18.04.2013 Views

Junho de 2006 - UFRJ

Junho de 2006 - UFRJ

Junho de 2006 - UFRJ

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

22<br />

Kadu Cayres<br />

ilustração Anna Carolina Bayer<br />

Luta do bem contra o mal. Filho<br />

que <strong>de</strong>sconhece o pai<br />

biológico.<br />

Jovens que<br />

se apaixonam<br />

sem saber<br />

que são irmãos.<br />

Conflitos familiares.<br />

Amores possíveis<br />

e impossíveis.<br />

Todos esses são<br />

temas recorrentes<br />

nas telenovelasbrasileiras,<br />

que têm<br />

como paradigma<br />

o melodrama<br />

– drama popular,<br />

muitas vezes acompanhado<br />

por melodia, caracterizado pela<br />

complexida<strong>de</strong> das intrigas e das situações,<br />

pela multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> episódios.<br />

Ou seja, uma narrativa em que os temas<br />

são repetitivos.<br />

De uns tempos para cá, essa temática<br />

renitente vem incomodando alguns telespectadores<br />

brasileiros, que alegam<br />

existir certo <strong>de</strong>sgaste na fórmula. Na<br />

opinião da publicitária, e noveleira<br />

assumida, porém crítica, Andréia<br />

Castro, “assistir uma novela equivale a<br />

dizer que já assistiu todas, pois enredos e<br />

personagens se repetem e, às vezes, com<br />

o mesmo nome”.<br />

A antropóloga Ilana Strozenberg,<br />

professora do Programa Avançado <strong>de</strong><br />

Cultura Contemporânea (PACC), do<br />

Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura (FCC), da<br />

<strong>UFRJ</strong>, discorda. Segundo ela, a fórmula<br />

não está <strong>de</strong>sgastada porque as telenovelas<br />

têm como característica fundamental<br />

a flexibilida<strong>de</strong>, que permite ao enredo<br />

tomar rumos diversos ao longo <strong>de</strong> seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento.<br />

Padrão redundante<br />

Professor do Departamento<br />

<strong>de</strong> Expressões e Linguagens<br />

da Escola<br />

<strong>de</strong> Comunicação<br />

(ECO), da <strong>UFRJ</strong>,<br />

Fernando Fragozo,<br />

não sabe dizer se há<br />

ou não <strong>de</strong>sgaste.<br />

Ele simplesmente<br />

aponta que a telenovela<br />

trabalha<br />

com elementos básicos<br />

da narrativa,<br />

ou seja, com um conjunto<br />

<strong>de</strong> procedimentos<br />

Jornal da<br />

<strong>UFRJ</strong><br />

Cultura<br />

Um melodrama<br />

DESGASTADO<br />

A telenovela brasileira – fórmula calcada no melodrama – po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um mo<strong>de</strong>lo ultrapassado?<br />

– direção e montagem –, reelaborados,<br />

para contar histórias. Logo, afirmar um<br />

suposto <strong>de</strong>sgaste seria o mesmo que<br />

afirmar que a narrativa clássica está<br />

ultrapassada.<br />

Fernando segue dizendo que toda<br />

telenovela convive com padrões<br />

redundantes que, paradoxalmente,<br />

conflita com os índices <strong>de</strong> elevada<br />

audiência. “As pessoas reclamam,<br />

mas assistem. Hoje,<br />

uma novela do horário<br />

nobre estréia com 60<br />

pontos <strong>de</strong> audiência,<br />

na escala do Ibope”,<br />

constata o professor.<br />

Heloísa Buarque <strong>de</strong><br />

Holanda, professora <strong>de</strong><br />

Teoria da Cultura, também<br />

da ECO, não acredita<br />

no <strong>de</strong>sgaste. “Muito<br />

pelo contrário, acho que está<br />

cada vez mais se renovando graças<br />

à evolução <strong>de</strong> seu padrão técnico”, sublinha<br />

a professora, que afirma ter, a telenovela,<br />

um estilo próprio que se não <strong>de</strong>sse<br />

certo, não existiria há tanto tempo. Ela<br />

t a m b é m<br />

se permite<br />

falar do<br />

ponto <strong>de</strong><br />

vista da<br />

expectadora, por se recusar em ser “intelectual<br />

diante da tela”, dizendo-se apaixonada<br />

por telenovela e que “seria uma<br />

perda pavorosa raciocinar sobre ela”.<br />

A repetição dos temas, na visão <strong>de</strong><br />

Ilana Strozenberg, é importante,<br />

na medida em que faz parte do<br />

imaginário Oci<strong>de</strong>ntal. Para ela,<br />

afirmar que a telenovela esteja<br />

<strong>de</strong>sgastada, é o mesmo que<br />

dizer que o Mito <strong>de</strong> Édipo e<br />

a história do amor estão, também,<br />

gastos: “a repetição tem<br />

uma função <strong>de</strong>stacável para<br />

o telespectador. Assim como a<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo procura<br />

