a pedof(am)ilia moderna - FÊNIX - Revista de História e Estudos ...
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Fênix – <strong>Revista</strong> <strong>de</strong> <strong>História</strong> e <strong>Estudos</strong> Culturais<br />
Julho/ Agosto/ Setembro <strong>de</strong> 2005 Vol. 2 Ano II nº 3<br />
ISSN: 1807-6971<br />
Disponível em: www.revistafenix.pro.br<br />
Se se quiser permanecer no c<strong>am</strong>po foucauldiano, é preciso ir bem além <strong>de</strong>ssa<br />
referência a interdições supost<strong>am</strong>ente fundantes: a<strong>de</strong>us às explicações <strong>de</strong>ontológicas e<br />
etnológicas. A<strong>de</strong>us, t<strong>am</strong>bém, é claro, às explicações psicanalíticas, com sua tentativa <strong>de</strong><br />
articular a lei ao <strong>de</strong>sejo pela via do recalque.<br />
Creio, em todo caso, que esse horror tenha, sim, que ver com um certo recalque<br />
– não, no entanto, o recalque <strong>de</strong> que nos fala a psicanálise, mas um outro, que ela, na<br />
verda<strong>de</strong>, teria produzido.<br />
Fiz menção ao fato <strong>de</strong> que, para Foucault, a teoria psicanalítica da sexualida<strong>de</strong><br />
infantil teve uma função consoladora: ela exorcizou – ou, se quiserem, recalcou – a idéia<br />
<strong>de</strong> que, em seu cerco aos filhos, os pais pu<strong>de</strong>ssem estar sendo incestuosos. Ora, parece-<br />
me que é precis<strong>am</strong>ente a barra <strong>de</strong>sse recalque o que o episódio <strong>de</strong> <strong>pedof</strong><strong>ilia</strong> em questão<br />
vem levantar, como se, por força do exemplo que os pais eletronic<strong>am</strong>ente perversos<br />
oferecem, reconhecêssemos, escandalizados, o caráter estruturalmente <strong>pedof</strong>ílico e<br />
incestuoso da <strong>mo<strong>de</strong>rna</strong> f<strong>am</strong>ília burguesa.<br />
Mas não creio que a nossa gran<strong>de</strong> dor seja simplesmente um efeito <strong>de</strong>sse auto-<br />
reconhecimento que os pais pedófilos da Internet nos proporcion<strong>am</strong>. 14 Antes, o núcleo<br />
duro do escândalo estaria mais exat<strong>am</strong>ente em <strong>de</strong>pararmo-nos com o fato <strong>de</strong> que, se nos<br />
reconhecemos incestuosos e <strong>pedof</strong>ílicos, então não nos distinguimos do retrato que<br />
fizemos dos pais proletários, sempre tomados precis<strong>am</strong>ente como perversos.<br />
Resumo da ópera: por meio do recalque, a psicanálise fabricou a inocência dos<br />
pais burgueses e, mais que isso, os diferenciou dos pais proletários; ora, quando cai o<br />
recalque, cai a diferença – e sobrevém o horror <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r se diferenciar, no c<strong>am</strong>po da<br />
sexualida<strong>de</strong>, do proletariado.<br />
Daí talvez esse sentimento tão recorrente <strong>de</strong> que a nossa socieda<strong>de</strong> esteja<br />
saturada por uma vulgarida<strong>de</strong> geral que lastim<strong>am</strong>os o tempo todo, mas da qual não<br />
conseguimos nos livrar. E quando digo isso, tenho em mente, por exemplo, as nossas<br />
incansáveis imprecações contra a qualida<strong>de</strong> da televisão, cuja progr<strong>am</strong>ação, no entanto,<br />
consumimos avid<strong>am</strong>ente. A propósito, gostaria <strong>de</strong> me <strong>de</strong>ter um pouco nessa imagem da<br />
f<strong>am</strong>ília – burguesa ou operária, aqui já não importa – diante da televisão ou, antes,<br />
atravessada por ela.<br />
14 E aqui começo a marcar a diferença do caso analisado em relação a outros episódios ligados à <strong>pedof</strong><strong>ilia</strong>.<br />
Agra<strong>de</strong>ço, aliás, a Cláudia Drucker por sugerir o acréscimo <strong>de</strong>sta nota ao texto.<br />
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