strong>,<br />

mostrando-o como um ser humano e<br />

combatendo uma série <strong>de</strong> idéias preconceituosas<br />

que sobre ele se mantêm”,<br />

esclarece Pessoa.<br />

Muitos vêm se inserindo na socieda<strong>de</strong><br />

brasileira das mais diversas formas, quase<br />

sempre premidos por necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

sobrevivência. Os Guarani-Kaiowá, no<br />

Mato Grosso do Sul, possuem membros<br />

que trabalham no corte <strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar<br />

para as <strong>de</strong>stilarias <strong>de</strong> álcool e são<br />

assalariados. Há também os que vivem<br />

em centros urbanos, como famílias <strong>de</strong><br />

Sateré-Mawé na periferia <strong>de</strong> Manaus e<br />

os Pankararu, migrantes <strong>de</strong> Pernambuco<br />

que vivem em favelas <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Na direção oposta, existem povos<br />

indígenas isolados, que fazem questão<br />

<strong>de</strong> não se relacionarem com populações<br />

não-índias, como os habitantes da região<br />

do rio Javari, na Amazônia. “Tem os<br />

Korubo habitando o Vale do Javari e os<br />

Awa Guaja, no norte do Maranhão, que<br />

enfrentam a expansão <strong>de</strong> fazendas e <strong>de</strong><br />

assentamentos. Eles se recusam a ser<br />

‘engolidos’ por uma ‘cultura <strong>de</strong> plástico’,<br />

na qual eles ‘rezam na mesma cartilha’.<br />

Estabelecem contato com outros indígenas,<br />

mas os ‘brancos’ são vistos, e não<br />

Criança Xavante, al<strong>de</strong>ia Parabubure, no Mato Grosso<br />

sem razão, como sinônimo <strong>de</strong> doenças e<br />

morte”, analisa Pessoa.<br />

Política indigenista<br />

Hoje, o índio po<strong>de</strong> tirar documentos,<br />

além <strong>de</strong> uma cédula <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> étnica,<br />

na própria comunida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> nasceu.<br />

Po<strong>de</strong> votar e também ser votado. De<br />

acordo com dados do Instituto Socioambiental,<br />

nas eleições municipais <strong>de</strong><br />

2000, mais <strong>de</strong> 350 índios concorreram às<br />

eleições e 80 elegeram-se. Po<strong>de</strong> também<br />

concorrer a cargo público.<br />

Somente em 1981, com a promulgação<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, é que as<br />

populações indígenas conquistaram o<br />

respeito à sua auto-organização social,<br />

aos seus costumes, às suas línguas,<br />

crenças e tradições, e o reconhecimento<br />

do direito originário sobre as terras que<br />

tradicionalmente ocupam. Além disso,<br />

há o Estatuto do Índio (Lei 6001/73), que<br />

seguiu o mesmo princípio do velho Código<br />

Civil (<strong>de</strong> 1916): os índios <strong>de</strong>veriam ser<br />

tutelados por um órgão indigenista estatal<br />

(<strong>de</strong> 1910 a 1967, o Serviço <strong>de</strong> Proteção ao<br />

Índio; atualmente, a Fundação Nacional<br />

do Índio – a Funai) até que eles estivessem<br />

integrados à socieda<strong>de</strong> brasileira. Contudo,<br />

esses povos ainda lutam por um novo<br />

estatuto, com a perspectiva <strong>de</strong> se tornarem<br />

sujeitos efetivos dos seus caminhos, sem<br />

tutela alguma.<br />

Segundo Rubem Ferreira, a política indigenista<br />

brasileira é “torta, sem coerência<br />

e apenas funciona para apagar incêndios”.<br />

Para ele, os direitos dos índios ainda são<br />

pouco consagrados e uma pequena parcela<br />

<strong>de</strong> parlamentares se preocupa com a<br />

questão das suas terra, por exemplo. “Os<br />

projetos, programas e discussões, que<br />

Nacional<br />

são encaminhados não têm a ver com a<br />

realida<strong>de</strong>, pois não reconhecem a especificida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> cada povo, <strong>de</strong> cada etnia”,<br />

avalia o antropólogo.<br />

Para Rafael Pessoa, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

é, porém, um marco importante. “A<br />

principal mudança que vemos é que agora<br />

eles têm voz, falam por eles mesmos. A<br />

política do Estado vem mudando o perfil.<br />

Os índios também mudaram, agora<br />

eles travam outro tipo <strong>de</strong> guerra, pois<br />

seu ‘inimigo’ atua <strong>de</strong> outras maneiras”,<br />

explica Pessoa.<br />

Demarcação <strong>de</strong> terras<br />

De um lado, índios, <strong>de</strong> outro, empresas<br />

<strong>de</strong> mineração, fazen<strong>de</strong>iros, pescadores,<br />

militares, garimpeiros, posseiros etc.<br />

Alguns dos entraves do que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado<br />

o maior problema dos índios: a<br />

questão da <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> suas terras.<br />

Demarcar é a forma <strong>de</strong> tornar efetivo<br />

o direito indígena à terra, consagrado<br />

pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Ela tem que<br />

estabelecer a extensão exata da posse,<br />

assegurando a proteção dos limites <strong>de</strong>marcados<br />

e impedindo a ocupação por<br />

terceiros. É nesse processo que surgem<br />

os conflitos em várias partes do Brasil.<br />

É o caso dos estados <strong>de</strong> Roraima e Amazonas,<br />

por exemplo, on<strong>de</strong> a convivência<br />

entre índios e militares, em regiões <strong>de</strong><br />

fronteira, tem sido objeto <strong>de</strong> preocupação.<br />

Nessa área os índios Yanomami,<br />

na fronteira do Brasil com a Venezuela,<br />

também sofrem com ação dos garimpeiros<br />

que inva<strong>de</strong>m suas terras. Existe até<br />

mesmo uma estrada, a BR-174, <strong>de</strong> 2.798<br />

km, que percorre <strong>de</strong> Sul a Norte o estado<br />

do Amazonas, cortando, ao meio, a terra<br />

indígena Waimiri-Aatroari.<br />

Criança Guarani, al<strong>de</strong>ia M’byá, Su<strong>de</strong>ste e Sul brasileiros


8<br />

Os motivos são<br />

a proximida<strong>de</strong>, o<br />

preço menor e até<br />

mesmo a relação<br />

afetiva. Afinal, não<br />

há dúvidas entre os<br />

especialistas sobre o<br />

fato <strong>de</strong> que comprar<br />

é também<br />

um gesto emocional.<br />

Mas, no mundo<br />

dos negócios, nenhuma<br />

tendência<br />

é <strong>de</strong>finitiva.<br />

A força do pequeno<br />

varejo<br />

tem sido evi<strong>de</strong>nciada<br />

por meio<br />

<strong>de</strong> pesquisas,<br />

como<br />

explica Victor Almeida, professor e<br />

coor<strong>de</strong>nador do Programa <strong>de</strong> Aperfeiçoamento<br />

em Gestão do Varejo, do<br />

Instituto Coppead <strong>de</strong> Pós-Graduação em<br />

Administração, da <strong>UFRJ</strong>: <strong>de</strong> acordo com<br />

um trabalho realizado pela AC Nielsen<br />

(empresa <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong> mercado), o<br />

formato <strong>de</strong> pequeno varejo no auto-serviço<br />

apresentou altas taxas no volume <strong>de</strong><br />

vendas. Em 2004, aumentou 8% em relação<br />

a 2003, quando já havia apresentado<br />

um crescimento <strong>de</strong> 8,5% em comparação<br />

com 2002.<br />

Segundo ele, em outro levantamento<br />

realizado pela mesma empresa, em 2005,<br />

49% dos entrevistados <strong>de</strong>clararam gastar<br />

pelo menos 50% do seu orçamento<br />

<strong>de</strong>stinado à alimentação com reposições<br />

mensais. O público respon<strong>de</strong>u que o<br />

principal motivo para freqüentar o mesmo<br />

supermercado é a proximida<strong>de</strong> (60%)<br />

e que o segundo é o preço atrativo (55%).<br />

Ainda <strong>de</strong> acordo com a mesma pesquisa,<br />

69% das 162 categorias <strong>de</strong> produtos analisadas<br />

no estudo, apresentaram preços<br />

menores no pequeno varejo.<br />

Economia <strong>de</strong> bazar e Saara<br />

Práticas como o pregão e a pechincha<br />

apenas acontecem nesse tipo <strong>de</strong> comércio.<br />

Nos shoppings ou nos supermercados,<br />

as coisas são mais impessoais,<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Economia<br />

Economia <strong>de</strong> bazar faz sucesso<br />

Rodrigo Ricardo<br />

ilustração Anna Carolina Bayer<br />

frias, higiênicas e assépticas, analisa<br />

Paulo Thiago <strong>de</strong> Mello, antropólogo do<br />

grupo <strong>de</strong> pesquisadores do Laboratório<br />

<strong>de</strong> Etnografia Metropolitana (Lemetro),<br />

do Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais<br />

(IFCS), da <strong>UFRJ</strong>. Entre os objetos<br />

<strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> Paulo Thiago, está a Saara<br />

(Socieda<strong>de</strong> dos Amigos e das Adjacências<br />

da Rua da Alfân<strong>de</strong>ga), no Centro do Rio,<br />

que é um sítio comercial, marcado pela<br />

presença <strong>de</strong> grupos étnicos como sírios,<br />

libaneses e ju<strong>de</strong>us sefarditas (expulsos da<br />

Península Ibérica, principalmente Espanha,<br />

e que <strong>de</strong>pois migram para o Oriente),<br />

que atuavam no atacado para suprir os<br />

chamados mascates. Em 1962, quando<br />

esses comerciantes se associam e fundam<br />

a Saara para barrar uma reforma urbana<br />

que <strong>de</strong>moliria suas lojas, tem início uma<br />

mudança <strong>de</strong> comportamento. Entre elas,<br />

o contato direto com o freguês para a<br />

venda a varejo, praticada no Oriente e<br />

por muitos outros povos, <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong><br />

economia <strong>de</strong> bazar.<br />

O antropólogo afirma ainda que na<br />

hora da compra se estabelece um laço<br />

íntimo que vai além do aspecto econômico,<br />

passando pela troca <strong>de</strong> confiança<br />

que apóiam relações econômicas como<br />

as <strong>de</strong> crédito. No início dos anos 1990,<br />

com o advento dos shopping centers, há<br />

um baque nos negócios da Saara que, in-<br />

Aquela lojinha <strong>de</strong> esquina ou armazém do bairro,<br />

salvação nas horas difíceis quando falta algo em<br />

casa, vem conquistando fatias <strong>de</strong> mercado, antes<br />

ocupadas pelas gran<strong>de</strong>s corporações<br />

clusive, sofre um processo <strong>de</strong> atualização<br />

ao aceitar compras via cheque ou cartão.<br />

Esses comerciantes superam o período e,<br />

mesmo hoje, continuam a fazer da venda<br />

uma relação, ao mesmo tempo, comercial<br />

e social, <strong>de</strong>staca Paulo Thiago, para quem<br />

o dado novo vem da classe média que<br />

<strong>de</strong>scobriu e a<strong>de</strong>riu fortemente ao comércio<br />

popular. Certas resistências ruíram,<br />

mas o símbolo <strong>de</strong> status e <strong>de</strong> formação <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> no ato da compra permanece.<br />

Para muitos, você é o que consome.<br />

Consumidor surfista e o real mercado<br />

brasileiro<br />

Para Letícia Cassoti, professora <strong>de</strong><br />

Comportamento do Consumidor do<br />

Instituto Coppead, não existem dúvidas<br />

<strong>de</strong> que a compra é sempre carregada <strong>de</strong><br />

emoção e <strong>de</strong> que o mercado brasileiro<br />

real encontra-se nas classes C, D e E. “Esses<br />

sentimentos fogem ao plano racional<br />

estrito e são difíceis <strong>de</strong> serem entendidos<br />

apenas por perguntas diretas. O alimento,<br />

por exemplo, apresenta significado<br />

apreendido na família”, aponta a professora.<br />

As empresas, no Brasil, segundo<br />

ela, estão, em geral, afastadas do consumidor<br />

<strong>de</strong> baixa renda: “elas chegavam a<br />

eles por acaso e não por uma intenção.<br />

Embora possa parecer que esse consumidor,<br />

individualmente, tenha pouco po<strong>de</strong>r<br />

aquisitivo, ele <strong>de</strong>tém uma enorme capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> agregar renda, através <strong>de</strong> seus<br />

familiares. Além do mais, as classes mais<br />

baixas preocupam-se em honrar seus<br />

compromissos, como mostra a dissertação<br />

<strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong> Cecília Mattoso (Me<br />

empresta seu nome? Um estudo sobre os<br />

consumidores pobres e seus problemas<br />

financeiros) realizada entre os moradores<br />

da Favela da Rocinha e transformada em<br />

livro (Mauad, 2005).”<br />

Outra análise parte <strong>de</strong> que, hoje, o<br />

consumidor é “multicanal” ou “surfis-<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

ta”, po<strong>de</strong>ndo usar a loja da vizinhança<br />

por uma conveniência <strong>de</strong> tempo ou até<br />

por um relacionamento. Mas, ainda<br />

assim, freqüenta outros meios como o<br />

comércio on-line pela Internet. “Não é<br />

possível olhar o consumidor em apenas<br />

uma <strong>de</strong>terminada situação. As pessoas<br />

querem promoções, entrega em domicílio.<br />

Esse fenômeno acontece em todas as<br />

classes sociais. A população pobre, que<br />

está excluída digitalmente, também vai<br />

comprar na localida<strong>de</strong>, no supermercado,<br />

pelo catálogo ou telefone”, <strong>de</strong>staca<br />

Letícia Cassoti.<br />

Exemplo internacional e mercado para<br />

todos<br />

Citada por especialistas <strong>de</strong> marketing,<br />

as Casas Bahia são vistas como – e <strong>de</strong> fato<br />

tornaram-se – a maior re<strong>de</strong> varejista <strong>de</strong><br />

eletrodomésticos, eletro-eletrônicos e<br />

móveis do país, com mais <strong>de</strong> 500 lojas<br />

e um faturamento <strong>de</strong> R$ 11,5 bilhões<br />

no último ano. “Eles revolucionaram o<br />

varejo com as prestações em doze vezes<br />

e <strong>de</strong>senvolveram uma nova percepção do<br />

crédito, eliminando certas burocracias<br />

e levando em consi<strong>de</strong>ração a capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> pagamento das pessoas”,<br />

comenta Letícia, apontando que não<br />

existem regras ou fórmulas <strong>de</strong> sucesso<br />

para a administração das empresas:<br />

“<strong>de</strong> fato, o po<strong>de</strong>r do varejo cresceu pela<br />

proximida<strong>de</strong> com o consumidor e pela<br />

expansão do setor <strong>de</strong> serviços. Embora<br />

não veja o gran<strong>de</strong> varejo per<strong>de</strong>ndo ou o<br />

pequeno ganhando. É um momento <strong>de</strong><br />

negócio. Discordo do conceito ‘small<br />

is beautifully’, já que, atualmente, tudo<br />

po<strong>de</strong> ser bonito e há espaço para todos os<br />

tamanhos. Na verda<strong>de</strong>, existe uma avi<strong>de</strong>z<br />

por novida<strong>de</strong>s e inovações. Agora, nesse<br />

público, encontra-se quem tem fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong><br />

e quem não tem nenhuma.”<br />

Outros números<br />

De acordo com a edição <strong>de</strong> 2005 do<br />

ranking da Abras (Associação Brasileira<br />

<strong>de</strong> Supermercados), as lojas <strong>de</strong> até 250<br />

metros quadrados foram as que mais<br />

expandiram em participação sobre o<br />

número total <strong>de</strong> lojas <strong>de</strong> auto-serviço. Em<br />

faturamento, as <strong>de</strong> até quatro check-outs<br />

(com saída <strong>de</strong> produtos da prateleira)<br />

evoluíram <strong>de</strong> 34,1% <strong>de</strong> participação<br />

sobre o faturamento total, em 2002, para<br />

37,1%, em 2004.<br />

Victor Almeida lembra que a sétima<br />

edição da pesquisa Lí<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Vendas,<br />

realizada pela AC Nielsen, publicada em<br />

março <strong>de</strong> <strong>2006</strong>, mostrou que as lojas com<br />

20 ou mais check-outs, voltaram a ter<br />

mais importância nas vendas em volume<br />

dos produtos. Algumas das gran<strong>de</strong>s re<strong>de</strong>s<br />

tem optado por operar em multiformato,<br />

ou seja, realizam trabalhos e operações<br />

com lojas menores, avalia o professor.


Jornal da<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />

9<br />

Luciana Campos<br />

ilustração Pina Brandi<br />

A <strong>UFRJ</strong> é hoje uma das poucas instituições<br />

do país com condições <strong>de</strong><br />

formar profissionais com perfis<br />

a<strong>de</strong>quados para atuação em<br />

áreas multidisciplinares,<br />

como a Nanociência e a<br />

Nanotecnologia. E isso,<br />

na opinião do professor<br />

José D’Albuquerque<br />

Castro, do Instituto <strong>de</strong><br />

Física e coor<strong>de</strong>nador<br />

da I Escola <strong>de</strong> Nanociência<br />

e Nanotecnologia<br />

da universida<strong>de</strong>, se <strong>de</strong>ve<br />

ao fato da universida<strong>de</strong><br />

realizar um gran<strong>de</strong> número<br />

<strong>de</strong> pesquisas em diferentes<br />

campos, aten<strong>de</strong>ndo à<br />

multidisciplinarida<strong>de</strong><br />

característica<br />

<strong>de</strong>ssas áreas.<br />

A N a n o c i -<br />

ência estuda os<br />

processos e os<br />

sistemas que ocorrem<br />

em escala atômica.<br />

Já a Nanotecnologia<br />

transforma o conhecimento<br />

obtido pela Nanociência e o<br />

transforma em produtos<br />

ou processos, a serem<br />

utilizados em<br />

diferentes ramos <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s, sejam<br />

cientificas ou industriais,<br />

como, por<br />

exemplo, as indústrias<br />

farmacêutica e cosmética.<br />

Por ser a formação dos profissionais<br />

muito compartimentalizada, <strong>de</strong> pouca interação<br />

com outras áreas, a I Escola promoverá<br />

trocas <strong>de</strong> informações entre pesquisadores e<br />

estudos produzidos em diferentes unida<strong>de</strong>s<br />

da universida<strong>de</strong>, como os institutos <strong>de</strong><br />

Bioquímica e <strong>de</strong> Física, que <strong>de</strong>senvolvem<br />

técnicas e funções que se complementam, e<br />

que participarão da I Escola, a ser realizada<br />

em 31 <strong>de</strong> julho e 4 <strong>de</strong> agosto.<br />

Importância reconhecida<br />

Na última década, houve, por parte<br />

do governo brasileiro, um reconhecimento<br />

da importância da Nanociência<br />

Universida<strong>de</strong> Ciência<br />

Pesquisas fazem a<br />

diferença<br />

A I Escola <strong>de</strong> Nanociência e Nanotecnologia cre<strong>de</strong>ncia<br />

a <strong>UFRJ</strong> como integrante do seleto grupo <strong>de</strong> instituições<br />

universitárias, como a USP e a Unicamp, que <strong>de</strong>senvolvem<br />

pesquisas tecnológicas <strong>de</strong> ponta<br />

e da Nanotecnologia para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> novos processos e materiais<br />

que são fortemente <strong>de</strong>mandados pelo<br />

mercado internacional, permitindo ao<br />

Brasil a ocupação <strong>de</strong> posição <strong>de</strong>stacada<br />

no mercado externo. “O governo, não<br />

<strong>de</strong> agora, mas já <strong>de</strong> algum tempo, se<br />

<strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> que se a indústria brasileira<br />

não incorporar a alta tecnologia,<br />

o país não irá conseguir se manter<br />

competitivo internacionalmente”,<br />

afirma D’Albuquerque, lembrando<br />

da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distanciamento<br />

entre os países, <strong>de</strong>terminado pela<br />

incorporação e absorção, pela<br />

indústria, <strong>de</strong> novas tecnologias.<br />

A Nanociência e a<br />

Nanotecnologia nascem<br />

no final dos anos<br />

1980 e, rapidamente,<br />

sua importância social<br />

vêm sendo percebidas,<br />

afetando diretamente os<br />

setores industriais<br />

importantes e<br />

levando gran<strong>de</strong>s empresas<br />

a voltarem parcelas crescentes<br />

<strong>de</strong> seus investimentos<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> pesquisas<br />

nessas áreas.<br />

D’Albuquerque preconiza<br />

que as indústrias<br />

brasileiras precisam<br />

mudar suas estratégias <strong>de</strong><br />

investimento. Hoje – segundo<br />

ele – elas exploram,<br />

ao máximo, as técnicas que<br />

<strong>de</strong>têm sem, no entanto, investirem<br />

em novos projetos <strong>de</strong><br />

pesquisas. Além disso, o país<br />

precisa oferecer condições políticas<br />

e econômicas favoráveis que<br />

estimulem as indústrias a investirem<br />

em pesquisas – ressalta o pesquisador<br />

– mencionando as elevadas taxas <strong>de</strong><br />

juros e o sistema tributário brasileiro<br />

como fatores inibidores <strong>de</strong> qualquer<br />

tipo <strong>de</strong> investimento.