sempre a inovação – Edgard Morin,<br />

em Cultura <strong>de</strong> Massa no Século<br />

XX (Forense, 1967), afirma<br />

que a socieda<strong>de</strong> da Indústria<br />

Cultural oscila entre dois pólos:<br />

padronização e inovação<br />

– necessita, também, que toda<br />

mudança esteja inserida num<br />

<strong>de</strong>terminado padrão.”<br />

Heloísa Buarque afirma, ainda,<br />

que a redundância na temática, numa<br />

obra extensa<br />

como essa, não<br />

é novida<strong>de</strong>. Isso<br />

acontece também<br />

na Literatura:<br />

“basta<br />

ler um<br />

livro<br />

do Fernando<br />

Sabino,<br />

que já leu<br />

todos”.<br />

Concordando com a publicitária<br />

Andréia Castro, o roteirista Hugo<br />

Moss, autor <strong>de</strong> Como formatar o seu<br />

roteiro -– um pequeno guia <strong>de</strong> master<br />

scenes (Aeroplano Editora, 2002), lembra<br />

que o que se faz na telenovela é o contrário<br />

do que <strong>de</strong>veria ser feito em qualquer<br />

arte. “Presencio bastante o fato <strong>de</strong> uma<br />

história que po<strong>de</strong> ser contada em dois,<br />

seis meses, um ano. Isso é o inverso do<br />

que se faz em qualquer obra artística,<br />

que prioriza a concisão, ou seja,<br />

o maior número <strong>de</strong> informação<br />

num curto espaço”, constata o<br />

roteirista.<br />

M o s s c o n d e n a ,<br />

também, a monotonia<br />

que ronda as tramas<br />

novelescas atuais, mas<br />

se diz admirado com o trabalho<br />

dos roteiristas “que conseguem<br />

escrever <strong>de</strong>sse jeito. A tarefa do<br />

contador <strong>de</strong> história é enxugar<br />

o excesso <strong>de</strong> elementos, é<br />

fazer o melhor com menos.<br />

E na telenovela o excesso é<br />

o que dá sentido à obra”,<br />

explica, sublinhando que<br />

por conta da mesmice,<br />

acompanhar uma novela<br />

duas vezes por semana, é<br />

o suficiente para compreen<strong>de</strong>r<br />

toda a história.<br />

Para explicar o fato <strong>de</strong><br />

as pessoas reclamarem, mas<br />

assistirem, a professora Heloísa<br />

Buarque estabelece uma comparação<br />

com o cinema. Segundo<br />

ela, ver telenovela não é o mesmo que ir<br />

ao cinema, pelo simples motivo <strong>de</strong> que<br />

<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong><br />

outros fatores influenciam<br />

essa <strong>de</strong>cisão<br />

como, por exemplo,<br />

o filme ou o<br />

diretor. “Quando<br />

alguém vai ver um<br />

filme, vai para contemplar<br />

aquilo que<br />

lhe foi eleito. Já na<br />

novela ocorre o contrário.<br />

O expectador a recebe, e o máximo<br />

que ele escolhe é o horário”, constata a<br />

professora.<br />

O papel da telenovela na construção da socieda<strong>de</strong><br />

Para Ilana Strozenberg, o papel da<br />

telenovela é fundamental para a cultura,<br />

porém não produz a realida<strong>de</strong> brasileira.<br />

Em sua opinião, o que existe é um diálogo<br />

em que, por um lado, os autores têm<br />

a preocupação <strong>de</strong> estarem atentos ao que<br />

acontece; e por outro, jogam luz sobre<br />

<strong>de</strong>terminados aspectos da socieda<strong>de</strong>,<br />

enfatizando questões que, por estarem<br />

nas telas <strong>de</strong> TV, circulam com muita<br />

facilida<strong>de</strong>.<br />

“Acho que a novela põe no campo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>bate as situações que registra e<br />

representa, fazendo com que se tornem<br />

parte do diálogo social. Não é que essas<br />

circunstâncias não existissem antes, elas<br />

apenas ganham mais notorieda<strong>de</strong>”, explica<br />

Ilana, ressaltando que a importância<br />

<strong>de</strong>sse aspecto, “está no fato <strong>de</strong> a novela<br />

estabelecer um vínculo com a idéia <strong>de</strong><br />

nacionalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> imaginário social sobre<br />

o Brasil”.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!