A oferenda literária: referências musicais na escrita de Julio ... - FALE
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O JOGO DA AMARELINHA<br />
Belo Horizonte, v. 7, p. 1–110, <strong>de</strong>z. 2003<br />
No romance, o alto grau <strong>de</strong> citações <strong>musicais</strong> faz supor que a música,<br />
presente como tema, interfere <strong>na</strong> estrutura das frases, <strong>na</strong> construção dos parágrafos<br />
e <strong>na</strong> organização dos capítulos, <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ndo a arquitetura do livro. No campo<br />
temático, ela cria alguns trechos, como as vinte pági<strong>na</strong>s sobre um concerto<br />
contemporâneo. Os perso<strong>na</strong>gens são apresentados através <strong>de</strong> sua relação com a música:<br />
Horacio é gran<strong>de</strong> conhecedor do jazz cool; a Maga “cantarolava melodias ainda não<br />
inventadas” e Ro<strong>na</strong>ld, “sozinho ao piano, ficava com todo o tempo necessário para<br />
trabalhar as suas idéias sobre o be-bop”. Músicas e músicos dialogam com perso<strong>na</strong>gens,<br />
entregues “ao jazz como um mo<strong>de</strong>sto exercício <strong>de</strong> libertação”.<br />
Refletindo a música dos períodos barroco e clássico, muito presentes no<br />
texto, a disposição dos capítulos sob os títulos “do lado <strong>de</strong> lá”, “do lado <strong>de</strong> cá”<br />
e “<strong>de</strong> outros lados” (recortes <strong>de</strong> textos que remetem às <strong>na</strong>rrativas <strong>de</strong> um ou outro<br />
lado), assemelha-se às formas ternárias eruditas, com a terceira parte como um<br />
<strong>de</strong>senvolvimento das duas primeiras. A divisão <strong>de</strong> capítulos entre Paris e Buenos<br />
Aires tem ressonâncias da retomada do <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lismo <strong>na</strong> música romântica, muito<br />
citada. Procedimentos da música contemporânea estão <strong>na</strong> imprevisibilida<strong>de</strong> possibilitada<br />
pelo embaralhamento aleatório dos capítulos. Mas é principalmente no campo do jazz<br />
que o reflexo das citações <strong>musicais</strong> transparece <strong>na</strong> forma do romance, que se<br />
<strong>de</strong>senvolve através <strong>de</strong> contínuas recorrências jazzísticas em sua busca inquietante<br />
do que nunca é alcançado. Mais do que usar elementos apreendidos do jazz, Cortázar<br />
usa sua forma para moldar um texto que, com múltiplas variações em torno do mesmo<br />
tema, está sempre retomando a busca anunciada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a frase que abre o livro:<br />
“Encontraria a Maga?”. Neste sentido, é razoável pensar que os vários enfoques sob<br />
os quais <strong>de</strong>corre a busca <strong>de</strong> Horacio são uma coletânea <strong>de</strong> takes <strong>de</strong> jazz.<br />
CONCLUSÃO<br />
Em tantas aparições e sob tantos aspectos, a música configura quase uma<br />
assi<strong>na</strong>tura <strong>de</strong> Cortázar. Lançando mão <strong>de</strong> um material especialmente rico em possibilida<strong>de</strong>s