Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Jornal da<br />
<strong>Junho</strong>•<strong>2006</strong> <strong>UFRJ</strong><br />
13<br />
<strong>de</strong> uma linha pública. A radicalização da<br />
<strong>de</strong>mocracia passa pela construção <strong>de</strong>sse<br />
novo discurso sobre essas relações. Será<br />
que vamos conseguir criar um pensamento<br />
que seja tão importante quanto foi o <strong>de</strong><br />
resistência durante a ditadura?<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E qual é o papel da Comunicação<br />
para a universida<strong>de</strong>?<br />
Ivana Bentes: É um campo extraordinário<br />
para esse tipo <strong>de</strong> trabalho, seja<br />
em parceria com os excluídos para a<br />
produção <strong>de</strong> novos conhecimentos ou<br />
na busca pela circulação e partilha do<br />
saber. A universida<strong>de</strong> precisa <strong>de</strong> um<br />
projeto <strong>de</strong> Comunicação que possa caminhar<br />
nessa direção. Também <strong>de</strong>fendo<br />
que precisamos ocupar espaços como<br />
a TV universitária e comunitária, criar<br />
a Rádio da <strong>UFRJ</strong> e produzir mídia. O<br />
próprio Jornal da <strong>UFRJ</strong>, o Olhar Virtual<br />
e o Olhar Vital já são avanços nesse<br />
sentido. Mas se nós não pautarmos a<br />
mídia, nós vamos ser pautados por ela.<br />
Há casos interessantes como a TV PUC-<br />
SP e o Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Resenhas da USP<br />
(Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo), encartado<br />
na Folha <strong>de</strong> São Paulo.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: As tevês comunitárias<br />
e universitárias ainda não são apenas<br />
brechas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema maior<br />
<strong>de</strong> Comunicação que se encontra fechado?<br />
Ivana Bentes: O i<strong>de</strong>al seria ocuparmos<br />
espaço na programação das emissoras<br />
abertas. Mas aí, volta-se à questão das<br />
concessões públicas que se transformaram<br />
em licenças para ganhar dinheiro.<br />
Aos poucos, a socieda<strong>de</strong> avança na<br />
consciência <strong>de</strong> que os meios <strong>de</strong> comunicação<br />
são públicos e logo <strong>de</strong>vem se<br />
voltar para a sua origem. Por enquanto,<br />
é ingênuo que uma universida<strong>de</strong> pública<br />
não ocupe esse espaço público das tevês<br />
comunitárias e universitárias. Todas as<br />
universida<strong>de</strong>s particulares já têm seus<br />
programas. O luxo que po<strong>de</strong>mos nos dar<br />
é o <strong>de</strong> experimentar linguagens, seja no<br />
telejornalismo e em outras produções<br />
audiovisuais.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: A Comunicação também<br />
po<strong>de</strong>ria atuar pedagogicamente?<br />
Ivana Bentes: Dentro da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
informação, a principal dificulda<strong>de</strong> acontece<br />
por conta do bombar<strong>de</strong>io <strong>de</strong> notícias,<br />
essas, muitas vezes, <strong>de</strong>scontextualizadas,<br />
<strong>de</strong>turpadas e fragmentadas. Por isso, a<br />
Comunicação é estratégica até em nível<br />
cognitivo, para se enten<strong>de</strong>r o mundo em<br />
que se vive. Ela (Comunicação) <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />
ser um privilégio do nosso curso, pois a<br />
exigência <strong>de</strong>ssa habilida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>codificar<br />
informações, se apresentar diante <strong>de</strong> uma<br />
câmera e utilizar uma série <strong>de</strong> recursos<br />
tecnológicos, tornou-se uma <strong>de</strong>manda da<br />
alfabetização audiovisual.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Como po<strong>de</strong>ríamos construir,<br />
concretamente, uma comunida<strong>de</strong><br />
acadêmica “conectada”, em que conhecimentos<br />
e experiências sejam partilhados,<br />
além <strong>de</strong> dialogar com a socieda<strong>de</strong>?<br />
Ivana Bentes: O primeiro movimento<br />
passa por uma mudança <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>.<br />
A universida<strong>de</strong> precisa <strong>de</strong> transparência<br />
