A oferenda literária: referências musicais na escrita de Julio ... - FALE
A oferenda literária: referências musicais na escrita de Julio ... - FALE
A oferenda literária: referências musicais na escrita de Julio ... - FALE
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Belo Horizonte, v. 7, p. 35-43, <strong>de</strong>z. 2003 <br />
estratégia <strong>de</strong> revezamento entre a primeira pessoa do singular e a terceira pessoa<br />
do plural remete ao concerto para solista e orquestra. Em Um tal Lucas, a primeira<br />
parte dos textos conta vivências do perso<strong>na</strong>gem-título, a segunda versa sobre<br />
assuntos diversos sem referência ao protagonista, e a terceira retoma as aventuras<br />
do herói, estrutura que coinci<strong>de</strong> com a forma musical ternária a-b-a. As <strong>na</strong>rrativas<br />
sobre Lucas remetem à forma variações, com exposições sucessivas <strong>de</strong> um mesmo tema<br />
tratadas com alterações. Em Histórias <strong>de</strong> cronópios e <strong>de</strong> famas, os episódios “Terapia”<br />
e “História” usam a forma cíclica, em que o mesmo material temático ocorre em<br />
diferentes movimentos da peça.<br />
Entre os elementos <strong>de</strong> estruturação musical, em História <strong>de</strong> cronópios e<br />
<strong>de</strong> famas, uma reflexão inicial sem título, <strong>de</strong> caráter pessoal, <strong>de</strong>stoante do tema do<br />
livro, remete à cadência, passagem virtuosística para a expressão do intérprete.<br />
Ainda <strong>na</strong> coletânea acha-se o ritornello, repetição <strong>de</strong> trecho numa peça, e o take <strong>de</strong><br />
jazz, visível nos vários ângulos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição dos seres.<br />
A MÚSICA COMO ENUNCIADO E ENUNCIAÇÃO<br />
Ao usar a música simultaneamente como forma e conteúdo <strong>de</strong> sua <strong>escrita</strong>,<br />
Cortázar tece os liames mais firmes da junção música-literatura. Enunciação e<br />
enunciado não mais se contentam em coexistir ou suce<strong>de</strong>r-se nos textos; eles se<br />
entremeiam inseparavelmente, consolidam a união da música com a literatura pelo<br />
estreitamento <strong>de</strong> seus parentescos léxicos e sintáticos. Isso é visto em sua obra em<br />
três níveis: primeiro, quando ele expressa a apropriação do recurso musical como<br />
estratégia <strong>de</strong> <strong>escrita</strong>, como em “Clone”; segundo, quando ele, através <strong>de</strong> termos e<br />
espaçamentos literários similares aos <strong>musicais</strong>, dá pistas <strong>de</strong> que está usando tal<br />
procedimento formal, como em “Reunião”; e terceiro, quando a reincidência contínua<br />
<strong>de</strong> formas <strong>musicais</strong> autoriza a suposição <strong>de</strong> que sua presença como enunciado favorece<br />
que o texto se aproxime <strong>de</strong>la enquanto enunciação, como em O jogo da amarelinha. Nos<br />
três casos, a música é um duplo do texto.<br />
37