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a pedof(am)ilia moderna - FÊNIX - Revista de História e Estudos ...

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Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> e <strong>Estudos</strong> Culturais<br />

Julho/ Agosto/ Setembro <strong>de</strong> 2005 Vol. 2 Ano II nº 3<br />

ISSN: 1807-6971<br />

Disponível em: www.revistafenix.pro.br<br />

Já no c<strong>am</strong>po da f<strong>am</strong>ília burguesa, nenhuma c<strong>am</strong>panha contra o incesto foi<br />

<strong>de</strong>flagrada. Antes, o inverso é que é verda<strong>de</strong>: como tive ocasião <strong>de</strong> mencionar, os pais<br />

for<strong>am</strong> incitados a se aproximar incestuos<strong>am</strong>ente <strong>de</strong> seus filhos. Não obstante, é<br />

indispensável acrescentar que essa aproximação não se <strong>de</strong>u sem culpa – e essa culpa, por<br />

sua vez, cert<strong>am</strong>ente precisava ser aplacada para que a máquina social seguisse<br />

funcionando. Ora, o discurso sobre a sexualida<strong>de</strong> infantil cai como uma luva nesse<br />

contexto. Por volta <strong>de</strong> 1840, a Psycopathia Sexualis já nomeava (em latim, mas, ainda<br />

assim, abert<strong>am</strong>ente) a ativida<strong>de</strong> erótica infantil – contudo, é mesmo a psicanálise que vai<br />

conferir centralida<strong>de</strong> ao conceito, garantindo por meio <strong>de</strong>le, a absolvição dos pais:<br />

Durante mais <strong>de</strong> um século, tinha-se pedido aos pais para se<br />

aproximarem <strong>de</strong> seus filhos; tinha-se ditado a eles uma conduta <strong>de</strong><br />

aproximação incestuosa. Eis que, ao cabo <strong>de</strong> um século, <strong>de</strong>sculp<strong>am</strong> os<br />

pais precis<strong>am</strong>ente da culpa que, no limite, eles podi<strong>am</strong> sentir por<br />

<strong>de</strong>scobrir assim o corpo <strong>de</strong>sejante dos filhos, e lhes dizem: ‘Não se<br />

incomo<strong>de</strong>m, não são vocês que são incestuosos. O incesto não vai <strong>de</strong><br />

vocês a eles, da indiscrição <strong>de</strong> vocês, da curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vocês pelo<br />

corpo <strong>de</strong>les que vocês <strong>de</strong>snudar<strong>am</strong>; é o contrário: é <strong>de</strong>les a vocês que<br />

vai o incesto, pois são eles que começ<strong>am</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a origem, a <strong>de</strong>sejar<br />

vocês’. 13<br />

De novo, diferenciação social no domínio da sexualida<strong>de</strong>: <strong>de</strong> um lado, o pai<br />

operário, sempre a um passo <strong>de</strong> molestar os filhos; <strong>de</strong> outro, por obra e graça da<br />

psicanálise, o pai burguês, diligente e inocente diante da sexualida<strong>de</strong> inquieta da prole.<br />

A <strong>pedof</strong><strong>ilia</strong>, a sexualida<strong>de</strong> burguesa e a sexualida<strong>de</strong> operária<br />

Hora <strong>de</strong> retomar a pergunta que está na origem <strong>de</strong>ste trabalho: <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem o<br />

horror que sentimos frente ao caso, recentemente divulgado, da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> pais que<br />

trocav<strong>am</strong> eletronic<strong>am</strong>ente fotos pornográficas dos próprios filhos?<br />

Des<strong>de</strong> o início, <strong>de</strong>scartei certas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a essa dúvida – e<br />

agora vê-se mais clar<strong>am</strong>ente por quê: a f<strong>am</strong>ília burguesa nasce e se mantém ao preço <strong>de</strong><br />

um atrito insistente e insidioso dos corpos <strong>de</strong> pais e filhos.<br />

Não que, com isso, o tabu da infância e o tabu do incesto tenh<strong>am</strong> perdido toda<br />

a pertinência. Em compensação, parece estar claro que não é direta nem prepon<strong>de</strong>rante a<br />

relação <strong>de</strong>ssas proibições com o mo<strong>de</strong>rno horror à <strong>pedof</strong><strong>ilia</strong>.<br />

13 FOUCAULT, Michel. Os anormais. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Martins Fontes, 2001, p. 339.<br />

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