10<br />

Taísa Gamboa, da AgN/CCS<br />

ilustração Jefferson Nepomuceno<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Saú<strong>de</strong><br />

Pirâmi<strong>de</strong> alimentar invertida<br />

Diferentemente do que vem sendo dito até aqui – que se po<strong>de</strong> comer à vonta<strong>de</strong> qualquer alimento – e do estardalhaço<br />

proporcionado pela mídia diante da inversão da Pirâmi<strong>de</strong> Alimentar, proposta pelo norte-americano Walter Willet, pesquisador<br />

da <strong>UFRJ</strong> alerta que não é bem assim e explica como a pirâmi<strong>de</strong> virou símbolo <strong>de</strong> hábitos alimentares saudáveis<br />

Proporcionar uma educação nutricional<br />

com padrões <strong>de</strong> alimentação<br />

saudável adaptados à população norteamericana,<br />

foi o principal objetivo que<br />

levou o governo dos EUA a criar, em<br />

1992, a pirâmi<strong>de</strong> alimentar, ou o Food<br />

Gui<strong>de</strong> Pyramid. A idéia <strong>de</strong> implantar<br />

um guia alimentar não é nova. Vários<br />

símbolos, como o prato, a roda ou<br />

um carrinho <strong>de</strong> supermercado, foram<br />

testados, mas acabavam confundindo<br />

as pessoas. A pirâmi<strong>de</strong> foi a melhor<br />

forma encontrada pelo Departamento<br />

<strong>de</strong> Agricultura Estaduni<strong>de</strong>nse (USDA)<br />

para expressar a varieda<strong>de</strong> e a proporcionalida<strong>de</strong><br />

a<strong>de</strong>quadas ao consumo <strong>de</strong><br />

alimentos.<br />

O nutrólogo Emilson Portella, professor<br />

do Instituto <strong>de</strong> Nutrição Josué<br />

Castro (INJC), da <strong>UFRJ</strong>, acredita que,<br />

mesmo sendo consi<strong>de</strong>rada um avanço<br />

em relação aos guias alimentares<br />

anteriores, a pirâmi<strong>de</strong> não é a forma<br />

i<strong>de</strong>al para se representar visualmente<br />

dados dietéticos. Em seu topo estão<br />

dispostos a gordura e o açúcar, conferindo<br />

a idéia <strong>de</strong> que esses alimentos<br />

são importantes e <strong>de</strong>veriam ser consumidos<br />

em larga escala. Segundo ele,<br />

a interpretação correta preconiza que<br />

esses dois elementos, presentes na<br />

dieta cotidiana <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da po-<br />

Emilson Portella:“a pirâmi<strong>de</strong> não é a forma i<strong>de</strong>al para se representar visualmente dados dietéticos”<br />

pulação, <strong>de</strong>veriam ter o seu consumo<br />

reduzido. Seguindo essa organização,<br />

a base da alimentação seria composta<br />

por cereais, que forneceriam energia<br />

para as ativida<strong>de</strong>s dos indivíduos ao<br />

longo <strong>de</strong> todo o dia.<br />

Em 2001, Walter Willet, professor<br />

do Departamento <strong>de</strong> Nutrição da<br />

Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Harvard, propôs<br />

inverter essa disposição dos grupos<br />

<strong>de</strong> alimentos, por isso o título <strong>de</strong><br />

“pirâmi<strong>de</strong> invertida”. De acordo com<br />

estudos <strong>de</strong> Willet, as doenças que mais<br />

assolam a população norte-americana<br />

são o diabetes, a obesida<strong>de</strong>, as doenças<br />

cardiovasculares e hipertensão<br />

arterial, comumente conhecidas por<br />

doenças crônicas não transmissíveis.<br />

“A maneira como os alimentos estavam<br />

dispostos na pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1992,<br />

não contribuía para a diminuição do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssas doenças crônicas<br />

na população americana”, afirma<br />

Emilson Portella.<br />

Publicada no livro Eat, Drink and<br />

Be Healthy (Harvard Medical School e<br />

Simon & Schuster, 2001), a também conhecida<br />

como Healthy Eating Pyramid<br />

utiliza a mesma simbologia, mas expõe<br />

os alimentos <strong>de</strong> forma diferenciada.<br />

Além <strong>de</strong> estimular a prática <strong>de</strong> exercícios<br />

físicos regulares,dispostos<br />

na base <strong>de</strong><br />

sua pirâmi<strong>de</strong>,<br />

o professor <strong>de</strong><br />

Harvard também<br />

aponta a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

controlar o peso<br />

da população.<br />

Emilson Portella,<br />

diz que o<br />

mesmo aconteceu<br />

com as leguminosas,<br />

como<br />

o feijão, e com<br />

as substâncias<br />

c o n s i d e r a d a s<br />

antioxidantes,<br />

importantíssimas<br />

na prevenção<br />

<strong>de</strong> uma série<br />

<strong>de</strong> doenças<br />

c r ô n i c a s n ã o<br />

transmissíveis,<br />

como o próprio<br />

câncer. O consumo<br />

<strong>de</strong> gorduras<br />

foi con<strong>de</strong>nado,<br />

quando<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

em excesso, pois são a maior causa <strong>de</strong><br />

doença cardiovascular na população<br />

mundial. A carne vermelha ficou no<br />

topo da pirâmi<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vendo ser evitada<br />

ao máximo, e, em sua base, óleos<br />

vegetais, como o azeite, repletos <strong>de</strong><br />

gorduras mono-insaturadas, que previnem<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento das doenças<br />

coronarianas. Isso porque a pirâmi<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> 2001, também conhecida como<br />

a pirâmi<strong>de</strong> invertida <strong>de</strong> Harvard, se<br />

baseia na dieta mediterrânea, on<strong>de</strong> a<br />

alimentação, teoricamente, auxilia na<br />

prevenção da doença cardiovascular.<br />

A suplementação com vitaminas<br />

e minerais também foi introduzida<br />

no guia alimentar <strong>de</strong> Willet, mas o<br />

nutrólogo Emilson Portella não concorda<br />

com essa adição. Segundo ele,<br />

se a pessoa consome vegetais, frutas,<br />

peixes, leguminosas e cereais em quantida<strong>de</strong><br />

suficiente, não há necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> suplementação. O importante seria<br />

diversificar ao máximo os alimentos<br />

que entram na formação da alimentação<br />

diária.<br />

Outro ponto enfatizado na pirâmi<strong>de</strong><br />

invertida é o consumo <strong>de</strong> bebidas alcoólicas<br />

em mo<strong>de</strong>ração. Mas o pesquisador<br />

<strong>de</strong> Harvard não <strong>de</strong>ixa claro o que é<br />

consi<strong>de</strong>rado mo<strong>de</strong>rado (regularmente,


Jornal da<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />

seriam 150 ml para mulheres e o dobro<br />

para os homens, ao dia), nem o tipo <strong>de</strong><br />

bebida que <strong>de</strong>veria ser consumida. “Se<br />

levarmos em consi<strong>de</strong>ração que essa<br />

pirâmi<strong>de</strong> é baseada nos conceitos da<br />

alimentação mediterrânea, saudável,<br />

e com o objetivo <strong>de</strong><br />

prevenir doenças crônicas<br />

não transmissíveis, o i<strong>de</strong>al<br />

é que se consuma vinho<br />

tinto, <strong>de</strong>vido as suas proprieda<strong>de</strong>s<br />

anti-oxidantes”,<br />

complementa o professor.<br />

Um <strong>de</strong>talhe importante<br />

<strong>de</strong>ve ser mencionado.<br />

Essa pirâmi<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Willet é<br />

apenas uma sugestão<br />

<strong>de</strong> um acadêmico<br />

sobre a alimentação<br />

nacional. O<br />

guia alimentar oficial<br />

norte-americano é a<br />

pirâmi<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1992. É<br />

ela que, em 2005, consi<strong>de</strong>rada<br />

ultrapassada, foi<br />

modificada por uma nova<br />

disposição <strong>de</strong> forma a<br />

garantir uma alimentação<br />

mais saudável<br />

à população. A nova<br />

versão do governo<br />

inclui conceitos como<br />

a prática regular <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong> física, disposta<br />

na figura <strong>de</strong> um homem subindo<br />

as escadas da pirâmi<strong>de</strong>.<br />

Na antiga edição, as porções<br />

eram bem <strong>de</strong>finidas, mas<br />

não muito bem<br />

representadas. Com a modificação, os<br />

compartimentos <strong>de</strong> alimentos foram<br />

transformados em faixas que contemplam<br />

os grupos nutricionais.<br />

Das três pirâmi<strong>de</strong>s, a oficial <strong>de</strong> 2005<br />

foi uma evolução em relação à <strong>de</strong> 1992.<br />

Mas para o professor Portella, isso não<br />

ocorre quando comparada à pirâmi<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Willet. Os conceitos da dieta mediterrânea,<br />

o estímulo ao consumo <strong>de</strong><br />

gorduras mono-insaturadas e fibras,<br />

e a ativida<strong>de</strong> específica, também são<br />

abordados pela nova pirâmi<strong>de</strong>, porém<br />

não têm uma visualização a<strong>de</strong>quada.<br />

Dessa forma, um leigo não consegue<br />

observar corretamente todos os preâmbulos<br />

presentes na figura e por vezes,<br />

necessita <strong>de</strong> complementação.<br />

É interessante notar que cada país<br />

adapta a pirâmi<strong>de</strong> original americana<br />

ou <strong>de</strong>senvolve a sua própria <strong>de</strong> acordo<br />

com as características alimentares<br />

e culturais <strong>de</strong> sua população. No<br />

Brasil a professora Sônia Tucunduva<br />

Phillip, do Departamento <strong>de</strong> Nutrição<br />

da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública<br />

da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (USP)<br />

<strong>de</strong>senvolveu a pirâmi<strong>de</strong> alimentar brasileira,<br />

adaptando a versão americana<br />

à nossa população. É o caso da batata,<br />

que sempre esteve presente no grupo<br />

dos vegetais das pirâmi<strong>de</strong>s alimentares<br />

americanas, tanto em 1992, quanto em<br />

2005. Fonte <strong>de</strong> carboidrato consistente,<br />

tal como o aipim e a batata-doce,<br />

a batata foi <strong>de</strong>slocada para o grupo <strong>de</strong><br />

alimentos que fornecem mais quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> carboidratos que os cereais.<br />

Guia alimentar brasileiro<br />

Iniciativas para guiar a alimentação<br />

dos brasileiros, a<strong>de</strong>quando-a a<br />

hábitos dietéticos saudáveis, também<br />

são <strong>de</strong>senvolvidas. O Ministério da<br />

Saú<strong>de</strong> (MS), por exemplo, criou, em<br />

2005, a sua própria cartilha baseada<br />

em uma coletânea <strong>de</strong> evidências, nacionais<br />

e internacionais, produzidas<br />

principalmente nos últimos <strong>de</strong>z anos.<br />

O guia alimentar para a população<br />

brasileira, do Departamento <strong>de</strong> Atenção<br />

Básica (DAB) disponível no site<br />

Tabela comparativa entre as porções norte-americana e brasileira<br />

GRUPOS EUA BRASIL<br />

Cereais 6 - 11 5 - 9<br />

Frutas 2 - 4 3 - 5<br />

Hortaliças 3 - 5 4 - 5<br />

Leite e <strong>de</strong>rivados 2 - 3 3<br />

Carnes<br />

2 - 3 (inclui<br />

leguminosas)<br />

1 - 2<br />

Leguminosas - 1<br />

Açúcares consumo mo<strong>de</strong>rado 1 - 2<br />

Gorduras consumo mo<strong>de</strong>rado 1 - 2<br />

http://dtr2004.sau<strong>de</strong>.gov.br/nutricao,<br />

traz recomendações sobre alimentação<br />

saudável condizentes com o que preconizam<br />

os especialistas <strong>de</strong> Harvard.<br />

O documento brasileiro não adotou<br />

nenhuma simbologia, porque ainda<br />

está em fase <strong>de</strong> construção.<br />

Além disso, o Plano Nacional <strong>de</strong><br />

Alimentação e Nutrição, propõe que<br />

“o conjunto das políticas <strong>de</strong> governo<br />

seja voltado à concretização do direi-<br />

to humano universal à alimentação<br />

e nutrição a<strong>de</strong>quadas – esta política<br />

tem como propósito a garantia da<br />

qualida<strong>de</strong> dos alimentos colocados<br />

para consumo no país, a promoção<br />

<strong>de</strong> práticas alimentares saudáveis e a<br />

prevenção e o controle dos distúrbios<br />

nutricionais, bem como o estímulo às<br />

ações intersetoriais que propiciem o<br />

acesso universal aos alimentos”.<br />

Entretanto, nenhum <strong>de</strong>sses guias<br />

alimentares, ou pirâmi<strong>de</strong>s, sejam elas<br />

nacionais ou não, contempla o consumo<br />

da água. A forma <strong>de</strong> pirâmi<strong>de</strong><br />

não é a única adotada. A Austrália,<br />

por exemplo, utiliza a forma <strong>de</strong> um<br />

prato (ou uma pizza) e nela distribui<br />

os alimentos, ampliando os espaços<br />

para frutas e vegetais.<br />

Educação nutricional<br />

Emilson Portella diz que é importante<br />

envidar esforços na criação <strong>de</strong><br />

On<strong>de</strong> buscar mais<br />

informações<br />

11<br />

guias alimentares <strong>de</strong> fácil utilização.<br />

“Todos são muito válidos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

sejam bem trabalhados como uma ferramenta<br />

<strong>de</strong> educação nutricional para<br />

a população. O i<strong>de</strong>al é que levem a<br />

todos a melhor forma <strong>de</strong> adaptar seus<br />

hábitos alimentares, modificando-os<br />

para garantir a redução da ocorrência<br />

<strong>de</strong> doenças crônicas não transmissíveis<br />

na nossa socieda<strong>de</strong>”, orienta o<br />

professor.<br />

O s i te http://w w w. my pyramid.<br />

g o v, d a U S DA , d i s p o n i b i l i z a u m<br />

guia alimentar personalizado, com<br />

a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leguminosas, frutas<br />

e cereais que <strong>de</strong>vem ser consumidos<br />

por semana. Nele é possível verificar<br />

a proporcionalida<strong>de</strong>, a varieda<strong>de</strong><br />

e a a<strong>de</strong>quação da alimentação. Num<br />

mesmo grupo, existem alimentos<br />

com maior ou menor quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> nutrientes que ficam dispostos<br />

ao longo da faixa a qual pertencem.<br />

O pão branco, por exemplo, é um<br />

cereal localizado no topo da faixa<br />

dos cereais, enquanto que os cereais<br />

integrais estão na base. Todas essas<br />

variáveis são adaptadas às carac -<br />

terísticas (ida<strong>de</strong>, sexo e ativida<strong>de</strong>s<br />

físicas) que cada usuário fornece ao<br />

site (My Pyramid Plan).


12<br />

Ivana Bentes<br />

Rodrigo Ricardo<br />

fotos Marco Fernan<strong>de</strong>s<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: A universida<strong>de</strong> vem se auto<strong>de</strong>finindo<br />

como um centro <strong>de</strong> excelência. Afinal, o que significa<br />

isso hoje?<br />

Ivana Bentes: Na minha área, a excelência não tem<br />

nada a ver com a meritocracia abstrata. Em nome disso<br />

se sustentam discursos elitistas e se cometem muitas<br />

injustiças. Exemplo disso é o posicionamento <strong>de</strong> alguns<br />

setores contra as cotas, além do fechamento da<br />

universida<strong>de</strong> para fenômenos no âmbito da Cultura e<br />

da própria Comunicação que estão ocorrendo fora dos<br />

campi. A minha idéia é a produção <strong>de</strong> conhecimento<br />

com uma circulação social <strong>de</strong> forma muito ampla. Não<br />

acredito em ensino <strong>de</strong> excelência <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> guetos.<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Entrevista<br />

Pela radicalização<br />

da <strong>de</strong>mocracia<br />

Decidida e crítica, Ivana Bentes, diretora da Escola <strong>de</strong> Comunicação (ECO), da <strong>UFRJ</strong>, quer ver a<br />

universida<strong>de</strong> extrapolar seus muros e contribuir para a radicalização da <strong>de</strong>mocracia. Nessa tarefa, que<br />

passa pela transformação <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>s e a circulação social do conhecimento, a professora propõe o<br />

fim <strong>de</strong> antigos discursos abstratos que paralisam a universida<strong>de</strong>.<br />

Para ela, que é pesquisadora na área <strong>de</strong> Comunicação e Cultura com ênfase no campo das novas<br />

mídias, midiativismo e estéticas da Comunicação, há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a <strong>UFRJ</strong> produzir mídia e adotar<br />

um projeto estratégico para a comunicação da universida<strong>de</strong>. “Se nós não pautarmos a mídia, nós vamos<br />

ser pautados por ela”, aponta Ivana.<br />

Autora <strong>de</strong> Joaquim Pedro <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>: a revolução intimista (Relume-Dumará, 1996) e organizadora<br />

<strong>de</strong> Cartas ao mundo (Companhia das Letras, 1997), com a correspondência <strong>de</strong> Glauber Rocha, Ivana<br />

não per<strong>de</strong> o ângulo da pesquisa e vem <strong>de</strong>senvolvendo Favela Global: riqueza da cultura e imagens da<br />

pobreza, estudo sobre o audiovisual com enfoque na pobreza, espaço informal <strong>de</strong> on<strong>de</strong> surgem novos<br />

fenômenos culturais.<br />

A professora discute, ainda, o que consi<strong>de</strong>ra “bipolarida<strong>de</strong> esquizofrênica”, o fato <strong>de</strong> o Jornalismo<br />

aterrorizar e a ficção amenizar, nos discursos midiáticos.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Como você avalia a universida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> hoje?<br />

