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Leia o ensaio completo - ensaios sobre literatura do medo

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encontro com sua amante), ele, em nenhum momento, imaginara desgraçar a vida de<br />

seus irmãos. O acontecimento é obra de um “estranho acaso”, que reforça a intenção <strong>do</strong><br />

autor em suas pretensões de impressionar e horrorizar seu público. Porém, ainda que<br />

não consideremos Johann como diretamente culpa<strong>do</strong> pelo crime, o caráter transgressivo<br />

e impuro <strong>do</strong> incesto não permite que seja facilmente expia<strong>do</strong>.<br />

Porém, ao cometer incesto, Johann não maculou apenas a sua vida, mas também<br />

a da sua própria irmã, como será visto na última narrativa de Noite na taverna.<br />

Último beijo de amor<br />

Assim como Johann, Giorgia também se torna impura, por ter cometi<strong>do</strong> um ato<br />

incestuoso, ainda que inconscientemente. A personagem é a protagonista de “Último<br />

beijo de amor”, onde reaparece quan<strong>do</strong>, findada a orgia, os convivas <strong>do</strong>rmem<br />

profundamente, espalha<strong>do</strong>s pelo chão da taverna. Sua aparição repentina, na calada da<br />

noite e em meio à chuva, é impressionante e assusta<strong>do</strong>ra, e merece destaque:<br />

Uma luz raiou súbito pelas fisgas da porta. A porta abriu-se. Entrou uma mulher vestida de<br />

negro. Era pálida, e a luz de uma lanterna, que trazia erguida na mão, se derramava<br />

macilenta nas faces dela e dava-lhe um brilho singular aos olhos. Talvez que um dia fosse<br />

uma beleza típica, uma dessas imagens que fazem descorar de volúpia nos sonhos de<br />

mancebo. Mas agora com sua tez lívida, seus olhos acesos, seus lábios roxos, suas mãos de<br />

mármore, e a roupagem escura e gotejante da chuva, disséreis antes – o anjo perdi<strong>do</strong> da<br />

loucura! (AZEVEDO, 2000, p. 605)<br />

O horror que sentimos em relação à personagem deve-se ao fato de que o autor<br />

envolve-a não só num clima terrorífico, como também faz dela, como podemos ver<br />

através da descrição de sua chegada, uma figura que perturba certa tranquilidade que<br />

havia se instaura<strong>do</strong> na narrativa, causan<strong>do</strong>-nos me<strong>do</strong>. A forma impactante como Giorgia<br />

chega à taverna é, pois, um bom exemplo de ameaça experimentada pelo público na<br />

<strong>literatura</strong> <strong>do</strong> me<strong>do</strong>.<br />

A impureza de Giorgia se mostra principalmente em seu aspecto físico, que se<br />

transforma drasticamente. Antes, Giorgia era uma <strong>do</strong>nzela, virginal e acetinada; agora,<br />

sua aparição mostra que se tornou sombria, sinistra, com um ar mórbi<strong>do</strong> e<br />

enlouqueci<strong>do</strong>. É certo dizer que Giorgia degenera-se. A própria personagem, consciente<br />

de sua impureza, sabe que essa transfiguração física é consequência <strong>do</strong> crime<br />

repugnante ao qual fora vítima; ela chega a comparar sua beleza com uma flor revolvida<br />

no lo<strong>do</strong>, algo belo, mas que foi macula<strong>do</strong> – “outrora era Giorgia, a virgem: mas hoje é<br />

Giorgia, a prostituta!” (AZEVEDO, 2000, p. 606). Essas comparações são usadas na<br />

narrativa para associar a figura de Giorgia a algo impuro, chaman<strong>do</strong> mais uma vez a<br />

atenção <strong>do</strong>s leitores para sua corrupção física e moral.<br />

De início, desconhecen<strong>do</strong> os propósitos da personagem, sua aparição e seus<br />

objetivos são um mistério para os leitores. Ela aproxima-se de Arnold, mas não ousa<br />

tocá-lo, em seguida – e para espanto <strong>do</strong> leitor – encontra Johann, torna-se ainda mais<br />

sombria, puxa um punhal e o mata. O trecho a seguir mostra que, apesar de sua<br />

determinação, Giorgia sabe que o ato que comete é, senão, mais um peca<strong>do</strong> – o <strong>do</strong><br />

fratricídio:<br />

O lume baço da lanterna dan<strong>do</strong> nas roupas espalhava sombras <strong>sobre</strong> Johann. A fronte da<br />

mulher pendeu – e sua mão pousou na garganta dele. – Um soluço rouco e sufoca<strong>do</strong> ofegou<br />

daí. A desconhecida levantou-se. Tremia, e ao segurar na lanterna ressoou-lhe na mão um<br />

ferro... Era um punhal... Atirou-o ao chão. Viu que tinha as mãos vermelhas – enxugou-as<br />

nos longos cabelos de Johann...” (Ibid.)

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