A oferenda literária: referências musicais na escrita de Julio ... - FALE
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Belo Horizonte, v. 7, p. 35-43, <strong>de</strong>z. 2003 <br />
Numa situação <strong>de</strong> extrema necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção aos fatos, a música é<br />
cantarolada <strong>de</strong> memória, tor<strong>na</strong>-se parte da realida<strong>de</strong>. O quarteto, enquanto um<br />
segundo tema do conto, leva a uma das principais formas <strong>musicais</strong> do classicismo, a<br />
forma-so<strong>na</strong>ta. Nascida da junção <strong>de</strong> uma segunda idéia musical, em outro tom, à so<strong>na</strong>ta<br />
monotemática, ela se firma com Haydn, como um conflito e resolução entre dois temas<br />
contrastantes. “Reunião” mostra interseções com os movimentos da peça: “estávamos<br />
entrando no adagio do quarteto, numa precária plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> poucas horas [...] a<br />
vonta<strong>de</strong> or<strong>de</strong><strong>na</strong>va outra vez o caos, impunha-lhe o <strong>de</strong>senho do adagio que um dia<br />
entraria no allegro fi<strong>na</strong>l.” Entrelaçando os dois temas e usando como conteúdo uma<br />
forma musical que se pauta pelo entrelaçamento <strong>de</strong> dois temas, o texto induz à<br />
suposição <strong>de</strong> que a influência da música se estenda além do tema, influindo <strong>na</strong> forma<br />
<strong>literária</strong>. A frase que abre a terceira seção do conto (“mas qual adagio qual<br />
<strong>na</strong>da...”) mencio<strong>na</strong> o terceiro movimento do quarteto, mostra que a forma musical da<br />
peça po<strong>de</strong> estar amparando a criação <strong>literária</strong>. A caça faz parte dos seis quartetos<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> expressiva que Mozart <strong>de</strong>dicou a Haydn. O <strong>de</strong>staque brilhante da<br />
voz do primeiro violino, característica haydnia<strong>na</strong> que Mozart adota nesta série, é<br />
análoga à predominância da fala do <strong>na</strong>rrador sobre a dos outros perso<strong>na</strong>gens. O<br />
caráter <strong>de</strong> cada movimento da peça é rigorosamente seguido pelo texto. Na seção<br />
inicial, correspon<strong>de</strong>nte ao allegro vivace assai, é <strong>de</strong>scrito movimentadamente o<br />
<strong>de</strong>sembarque tumultuado. Na segunda seção, o menuetto mo<strong>de</strong>rato da peça propicia uma<br />
mudança acentuada do tom do texto, com o <strong>na</strong>rrador entregue às reflexões da noite.<br />
O adagio do terceiro movimento conta um momento mais tranqüilo em que “continuamos<br />
assim, durante certo tempo, trocando pilhérias”. E o Allegro assai fi<strong>na</strong>l (“esse<br />
allegro fi<strong>na</strong>l que suce<strong>de</strong> ao adagio como um encontro com a luz”) conta o reencontro<br />
com Luís, a alegria <strong>de</strong> revê-lo vivo. E, conforme o alerta <strong>de</strong> Davi Arrigucci Júnior,<br />
“com cronópios, nunca se sabe on<strong>de</strong> parar”; o título do conto, além <strong>de</strong> se referir ao<br />
reencontro dos revolucionários, <strong>de</strong>staca o entrelaçamento dos dois discursos: música<br />
e literatura.<br />
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