Ivana Bentes: Vive-se um momento <strong>de</strong> consciência sobre<br />

suas qualida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>feitos. O principal <strong>de</strong>les é que<br />

a universida<strong>de</strong> ainda não é suficientemente pública,<br />

seja em pensamento ou em sua prática. Ainda estamos<br />

longe da livre circulação do conhecimento e do retorno<br />

para a socieda<strong>de</strong> do que se faz aqui <strong>de</strong>ntro. Nós somos<br />

socialmente pagos para produzir mais <strong>de</strong>mocracia e<br />

justiça social. É claro que existem avanços, aqui se faz<br />

ciência e se é referência. Mas, ainda assim, é preciso uma<br />

autocrítica. A questão do público também não po<strong>de</strong> ser<br />

uma abstração. É a hora da universida<strong>de</strong> ser efetivamente<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

pública, trabalhando com a inteligência comum que está<br />

na multidão, em meio a todos os grupos sociais. Hoje, a<br />

principal injeção na produção <strong>de</strong> saber na área cultural<br />

vem <strong>de</strong> movimentos como o Hip-hop e o Funk. Há uma<br />

dinâmica enorme nesse espaço informal, inclusive nas<br />

favelas. A universida<strong>de</strong> não é o único lugar em que se<br />

produz saber, nós não temos essa reserva <strong>de</strong> mercado.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Mas a universida<strong>de</strong> já não reconhece<br />

os movimentos sociais e populares?<br />

Ivana Bentes: A gente precisa sair, porém, da relação <strong>de</strong><br />

objeto. Durante muito tempo os movimentos foram matéria<br />

para teses e dissertações, on<strong>de</strong> ocorre a produção <strong>de</strong><br />

nossa fala e do olhar acadêmico sobre eles. A diferença<br />

acontece quando passamos a trabalhar juntos, trazendo<br />

os movimentos para se tornarem sujeitos <strong>de</strong>sse discurso.<br />

Hoje, através da proposta dos projetos <strong>de</strong> Extensão vem<br />

se quebrando essa antiga relação hierárquica. Até porque,<br />

esses grupos também estão se qualificando, entrando nas<br />

universida<strong>de</strong>s e criando seus próprios discursos. Portanto,<br />

é a hora da abertura da universida<strong>de</strong> para o que ficou<br />

<strong>de</strong> fora, o que a Extensão, <strong>de</strong> modo interessante, vem<br />

conseguindo realizar.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E como é esse encontro nos projetos<br />

<strong>de</strong> Extensão?<br />

Ivana Bentes: Certamente há conflitos e se <strong>de</strong>scobre que<br />

as relações são assimétricas e <strong>de</strong>siguais. Mas, o encontro<br />

com esses outros sujeitos, que também estão produzindo<br />

através <strong>de</strong> suas práticas, surge a construção <strong>de</strong> um novo<br />

conhecimento. Essa abertura é fundamental. No Brasil,<br />

a universida<strong>de</strong> transformou-se num gran<strong>de</strong> funil. A cota<br />

somos nós, doutores e mestres, com inúmeros privilégios.<br />

É o tempo <strong>de</strong> dividirmos, e até abrirmos mão <strong>de</strong> certos<br />

direitos adquiridos, em nome da radicalização <strong>de</strong>ssa<br />

<strong>de</strong>mocracia.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E como se daria essa radicalização da<br />

<strong>de</strong>mocracia nos espaços universitários?<br />

Ivana Bentes: “Discursos fossilizados” que <strong>de</strong>monizam<br />

o mercado ou os movimentos sociais precisam ser superados.<br />

A <strong>UFRJ</strong> tem que repensar todas as suas relações,<br />

até mesmo com o Estado. Precisamos interagir com esse<br />

público e qualificá-lo. Não há nada <strong>de</strong> errado com parcerias<br />

que, <strong>de</strong> fato, gerem contrapartida social e que não fujam


Jornal da<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />

13<br />

<strong>de</strong> uma linha pública. A radicalização da<br />

<strong>de</strong>mocracia passa pela construção <strong>de</strong>sse<br />

novo discurso sobre essas relações. Será<br />

que vamos conseguir criar um pensamento<br />

que seja tão importante quanto foi o <strong>de</strong><br />

resistência durante a ditadura?<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E qual é o papel da Comunicação<br />

para a universida<strong>de</strong>?<br />

Ivana Bentes: É um campo extraordinário<br />

para esse tipo <strong>de</strong> trabalho, seja<br />

em parceria com os excluídos para a<br />

produção <strong>de</strong> novos conhecimentos ou<br />

na busca pela circulação e partilha do<br />

saber. A universida<strong>de</strong> precisa <strong>de</strong> um<br />

projeto <strong>de</strong> Comunicação que possa caminhar<br />

nessa direção. Também <strong>de</strong>fendo<br />

que precisamos ocupar espaços como<br />

a TV universitária e comunitária, criar<br />

a Rádio da <strong>UFRJ</strong> e produzir mídia. O<br />

próprio Jornal da <strong>UFRJ</strong>, o Olhar Virtual<br />

e o Olhar Vital já são avanços nesse<br />

sentido. Mas se nós não pautarmos a<br />

mídia, nós vamos ser pautados por ela.<br />

Há casos interessantes como a TV PUC-<br />

SP e o Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Resenhas da USP<br />

(Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo), encartado<br />

na Folha <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: As tevês comunitárias<br />

e universitárias ainda não são apenas<br />

brechas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema maior<br />

<strong>de</strong> Comunicação que se encontra fechado?<br />

Ivana Bentes: O i<strong>de</strong>al seria ocuparmos<br />

espaço na programação das emissoras<br />

abertas. Mas aí, volta-se à questão das<br />

concessões públicas que se transformaram<br />

em licenças para ganhar dinheiro.<br />

Aos poucos, a socieda<strong>de</strong> avança na<br />

consciência <strong>de</strong> que os meios <strong>de</strong> comunicação<br />

são públicos e logo <strong>de</strong>vem se<br />

voltar para a sua origem. Por enquanto,<br />

é ingênuo que uma universida<strong>de</strong> pública<br />

não ocupe esse espaço público das tevês<br />

comunitárias e universitárias. Todas as<br />

universida<strong>de</strong>s particulares já têm seus<br />

programas. O luxo que po<strong>de</strong>mos nos dar<br />

é o <strong>de</strong> experimentar linguagens, seja no<br />

telejornalismo e em outras produções<br />

audiovisuais.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: A Comunicação também<br />

po<strong>de</strong>ria atuar pedagogicamente?<br />

Ivana Bentes: Dentro da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

informação, a principal dificulda<strong>de</strong> acontece<br />

por conta do bombar<strong>de</strong>io <strong>de</strong> notícias,<br />

essas, muitas vezes, <strong>de</strong>scontextualizadas,<br />

<strong>de</strong>turpadas e fragmentadas. Por isso, a<br />

Comunicação é estratégica até em nível<br />

cognitivo, para se enten<strong>de</strong>r o mundo em<br />

que se vive. Ela (Comunicação) <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />

ser um privilégio do nosso curso, pois a<br />

exigência <strong>de</strong>ssa habilida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>codificar<br />

informações, se apresentar diante <strong>de</strong> uma<br />

câmera e utilizar uma série <strong>de</strong> recursos<br />

tecnológicos, tornou-se uma <strong>de</strong>manda da<br />

alfabetização audiovisual.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Como po<strong>de</strong>ríamos construir,<br />

concretamente, uma comunida<strong>de</strong><br />

acadêmica “conectada”, em que conhecimentos<br />

e experiências sejam partilhados,<br />

além <strong>de</strong> dialogar com a socieda<strong>de</strong>?<br />

Ivana Bentes: O primeiro movimento<br />

passa por uma mudança <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>.<br />

A universida<strong>de</strong> precisa <strong>de</strong> transparência<br />

e <strong>de</strong> exposição, com avaliações externas<br />

e internas. As críticas dos pais ou <strong>de</strong><br />

outros atores precisam ser ouvidas e os<br />

<strong>de</strong>bates necessários <strong>de</strong>vem ser feitos.<br />

Ainda somos corporativos nesse sentido.<br />

Outro ponto é que ainda há problemas <strong>de</strong><br />

comunicação interna terríveis. A <strong>UFRJ</strong><br />

possui uma comunida<strong>de</strong> superdiversificada,<br />

assimétrica e com diferenças entre<br />

as suas unida<strong>de</strong>s. Ela se conhece pouco.<br />

Entrevista<br />

A conectivida<strong>de</strong> e sinergia <strong>de</strong>ntro da universida<strong>de</strong><br />

são pequenas.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E como você vê a gran<strong>de</strong><br />

mídia hoje?<br />

Ivana Bentes: Há uma crise nessa mídia<br />

tradicional, que é parcial e aborda mal<br />

os temas relacionados à Comunicação.<br />

Não há crítica entre os veículos e entre os<br />

próprios jornalistas, que são complacentes<br />

com o próprio po<strong>de</strong>r. Durante o seminário<br />

A Mídia da Crise ou Crise da Mídia<br />

(realizado em abril passado, na ECO), o<br />

professor Wan<strong>de</strong>rley Guilherme do Santos<br />

(da Universida<strong>de</strong> Cândido Men<strong>de</strong>s)<br />

lembrou que a mídia ven<strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong><br />

política e segurança, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> criar crises<br />

ou gerar o medo. Na verda<strong>de</strong>, os meios <strong>de</strong><br />

Comunicação são importantes <strong>de</strong>mais para<br />

estarem somente nas mãos dos jornalistas<br />

e dos comunicólogos. Precisamos <strong>de</strong> uma<br />

espécie <strong>de</strong> acompanhamento social sobre<br />

o setor. Até porque, on<strong>de</strong> nós vamos fazer<br />

a crítica sobre eles?<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Qual a sua avaliação sobre<br />

a implantação da TV Digital no Brasil?<br />

Ivana Bentes: A TV Digital apenas como<br />

melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imagem não<br />

vai alterar nada. A <strong>de</strong>manda social é por<br />

multicanais, que abram o mais po<strong>de</strong>roso<br />

instrumento <strong>de</strong> Comunicação da contemporaneida<strong>de</strong><br />

para as diversas vozes da<br />

socieda<strong>de</strong>. Agora, como há um interesse<br />

concreto da mídia, o <strong>de</strong>bate foi barrado e<br />

não se tornou suficientemente público. É<br />

um momento <strong>de</strong>licado para qualquer <strong>de</strong>cisão.<br />

Afinal, qual governo vai encarar os<br />

meios <strong>de</strong> Comunicação nos seus interesses<br />

mais íntimos?<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Qual seria o papel do<br />

governo na <strong>de</strong>mocratização dos meios <strong>de</strong><br />

comunicação?<br />

Ivana Bentes: O governo <strong>de</strong>veria ocupar<br />

o seu espaço <strong>de</strong> mediador entre as forças<br />

envolvidas (meios <strong>de</strong> Comunicação versus<br />

socieda<strong>de</strong>), até por ser ele quem faz as<br />

concessões. Entretanto, não haverá uma<br />

discussão mais ampla sem a mobilização<br />

social para pressionar e exigir esse <strong>de</strong>bate<br />

que, necessariamente, não precisa ser um<br />

embate, mas até uma parceria.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Você <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “bipolarida<strong>de</strong><br />

esquizofrênica” os discursos midiáticos<br />

nos quais o Jornalismo aterroriza<br />

e a ficção ameniza. Há momentos em que<br />

esses discursos se fun<strong>de</strong>m?<br />

Ivana Bentes: Não. Os discursos aparecem<br />

bem <strong>de</strong>marcados e funcionam numa espécie<br />

<strong>de</strong> compensação simbólica. Enquanto<br />

os noticiários criminalizam o pobre, nas<br />

novelas ele é mostrado como trabalhador<br />

honesto e as favelas chegam a ser cenários<br />

idílicos. No caso das drogas também há<br />

uma simplificação brutal do problema,<br />

colocando o usuário como o responsável<br />

pela violência e o tráfico. Nunca se aponta<br />

o <strong>de</strong>bate da legalização das drogas ou um<br />

discurso social mais amplo. No caso do<br />

PCC (Primeiro Comando da Capital), em<br />

São Paulo, houve um terrorismo midiático,<br />

quase que clamando por uma reação<br />

policial fascista. No plano político, a cobertura<br />

também é péssima. Falta o <strong>de</strong>bate<br />

<strong>de</strong> idéias e tudo é muito editorializado e<br />

com manipulações grosseiras. Chega a ser<br />

impressionante como não caiu esse governo,<br />

que teve o mérito <strong>de</strong> fazer com que<br />

as elites conservadoras e o pensamento<br />

<strong>de</strong> direita se assumissem e per<strong>de</strong>ssem a<br />

vergonha <strong>de</strong> aparecer.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Qual é o maior impacto<br />

das novas tecnologias sobre a mídia?<br />

Ivana Bentes: Há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

formarem contra-discursos, a criação <strong>de</strong><br />

novas ocupações e do leitor virar produtor<br />

<strong>de</strong> informação. Elas colocam em crise a<br />

tradicional mídia, por representarem a<br />

chance <strong>de</strong> quebra <strong>de</strong> monopólio, pulverizando<br />

a idéia <strong>de</strong> que somente através <strong>de</strong><br />

uma “Hollywood tropical” se emita opinião.<br />

Agora, ainda falta que a Internet seja<br />

parte da base popular. Enquanto a inclusão<br />

digital não acontece, os laboratórios<br />

tecnológicos da universida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>riam<br />

ser abertos ao uso social. Aos sábados e<br />

domingos, nenhuma produtora <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o<br />

fecha. Nos movimentos sociais, eles costumam<br />

dizer que não querem aparecer na<br />

televisão, mas ter um canal <strong>de</strong> tevês.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E quais são as maiores<br />

dificulda<strong>de</strong>s que você encontra na Direção<br />

da ECO?<br />

Ivana Bentes: A primeira reivindicação<br />

é aparelhar tecnologicamente o nosso<br />

curso. Outra questão passa por espaço, em<br />

especial, para o curso <strong>de</strong> Direção Teatral.<br />

Também estamos travando uma discussão<br />

para renovar o projeto pedagógico,<br />

inclusive ouvindo os nossos estudantes.<br />

O nosso campo é muito veloz, portanto o<br />

curso não po<strong>de</strong> se acomodar.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Alguma surpresa ou<br />

<strong>de</strong>cepção?<br />

Ivana Bentes: Há uma potência muito<br />

gran<strong>de</strong> na universida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>tém um<br />

prestígio e capital simbólico que precisam<br />

ser usados. Sem falar em professores e<br />

funcionários, que <strong>de</strong>dicam sua criativida<strong>de</strong><br />

e afetivida<strong>de</strong> à <strong>UFRJ</strong>. Por outro lado,<br />

ainda existem as estruturas burocratizadas<br />

e hierarquizadas, que nos remetem a uma<br />

cátedra do século XIX, às vezes, com muito<br />

ritual para pouca dinâmica e produção.<br />

A falta <strong>de</strong> um horizonte profissional também<br />

<strong>de</strong>sanima a muitos.<br />

Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Como você avalia o processo<br />

<strong>de</strong> Reforma Universitária?<br />

Ivana Bentes: Há um lado promissor e<br />

precisa ser <strong>de</strong>batido. O que me parece absurdo<br />

é rejeitar essa oportunida<strong>de</strong>, numa<br />

recusa da complexida<strong>de</strong> sobre o que é a<br />

universida<strong>de</strong>. Vejo que muitos fantasmas<br />

começam a ser encarados, principalmente<br />

os que tratam da relação entre público e<br />

privado. O que me parece hipócrita é ver<br />

esse processo <strong>de</strong> privatização ocorrendo<br />

internamente, sem que ele traga retorno<br />

para o público. É preciso dizer e saber o<br />

que queremos <strong>de</strong>sse mercado, para po<strong>de</strong>rmos<br />

pautá-lo. Não o contrário.<br />

“Dentro da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

informação, a principal<br />

dificulda<strong>de</strong> acontece por<br />

conta do bombar<strong>de</strong>io <strong>de</strong><br />

notícias, essas, muitas<br />

vezes, <strong>de</strong>scontextualizadas,<br />

<strong>de</strong>turpadas e fragmentadas”


14<br />

PDI<br />

Aline Durães, do Olhar Virtual<br />

fotos Raquel Lima<br />

A discussão do Plano Qüinqüenal<br />

<strong>de</strong> Desenvolvimento Institucional (PDI)<br />

chegou ao Instituto <strong>de</strong> Pediatria e Puericultura<br />

Martagão Gesteira (IPPMG),<br />

ao Instituto <strong>de</strong> Microbiologia Professor<br />

Paulo <strong>de</strong> Góes (IMPPG) e ao Instituto<br />

Alberto Luiz Coimbra <strong>de</strong> Pós-graduação<br />

e Pesquisa <strong>de</strong> Engenharia (Coppe). As<br />

três unida<strong>de</strong>s receberam o reitor Aloísio<br />

Teixeira e outros membros da Administração<br />

Central da <strong>UFRJ</strong> para <strong>de</strong>bater os<br />

principais itens do plano.<br />

Esses encontros perseguem a intenção<br />

<strong>de</strong> se construir coletivamente o PDI. Nesse<br />

sentido, a Reitoria tem se esforçado para,<br />

em todos os eventos, abordar os pontos<br />

mais controvertidos do documento. O<br />

objetivo é chegar a um consenso sobre<br />

eles. “O que nos interessa no momento<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Universida<strong>de</strong><br />

A busca por<br />

consensos<br />

Três unida<strong>de</strong>s discutiram a proposta <strong>de</strong> Plano <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />

Institucional (PDI) com a Reitoria durante o mês <strong>de</strong> junho. As reuniões<br />

preten<strong>de</strong>m produzir consensos sobre pontos nevrálgicos do documento.<br />

Sintufrj e DCE/<strong>UFRJ</strong> também se preparam para o encontro com o reitor<br />

é recolher sugestões para que possamos<br />

fazer do PDI a expressão da opinião da<br />

maior parte da comunida<strong>de</strong> universitária”,<br />

afirma Aloísio Teixeira.<br />

A estrutura fragmentada da <strong>UFRJ</strong> permanece<br />

como o gran<strong>de</strong> tema condutor dos<br />

<strong>de</strong>bates. Marcelo Land, diretor do IPPMG e<br />

professor do Departamento <strong>de</strong> Pediatria da<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da <strong>UFRJ</strong>, acredita<br />

que a fragmentação afeta também os hospitais<br />

universitários. “O PDI <strong>de</strong>ve esclarecer<br />

como po<strong>de</strong>mos superar a segmentação dos<br />

hospitais. Acredito que uma maior integração<br />

entre os HU e o IPPMG seria muito<br />

interessante”, <strong>de</strong>staca Land.<br />

O reitor Aloísio Teixeira, reconhecendo<br />

que a fragmentação faz parte da<br />

cultura organizacional da <strong>UFRJ</strong>, afirma<br />

que ela “é o fator que impe<strong>de</strong> a execução<br />

do trabalho integrado”. De acordo com o<br />

professor, a solução resi<strong>de</strong> em uma mudança<br />

na mentalida<strong>de</strong> dos profissionais<br />

da universida<strong>de</strong>.<br />

No Instituto <strong>de</strong> Microbiologia, os<br />

docentes manifestaram gran<strong>de</strong> interesse<br />

na questão do aumento do número <strong>de</strong><br />

vagas dos cursos <strong>de</strong> graduação e <strong>de</strong> pósgraduação.<br />

Para abrigar novos alunos,<br />

os professores do IMPPG sugeriram a<br />

utilização do espaço universitário no<br />

período noturno.<br />

Durante esse encontro, surgiu também<br />

a idéia <strong>de</strong> estabelecer um curso para<br />

preparar melhor os estudantes que pretendam<br />

ingressar na universida<strong>de</strong>. Essas<br />

aulas seriam ministradas por docentes<br />

da universida<strong>de</strong>, durante as férias, e po<strong>de</strong>riam<br />

funcionar como uma espécie <strong>de</strong><br />

revisão <strong>de</strong> conteúdos do Ensino Médio,<br />

visto que os professores <strong>de</strong>sse nível <strong>de</strong><br />

ensino também po<strong>de</strong>riam freqüentá-las.<br />

A análise da Coppe<br />

Uma comissão do Conselho Deliberativo<br />

da Coppe organizou um documento<br />

preliminar, que avança uma leitura<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

crítica dos itens da proposta <strong>de</strong> PDI. O<br />

relatório guiou o encontro do instituto<br />

com a Reitoria, no dia 6 <strong>de</strong> junho, mas<br />

novas reuniões internas serão estimuladas.<br />

A Coppe <strong>de</strong>seja contribuir para a<br />

implantação do PDI e, para isso, entregará<br />

ao reitor, no prazo <strong>de</strong> um mês, a versão<br />

<strong>de</strong>finitiva do documento que, além das<br />

críticas presentes na primeira análise,<br />

incluirá também sugestões e proposições<br />

para o Plano.<br />

Uma das reclamações em relação ao<br />

PDI resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> que a proposta<br />

redigida pela Reitoria não faz menção a<br />

Alberto Luiz Coimbra, um dos fundadores<br />

do instituto. “Ele foi um dos maiores<br />

sonhadores da pós-graduação no país e<br />

um dos gran<strong>de</strong>s nomes da <strong>UFRJ</strong>, mas o<br />

PDI ignora isso”, afirma Marcelo Neves,<br />

vice-presi<strong>de</strong>nte do Conselho Deliberativo<br />

da Coppe.<br />

A valida<strong>de</strong> da resenha histórica realizada<br />

pelo PDI também foi questionada.