e <strong>de</strong> exposição, com avaliações externas<br />
e internas. As críticas dos pais ou <strong>de</strong><br />
outros atores precisam ser ouvidas e os<br />
<strong>de</strong>bates necessários <strong>de</strong>vem ser feitos.<br />
Ainda somos corporativos nesse sentido.<br />
Outro ponto é que ainda há problemas <strong>de</strong><br />
comunicação interna terríveis. A <strong>UFRJ</strong><br />
possui uma comunida<strong>de</strong> superdiversificada,<br />
assimétrica e com diferenças entre<br />
as suas unida<strong>de</strong>s. Ela se conhece pouco.<br />
Entrevista<br />
A conectivida<strong>de</strong> e sinergia <strong>de</strong>ntro da universida<strong>de</strong><br />
são pequenas.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E como você vê a gran<strong>de</strong><br />
mídia hoje?<br />
Ivana Bentes: Há uma crise nessa mídia<br />
tradicional, que é parcial e aborda mal<br />
os temas relacionados à Comunicação.<br />
Não há crítica entre os veículos e entre os<br />
próprios jornalistas, que são complacentes<br />
com o próprio po<strong>de</strong>r. Durante o seminário<br />
A Mídia da Crise ou Crise da Mídia<br />
(realizado em abril passado, na ECO), o<br />
professor Wan<strong>de</strong>rley Guilherme do Santos<br />
(da Universida<strong>de</strong> Cândido Men<strong>de</strong>s)<br />
lembrou que a mídia ven<strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong><br />
política e segurança, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> criar crises<br />
ou gerar o medo. Na verda<strong>de</strong>, os meios <strong>de</strong><br />
Comunicação são importantes <strong>de</strong>mais para<br />
estarem somente nas mãos dos jornalistas<br />
e dos comunicólogos. Precisamos <strong>de</strong> uma<br />
espécie <strong>de</strong> acompanhamento social sobre<br />
o setor. Até porque, on<strong>de</strong> nós vamos fazer<br />
a crítica sobre eles?<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Qual a sua avaliação sobre<br />
a implantação da TV Digital no Brasil?<br />
Ivana Bentes: A TV Digital apenas como<br />
melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imagem não<br />
vai alterar nada. A <strong>de</strong>manda social é por<br />
multicanais, que abram o mais po<strong>de</strong>roso<br />
instrumento <strong>de</strong> Comunicação da contemporaneida<strong>de</strong><br />
para as diversas vozes da<br />
socieda<strong>de</strong>. Agora, como há um interesse<br />
concreto da mídia, o <strong>de</strong>bate foi barrado e<br />
não se tornou suficientemente público. É<br />
um momento <strong>de</strong>licado para qualquer <strong>de</strong>cisão.<br />
Afinal, qual governo vai encarar os<br />
meios <strong>de</strong> Comunicação nos seus interesses<br />
mais íntimos?<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Qual seria o papel do<br />
governo na <strong>de</strong>mocratização dos meios <strong>de</strong><br />
comunicação?<br />
Ivana Bentes: O governo <strong>de</strong>veria ocupar<br />
o seu espaço <strong>de</strong> mediador entre as forças<br />
envolvidas (meios <strong>de</strong> Comunicação versus<br />
socieda<strong>de</strong>), até por ser ele quem faz as<br />
concessões. Entretanto, não haverá uma<br />
discussão mais ampla sem a mobilização<br />
social para pressionar e exigir esse <strong>de</strong>bate<br />
que, necessariamente, não precisa ser um<br />
embate, mas até uma parceria.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Você <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “bipolarida<strong>de</strong><br />
esquizofrênica” os discursos midiáticos<br />
nos quais o Jornalismo aterroriza<br />
e a ficção ameniza. Há momentos em que<br />
esses discursos se fun<strong>de</strong>m?<br />
Ivana Bentes: Não. Os discursos aparecem<br />
bem <strong>de</strong>marcados e funcionam numa espécie<br />
<strong>de</strong> compensação simbólica. Enquanto<br />
os noticiários criminalizam o pobre, nas<br />
novelas ele é mostrado como trabalhador<br />
honesto e as favelas chegam a ser cenários<br />
idílicos. No caso das drogas também há<br />
uma simplificação brutal do problema,<br />
colocando o usuário como o responsável<br />
pela violência e o tráfico. Nunca se aponta<br />
o <strong>de</strong>bate da legalização das drogas ou um<br />
