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42 O JOGO DA AMARELINHA Belo Horizonte, v. 7, p. 1–110, dez. 2003 No romance, o alto grau de citações musicais faz supor que a música, presente como tema, interfere na estrutura das frases, na construção dos parágrafos e na organização dos capítulos, determinando a arquitetura do livro. No campo temático, ela cria alguns trechos, como as vinte páginas sobre um concerto contemporâneo. Os personagens são apresentados através de sua relação com a música: Horacio é grande conhecedor do jazz cool; a Maga “cantarolava melodias ainda não inventadas” e Ronald, “sozinho ao piano, ficava com todo o tempo necessário para trabalhar as suas idéias sobre o be-bop”. Músicas e músicos dialogam com personagens, entregues “ao jazz como um modesto exercício de libertação”. Refletindo a música dos períodos barroco e clássico, muito presentes no texto, a disposição dos capítulos sob os títulos “do lado de lá”, “do lado de cá” e “de outros lados” (recortes de textos que remetem às narrativas de um ou outro lado), assemelha-se às formas ternárias eruditas, com a terceira parte como um desenvolvimento das duas primeiras. A divisão de capítulos entre Paris e Buenos Aires tem ressonâncias da retomada do nacionalismo na música romântica, muito citada. Procedimentos da música contemporânea estão na imprevisibilidade possibilitada pelo embaralhamento aleatório dos capítulos. Mas é principalmente no campo do jazz que o reflexo das citações musicais transparece na forma do romance, que se desenvolve através de contínuas recorrências jazzísticas em sua busca inquietante do que nunca é alcançado. Mais do que usar elementos apreendidos do jazz, Cortázar usa sua forma para moldar um texto que, com múltiplas variações em torno do mesmo tema, está sempre retomando a busca anunciada desde a frase que abre o livro: “Encontraria a Maga?”. Neste sentido, é razoável pensar que os vários enfoques sob os quais decorre a busca de Horacio são uma coletânea de takes de jazz. CONCLUSÃO Em tantas aparições e sob tantos aspectos, a música configura quase uma assinatura de Cortázar. Lançando mão de um material especialmente rico em possibilidades
Belo Horizonte, v. 7, p. 35-43, dez. 2003 de significações, o autor se abre a outras lógicas e realiza um discurso próprio. Trompetista amador, compositor e letrista de tangos, seu envolvimento com a música como intenso fruidor é suficiente para transitar com desenvoltura entre os dois discursos, juntando dois campos artísticos que invadem as mútuas vizinhanças e entrelaçam cadeias semióticas, oferecendo aos leitores redobrado prazer. A música é uma formulação incancelável em sua escrita, a única maneira que o escritor pode usar, sendo ele quem é, para realizar sua escrita. ABSTRACT: This article studies the presence of musical elements in Julio Cortázar’s writing, and analyses its relevance to his literary production, in order to explore the connections between musical and literary discourses in relation to the literary creation. KEY WORDS: music, literature, theme, form, discourse. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BACH, J. Sebastian. Musicalisches opfer, BWV 1079. London: Ernst Eulenburg Ltd, 1986. CORTÁZAR, Julio. “Clone”. In Orientação dos gatos. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. CORTÁZAR, Julio. Cuentos completos, vol. 1. Argentina: Alfaguara, 1997. CORTÁZAR, Julio. Cuentos completos, vol. 2. Argentina: Alfaguara, 1996. CORTÁZAR, Julio. “Nota sobre o tema de um rei e a vingança de um príncipe”. In Orientação dos gatos. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. CORTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. CORTÁZAR, Julio. “Reunião”. In Todos os fogos o fogo. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. MOZART, W. Amadeus. String quartet in B flat major, k. 458 Hunt, CD 8.550542. Germany, HNH International Ltd., 1992. 43
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