Jornal da<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />

15<br />

Os docentes acreditam que o documento<br />

peca ao associar o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

pós-graduação da universida<strong>de</strong> com a<br />

ditadura militar. De acordo com a análise<br />

feita pela Coppe, a unida<strong>de</strong>, criada em<br />

1963, é anterior ao regime autoritário e,<br />

em várias ocasiões, encontrou dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> convivência com os militares no<br />

po<strong>de</strong>r.<br />

O reitor Aloísio Teixeira enten<strong>de</strong> que a<br />

relação entre o regime militar e a pesquisa<br />

em pós-graduação não exclui a resistência<br />

política <strong>de</strong> parte dos pesquisadores. “A<br />

questão é saber se esse sistema instaurado<br />

durante a ditadura, apesar <strong>de</strong> eficiente,<br />

é a<strong>de</strong>quado à realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. A<br />

baixa institucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo<br />

dificulta a integração”, problematizou<br />

Aloísio Teixeira.<br />

O conceito <strong>de</strong> fragmentação, <strong>de</strong>finido<br />

no PDI como um dos principais entraves<br />

ao <strong>de</strong>senvolvimento institucional,<br />

foi outro ponto intenso <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate. Um<br />

percentual significativo <strong>de</strong> docentes da<br />

Coppe não encara a fragmentação como<br />

uma realida<strong>de</strong> essencialmente negativa.<br />

“Ela po<strong>de</strong> ser, muitas vezes, uma forma<br />

<strong>de</strong> criar ativida<strong>de</strong>s e setores mais mo<strong>de</strong>rnos”,<br />

enfatiza Marcelo Neves.<br />

O Núcleo <strong>de</strong> Computação Eletrônica<br />

(NCE) e o Instituto <strong>de</strong> Pesquisa e Planejamento<br />

Urbano e Regional (IPPUR),<br />

órgãos originalmente ligados à Coppe,<br />

foram citados pelos docentes como exemplos<br />

positivos da estrutura fragmentada<br />

da universida<strong>de</strong>. O reitor, no entanto,<br />

reiterou a idéia <strong>de</strong> que a existência <strong>de</strong><br />

unida<strong>de</strong>s autônomas ten<strong>de</strong> a prejudicar<br />

o progresso institucional: “a <strong>UFRJ</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a sua criação, não tem um projeto universitário,<br />

mas sim a justaposição <strong>de</strong> setores<br />

isolados”, afirma.<br />

Não figuraram somente críticas na análise<br />

da Coppe. A unida<strong>de</strong> apoiou <strong>de</strong>terminadas<br />

medidas estabelecidas pelo Plano.<br />

Dentre elas, <strong>de</strong>staca-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

a <strong>UFRJ</strong> diminuir o excesso <strong>de</strong> burocracia<br />

e regulamentação dos processos institucionais.<br />

Um outro ponto <strong>de</strong> concordância<br />

foi a <strong>de</strong>mocratização do acesso <strong>de</strong> novos<br />

alunos. “Não po<strong>de</strong>mos fugir <strong>de</strong>ssa questão”,<br />

ressalta Antônio MacDowell <strong>de</strong><br />

Figueiredo, professor do Programa<br />

<strong>de</strong> Engenharia Mecânica da<br />

Coppe.<br />

Expectativas dos técnicos-administrativos<br />

No I seminário da<br />

Comissão Interna<br />

<strong>de</strong> Supervisão da<br />

Carreira (CIS), organizado,<br />

nos dias<br />

7 e 8 <strong>de</strong> junho,<br />

pelo Sindicato dos<br />

Reunião do PDI na Coppe<br />

Trabalhadores em Educação da <strong>UFRJ</strong><br />

(Sintufrj), o reitor Aloísio Teixeira confirmou<br />

a intenção <strong>de</strong> promover reuniões<br />

com os técnicos-administrativos para a<br />

discussão do PDI.<br />

O encontro, ainda sem data prevista, é<br />

visto com otimismo pelos novos dirigentes<br />

sindicais da categoria. “A iniciativa<br />

é muito positiva. Temos uma relação <strong>de</strong><br />

diálogo com a Reitoria. Por isso, vamos<br />

ouvir a proposta e reivindicar mudanças”,<br />

antecipa Ana Maria Ribeiro, uma<br />

das coor<strong>de</strong>nadoras gerais do Sintufrj,<br />

recém-eleita.<br />

Marcílio Lourenço <strong>de</strong> Araújo, também<br />

recém-eleito para a Coor<strong>de</strong>nador Geral,<br />

consi<strong>de</strong>ra que o primeiro passo a ser<br />

dado para fomentar a discussão do PDI é<br />

conversar separadamente com os funcionários<br />

<strong>de</strong> cada unida<strong>de</strong>. Marcílio acredita<br />

que, <strong>de</strong>ssa forma, o sindicato po<strong>de</strong>rá<br />

enumerar as questões mais importantes<br />

a serem <strong>de</strong>batidas com a reitoria.<br />

Para Francisco <strong>de</strong> Assis, outro coor<strong>de</strong>nador<br />

geral recém-eleito, a participação<br />

dos funcionários é essencial<br />

para o projeto <strong>de</strong> construção<br />

coletiva do<br />

PDI. “Se cada sessão<br />

<strong>de</strong> trabalho<br />

elaborar um<br />

planejamento<br />

qüinqüenal,<br />

em tese, teremos<br />

um planoqüinqüenal<br />

Universida<strong>de</strong><br />

construído por todos”. os trabalhadores”<br />

Apesar <strong>de</strong> a atual direção do Sintufrj,<br />

empossada no dia 21 <strong>de</strong> junho, ainda<br />

não ter tido tempo hábil <strong>de</strong> organizar um<br />

programa único <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate do PDI, os coor<strong>de</strong>nadores<br />

já elegem alguns itens como<br />

reivindicações prioritárias. É o caso do<br />

incentivo à qualificação profissional dos<br />

trabalhadores técnico-administrativos. Um<br />

dos objetivos do PDI é adotar um projeto<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e capacitação permanente<br />

dos servidores, visando sua formação<br />

integral.<br />

De acordo com Ana Maria Ribeiro, o<br />

técnico-administrativo em Educação, em<br />

especial, está em contato, a todo momento,<br />

com inovadoras técnicas <strong>de</strong> trabalho e<br />

novos conhecimentos, o que torna indispensável<br />

uma melhor especialização. “Se<br />

o funcionário não crescer, a instituição também<br />

não evolui. Ao investir na qualificação<br />

do corpo técnico, a <strong>UFRJ</strong> está, na verda<strong>de</strong>,<br />

investindo no seu próprio crescimento”,<br />

enfatiza.<br />

Francisco <strong>de</strong> Assis acredita que as vagas<br />

ociosas dos cursos <strong>de</strong> graduação da universida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>veriam ser preenchidas, através<br />

<strong>de</strong> um mecanismo específico <strong>de</strong> seleção,<br />

por funcionários. Segundo ele, essa seria<br />

uma forma <strong>de</strong> promover a qualificação<br />

profissional dos servidores sem envolver<br />

a criação <strong>de</strong> turmas especiais.<br />

DCE em clima <strong>de</strong> PDI<br />

Nem bem ganhou as eleições para a direção<br />

do Diretório Central dos Estudantes<br />

(DCE) Mário Prata, a Chapa 1 – Oposição<br />

– DCE em movimento, juntos pela <strong>UFRJ</strong> –,<br />

já <strong>de</strong>monstra profundo interesse no Plano<br />

Qüinqüenal <strong>de</strong> Desenvolvimento Institucional.<br />

Essa é uma oportunida<strong>de</strong> única <strong>de</strong><br />

concretizar propostas históricas do Movimento<br />

Estudantil, como a eliminação dos<br />

<strong>de</strong>partamentos da estrutura organizacional<br />

e a instituição <strong>de</strong> um órgão colegiado<br />

único para gerir as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Ensino, Pesquisa e Extensão.<br />

A nova coor<strong>de</strong>nação do DCE/<br />

<strong>UFRJ</strong> intenta organizar, ainda<br />

nas primeiras semanas <strong>de</strong><br />

gestão, um congresso<br />

interno para analisar<br />

as propostas do PDI.<br />

O diretório preten-<br />

<strong>de</strong> também convocar os estudantes para<br />

participarem das reuniões promovidas<br />

pela Reitoria com as respectivas unida<strong>de</strong>s<br />

acadêmicas. Aloísio Teixeira já manifestou<br />

interesse em se reunir com os estudantes<br />

e aguarda o contato da nova direção para<br />

marcar uma data específica.<br />

Os membros do DCE Mário Prata estão<br />

otimistas em relação ao PDI. Segundo o<br />

grupo, o PDI busca alternativas concretas<br />

para resolver gran<strong>de</strong>s problemas da universida<strong>de</strong>.<br />

“Temos plena noção <strong>de</strong> que o PDI<br />

não é apenas um documento da Reitoria,<br />

mas sim um projeto estratégico para toda<br />

a <strong>UFRJ</strong>”, afirma Gustavo Moura, estudante<br />

do curso <strong>de</strong> história, membro eleito do<br />

diretório.<br />

Os projetos <strong>de</strong> Assistência Estudantil<br />

contemplados pela proposta <strong>de</strong> PDI são os<br />

principais alvos da atenção da entida<strong>de</strong>. O<br />

Plano prevê a construção <strong>de</strong> mais dois restaurantes<br />

universitários na Ilha do Fundão<br />

e um no campi da Praia Vermelha. Gustavo<br />

Moura apóia a iniciativa, mas afirma que o<br />

i<strong>de</strong>al seria instalar um “ban<strong>de</strong>jão” também<br />

no Centro da cida<strong>de</strong>, para aten<strong>de</strong>r aos que<br />

ali estudam.<br />

Para a direção do DCE Mário Prata,<br />

faltou, na proposta inicial do PDI, um<br />

item que dispusesse sobre o aumento no<br />

número <strong>de</strong> vagas do Alojamento Estudantil<br />

e a recuperação <strong>de</strong> seu espaço físico. De<br />

acordo com Miriam Starosky, estudante<br />

do Instituto <strong>de</strong> Psicologia e integrante da<br />

nova coor<strong>de</strong>nação, criar um novo alojamento<br />

para os estudantes é uma opção<br />

interessante.<br />

Fórum <strong>de</strong> Discussão do PDI<br />

Os interessados em participar dos <strong>de</strong>bates<br />

acerca do PDI não precisam esperar pelo<br />

encontro com o reitor. No en<strong>de</strong>reço www.<br />

ufrj.br/pdi, existe um link para um fórum<br />

<strong>de</strong> discussão da proposta. Lá, professores,<br />

estudantes e técnicos-administrativos po<strong>de</strong>m<br />

enviar comentários e sugestões para<br />

o Plano.<br />

Aos que <strong>de</strong>sejarem obter cópias da versão<br />

impressa da proposta po<strong>de</strong>m entrar<br />

em contato com a Divisão <strong>de</strong> Relações Públicas,<br />

da Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Comunicação<br />

da <strong>UFRJ</strong> (relacoespublicas@reitoria.ufrj.br)<br />

ou pelos telefones 2598-1621, 2598-1622 e<br />

2598-1898.


16<br />

Rodrigo Ricardo<br />

A partir <strong>de</strong> 2008, os milhares <strong>de</strong> candidatos<br />

a uma vaga na <strong>UFRJ</strong> po<strong>de</strong>rão<br />

contar com mais uma disciplina durante<br />

a maratona <strong>de</strong> estudos. Traduzida do<br />

grego como “amor pela sabedoria”, a<br />

Filosofia vem interrogando a aca<strong>de</strong>mia<br />

sobre a sua participação nos exames <strong>de</strong><br />

acesso à universida<strong>de</strong>. Decisão aprovada,<br />

anteriormente, pelas próprias instâncias<br />

universitárias, esbarrou em entraves no<br />

momento <strong>de</strong> ser colocada em prática.<br />

Há dúvidas, por exemplo, se haverá<br />

uma prova específica <strong>de</strong> Filosofia ou se<br />

seus conteúdos serão alocados em outras<br />

disciplinas. A Comissão <strong>de</strong> Vestibular<br />

do Conselho <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Graduação<br />

(CEG) busca, por seu turno, a diminuição<br />

do tempo <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> provas<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Universida<strong>de</strong><br />

Filosofia<br />

a espera do diálogo<br />

Debate sobre a inclusão da Filosofia no Concurso <strong>de</strong> Acesso aos Cursos <strong>de</strong> Graduação da<br />

<strong>UFRJ</strong> – o Vestibular – continua, e disciplina po<strong>de</strong>rá virar prova em 2008<br />

(quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dias, principalmente), o<br />

que dificulta mudanças mais profundas<br />

no vestibular.<br />

Na sessão do Conselho Universitário<br />

(Consuni), <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> junho, a relatora do<br />

processo, professora Belkis Valdman,<br />

propôs a criação <strong>de</strong> uma comissão mista,<br />

composta por integrantes do CEG e<br />

do Consuni. A medida visa harmonizar<br />

as divergências, mas ainda precisa ser<br />

votada pelo colegiado.<br />

Marcelo Corrêa e Castro, presi<strong>de</strong>nte<br />

da Comissão <strong>de</strong> Vestibular do CEG avalia<br />

que “essa é uma história que não po<strong>de</strong><br />

ser feita <strong>de</strong> gestos bruscos. Qualquer mudança<br />

implica muita análise e discussão.<br />

Da primeira vez, isso não aconteceu nem<br />

no próprio Departamento <strong>de</strong> Filosofia do<br />

Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais<br />

(IFCS). Agora já houve um certo avanço,<br />

mas o assunto, novamente, não passou<br />

pelo Centro <strong>de</strong> Filosofia e<br />

Ciências Humanas (CFCH)”.<br />

O professor indaga, também:<br />

“qual o problema <strong>de</strong><br />

se reconhecer a inviabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma questão na<br />

hora <strong>de</strong> sua implementação?”<br />

Marcelo Corrêa pon<strong>de</strong>ra,<br />

ainda, que “as<br />

provas <strong>de</strong> acesso<br />

à <strong>UFRJ</strong> já avaliam<br />

a capacida<strong>de</strong><br />

do candidato<br />

em refletir e<br />

argumentar – práticas<br />

da Filosofia – apesar<br />

das <strong>de</strong>ficiências do<br />

sistema educacional<br />

em formar cidadãos<br />

com raciocínio abstrato.<br />

Agora, incluir uma<br />

nova disciplina que, <strong>de</strong><br />

certa forma já é abordada,<br />

seria caminhar na<br />

contramão.”<br />

Ricardo Jardim: o ponto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> Filosofia “é interrogar a vida”<br />

Espírito crítico<br />

A inclusão da Filosofia nos vestibulares<br />

não é novida<strong>de</strong> no Brasil. Na<br />

Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais<br />

(UFMG), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000, a disciplina consta<br />

do conjunto das provas. Em 2002, a resolução<br />

2453/02 da Secretaria <strong>de</strong> Estado<br />

<strong>de</strong> Educação do Rio <strong>de</strong> Janeiro também<br />

constituiu a obrigatorieda<strong>de</strong> do ensino<br />

<strong>de</strong> Filosofia e <strong>de</strong> Sociologia para as 1ª e<br />

3ª séries do Ensino Médio. Na <strong>UFRJ</strong>, a<br />

reivindicação, aprovada pelo CEG e pelo<br />

Consuni, era para começar a vigorar já no<br />

concurso <strong>de</strong> 2005.<br />

Ricardo Jardim, chefe do Departamento<br />

<strong>de</strong> Filosofia do IFCS, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />

que exista uma prova específica da<br />

disciplina, sob pena dos conteúdos<br />

filosóficos serem diluídos pelas outras<br />

matérias. O professor enten<strong>de</strong><br />

que a medida vem contribuir para o<br />

<strong>de</strong>spertar do espírito crítico e na formação<br />

ética do futuro universitário.<br />

“Apesar do aparente distanciamento,<br />

a Filosofia está mais próxima do que a<br />

própria Ciência. O seu ponto <strong>de</strong> partida<br />

é interrogar a vida. Ela oferece uma<br />

perspectiva <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong>, contrariando<br />

a excessiva especialização, um dos<br />

riscos do mundo mo<strong>de</strong>rno”, afirma o<br />

professor<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

foto Juliano Pires<br />

Inércia existencial<br />

O argumento <strong>de</strong> que esse esforço, em<br />

verda<strong>de</strong>, busca garantir uma reserva <strong>de</strong> mercado<br />

<strong>de</strong> trabalho para os profissionais da<br />

área é rebatido categoricamente por Jardim.<br />

“Quem pensa em dinheiro não escolhe ser<br />

filósofo. Não é o que move a sua existência.<br />

No meu caso, a partir <strong>de</strong> um professor é que<br />

me <strong>de</strong>cidi por essa profissão. A Filosofia<br />

nunca foi e nunca será um fenômeno <strong>de</strong><br />

massa. Aparentemente, refletir e se autoconhecer<br />

são tarefas fáceis. Entretanto, as<br />

questões filosóficas são raramente colocadas.<br />

O que falta ao homem comum é esse<br />

estranhamento, que acaba apontando numa<br />

acomodação que <strong>de</strong>semboca numa inércia<br />

existencial”, <strong>de</strong>staca o professor.<br />

Para o estudante do sétimo período, Igor<br />

Tkaczenko – membro do Centro Acadêmico<br />

<strong>de</strong> Filosofia (Cafil) – a questão do mercado<br />

também tem relevância e não vê vergonha<br />

em pleitear emprego. “O ganho será <strong>de</strong> todos<br />

ao valorizarmos uma disciplina que se<br />

distancia do mo<strong>de</strong>lo tecnicista. No início,<br />

até havia uma divergência interna entre os<br />

estudantes, que pensavam que ministrar<br />

aula não era tarefa <strong>de</strong> filósofo. Mas, esse<br />

elitismo barato ficou para trás, já temos o<br />

conteúdo programático e até um mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong> prova. Não entendo porque tanta relutância?”,<br />

pergunta o estudante.