discurso social mais amplo. No caso do<br />
PCC (Primeiro Comando da Capital), em<br />
São Paulo, houve um terrorismo midiático,<br />
quase que clamando por uma reação<br />
policial fascista. No plano político, a cobertura<br />
também é péssima. Falta o <strong>de</strong>bate<br />
<strong>de</strong> idéias e tudo é muito editorializado e<br />
com manipulações grosseiras. Chega a ser<br />
impressionante como não caiu esse governo,<br />
que teve o mérito <strong>de</strong> fazer com que<br />
as elites conservadoras e o pensamento<br />
<strong>de</strong> direita se assumissem e per<strong>de</strong>ssem a<br />
vergonha <strong>de</strong> aparecer.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Qual é o maior impacto<br />
das novas tecnologias sobre a mídia?<br />
Ivana Bentes: Há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
formarem contra-discursos, a criação <strong>de</strong><br />
novas ocupações e do leitor virar produtor<br />
<strong>de</strong> informação. Elas colocam em crise a<br />
tradicional mídia, por representarem a<br />
chance <strong>de</strong> quebra <strong>de</strong> monopólio, pulverizando<br />
a idéia <strong>de</strong> que somente através <strong>de</strong><br />
uma “Hollywood tropical” se emita opinião.<br />
Agora, ainda falta que a Internet seja<br />
parte da base popular. Enquanto a inclusão<br />
digital não acontece, os laboratórios<br />
tecnológicos da universida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>riam<br />
ser abertos ao uso social. Aos sábados e<br />
domingos, nenhuma produtora <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o<br />
fecha. Nos movimentos sociais, eles costumam<br />
dizer que não querem aparecer na<br />
televisão, mas ter um canal <strong>de</strong> tevês.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: E quais são as maiores<br />
dificulda<strong>de</strong>s que você encontra na Direção<br />
da ECO?<br />
Ivana Bentes: A primeira reivindicação<br />
é aparelhar tecnologicamente o nosso<br />
curso. Outra questão passa por espaço, em<br />
especial, para o curso <strong>de</strong> Direção Teatral.<br />
Também estamos travando uma discussão<br />
para renovar o projeto pedagógico,<br />
inclusive ouvindo os nossos estudantes.<br />
O nosso campo é muito veloz, portanto o<br />
curso não po<strong>de</strong> se acomodar.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Alguma surpresa ou<br />
<strong>de</strong>cepção?<br />
Ivana Bentes: Há uma potência muito<br />
gran<strong>de</strong> na universida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>tém um<br />
prestígio e capital simbólico que precisam<br />
ser usados. Sem falar em professores e<br />
funcionários, que <strong>de</strong>dicam sua criativida<strong>de</strong><br />
e afetivida<strong>de</strong> à <strong>UFRJ</strong>. Por outro lado,<br />
ainda existem as estruturas burocratizadas<br />
e hierarquizadas, que nos remetem a uma<br />
cátedra do século XIX, às vezes, com muito<br />
ritual para pouca dinâmica e produção.<br />
A falta <strong>de</strong> um horizonte profissional também<br />
<strong>de</strong>sanima a muitos.<br />
Jornal da <strong>UFRJ</strong>: Como você avalia o processo<br />
<strong>de</strong> Reforma Universitária?<br />
Ivana Bentes: Há um lado promissor e<br />
precisa ser <strong>de</strong>batido. O que me parece absurdo<br />
é rejeitar essa oportunida<strong>de</strong>, numa<br />
recusa da complexida<strong>de</strong> sobre o que é a<br />
universida<strong>de</strong>. Vejo que muitos fantasmas<br />
começam a ser encarados, principalmente<br />
os que tratam da relação entre público e<br />
privado. O que me parece hipócrita é ver<br />
esse processo <strong>de</strong> privatização ocorrendo<br />
internamente, sem que ele traga retorno<br />
para o público. É preciso dizer e saber o<br />
que queremos <strong>de</strong>sse mercado, para po<strong>de</strong>rmos<br />
pautá-lo. Não o contrário.<br />
“Dentro da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
informação, a principal<br />
dificulda<strong>de</strong> acontece por<br />
conta do bombar<strong>de</strong>io <strong>de</strong><br />
notícias, essas, muitas<br />
vezes, <strong>de</strong>scontextualizadas,<br />
<strong>de</strong>turpadas e fragmentadas”