Jornal da<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />

17<br />

Fortalecendo a <strong>UFRJ</strong><br />

Reitoria Itinerante e Plenária <strong>de</strong> Decanos e Diretores. Essas são duas<br />

ativida<strong>de</strong>s que marcam a atual administração. O principal objetivo:<br />

aprofundar o relacionamento entre as unida<strong>de</strong>s e seus diretores<br />

Rafaela Pereira<br />

com a Reitoria. E o resultado tem sido positivo<br />

As manhãs <strong>de</strong> todas as quintas-feiras<br />

são marcadas pela presença, em alguma<br />

unida<strong>de</strong> da <strong>UFRJ</strong>, do reitor Aloísio Teixeira,<br />

da vice-reitora Sylvia Vargas e dos<br />

pró-reitores. Essa é a equipe que integra<br />

a Reitoria Itinerante, que tem lugar <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

o início da atual gestão da Reitoria da<br />

<strong>UFRJ</strong>, em 2003. O principal objetivo é<br />

intensificar o diálogo entre os institutos,<br />

faculda<strong>de</strong>s, escolas, núcleos e a Administração<br />

Central. E, é claro, levantar,<br />

in loco, os problemas, reivindicações<br />

e necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada unida<strong>de</strong>. “Nós<br />

nos <strong>de</strong>spimos da aura <strong>de</strong> sermos Reitoria<br />

para discutirmos assuntos com as<br />

unida<strong>de</strong>s. Tenho visto coisas que jamais<br />

imaginei que houvesse na universida<strong>de</strong>,<br />

tanto negativas, quanto positivas”, revela<br />

Sylvia Vargas.<br />

Instituto <strong>de</strong> Biofísica Carlos Chagas<br />

Filho (IBCCF), Instituto <strong>de</strong> Ciências<br />

Biomédicas (ICB), Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa<br />

<strong>de</strong> Produtos Naturais (NPPN), Instituto<br />

<strong>de</strong> Microbiologia Professor Paulo <strong>de</strong><br />

Góes (IMPPG), Núcleo <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> Coletiva (Nesc), Instituto <strong>de</strong> Pediatria<br />

e Puericultura Martagão Gesteira<br />

(IPPMG), Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna<br />

Nery (EEAN), Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Odontologia<br />

(FO), Faculda<strong>de</strong> Medicina (FM), Faculda<strong>de</strong><br />

Nacional <strong>de</strong> Direito (FND), Escola<br />

<strong>de</strong> Serviço Social (ESS), Instituto <strong>de</strong><br />

Química (IQ) e Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura<br />

e Urbanismo (FAU) são algumas das unida<strong>de</strong>s<br />

visitadas pela equipe da Reitoria<br />

Itinerante durante esses quase quatro<br />

anos. “Isso é extremamente positivo, na<br />

medida em que o po<strong>de</strong>r central se <strong>de</strong>scentraliza,<br />

no momento em que ele se<br />

<strong>de</strong>sloca e vai para as unida<strong>de</strong>s”, <strong>de</strong>staca<br />

o <strong>de</strong>cano do Centro <strong>de</strong> Tecnologia (CT),<br />

professor Cláudio Luiz Baraúna Vieira.<br />

E as reivindicações? Segundo Sylvia<br />

Vargas, <strong>de</strong> um modo geral, elas são comuns<br />

a todos, como, por exemplo, falta<br />

<strong>de</strong> funcionários, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mais vagas,<br />

mais recurso e mais laboratórios.<br />

Já no caso da Plenária <strong>de</strong> Decanos<br />

e Diretores, que acontece sempre na<br />

última segunda-feira <strong>de</strong> cada mês, a<br />

proposta é unir os diretores e <strong>de</strong>canos,<br />

principalmente aqueles <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s<br />

mais distantes. E as pautas discutem<br />

as questões mais variadas, como, por<br />

exemplo, orçamento e sua execução,<br />

mudanças na estrutura administrativa,<br />

reforma universitária, política <strong>de</strong> análise<br />

e melhoria das condições <strong>de</strong> segurança<br />

e saú<strong>de</strong> em laboratórios e <strong>de</strong>mais ambientes<br />

da <strong>UFRJ</strong>, vagas para docentes,<br />

fundação <strong>de</strong> apoio, projeto pedagógico<br />

<strong>de</strong> curso e avaliação interna <strong>de</strong> cursos<br />

da Pró-reitoria <strong>de</strong> Graduação (PR-1) e<br />

restaurante universitário.<br />

Para a <strong>de</strong>cana do Centro <strong>de</strong> Ciências<br />

Matemáticas e da Natureza (CCMN),<br />

professora Ângela Rocha, esse é o meio<br />

<strong>de</strong> comunicação entre os diretores. “Em<br />

geral temos dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso aos diretores,<br />

<strong>de</strong>canos e Administração Central.<br />

Assim, com a Plenária, a gente sabe que<br />

uma vez por mês iremos nos encontrar”,<br />

explica. Para Rosana Morgado, diretora<br />

da Escola <strong>de</strong> Serviço Social (ESS), esses<br />

encontros permitem a discussão <strong>de</strong> temas<br />

centrais da universida<strong>de</strong>. “E que são <strong>de</strong>batidos<br />

por todos os diretores, fazendo,<br />

também, com que a gente se conheça”,<br />

analisa a diretora. Quem faz coro com<br />

ela, é o novo diretor da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Medicina, o professor Antônio Ledo. Para<br />

ele, apesar <strong>de</strong> essa não ser uma plenária<br />

<strong>de</strong>liberativa, traz benefícios para toda a<br />

universida<strong>de</strong>. “Dessa união é possível<br />

discutir as questões em conjunto. Muitas<br />

sugestões, idéias e comentários surgem”,<br />

explica o diretor.<br />

As duas iniciativas, segundo as avaliações,<br />

são importantes como meio<br />

<strong>de</strong> contato direto com os responsáveis<br />

pelas unida<strong>de</strong>s, no caso da Plenária <strong>de</strong><br />

Decanos e Diretores, e com os servidores<br />

docentes, técnicos-administrativos<br />

e estudantes, na Reitoria Itinerante. Em<br />

ambas, a Reitoria apresenta suas propostas<br />

e ouve as <strong>de</strong>mandas diretamente da<br />

comunida<strong>de</strong> da <strong>UFRJ</strong>. De 2003 até aqui,<br />

foram realizadas 40 reuniões da Reitoria<br />

Itinerante (e ainda faltam 11 a serem realizadas).<br />

A Plenária <strong>de</strong> Decanos e Diretores,<br />

conta com 24 reuniões realizadas<br />

e sete ainda por realizarem-se.<br />

Universida<strong>de</strong><br />

Uma mulher à frente da<br />

Taísa Gamboa, da AgN/CCS<br />

Maternida<strong>de</strong><br />

Des<strong>de</strong> 1904, em seus mais <strong>de</strong> cem<br />

anos <strong>de</strong> existência, é a primeira vez que<br />

a Maternida<strong>de</strong>-Escola (ME) da <strong>UFRJ</strong><br />

conta com uma mulher à frente <strong>de</strong> sua<br />

Direção. A curitibana Rita Berna<strong>de</strong>te<br />

Ribeiro Gueiros Bornia se formou em<br />

Medicina pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />

Paraná (UFPR), em 1978, e, a influência<br />

paterna foi <strong>de</strong>terminante na escolha da<br />

especialização. Seu pai era obstetra e<br />

atendia às pacientes em casa.<br />

O primeiro contato com a Maternida<strong>de</strong>-Escola<br />

foi em março <strong>de</strong> 1981,<br />

quando a então médica chegou ao Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro para cursar mestrado em Clínica<br />

Obstétrica, oferecido pelo Departamento<br />

<strong>de</strong> Ginecologia e Obstetrícia da<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina (FM) da <strong>UFRJ</strong>,<br />

que funciona na ME. Na época, a única<br />

instituição que oferecia pós-graduação<br />

stricto sensu (mestrado e doutorado)<br />

nessa área. Des<strong>de</strong> então, a obstetra,<br />

que é professora adjunta da FM/<strong>UFRJ</strong>,<br />

está na Maternida<strong>de</strong> – on<strong>de</strong> concluiu,<br />

também, o doutorado – e trabalhou no<br />

Ambulatório <strong>de</strong> Pré-Natal, nas enfermarias<br />

<strong>de</strong> Obstetrícia. Além disso, foi<br />

diretora da Divisão Médica e coor<strong>de</strong>nadora<br />

da Residência em Obstetrícia<br />

da instituição.<br />

A candidatura à direção da ME surgiu<br />

com a intenção <strong>de</strong> dar continuida<strong>de</strong><br />

aos trabalhos <strong>de</strong> reestruturação e reno-<br />

Rita Bornia: cumprir com eficiência a missão da Maternida<strong>de</strong>-Escola<br />

Alane Beatriz<br />

Vermelho,<br />

Antônio Ferreira<br />

Pereira, Rosalie<br />

Reed Rodrigues<br />

Coelho e Thaís<br />

Souto-Padrón,<br />

todos professores<br />

do Instituto <strong>de</strong> Microbiologia<br />

Professor<br />

Paulo <strong>de</strong> Góes (IM-<br />

PPG), da <strong>UFRJ</strong>, acabam<br />

<strong>de</strong> lançar, pela Sonopress<br />

Rimo, o livro Práticas<br />

<strong>de</strong> Microbiologia.<br />

vação física da unida<strong>de</strong>. Rita Bornia<br />

venceu o último pleito realizado na<br />

instituição com 71,60% dos 465 votos,<br />

contra 28,28% <strong>de</strong> Osvaldo Coura Filho.<br />

Rita Bornia tem como vice-diretor, o<br />

professor Joffre Amim Júnior, ex-diretor<br />

da ME.<br />

Todas as propostas <strong>de</strong> trabalho da<br />

nova direção têm por objetivo cumprir<br />

com eficiência a missão da Maternida<strong>de</strong>,<br />

formar recursos humanos e <strong>de</strong>senvolver<br />

tecnologias que permitam melhorar a<br />

assistência na área materno-infantil.<br />

Fundamentalmente, os projetos visam<br />

a<strong>de</strong>quar e mo<strong>de</strong>rnizar o Ensino, a Assistência<br />

e a Pesquisa para os padrões<br />

atuais. Todos passam pela ampliação da<br />

área física, visando aten<strong>de</strong>r não apenas<br />

aos professores e estudantes da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Medicina, mas também <strong>de</strong> outras<br />

unida<strong>de</strong>s do Centro <strong>de</strong> Ciências da<br />

Saú<strong>de</strong> (CCS), assim como do Centro <strong>de</strong><br />

Filosofia e Ciências Sociais (CFCH), tais<br />

como o Instituto <strong>de</strong> Psicologia e a Escola<br />

<strong>de</strong> Serviço Social. Isso porque, o espaço<br />

físico ainda é ina<strong>de</strong>quado para aten<strong>de</strong>r<br />

a todos esses profissionais que utilizam<br />

a Maternida<strong>de</strong>-Escola como campo <strong>de</strong><br />

Treinamento, Ensino e Pesquisa.<br />

Professores do IMPPG lançam<br />

livro <strong>de</strong> Microbiologia<br />

foto Juliano Pires<br />

A obra, uma brochura com<br />

256 páginas, reúne o resultado<br />

das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino<br />

dos autores, na área das Ciências<br />

da Saú<strong>de</strong> da <strong>UFRJ</strong>.<br />

Por meio das ativida<strong>de</strong>s<br />

apresentadas no livro,<br />

é possível compreen<strong>de</strong>r<br />

as técnicas básicas<br />

da Microbiologia, os<br />

materiais utilizados,<br />

assepsias e métodos<br />

físicos e químicos <strong>de</strong> controle<br />

microbiano, entre outros assuntos<br />

abordados.


18<br />

foto Marco Fernan<strong>de</strong>s<br />

Centro Nacional <strong>de</strong><br />

Ressonância Magnética<br />

As obras do prédio do Centro Nacional <strong>de</strong><br />

Ressonância Magnética Nuclear Jiri Jonas (CNRMN)<br />

estão a todo vapor. Ligado a Decania do Centro<br />

<strong>de</strong> Ciências da Saú<strong>de</strong> (CCS) o prédio <strong>de</strong>ve ser<br />

inaugurado em setembro<br />

Geralda Alves, da AgN/CCS<br />

A construção do prédio, que vai ser<br />

localizado ao lado do CCS, vizinho à<br />

Fundação Bio-Rio, é resultado <strong>de</strong> um<br />

convênio entre a <strong>UFRJ</strong> e a Fundação<br />

Universitária José Bonifácio (FUJB)<br />

no valor <strong>de</strong> R$ 500 mil. Construído<br />

com peças pré-moldadas em concreto<br />

armado (sistema que apresenta baixo<br />

custo e rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> montagem), leva em<br />

consi<strong>de</strong>ração o curto tempo disponível<br />

para a conclusão da obra.<br />

Segundo Fábio Almeida, coor<strong>de</strong>nador<br />

do Laboratório <strong>de</strong> Ressonância<br />

Magnética e professor do Instituto<br />

<strong>de</strong> Ciências Biomédicas (ICB) da<br />

<strong>UFRJ</strong>, a idéia é a constituição <strong>de</strong> um<br />

laboratório <strong>de</strong> Biologia Estrutural com<br />

profissionais especializados, capazes<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar estruturas <strong>de</strong> proteínas<br />

e <strong>de</strong> outras moléculas. “A Biologia<br />

Estrutural se ocupa do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> tecnologias e <strong>de</strong> novas drogas para<br />

tratamentos específicos, como é o<br />

caso dos retrovirais do HIV, que foram<br />

criados por pesquisas nesse campo. Por<br />

ser uma técnica cara, poucas instituições<br />

a possuem, principalmente no Terceiro<br />

Mundo”, informa Fábio Almeida.<br />

Projetado para abrigar equipamentos<br />

<strong>de</strong> ressonância magnética <strong>de</strong> última<br />

geração, para o CCS e seus laboratórios,<br />

as novas instalações vão acolher<br />

aparelhos <strong>de</strong> 400, 600 e 800 MHz.<br />

“Esse vai ser o terceiro equipamento<br />

<strong>de</strong> 800 MHz instalado no Hemisfério<br />

Sul e o primeiro da América Latina.<br />

Fora da <strong>UFRJ</strong> existem outros dois iguais<br />

a esse, em via <strong>de</strong> instalação na Nova<br />

Zelândia. Essa aquisição nos coloca<br />

na categoria <strong>de</strong> vanguarda, nos eleva<br />

a um laboratório <strong>de</strong> ponta no mundo<br />

em Biologia Estrutural e nos permite a<br />

formação <strong>de</strong> novos pesquisadores nessa<br />

área”, relata o coor<strong>de</strong>nador.<br />

Centro multiuso<br />

Dirigido pelo professor Jerson Lima<br />

Silva, do ICB, o CNRMN, permite<br />

facilida<strong>de</strong>s multiusuário e tem o apoio<br />

dos institutos <strong>de</strong> Biofísica Carlos<br />

Chagas Filho (IBCCF), <strong>de</strong> Ciências<br />

Biomédicas (ICB), <strong>de</strong> Microbiologia<br />

Professor Paulo <strong>de</strong> Góes (IMPPG), <strong>de</strong><br />

Química (IQ), do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisas <strong>de</strong><br />

Produtos Naturais (NPPN), do Hospital<br />

Universitário Clementino Fraga Filho<br />

(HUCFF), todos da <strong>UFRJ</strong>, sem contar que<br />

também aten<strong>de</strong> a grupos externos como<br />

a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e<br />

as universida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> São Paulo (USP),<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais (UFMG),<br />

Fe<strong>de</strong>ral Rural do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UFRRJ),<br />

Estadual <strong>de</strong> São Paulo (Unesp), do<br />

Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (Uerj), além <strong>de</strong><br />

outras fora do Brasil. “A parceria com<br />

a Fiocruz foi firmada com o intuito <strong>de</strong><br />

trabalhar no controle <strong>de</strong> vacinas”, diz<br />

o professor.<br />

Atualmente, o CNRMN pesquisa<br />

proteínas <strong>de</strong> fusão <strong>de</strong> vírus, proteínas<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesas (<strong>de</strong>fensinas), tioredoxinas<br />

(proteínas que mantém o potencial redox<br />

<strong>de</strong>ntro da célula), além da Chagazin, que<br />

age como inibidora <strong>de</strong> uma protease,<br />

reguladora do ciclo do parasita da doença<br />

<strong>de</strong> chagas, o Tryponosoma cruzi.<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Universida<strong>de</strong><br />

Nacional<br />

Nos dias 21 e 23 a Creche Universitária<br />

Pintando a Infância, da <strong>UFRJ</strong>, comemorou<br />

o seu 25º aniversário. A data foi marcada<br />

pelo <strong>de</strong>bate O papel da Educação<br />

Infantil na Universida<strong>de</strong>: possibilida<strong>de</strong>s<br />

e <strong>de</strong>safios e por uma solenida<strong>de</strong><br />

comemorativa, com a presença <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong>s da <strong>UFRJ</strong> e <strong>de</strong> alunos da<br />

Turma Sete, da Creche Universitária,<br />

no dia 23 <strong>de</strong> junho, pela manhã, no<br />

Auditório do Centro Cultural Professor<br />

Horácio Macedo, no Centro <strong>de</strong> Ciências<br />

Matemáticas e da Natureza (CCMN).<br />

Mães, pais, familiares e integrantes<br />

da comunida<strong>de</strong> da <strong>UFRJ</strong> estavam<br />

presentes para comemorar a data, que<br />

teve como ponto principal o <strong>de</strong>bate<br />

sobre a institucionalização da Educação<br />

Infantil, que contou com a participação<br />

<strong>de</strong> Yvone Souza (creche da Fundação<br />

Oswaldo Cruz – Fiocruz), Mônica<br />

Picanço (creche da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

Fluminense – UFF), Maria Elisa (creche<br />

da <strong>UFRJ</strong>) e Patrícia Corsino (Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Educação da <strong>UFRJ</strong>).<br />

Segundo Veloni Vicentini, exdiretora<br />

da Pintando a Infância, a<br />

meta é institucionalizar a creche como<br />

uma unida<strong>de</strong> acadêmica. “A proposta<br />

do evento foi não apenas comemorar<br />

a data, mas também fazer com que<br />

toda a <strong>UFRJ</strong> nos escute. Estamos aqui,<br />

prestamos um serviço para a socieda<strong>de</strong><br />

e queremos mais”, aponta Veloni.<br />

Desejo esse que é compartilhado pela<br />

atual direção. “Queremos a ampliação<br />

e o fortalecimento da integração com<br />

as diversas unida<strong>de</strong>s acadêmicas da<br />

<strong>UFRJ</strong>, pois o nosso maior objetivo é<br />

proporcionar uma Educação Infantil<br />

<strong>de</strong> referência e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Assim, a<br />

direção da creche continua em busca<br />

<strong>de</strong> seu sonho <strong>de</strong> uma se<strong>de</strong> própria, que<br />

atenda, ainda mais, as necessida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> nossas crianças e que permita a<br />

ampliação das vagas oferecidas”, ressalta<br />

Tatiana Pereira, diretora em exercício.<br />

S e g u n d o R o b e r t o G a m b i n e ,<br />

superinten<strong>de</strong>nte da Pró-reitoria <strong>de</strong><br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

25 anos pintando a<br />

Rafaela Pereira<br />

foto Raquel Lima<br />

Educação Infantil na <strong>UFRJ</strong>: possibilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>safios<br />

infância<br />

Pessoal (PR-4), existe um projeto<br />

elaborado pela creche, em parceria com<br />

o Instituto Alberto Luiz Coimbra <strong>de</strong><br />

Pós-graduação e Pesquisa <strong>de</strong> Engenharia<br />

(Coppe), que já foi encaminhado ao<br />

Escritório Técnico da Universida<strong>de</strong><br />

(ETU) para que a construção da nova<br />

se<strong>de</strong> seja incluída no Plano Diretor da<br />

Ilha do Fundão.<br />

Dalva Coutinho Saieg, professora<br />

aposentada da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina<br />

da <strong>UFRJ</strong> e fundadora da Creche<br />

Universitária, também esteve presente<br />

à comemoração: “parece que foi ontem<br />

que estive aqui. Fiquei muito contente<br />

e orgulhosa <strong>de</strong> verificar que a creche<br />

cresceu e melhorou muito nesses 25<br />

anos. Hoje ela é digna <strong>de</strong> representar<br />

a <strong>UFRJ</strong>”, disse a pediatra. Luiz Afonso<br />

Mariz, pró-reitor <strong>de</strong> Pessoal, faz coro<br />

com ela. “Todos os funcionários que<br />

passaram pela creche fizeram seu papel<br />

e contribuíram para essa história”.<br />

Novo horizonte para a Educação Infantil<br />

Na comemoração dos 25 anos, pensar<br />

nas bases e nos rumos da Creche<br />

Universitária se torna fundamental. E<br />

uma mudança nesse caminho é essencial.<br />

Hoje uma creche universitária não<br />

cumpre apenas um papel assistencialista,<br />

mas, também, educacional. A propósito<br />

disso, Patrícia Corsino explica que<br />

“estamos em um momento em que a<br />

Educação Infantil ganha relevância<br />

basal. A Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases<br />

(LDB) da Educação Nacional buscou a<br />

consolidação da Educação Infantil como<br />

a primeira etapa da Educação Básica”.<br />

Para Mônica Picanço, as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

Educação Infantil po<strong>de</strong>m contribuir com<br />

a excelência acadêmica das Instituições<br />

Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Ensino Superior (Ifes).<br />

“Devemos ser uma unida<strong>de</strong> produtora<br />

<strong>de</strong> conhecimento e não po<strong>de</strong>mos<br />

ser vistos apenas como um espaço<br />

<strong>de</strong> atendimento <strong>de</strong> criança. Somos<br />

unida<strong>de</strong> universitária e isso mostra<br />

que vivemos num espaço sustentado<br />

pelo tripé da universida<strong>de</strong> pública<br />

— Ensino, Pesquisa e Extensão”, analisa<br />

a representante da Creche da UFF.


Jornal da<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />

19<br />

Museu Nacional<br />

Arqueologia Pré-colombiana e Culturas<br />

Mediterrâneas – Afrescos <strong>de</strong><br />

Pompéia: essas são as duas exposições,<br />

montadas com o apoio da Fundação Vitae<br />

(apoiadora <strong>de</strong> projetos nas áreas <strong>de</strong><br />

Cultura, Educação e Promoção Social),<br />

que disponibilizam um valioso e inédito<br />

acervo sobre a história da ocupação das<br />

Américas e afrescos que pertenceram ao<br />

Templo <strong>de</strong> Ísis, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pompéia<br />

(Itália), e foram trazidos para o Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro em 1855, para compor parte da<br />

coleção da imperatriz Teresa Cristina.<br />

São mais <strong>de</strong> 500 peças <strong>de</strong> um legado<br />

cultural <strong>de</strong>ixado por povos que habitaram<br />

a América Latina e a Europa. “Essa<br />

iniciativa significa o resgate <strong>de</strong> um espaço<br />

inutilizado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000 e a oportunida<strong>de</strong><br />

para disponibilizar ao público<br />

outra parcela <strong>de</strong> nosso valioso<br />

acervo. Somos uma instituição<br />

<strong>de</strong> Ensino e Pesquisa com 188<br />

anos <strong>de</strong> ação contínua. Nossas<br />

coleções, exposições e pesquisas<br />

fornecem um quadro do avanço<br />

da ciência nacional através do<br />

tempo”, sublinha Sérgio Alex<br />

Kugland <strong>de</strong> Azevedo, professor<br />

e diretor do Museu Nacional<br />

(MN).<br />

Arqueologia Pré-colombiana<br />

Segundo Sérgio Alex, gran<strong>de</strong><br />

parte <strong>de</strong>sse acervo é inédita,<br />

como por exemplo, uma múmia<br />

Aymara (cultura dos povos précolombianos,<br />

anteriores aos Inca).<br />

Com o objetivo <strong>de</strong> resgatar as origens<br />

das populações americanas<br />

e contar um pouco da história da<br />

ocupação das Américas, as peças<br />

foram organizadas tematicamen-<br />

Universida<strong>de</strong><br />

Marco para a cultura brasileira<br />

Quando se comemora o Ano Nacional dos Museus, o Museu Nacional, da <strong>UFRJ</strong>, criado em 1818 por D. João VI, festeja<br />

seu 188º aniversário em gran<strong>de</strong> estilo. No dia 6 <strong>de</strong> junho duas exposições foram inauguradas e um novo sistema <strong>de</strong><br />

segurança foi instalado<br />

Rafaela Pereira<br />

fotos Marco Fernan<strong>de</strong>s<br />

te, procurando respeitar a diversida<strong>de</strong><br />

cultural da América Pré-colombiana. As<br />

culturas Chimú, Chancay, Inca, Huari,<br />

Tiahuanaco, Mochica, Nazca, Ichma e<br />

Lambayeque estão representadas pelos<br />

artefatos utilizados por esses povos em<br />

rituais da montanha e da costa, instrumentos<br />

musicais, além <strong>de</strong> cerâmicas.<br />

Os tecidos pré-colombianos são outro<br />

gran<strong>de</strong> atrativo, higienizados e acondicionados<br />

com o apoio da Vitae. Estão expostas<br />

também cestinhas para guardar utensílios<br />

<strong>de</strong> tecer com birros, fusos, agulhas <strong>de</strong><br />

osso, novelos <strong>de</strong> lã e <strong>de</strong> linha, exemplos<br />

dos diferentes pontos, materiais, cores e<br />

temas utilizados. Contudo, o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />

da mostra é a sala das mumificações,<br />

on<strong>de</strong> estão a múmia Aymara (exposta pela<br />

primeira vez); a múmia<br />

indígena brasileira <strong>de</strong> 600<br />

anos (doada a D. Pedro<br />

II); a múmia chilena do<br />

<strong>de</strong>serto do Atacama (que<br />

passou pelo processo mumificação<br />

natural a partir<br />

do frio e do tempo seco<br />

do <strong>de</strong>serto) e uma cabeça<br />

Jívaro (tribos amazônicas<br />

da região do Equador que<br />

<strong>de</strong>capitavam e encolhiam<br />

a cabeça <strong>de</strong> seus inimigos),<br />

que surpreen<strong>de</strong> pelo<br />

tamanho.<br />

Exposição permanente<br />

Quatro raríssimos<br />

afrescos <strong>de</strong> Pompéia<br />

são os <strong>de</strong>staques <strong>de</strong>ssa<br />

mostra. Parte da Coleção<br />

Arqueológica Imperatriz<br />

Teresa Cristina,<br />

pertencente ao Museu<br />

Nacional, essas peças<br />

formavam pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

um santuário <strong>de</strong> Pompéia,<br />

o Templo <strong>de</strong> Ísis, e<br />

foram trazidas para o Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro em 1855. Restaurados<br />

por uma equipe<br />

<strong>de</strong> italianos, chefiada<br />

por Pietro Tranchina, com a participação<br />

<strong>de</strong> técnicos do Museu Nacional, em<br />

2004, os afrescos retornam à exposição<br />

permanente do MN.<br />

A mostra reúne também painéis<br />

informativos com mapas da região<br />

mediterrânea e seis vitrines com artefatos<br />

<strong>de</strong> bronze, cerâmica, material <strong>de</strong><br />

tocador, estatuetas <strong>de</strong> terracota, uma<br />

ânfora <strong>de</strong> bronze e todo o restante da<br />

coleção greco-romana.<br />

Investindo em segurança<br />

Além das exposições, o Museu<br />

Nacional comemorou seu aniversário<br />

inaugurando um sistema <strong>de</strong> segurança<br />

mais mo<strong>de</strong>rno, com câmeras instaladas<br />

em diversas áreas do gran<strong>de</strong> palácio.<br />

Cerca <strong>de</strong> R$ 1 milhão está sendo investido<br />

nesse projeto e, segundo o diretor<br />

Sérgio Alex, o recurso veio do Instituto<br />

do Patrimônio Histórico e Nacional<br />

(Iphan), do Ministério da Cultura.<br />

Vítima <strong>de</strong> roubos em 2004, o Museu<br />

Nacional da <strong>UFRJ</strong> conta agora com câmeras<br />

no prédio principal e, segundo o<br />

diretor, até o final do ano, a segurança<br />

será reforçada com a instalação <strong>de</strong> roletas<br />

<strong>de</strong> controle ao acesso <strong>de</strong> visitantes e<br />

pesquisadores, câmeras no Horto e no<br />

prédio da biblioteca, e outras voltadas<br />

para a Quinta da Boa Vista.<br />

A equipe da direção ainda acena<br />

com novas exposições para este ano.<br />

De acordo com Sérgio Alex, em agosto<br />

será inaugurado o Salão dos Dinossauros,<br />

em outubro ocorrerá a reabertura<br />

do Corredor dos Mamíferos e a Sala<br />

da Baleia e, em <strong>de</strong>zembro, a reabertura<br />

do Bloco IV, on<strong>de</strong> se encontram as<br />

exposições <strong>de</strong> peixes e aves, fechadas<br />

há 15 anos.


20<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Aula Magna Universida<strong>de</strong><br />

Joana Jahara<br />

Dia 20 <strong>de</strong> junho, durante o seminário<br />

Acesso e permanência dos estudantes<br />

<strong>de</strong> origem popular na <strong>UFRJ</strong>, promovido<br />

pelo projeto Conexões <strong>de</strong> Saberes da<br />

Secretaria <strong>de</strong> Educação Continuada,<br />

Alfabetização e Diversida<strong>de</strong> (Secad), do<br />

Ministério da Educação, a Pró-reitoria <strong>de</strong><br />

Extensão divulgou o resultado do perfil<br />

básico do estudante da <strong>UFRJ</strong>. O aumento<br />

do ingresso gradativo dos estudantes<br />

<strong>de</strong> extratos populares, entre os anos<br />

<strong>de</strong> 1997 e 2005 foi uma das principais<br />

constatações. Entre os objetivos da<br />

pesquisa está a oferta <strong>de</strong> subsídios para<br />

a reflexão e implementação das políticas<br />

públicas voltadas para a <strong>de</strong>mocratização<br />

do Ensino Superior.<br />

Quem são os estudantes<br />

da <strong>UFRJ</strong>?<br />

Pesquisa revela o perfil socioeconômico dos estudantes da <strong>UFRJ</strong>. Quantos são, on<strong>de</strong> moram e que curso freqüentam,<br />

foram algumas das questões abordadas pelo projeto Conexões <strong>de</strong> Saberes, da Pró-reitoria <strong>de</strong> Extensão (PR-5)<br />

Definindo conceitos<br />

Carmem Teresa Gabriel, professora do<br />

curso <strong>de</strong> História do Instituto <strong>de</strong> Filosofia<br />

e Ciências Sociais (IFCS) e coor<strong>de</strong>nadora<br />

do Conexões <strong>de</strong> Saberes da <strong>UFRJ</strong>,<br />

explica que para que se pu<strong>de</strong>sse chegar<br />

a uma discussão conceitual, primeiro foi<br />

preciso construir a categoria <strong>de</strong> análise<br />

do que é entendido como estudante<br />

<strong>de</strong> origem popular. “Depois <strong>de</strong> muita<br />

discussão escolhemos algumas variáveis<br />

para a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>sse estudante: o<br />

território, o espaço popular, o espaço<br />

on<strong>de</strong> esse estudante mora e como ele<br />

representa esse espaço; a escolarida<strong>de</strong><br />

dos pais – on<strong>de</strong> foi feito um corte até o<br />

ensino fundamental completo; a renda<br />

Democratização do acesso e políticas <strong>de</strong> permanência: anseio <strong>de</strong> um número cada vez maior <strong>de</strong> jovens<br />

familiar <strong>de</strong> até três Salários Mínimos; a<br />

trajetória do aluno, cor e etnia”, informa<br />

a professora.<br />

Dos 25.287 alunos que respon<strong>de</strong>ram<br />

à pesquisa on-line, o que correspon<strong>de</strong><br />

a 73,92% do total <strong>de</strong> estudantes ativos<br />

da <strong>UFRJ</strong>, apenas 7,93% constitui o<br />

universo <strong>de</strong> estudantes <strong>de</strong> origem<br />

popular, segundo critérios estabelecidos<br />

pela pesquisa. A partir <strong>de</strong>sse recorte o<br />

projeto também buscou saber em que<br />

cursos e turnos esses se encontram:<br />

Serviço Social, com 17% em relação<br />

aos ativos, Letras (Português/Literatura)<br />

com 16,2% e História com 13%. O curso<br />

<strong>de</strong> Direito tem 3,9% <strong>de</strong> seus alunos<br />

com esse perfil, Arquitetura, 3,2% e<br />

Medicina apresenta somente 0,5%.<br />

O turno da noite também é o mais<br />

procurado, on<strong>de</strong> 31,7% são oriundos <strong>de</strong><br />

camadas populares, número um pouco<br />

acima do da manhã, com 30,5%.<br />

Condições <strong>de</strong> permanência<br />

A <strong>de</strong>mocratização do acesso ao<br />

Ensino Superior para jovens <strong>de</strong> origem<br />

popular é uma das metas que vêm<br />

sendo perseguida pelo Ministério da<br />

Educação. Contudo, a permanência<br />

Francisco Potiguara Júnior,<br />

diretor da Secad, participante do<br />

seminário, reafirma a importância<br />

do Conexões: “um projeto pleno <strong>de</strong><br />

sentidos, que permite esse diálogo<br />

entre espaços tão distintos, mas que<br />

não são contraditórios”. Para ele, é<br />

preciso romper com a bipolarida<strong>de</strong> e<br />

com o dualismo <strong>de</strong> saberes e, “nessa<br />

lógica, quando nós vislumbramos<br />

uma educação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> no século<br />

XXI, <strong>de</strong>vemos pensar em todas as<br />

possibilida<strong>de</strong>s relacionadas a uma<br />

formação. O ensinar e o apren<strong>de</strong>r<br />

estão juntos e não separados”.<br />

Potiguara Júnior sublinha que<br />

ensinar a conviver é fundamental<br />

para a formação geral dos seres<br />

h u m a n o s . “ A e s c o l a t e m q u e<br />

trabalhar para construir valores <strong>de</strong><br />

convivência, tolerância, respeito à<br />

diferença, humilda<strong>de</strong> e diversida<strong>de</strong>.<br />

Nós professores temos que apren<strong>de</strong>r<br />

a mediar conflitos, a enten<strong>de</strong>r a<br />

lógica da juventu<strong>de</strong> e a compreen<strong>de</strong>r<br />

o outro, seja ele <strong>de</strong> qualquer origem.<br />

É na escola que temos que nos<br />

sentir parte integrante do mundo”,<br />

afirma.<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

<strong>de</strong>ssa parcela significativa <strong>de</strong> jovens<br />

na universida<strong>de</strong> pública ainda é<br />

problemática, na medida em que a<br />

sua condição sócio-econômica impõe<br />

importante entrave para a continuida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> seus estudos.<br />

A proposta do seminário, assim, não<br />

foi apenas a <strong>de</strong> buscar mecanismos <strong>de</strong><br />

aumento do número <strong>de</strong>sses alunos na<br />

universida<strong>de</strong>. “Há centros e unida<strong>de</strong>s<br />

on<strong>de</strong> não se tem nenhum estudante <strong>de</strong><br />

origem popular, por outro lado, existem<br />

outros que estão concentrados. Além<br />

disso, temos que focar na permanência<br />

<strong>de</strong>sses alunos com qualida<strong>de</strong>, não<br />

somente para evitar a evasão, mas para<br />

que eles não sejam vistos como <strong>de</strong><br />

segunda or<strong>de</strong>m aqui <strong>de</strong>ntro”, explica<br />

Carmem Teresa.<br />

Déia Maria Ferreira dos Santos,<br />

superinten<strong>de</strong>nte geral <strong>de</strong> Graduação<br />

(SG-1), da Pró-reitoria <strong>de</strong> Graduação<br />

(PR-1), propõe a utilização <strong>de</strong> formas<br />

alternativas, como o Conexões, para<br />

incorporar à universida<strong>de</strong> os saberes<br />

que estão à margem da aca<strong>de</strong>mia.<br />

Atualmente, o Conexão <strong>de</strong> Saberes<br />

envolve 31 Instituições Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong><br />

Ensino Superior.<br />

Repensando o acesso<br />

Segundo ele, na lógica da globalização,<br />

a periferia não está distante. O primeiro<br />

e o último mundo convivem no mesmo<br />

espaço e na mesma universida<strong>de</strong>. “As<br />

universida<strong>de</strong>s públicas brasileiras <strong>de</strong>vem<br />

constituir processos que permitam<br />

soluções inteligentes para os problemas<br />

da contemporaneida<strong>de</strong>. O <strong>de</strong>safio<br />

é a<strong>de</strong>quar as estruturas internas à<br />

necessida<strong>de</strong> urgente da produção <strong>de</strong><br />

um conhecimento transdisciplinar, que<br />

integre também os espaços”, finaliza o<br />

diretor.<br />

Na opinião <strong>de</strong> Déia Ferreira,<br />

construímos uma nação <strong>de</strong> diferenças,<br />

on<strong>de</strong> as populações contribuem<br />

econômica e socialmente, mas continuam<br />

na periferia ficando <strong>de</strong> fora do local<br />

<strong>de</strong> construção dos gran<strong>de</strong>s saberes<br />

científicos. “Quando se fala, hoje, nos<br />

gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sequilíbrios da ação humana,<br />

ele é resultante <strong>de</strong> uma ação única, <strong>de</strong><br />

um mo<strong>de</strong>lo perverso que <strong>de</strong>termina<br />

quem são as pessoas e os comandos<br />

em <strong>de</strong>terminadas regiões. Para isso<br />

a universida<strong>de</strong> precisa ter uma ação<br />

imediata na forma <strong>de</strong> acesso, para,<br />

em seguida, garantir a permanência”,<br />

afirma.


Jornal da<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />

21<br />

Desejo<br />

Cultura<br />

Desejo<br />

Desejo Desejo<br />

A representação do<br />

Kadu Cayres<br />

ilustração Patrícia Perez<br />

O erotismo na Arte tem sido visto como uma forma <strong>de</strong> manifestar, representar e perpetuar o <strong>de</strong>sejo humano<br />

Manifestar, traduzir ou interpretar o<br />

<strong>de</strong>sejo por meio <strong>de</strong> objetos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

do local ou período on<strong>de</strong> foram<br />

produzidos é <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> erotismo. Na<br />

Arte, alguns enfatizam que, muitas vezes,<br />

a representação <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sejo esbarra<br />

em sentimentos como prazer e dor, vida<br />

e morte, transcendência e imanência,<br />

reconhecimento e alienação, ou seja,<br />

dicotomias que estão na base da simbolização<br />

do erótico nas Artes Plásticas e na<br />

Literatura.<br />

Vladimir Machado, professor<br />

<strong>de</strong> Pintura da Escola<br />

<strong>de</strong> Belas Artes (EBA),<br />

da <strong>UFRJ</strong>, acredita que<br />

a relação entre erotismo,<br />

Artes Plásticas e a<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestar<br />

o <strong>de</strong>sejo, se dá, principal-<br />

mente, por três<br />

motivos: preocupação<br />

que a Arte tem em manter<br />

sempre ao alcance dos<br />

olhos o ausente; vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> transpor<br />

para o coletivo o <strong>de</strong>sejo abrigado na solitária<br />

consciência; e, por fim, trazer à<br />

presença o que está distante, para <strong>de</strong>leite<br />

e perpetuação, na imagem, do objeto que<br />

se afasta. “O gozo acabou, a mulher partiu,<br />

o tempo passou, a Garota <strong>de</strong> Ipanema passou,<br />

mas aquele instante ficou eternizado<br />

na poesia, na música e na pintura como<br />

uma espécie <strong>de</strong> prolongamento da vida”,<br />

afirma o professor a respeito da capacida<strong>de</strong><br />

que a Arte tem <strong>de</strong> eternizar objetos<br />

e momentos.<br />

Em sua opinião, a obra <strong>de</strong> arte erótica<br />

não substitui a experiência real, entretanto,<br />

sugere o que foi vivido e o que é possível<br />

talvez viver. “Ela tem esse po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

manter presente a promessa imaginária do<br />

antigo <strong>de</strong>sejo humano da realização plena<br />

dos instintos sexuais e amorosos,<br />

livres como os animais. Talvez por<br />

isso exista <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a pré-história da<br />

humanida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>staca Vladimir,<br />

que lembra a tragédia Grega da<br />

filha <strong>de</strong> Budapeste, que ao ver<br />

seu amado, marinheiro,<br />

partir em viagem, projeta<br />

sua sombra na pare<strong>de</strong> e<br />

traça, com carvão, sua silhueta,<br />

fixando em imagem,<br />

aquela ausência.<br />

Marcelo Jacques, professor <strong>de</strong><br />

Literatura Francesa da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Letras (FL), da<br />

<strong>UFRJ</strong>, afirma que<br />

assim como nas artes<br />

plásticas, o erotismo<br />

também foi um gran<strong>de</strong><br />

tema para a Literatura.<br />

Sua relação com a transposição <strong>de</strong><br />

sentimentos se baseia numa espécie <strong>de</strong><br />

superação dos limites humanos, e isso,<br />

por sua vez, se assemelha à relação da<br />

Literatura com outros assuntos limítrofes<br />

como a violência e a morte. “As<br />

experiências eróticas na Literatura são<br />

calcadas na busca das fronteiras <strong>de</strong> si.<br />

Num primeiro momento, eu diria que o<br />

erotismo é um tema <strong>de</strong> interrogação do<br />

homem sobre outras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

sentido para própria existência. É alguma<br />

coisa que diz respeito à vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comunhão com o próximo”, avalia.<br />

Imaginação livre<br />

Tanto Vladimir Machado como Marcelo<br />

Jacques sustentam que o erotismo<br />

é uma ativida<strong>de</strong> que perpassa a cultura<br />

como um todo e não é privilégio <strong>de</strong> nenhuma<br />

época. “A Arte prolongou esse<br />

instante fugaz do gozo erótico, eternizando-o<br />

numa representação imaginária”,<br />

lembra Marcelo Jacques.<br />

Vladimir Machado crê que o Surrealismo<br />

foi o movimento artístico do século<br />

XX que melhor conseguiu elaborar<br />

o erotismo em Arte, <strong>de</strong> forma revolucionária<br />

e subversiva. “Esse movimento<br />

colocou a mulher como a musa da vida<br />

e das artes, como a que provoca a imaginação<br />

<strong>de</strong> todos os sonhos, os <strong>de</strong>satinos e<br />

os <strong>de</strong>sejos; a que enlouquece os homens e<br />

é o obscuro objeto do<br />

<strong>de</strong>sejo”, explica<br />

Machado.<br />

Segundo ele,<br />

o Surrealismo foi,<br />

por excelência, a<br />

corrente artística mo<strong>de</strong>rna<br />

da representação<br />

do irracional e do<br />

subconsciente. Suas<br />

origens remontam ao<br />

Dadaísmo e à pintura<br />

metafísica <strong>de</strong> Giorgio De<br />

Chirico. A problemática<br />

surrealista emerge todas as<br />

vezes que a imaginação se<br />

manifesta livremente, sem o freio do<br />

espírito crítico. O que vale é o impulso<br />

psíquico. Os surrealistas <strong>de</strong>ixam o<br />

mundo real para penetrarem no irreal,<br />

pois a emoção mais profunda tem a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se expressar quando<br />

se aproxima do fantástico, naquele<br />

<strong>de</strong>sconcertante ponto on<strong>de</strong> a razão<br />

humana per<strong>de</strong> o comando do discurso.<br />

Erotismo versus pornografia<br />

Diferentemente <strong>de</strong> “arte erótica”, <strong>de</strong><br />

“arte sexy” ou ainda <strong>de</strong> “sensualida<strong>de</strong><br />

na Arte”, para além da sensualida<strong>de</strong> e do<br />

erotismo, está a questão do sexo. Segundo<br />

Marcelo Jacques, o sexo, como força<br />

po<strong>de</strong>rosa tem movimentado o mundo,<br />

suscitado guerras, gerado negócios, provocado<br />

paixões avassaladoras, movimentos<br />

religiosos, crimes terríveis, poemas perfeitos.<br />

Enfim, tem sido o combustível da<br />

humanida<strong>de</strong> para a maior parte <strong>de</strong> suas<br />

ações, quase tudo o que se faz tem uma<br />

certa contraparte sexual. Quer seja pelo<br />

instinto da perpetuação da espécie, quer<br />

seja pelo <strong>de</strong>sejo, puro e simples, do sexo<br />

na vida. Portanto, será possível reproduzir<br />

o <strong>de</strong>sejo sexual através das artes, sem, no<br />

entanto, vulgarizá-lo? Existe diferença<br />

entre o erótico e o pornográfico?<br />

Para Vladimir Machado, as pinturas<br />

eróticas da <strong>de</strong>usa Vênus, na Mitologia<br />

Romana ou Afrodite, na Grega; as bacanais<br />

dionisíacas; o <strong>de</strong>us Zeus e suas conquistas<br />

sexuais (ambos gregos), são obras<br />

clássicas e sofisticadas que tratam do ato<br />

sexual. Logo, os limites entre erotismo<br />

e pornografia são difíceis, porém, não<br />

impossíveis <strong>de</strong> serem estabelecidos. “A<br />

Arte erótica possui uma diferença básica<br />

e fundamental: ela não é absolutamente<br />

explícita, não visa uma representação tal e<br />

qual a vida é. O erotismo na Arte – mesmo<br />

na Arte vulgar kitsch (exagero com mescla<br />

<strong>de</strong> vários estilos) ou pop (apropriação intencional<br />

<strong>de</strong> temas e imagens da cultura<br />

<strong>de</strong> massa) – lida sempre com o simbólico<br />

e o imaginário, com seus <strong>de</strong>slocamentos<br />

e fetiches. Sem imaginação, o ato sexual<br />

representado é pornografia”, explica o<br />

professor.<br />

Na Literatura, segundo Jacques, afirmar<br />

a diferença entre erotismo e pornografia é<br />

uma aposta que precisa ser refeita a cada<br />

momento. “Acredito ser muito difícil ler<br />

um texto e conseguir discernir o erótico<br />

do pornográfico. Isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> muito da<br />

sua estratégia <strong>de</strong> leitura, do sentido que<br />

aquilo produz no sujeito”, avalia, afirmando<br />

que antes <strong>de</strong> classificar um texto como<br />

pornográfico ou não, <strong>de</strong>ve-se avaliar os<br />

fins comerciais que o rondam.<br />

Erotismo, Arte e Psicanálise<br />

O erotismo na Arte po<strong>de</strong> ser visto<br />

como uma forma <strong>de</strong> expressar um <strong>de</strong>sejo<br />

reprimido? Para Theodor Lowenkron, psicanalista<br />

e professor do Departamento <strong>de</strong><br />

Psiquiatria e Medicina Legal da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Medicina da <strong>UFRJ</strong>, a expressão “<strong>de</strong>sejo<br />

reprimido”, segundo a Psicanálise, é ina<strong>de</strong>quada<br />

para se referir ao erotismo na Arte.<br />

“O conceito <strong>de</strong> sublimação é mais preciso<br />

para compreen<strong>de</strong>r o erotismo nesse caso,<br />

pois é o processo postulado por Freud para<br />

explicar ativida<strong>de</strong>s humanas sem qualquer<br />

relação com a sexualida<strong>de</strong>”, explica o professor<br />

afirmando que o pai da Psicanálise<br />

<strong>de</strong>finiu como ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sublimação,<br />

por excelência, tanto a Arte como a investigação<br />

intelectual.<br />

Lowenkron <strong>de</strong>staca, também, que não<br />

<strong>de</strong>vemos partir <strong>de</strong> forças externas para<br />

nos referirmos ao <strong>de</strong>sejo sexual humano.<br />

Em sua opinião, na experiência clínica e<br />

na teoria psicanalítica, a sexualida<strong>de</strong> não<br />

<strong>de</strong>signa apenas as ativida<strong>de</strong>s e o prazer<br />

<strong>de</strong>rivado da cópula, mas toda uma série <strong>de</strong><br />

excitações mais amplas presentes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

infância.


22<br />

Kadu Cayres<br />

ilustração Anna Carolina Bayer<br />

Luta do bem contra o mal. Filho<br />

que <strong>de</strong>sconhece o pai<br />

biológico.<br />

Jovens que<br />

se apaixonam<br />

sem saber<br />

que são irmãos.<br />

Conflitos familiares.<br />

Amores possíveis<br />

e impossíveis.<br />

Todos esses são<br />

temas recorrentes<br />

nas telenovelasbrasileiras,<br />

que têm<br />

como paradigma<br />

o melodrama<br />

– drama popular,<br />

muitas vezes acompanhado<br />

por melodia, caracterizado pela<br />

complexida<strong>de</strong> das intrigas e das situações,<br />

pela multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> episódios.<br />

Ou seja, uma narrativa em que os temas<br />

são repetitivos.<br />

De uns tempos para cá, essa temática<br />

renitente vem incomodando alguns telespectadores<br />

brasileiros, que alegam<br />

existir certo <strong>de</strong>sgaste na fórmula. Na<br />

opinião da publicitária, e noveleira<br />

assumida, porém crítica, Andréia<br />

Castro, “assistir uma novela equivale a<br />

dizer que já assistiu todas, pois enredos e<br />

personagens se repetem e, às vezes, com<br />

o mesmo nome”.<br />

A antropóloga Ilana Strozenberg,<br />

professora do Programa Avançado <strong>de</strong><br />

Cultura Contemporânea (PACC), do<br />

Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura (FCC), da<br />

<strong>UFRJ</strong>, discorda. Segundo ela, a fórmula<br />

não está <strong>de</strong>sgastada porque as telenovelas<br />

têm como característica fundamental<br />

a flexibilida<strong>de</strong>, que permite ao enredo<br />

tomar rumos diversos ao longo <strong>de</strong> seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Padrão redundante<br />

Professor do Departamento<br />

<strong>de</strong> Expressões e Linguagens<br />

da Escola<br />

<strong>de</strong> Comunicação<br />

(ECO), da <strong>UFRJ</strong>,<br />

Fernando Fragozo,<br />

não sabe dizer se há<br />

ou não <strong>de</strong>sgaste.<br />

Ele simplesmente<br />

aponta que a telenovela<br />

trabalha<br />

com elementos básicos<br />

da narrativa,<br />

ou seja, com um conjunto<br />

<strong>de</strong> procedimentos<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Cultura<br />

Um melodrama<br />

DESGASTADO<br />

A telenovela brasileira – fórmula calcada no melodrama – po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um mo<strong>de</strong>lo ultrapassado?<br />

– direção e montagem –, reelaborados,<br />

para contar histórias. Logo, afirmar um<br />

suposto <strong>de</strong>sgaste seria o mesmo que<br />

afirmar que a narrativa clássica está<br />

ultrapassada.<br />

Fernando segue dizendo que toda<br />

telenovela convive com padrões<br />

redundantes que, paradoxalmente,<br />

conflita com os índices <strong>de</strong> elevada<br />

audiência. “As pessoas reclamam,<br />

mas assistem. Hoje,<br />

uma novela do horário<br />

nobre estréia com 60<br />

pontos <strong>de</strong> audiência,<br />

na escala do Ibope”,<br />

constata o professor.<br />

Heloísa Buarque <strong>de</strong><br />

Holanda, professora <strong>de</strong><br />

Teoria da Cultura, também<br />

da ECO, não acredita<br />

no <strong>de</strong>sgaste. “Muito<br />

pelo contrário, acho que está<br />

cada vez mais se renovando graças<br />

à evolução <strong>de</strong> seu padrão técnico”, sublinha<br />

a professora, que afirma ter, a telenovela,<br />

um estilo próprio que se não <strong>de</strong>sse<br />

certo, não existiria há tanto tempo. Ela<br />

t a m b é m<br />

se permite<br />

falar do<br />

ponto <strong>de</strong><br />

vista da<br />

expectadora, por se recusar em ser “intelectual<br />

diante da tela”, dizendo-se apaixonada<br />

por telenovela e que “seria uma<br />

perda pavorosa raciocinar sobre ela”.<br />

A repetição dos temas, na visão <strong>de</strong><br />

Ilana Strozenberg, é importante,<br />

na medida em que faz parte do<br />

imaginário Oci<strong>de</strong>ntal. Para ela,<br />

afirmar que a telenovela esteja<br />

<strong>de</strong>sgastada, é o mesmo que<br />

dizer que o Mito <strong>de</strong> Édipo e<br />

a história do amor estão, também,<br />

gastos: “a repetição tem<br />

uma função <strong>de</strong>stacável para<br />

o telespectador. Assim como a<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo procura<br />

sempre a inovação – Edgard Morin,<br />

em Cultura <strong>de</strong> Massa no Século<br />

XX (Forense, 1967), afirma<br />

que a socieda<strong>de</strong> da Indústria<br />

Cultural oscila entre dois pólos:<br />

padronização e inovação<br />

– necessita, também, que toda<br />

mudança esteja inserida num<br />

<strong>de</strong>terminado padrão.”<br />

Heloísa Buarque afirma, ainda,<br />

que a redundância na temática, numa<br />

obra extensa<br />

como essa, não<br />

é novida<strong>de</strong>. Isso<br />

acontece também<br />

na Literatura:<br />

“basta<br />

ler um<br />

livro<br />

do Fernando<br />

Sabino,<br />

que já leu<br />

todos”.<br />

Concordando com a publicitária<br />

Andréia Castro, o roteirista Hugo<br />

Moss, autor <strong>de</strong> Como formatar o seu<br />

roteiro -– um pequeno guia <strong>de</strong> master<br />

scenes (Aeroplano Editora, 2002), lembra<br />

que o que se faz na telenovela é o contrário<br />

do que <strong>de</strong>veria ser feito em qualquer<br />

arte. “Presencio bastante o fato <strong>de</strong> uma<br />

história que po<strong>de</strong> ser contada em dois,<br />

seis meses, um ano. Isso é o inverso do<br />

que se faz em qualquer obra artística,<br />

que prioriza a concisão, ou seja,<br />

o maior número <strong>de</strong> informação<br />

num curto espaço”, constata o<br />

roteirista.<br />

M o s s c o n d e n a ,<br />

também, a monotonia<br />

que ronda as tramas<br />

novelescas atuais, mas<br />

se diz admirado com o trabalho<br />

dos roteiristas “que conseguem<br />

escrever <strong>de</strong>sse jeito. A tarefa do<br />

contador <strong>de</strong> história é enxugar<br />

o excesso <strong>de</strong> elementos, é<br />

fazer o melhor com menos.<br />

E na telenovela o excesso é<br />

o que dá sentido à obra”,<br />

explica, sublinhando que<br />

por conta da mesmice,<br />

acompanhar uma novela<br />

duas vezes por semana, é<br />

o suficiente para compreen<strong>de</strong>r<br />

toda a história.<br />

Para explicar o fato <strong>de</strong><br />

as pessoas reclamarem, mas<br />

assistirem, a professora Heloísa<br />

Buarque estabelece uma comparação<br />

com o cinema. Segundo<br />

ela, ver telenovela não é o mesmo que ir<br />

ao cinema, pelo simples motivo <strong>de</strong> que<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

outros fatores influenciam<br />

essa <strong>de</strong>cisão<br />

como, por exemplo,<br />

o filme ou o<br />

diretor. “Quando<br />

alguém vai ver um<br />

filme, vai para contemplar<br />

aquilo que<br />

lhe foi eleito. Já na<br />

novela ocorre o contrário.<br />

O expectador a recebe, e o máximo<br />

que ele escolhe é o horário”, constata a<br />

professora.<br />

O papel da telenovela na construção da socieda<strong>de</strong><br />

Para Ilana Strozenberg, o papel da<br />

telenovela é fundamental para a cultura,<br />

porém não produz a realida<strong>de</strong> brasileira.<br />

Em sua opinião, o que existe é um diálogo<br />

em que, por um lado, os autores têm<br />

a preocupação <strong>de</strong> estarem atentos ao que<br />

acontece; e por outro, jogam luz sobre<br />

<strong>de</strong>terminados aspectos da socieda<strong>de</strong>,<br />

enfatizando questões que, por estarem<br />

nas telas <strong>de</strong> TV, circulam com muita<br />

facilida<strong>de</strong>.<br />

“Acho que a novela põe no campo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>bate as situações que registra e<br />

representa, fazendo com que se tornem<br />

parte do diálogo social. Não é que essas<br />

circunstâncias não existissem antes, elas<br />

apenas ganham mais notorieda<strong>de</strong>”, explica<br />

Ilana, ressaltando que a importância<br />

<strong>de</strong>sse aspecto, “está no fato <strong>de</strong> a novela<br />

estabelecer um vínculo com a idéia <strong>de</strong><br />

nacionalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> imaginário social sobre<br />

o Brasil”.


Jornal da<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />

Joana Jahara<br />

Cultura<br />

A Literatura ainda não<br />

entrou em campo<br />

A produção dos escritores brasileiros que incorpora a temática do futebol<br />

continua marginal em relação à importância que o esporte ganhou. Algumas das<br />

razões que explicam esse <strong>de</strong>sinteresse são o preconceito da socieda<strong>de</strong> em relação à<br />

popularização do esporte, que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser apenas uma ativida<strong>de</strong> da elite e passou<br />

a ser praticado por extratos sociais mais amplos, e a origem da intelectualida<strong>de</strong><br />

brasileira, distante da nossa realida<strong>de</strong> e mais interessada no berço europeu. Embora<br />

hoje esse quadro tenha sofrido modificações consi<strong>de</strong>ráveis, são ainda poucas as<br />

produções artístico-literárias, como contos, romances e crônicas sobre o futebol.<br />

Contemporâneo às transformações que, no<br />

início do século XX, apontavam para uma mo<strong>de</strong>rnização<br />

política, social e cultural no país, a<br />

popularização do futebol conviveu com a transição<br />

entre duas gerações literárias brasileiras. Bernardo<br />

Borges Buarque <strong>de</strong> Hollanda, doutor em História<br />

Social, autor do livro O <strong>de</strong>scobrimento do futebol:<br />

mo<strong>de</strong>rnismo, regionalismo e paixão esportiva em<br />

José Lins do Rego (Edições Biblioteca Nacional,<br />

2005), explica que, enquanto os autores filiados<br />

às correntes parnasianas, naturalistas e realistas<br />

foram contemporâneos do processo <strong>de</strong> implantação<br />

do futebol no Brasil, na virada do século XIX<br />

para o século XX, os mo<strong>de</strong>rnistas vivenciaram um<br />

período em que este esporte havia se popularizado<br />

e se tornado uma paixão nacional. “Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,<br />

Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Antônio <strong>de</strong> Alcântara<br />

Machado, expoentes do Mo<strong>de</strong>rnismo paulista, vão<br />

<strong>de</strong>screver o futebol na ambiência das transformações<br />

urbanas que passava o país”, afirma. Antes<br />

<strong>de</strong>les, Lima Barreto havia percebido os impasses<br />

daquela transição. Ele criou uma Liga contra o Futebol,<br />

porque não acreditava na penetração social<br />

do esporte e o via como uma das formas <strong>de</strong> continuação,<br />

em outros mol<strong>de</strong>s, da tradição autoritária<br />

do regime escravista do Império. Demonstrava<br />

paixão pelo que fosse genuinamente brasileiro, e<br />

pensava o futebol como um esporte intruso.<br />

Expressão trágica<br />

Ronaldo Pereira Lima Lins, professor <strong>de</strong> Teoria<br />

Literária e diretor da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da <strong>UFRJ</strong>,<br />

analisa a exígua presença do tema em nossa literatura.<br />

“É uma boa questão a ser pensada. Sabemos<br />

da confiança que o Brasil ganhava, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

século XIX, sendo consi<strong>de</strong>rado o país do futuro.<br />

O otimismo se inscreveu na i<strong>de</strong>ologia, mas, apesar<br />

disso, a expressão artística nunca foi compatível<br />

com essa confiança, porque o balanço que faz<br />

<strong>de</strong>ssa expressão é <strong>de</strong> caráter trágico, e isso é no<br />

mundo inteiro. O futebol constitui o <strong>de</strong>pósito<br />

das alegrias, das esperanças, das emoções, mas a<br />

literatura não compartilha esses sentimentos. É<br />

o caso <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis, em Memórias póstumas<br />

<strong>de</strong> Brás Cubas (1881), on<strong>de</strong>, em um trecho<br />

aparentemente leve, <strong>de</strong> repente solta a frase: ‘Não<br />

tive filhos. Não <strong>de</strong>ixei a outrem o legado <strong>de</strong> nossa<br />

miséria’, avalia o professor.<br />

Graciliano Ramos constrói um amálgama <strong>de</strong><br />

angústia e tragédia social e, freqüentemente, atribui<br />

ao futebol importante papel na formação da<br />

cultura contemporânea brasileira. “É o panorama<br />

que ele mostra do Brasil. Dizia que a rasteira era<br />

um esporte nacional por excelência. Em A crônica<br />

do valente Parintins (1963), <strong>de</strong> Ewelson Soares<br />

Pinto, chega-se ao questionamento se o futebol<br />

vai salvar o personagem, que se torna jogador,<br />

da história da frau<strong>de</strong>. Ou seja, essa reflexão não<br />

vai ser propriamente <strong>de</strong> alegria e realização dos<br />

homens”, afirma o professor.<br />

Sobrevôos literários<br />

Mesmo escritores como José Lins do Rego,<br />

que começavam a ver o futebol como matériaprima<br />

<strong>de</strong> suas obras, não focaram o assunto nos<br />

romances, e apenas <strong>de</strong>ram <strong>de</strong>staque a ele em suas<br />

crônicas e ensaios. “Em dois romances, Água-mãe<br />

(1941) e Eurídice (1947), o futebol faz-se presente,<br />

ainda que não tenha ocupado o lugar central do<br />

enredo. As crônicas esportivas foram um tema<br />

privilegiado por José Lins do Rego. Acredito que<br />

no romance, por se tratar <strong>de</strong> uma obra <strong>de</strong> maior<br />

sofisticação, menos propícia a experimentações,<br />

o futebol tenha tido uma incidência menor. Mas,<br />

ainda assim é possível pincelar, aqui e ali, autores<br />

que trabalharam o futebol em sentido romanesco,<br />

como Marques Rebelo”, afirma Bernardo<br />

Buarque.<br />

É através das crônicas e da imprensa esportiva<br />

recém-estruturada que se po<strong>de</strong>, porém, resgatar<br />

como o futebol daquele tempo era percebido pela<br />

população. Visto com <strong>de</strong>sconfiança ou exaltado<br />

como expressão da nacionalida<strong>de</strong>, o esporte ganhou,<br />

pouco a pouco, espaço na mídia, fazendo<br />

com que a crônica jornalística, não raro, adquirisse<br />

condição <strong>de</strong> produção literária. “A crônica é um<br />

gênero que não entra propriamente entre os clássicos<br />

da literatura, porque ela está condicionada<br />

ao veículo. E o que a <strong>de</strong>fine é a leveza, o fato cotidiano”,<br />

sublinha Ronaldo Lima Lins. Na difusão<br />

<strong>de</strong> gêneros literários, Bernardo Buarque ressalta<br />

que “na primeira meta<strong>de</strong> do século XX, muitos romancistas<br />

tinham nos periódicos seu único ofício<br />

e meio <strong>de</strong> sobrevivência”.<br />

Apropriado pela crônica<br />

Foi, sem dúvida, na crônica que o futebol<br />

ganhou maior expressão literária. Os olhos experientes<br />

<strong>de</strong> alguns escritores amantes do tema<br />

flagraram momentos únicos do esporte brasileiro.<br />

“Nelson Rodrigues marcou época ao <strong>de</strong>screver os<br />

acontecimentos do mundo da bola porque as suas<br />

crônicas eram engraçadas. Chamava, por exemplo,<br />

o jogador Amarildo (que substituiu Pelé na Copa do<br />

Mundo <strong>de</strong> 1962) <strong>de</strong> “O possesso”, trazia Dostoievski<br />

para o comentário, e isso era inovador para a<br />

época. Mas, é preciso ressaltar que o envolvimento<br />

nacional quando o Brasil sediou a Copa do Mundo<br />

<strong>de</strong> 1950, <strong>de</strong>u frutos para a relevância do futebol na<br />

crônica”, <strong>de</strong>staca Ronaldo Lima Lins.<br />

Rio nacional, Rio local: mitos<br />

e visões da crise carioca e<br />

fluminense<br />

Mauro Osorio<br />

Editora Senac<br />

2005, 296 páginas<br />

23<br />

Para ler<br />

D o s m e i o s à s m e d i a ções:<br />

c o m u n i c a ç ã o , c u l t u r a e<br />

hegemonia<br />

Jesus Martin-Barbero<br />

Editora <strong>UFRJ</strong>, 2ª edição<br />

2003, 372 páginas<br />

Martin-Barbero <strong>de</strong>senvolve, sem<br />

dúvida, uma das mais originais e fecundas<br />

reflexões sobre os processos<br />

<strong>de</strong> comunicação contemporâneos.<br />

Espanhol radicado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1963 na<br />

Colômbia, sua obra se caracteriza<br />

pela incorporação crítica <strong>de</strong> contribuições<br />

oriundas dos mais diversos<br />

campos do conhecimento, como o da sociologia, o da economia<br />

e o da história e por trazer o <strong>de</strong>bate para a realida<strong>de</strong> latino-americana.<br />

Entre os estudiosos brasileiros suas teses vêm obtendo<br />

aceitação, contribuído significativamente para compreen<strong>de</strong>r as<br />

contradições <strong>de</strong> uma mo<strong>de</strong>rnização compulsória, que atribui<br />

papel expressivo aos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, ao mesmo<br />

tempo em que perpetua <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais gritantes.<br />

Livro seminal não apenas para o estudo das formas contemporânea<br />

da comunicação, Dos meios às mediações <strong>de</strong>sloca<br />

a ênfase até então atribuída à crítica, em geral excessivamente<br />

unilaterais e redutoras, dos impactos dos produtos da indústria<br />

cultural e da transformação da cultura em mercadoria, cujo paradigma<br />

remonta à Escola <strong>de</strong> Frankfurt, e resgata o dado crucial<br />

da recepção. Ou seja, os sujeitos sociais são fundamentais para<br />

o entendimento da comunicação massiva e não <strong>de</strong>positários<br />

passivos <strong>de</strong> sentidos que lhes antece<strong>de</strong>m. A partir daí, enfatiza<br />

as inter-relações que tecem emissores e receptores e os fatores<br />

intervenientes nessa relação, bem como nas formas <strong>de</strong> apropriação<br />

e (re)significação <strong>de</strong> sentidos que freqüentam a pluralida<strong>de</strong><br />

dos discursos contemporâneos. Em outras palavras, o conceito<br />

<strong>de</strong> mediações avançado por Martin-Barbero possibilita captar o<br />

processo <strong>de</strong> comunicação por inteiro, em sua complexida<strong>de</strong> internacional,<br />

e evita absolutizar a intencionalida<strong>de</strong> dos meios.<br />

A partir <strong>de</strong>sse mapa conceitual, Martin-Barbero discute a<br />

emergência dos conceitos <strong>de</strong> povo e massa na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e<br />

as matrizes histórica da mediação <strong>de</strong> massa na América Latina,<br />

com <strong>de</strong>staque para as relações entre as massas e a mídia e os<br />

condicionamentos mútuos na produção e inversão <strong>de</strong> sentidos.<br />

A região, pela sua diversida<strong>de</strong>, se transforma em lugar privilegiado<br />

<strong>de</strong> pesquisa.<br />

Uma importante conseqüência <strong>de</strong>sse percurso é, na contramão<br />

das abordagens funcionalistas e estruturalistas, o resgate<br />

do popular como um espaço importante para se compreen<strong>de</strong>r os<br />

processos comunicacionais e culturais em curso na contemporaneida<strong>de</strong>.<br />

O massivo não anula o popular na produção da cultura.<br />

Ao contrário, elementos da dimensão popular conseguem se infiltrar<br />

no massivo, mantendo sua tradição e cultura, o que leva a<br />

constituição <strong>de</strong> uma heterogeneida<strong>de</strong> – uma mestiçagem cultural<br />

– com valores, crenças e formatos que, não raro, se opõem.<br />

Uma contribuição por certo necessária ainda que, como<br />

aponta Néstor Garcia Canclini no prefácio, distante da complacência<br />

satisfeita que perpassa parte das análises da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong><br />

neoliberal.<br />

Principal centro cultural, político,<br />

econômico e financeiro do Brasil, o<br />

papel do Rio <strong>de</strong> Janeiro como espaço<br />

hegemônico <strong>de</strong> articulação nacional, vai<br />

sofrer com a transferência, em 1960, da<br />

capital fe<strong>de</strong>ral para Brasília uma fratura<br />

institucional cuja abrangência será percebida apenas duas décadas<br />

<strong>de</strong>pois, quando a crise econômica dos anos 1980 interromperá a<br />

trajetória <strong>de</strong> crescimento que o país vinha experimentando ao longo<br />

do século XX. Mauro Osório, economista com doutorado em Planejamento<br />

Urbano e Regional pelo Ippur e, atualmente, professor da<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da <strong>UFRJ</strong>, sustenta, porém, a existência <strong>de</strong> uma<br />

crise específica da cida<strong>de</strong> e da “Velha Província”, – a área do antigo<br />

Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro polarizada por ela. O pano <strong>de</strong> fundo: a<br />

transferência paulatina <strong>de</strong> serviços fe<strong>de</strong>rais seguida por uma crise<br />

fiscal do Estado brasileiro que fragiliza ainda mais o investimento<br />

público na região, crucial para sustentar o seu dinamismo.<br />

Após discutir como a capitalida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong> se constituiu e<br />

como foram se forjando suas articulações econômicas com a Velha<br />

Província, ou seja, o Rio Nacional, Osorio se <strong>de</strong>bruça sobre<br />

o segundo termo do título, o <strong>de</strong> uma nova institucionalida<strong>de</strong><br />

marcada pela transformação do distrito fe<strong>de</strong>ral em Estado da<br />

Guanabara. O resultado é um impressionante painel das visões e<br />

estratégias que informaram os dois primeiros governos eleitos do<br />

recém-criado Estado: o <strong>de</strong> Carlos Lacerda, <strong>de</strong> 1960 a 1965, que<br />

assumiu após o governo provisório <strong>de</strong> Sette Câmara, nomeado<br />

por Juscelino Kubitschek para o interregno entre a transferência<br />

da capital e as eleições em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1960; e o <strong>de</strong> Negrão <strong>de</strong><br />

Lima, <strong>de</strong> 1965 a 1971.<br />

Há importantes continuida<strong>de</strong>s sublinhadas por Mauro Osorio.<br />

Entre elas, a ênfase atribuída à mo<strong>de</strong>rnização urbana, concebida<br />

equivocadamente como capaz <strong>de</strong>, por si mesma, reafirmar a “centralida<strong>de</strong><br />

carioca” e a uma política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento com foco<br />

na indústria, em especial na articulação <strong>de</strong> distritos industriais,<br />

que também não teve frutos duradouros. Esses primeiros governos<br />

foram, portanto, incapazes <strong>de</strong> (re)construir um perfil a<strong>de</strong>quado<br />

para a região que acabou presa, até nossos dias, <strong>de</strong> uma “lógica<br />

circular negativa” – feliz expressão <strong>de</strong> Myrdall.


24<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Personalida<strong>de</strong><br />

João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto<br />

A poesia como carnadura concreta<br />

Coryntho Bal<strong>de</strong>z<br />

ilustração Jefferson Nepomuceno<br />

“O problema do poeta é fazer um poema poético. Ele perfuma a<br />

flor.” A <strong>de</strong>sconcertante imagem antilírica é <strong>de</strong> João Cabral <strong>de</strong> Melo<br />

Neto (1920-1999), um artesão da palavra, o poeta brasileiro que conseguiu<br />

imprimir em seus versos a exata dicção da pedra. Coerente com<br />

a idéia <strong>de</strong> que lhe bastava a realida<strong>de</strong> externa como matéria-prima,<br />

teceu, com paciência <strong>de</strong> ourives, versos secos e racionais. Conta-se<br />

que lapidou um <strong>de</strong> seus poemas, “Tecendo a manhã”, por mais <strong>de</strong><br />

quatro anos.<br />

Aquele que tentou livrar sua obra <strong>de</strong> si próprio – ou do “perfume”<br />

da sua subjetivida<strong>de</strong> – representa um divisor <strong>de</strong> águas na poesia<br />

brasileira. “Ele diferenciou-se tanto da índole metafísica da geração<br />

<strong>de</strong> 1945, a que pertence, quanto do envelhecimento das fórmulas<br />

vanguardistas propagadas pela geração do Mo<strong>de</strong>rnismo”, afirma<br />

Antonio Carlos Secchin, professor titular <strong>de</strong> Literatura Brasileira da<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da <strong>UFRJ</strong>. Para ele, João Cabral ombreia-se, no<br />

plano internacional, com os maiores nomes da poesia mundial da<br />

segunda meta<strong>de</strong> do século XX.<br />

Consistência formal<br />

Ao <strong>de</strong>scobrir Cabral fora do Brasil, em 1977, quando, recém-formado<br />

pela <strong>UFRJ</strong>, foi dar aulas em Bor<strong>de</strong>aux, França Secchin – membro<br />

da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2004 e autor <strong>de</strong> vários livros<br />

sobre a obra do escritor pernambucano – ficou fascinado com a complexida<strong>de</strong><br />

da sua poesia. As qualida<strong>de</strong>s que mais o cativaram foram a<br />

consistência formal, a aposta em um projeto geral <strong>de</strong> obra – para além<br />

<strong>de</strong> poemas ou livros singulares – e a revitalização <strong>de</strong> formas arcaicas<br />

e esquecidas. O “Auto <strong>de</strong> Natal”, por exemplo, que remonta à Ida<strong>de</strong><br />

Média, ganhou força notável em Morte e Vida Severina (1956)– que<br />

comemora 50 anos <strong>de</strong> publicação este ano.<br />

Com a especificação do autor <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> um “Auto <strong>de</strong> Natal<br />

pernambucano”, é um poema dramático que conta a via crucis <strong>de</strong> um<br />

retirante que apenas encontra a morte, ao fugir do flagelo da seca,<br />

mas vê a vida reafirmada, ainda que esquálida e provisória, com o<br />

nascimento <strong>de</strong> uma criança. Em 1966, adaptado para o teatro e<br />

musicado por Chico Buarque, fez sucesso em palcos da Europa e<br />

do Brasil.<br />

O processo <strong>de</strong> criação do poeta, para Antonio Carlos Secchin,<br />

ligava-se à sua “conhecida apologia da inteligência, em<br />

<strong>de</strong>trimento do mero surto da inspiração”. Conta ele que João<br />

Cabral – com quem conviveu <strong>de</strong> perto – gostava <strong>de</strong> lançarse<br />

a <strong>de</strong>safios extremos, pois <strong>de</strong>sconfiava <strong>de</strong> tudo que lhe<br />

brotasse rápido <strong>de</strong>mais. Indagado sobre a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> classificação literária da obra <strong>de</strong> Cabral, o professor<br />

da <strong>UFRJ</strong> é taxativo: “ela inaugura uma nova perspectiva<br />

<strong>de</strong> pensar o poema, <strong>de</strong>svinculando-o do lirismo a<br />

que a tradição nos acostumara”. Para Secchin, os poemas<br />

do pernambucano têm mais lastro na antiga literatura espanhola<br />

do que na tradição da poesia em língua portuguesa.<br />

Em nossas letras – <strong>de</strong> acordo com ele – talvez o parente<br />

mais próximo <strong>de</strong> João Cabral seja Graciliano Ramos,<br />

“pela concisão e pela secura referencial e lingüística<br />

encontrada na obra <strong>de</strong> ambos”.<br />

Origens<br />

Natural <strong>de</strong> Recife (PE), João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto<br />

nasce em 9 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1920 e passa a infância em<br />

engenhos <strong>de</strong> açúcar. Primo <strong>de</strong> Manuel Ban<strong>de</strong>ira e<br />

Gilberto Freyre, não refuga o parentesco literário e,<br />

aos 18 anos, começa a freqüentar a roda literária do<br />

Café Lafayette, on<strong>de</strong> marcavam ponto jovens intelectuais,<br />

como o escritor Lêdo Ivo e o pintor Vicente<br />

do Rego Monteiro. O seu primeiro livro, Pedra do<br />

Sono, publicado em 1942, recebe elogios do crítico<br />

literário Antonio Cândido, que enxerga na obra<br />

influências surrealistas e cubistas.<br />

Depois <strong>de</strong> ingressar no Instituto Rio Branco,<br />

em 1945, Cabral conhece, como diplomata,<br />

cida<strong>de</strong>s do mundo inteiro. Mas é Sevilha<br />

(Espanha) que adota como segunda cida<strong>de</strong><br />

natal. Arrebatado pela paisagem da Sevilha<br />

dos bairros populares, <strong>de</strong>dica à cida<strong>de</strong><br />

os Poemas sevilhanos (Nova Fronteira,<br />

1992). Na Espanha – on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sembarca<br />

em 1947 – faz amiza<strong>de</strong> com artistas<br />

como Joan Brossa e o aclamado pintor<br />

Joan Miró, à época proibido <strong>de</strong><br />

expor seu trabalho pela ditadura<br />

franquista.<br />

Já no Consulado Geral <strong>de</strong><br />

Londres, em 1950, publica<br />

O cão sem plumas (José Olympio, 3a. ed., 1979), um impressionante<br />

retrato da geografia física e humana do rio que corta a sua<br />

Recife – o Capibaribe.<br />

Perseguição e premiação<br />

Em 1952, respon<strong>de</strong> a inquérito no Brasil sob a acusação <strong>de</strong> “subversão”<br />

e tem ativida<strong>de</strong>s e vencimentos suspensos pelo Itamaraty. Após<br />

o arquivamento do inquérito, em 1954, vai para Pernambuco com a<br />

família. No ano seguinte, recebe o Prêmio Olavo Bilac da Aca<strong>de</strong>mia<br />

Brasileira <strong>de</strong> Letras e, em 1956, a editora José Olympio publica Duas<br />

águas, que reúne as obras anteriores e os inéditos Morte e vida Severina,<br />

Paisagens com figuras e Uma faca só lâmina.<br />

Depois <strong>de</strong> reintegrado ao Itamaraty, por <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral (STF), volta a condição <strong>de</strong> diplomata andarilho. Como<br />

conselheiro junto às Nações Unidas, em Genebra, no ano <strong>de</strong> 1964,<br />

tem a alegria <strong>de</strong> ver nascer seu quinto e último filho.<br />

Pelo livro A educação pela pedra (1966), João Cabral recebe, entre<br />

outros, um dos mais importantes prêmios literários do país: o Jabuti.<br />

Não por acaso é eleito para a Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras (ABL),<br />

na vaga <strong>de</strong> Assis Chateaubriand, em 15 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1968. Nos anos<br />

seguintes, continua <strong>de</strong>monstrando o rigor formal que o fazia um “engenheiro”<br />

<strong>de</strong> versos em obras como Museu <strong>de</strong> tudo (Nova Fronteira,<br />

1975), A escola das facas (José Olympio, 1980), Auto do fra<strong>de</strong> (1984),<br />

Agrestes (1985), Sevilha andando (1990) e Andando Sevilha (1994),<br />

todos pela Nova Fronteira.<br />

Na década <strong>de</strong> 1990, João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto, já aposentado,<br />

convive com problemas físicos e crises <strong>de</strong>pressivas. As terríveis dores<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

<strong>de</strong> cabeça que o atormentavam eram combatidas com analgésicos; a<br />

melancolia, com remédios importados. Aos poucos, per<strong>de</strong> a visão e<br />

passa a viver na penumbra, em seu apartamento no bairro do Flamengo,<br />

na companhia da segunda esposa, a poeta Marly <strong>de</strong> Oliveira,<br />

recebendo apenas a visita dos filhos e <strong>de</strong> raros amigos – entre eles<br />

Secchin – até a sua morte, em 9 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1999.<br />

A educação pela pedra<br />

(João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto)<br />

Uma educação pela pedra: por lições;<br />

para apren<strong>de</strong>r da pedra, freqüentá-la;<br />

captar sua voz inenfática, impessoal<br />

(pela <strong>de</strong> dicção ela começa as aulas).<br />

A lição <strong>de</strong> moral, sua resistência fria<br />

ao que flui e a fluir, a ser maleada;<br />

a <strong>de</strong> poética, sua carnadura concreta;<br />

a <strong>de</strong> economia, seu a<strong>de</strong>nsar-se compacta:<br />

lições da pedra (<strong>de</strong> fora para <strong>de</strong>ntro,<br />

cartilha muda), para quem soletrá-la.<br />

Outra educação pela pedra: no Sertão<br />

(<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro para fora,<br />

e pré-didática).<br />

No Sertão a pedra<br />

não sabe lecionar,<br />

e se lecionasse,<br />

não ensinaria nada;<br />

lá não se apren<strong>de</strong><br />

a pedra: lá a pedra,<br />

uma pedra <strong>de</strong><br />

nascença,<br />

entranha<br />

a alma.<br />

*

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