19.04.2013 Views

Luiza Menezes Filme: Dente canino (Kynodontas)- filme grego de ...

Luiza Menezes Filme: Dente canino (Kynodontas)- filme grego de ...

Luiza Menezes Filme: Dente canino (Kynodontas)- filme grego de ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>Luiza</strong> <strong>Menezes</strong><br />

<strong>Filme</strong>: <strong>Dente</strong> <strong>canino</strong> (<strong>Kynodontas</strong>)- <strong>filme</strong> <strong>grego</strong> <strong>de</strong> 2009<br />

Palestrante: Dr. David S. (Instituto <strong>de</strong> Arquitetura e Urbanismo)<br />

Diretor: Giorgos Lathimos<br />

<strong>Kynodontas</strong> e a interdição<br />

<strong>Kynodontas</strong> é um drama que mostra o cotidiano <strong>de</strong> uma família,<br />

evi<strong>de</strong>nciando pontos característicos e marcantes <strong>de</strong>ssa instituição no contexto<br />

burguês do final do século vinte.<br />

A sinopse retrata uma família da classe média alta, fisicamente saudável<br />

e constituída <strong>de</strong> três filhos adultos, um pai e uma mãe.<br />

Com exceção do pai, que trabalha em uma empresa na cida<strong>de</strong><br />

(garantindo uma boa condição financeira à família), a família nunca sai dos<br />

limites do perímetro da casa, que é distante e isolada do meio urbano, cercada<br />

<strong>de</strong> muros altos e jardins, dispondo <strong>de</strong> uma boa estrutura imóvel, como o<br />

conforto <strong>de</strong> uma piscina e um belo mobiliário antigo.<br />

A condição para saída <strong>de</strong> casa é a perda <strong>de</strong> um <strong>de</strong>nte <strong>canino</strong>, e o<br />

nascimento do <strong>de</strong>nte após sua perda conce<strong>de</strong> a permissão para tal saída com<br />

o carro, que é o meio seguro para <strong>de</strong>ixar a casa.<br />

Tanto o convívio entre as pessoas da casa quanto a educação dos filhos<br />

são tidos, a princípio, não só como não convencionais como também estranhos<br />

a um comportamento humano, o que po<strong>de</strong> ser exemplificado pelo excessivo<br />

uso <strong>de</strong> jogos e competições entre os filhos como estímulo ao melhor<br />

<strong>de</strong>sempenho.<br />

A todo o momento observa-se um alto controle dos filhos em relação ao<br />

meio externo, visto, por exemplo, na retirada <strong>de</strong> rótulos <strong>de</strong> produtos (grau zero<br />

dos objetos), na troca <strong>de</strong> palavras feitas pelos pais ou no uso da TV restrito a<br />

ví<strong>de</strong>os caseiros, retratando nada mais que a rotina da família.


A questão da autonomia é <strong>de</strong>stacada em vários aspectos pelo <strong>filme</strong>.<br />

Pela narrativa, observa-se que filhos adultos são, na realida<strong>de</strong>, “menores <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong>” e a livre expressão <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> é contida. Através <strong>de</strong> uma<br />

sequência <strong>de</strong> situações é possível uma primeira mensagem: a maiorida<strong>de</strong> trará<br />

autonomia.<br />

Por outro lado, em momentos específicos há o “escape” <strong>de</strong> posturas <strong>de</strong><br />

resistência: a filha mais velha reproduz cenas e falas <strong>de</strong> <strong>filme</strong>s (sem<br />

mecanismos próprios <strong>de</strong> fala) como em “ papai, quando apren<strong>de</strong>rei a lutar?”<br />

(Rocky 4) e “todos queremos estar seguros, né?” (Tubarão); estranha o<br />

telefone quando vê a mãe falando, aparentemente, sozinha e faz o teste;<br />

procura i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> sem saber que a procura ( “me chame <strong>de</strong> Bruce !”);<br />

reproduz cenas <strong>de</strong> dança <strong>de</strong> Flash dancing até <strong>de</strong>monstrar ápices <strong>de</strong> força ou<br />

raiva, mesmo que ainda sob mecanismos <strong>de</strong> repetição como em “vou te matar,<br />

sua puta”, na qual internaliza fala <strong>de</strong> um personagem ou então “lixo”, rompendo<br />

com todo o totalitarismo.<br />

Com isso, a indústria cultural e <strong>de</strong> produções po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada<br />

como uma maneira <strong>de</strong> gerar personalida<strong>de</strong>. Cenas <strong>de</strong> força e fragilida<strong>de</strong> se<br />

intercalam em paralelo e comparação com a busca da autonomia e a<br />

preservação <strong>de</strong> uma inocência.<br />

Cristina, mulher do meio externo, contratada para fazer sexo com o filho<br />

(instrumento para controle do macho), introduz o sexo oral na vida da filha mais<br />

velha, visto como insignificante, usado como meio <strong>de</strong> troca (tiara, fitas <strong>de</strong><br />

ví<strong>de</strong>o) ou até no incesto com a irmã mais nova, é também uma forma<br />

introdutória do reconhecimento do corpo e do sexo. Por outro lado, o sexo<br />

forçado com o irmão é a “gota d’água”, ocasionando raiva.<br />

A filha mais velha, querendo assumir a condição humana e autônoma,<br />

ocasiona uma passagem induzida para a maior ida<strong>de</strong>, retira seu <strong>de</strong>nte <strong>canino</strong><br />

(ritual <strong>de</strong> passagem), interpretado como marco divisor. O <strong>de</strong>nte <strong>canino</strong><br />

representa o sinal <strong>de</strong> animalida<strong>de</strong>, animal quando o pai ensina todos a latirem<br />

e a matar o estranho (gato).


A casa ao mesmo tempo é um canil controlado e um condomínio<br />

fechado e seguro, no qual, não só em <strong>Kynodontas</strong>, a vida privada é<br />

regularizada, separada do perigo e sujeira da cida<strong>de</strong> com sua beleza,<br />

segurança e restrições necessárias.<br />

Toda essa problemática da autonomia é também <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> fortes<br />

mecanismos totalitários envolvidos na vida dos filhos, com uma vida centrada<br />

em regras, costumes e dominação. Os pais têm o papel da educação e do<br />

aprendizado, mantendo a disciplina e o controle a qualquer custo.<br />

Os conceitos <strong>de</strong> interdição, “eu te proíbo porque te projeto”, <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />

e direitos humanos fazem um confronto frente toda essa discussão. A lógica <strong>de</strong><br />

que, para ter mais segurança é preciso per<strong>de</strong>r um pouco <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> causa tal<br />

reflexão, colocando em questão até que ponto essa aplicação preserva ou<br />

passa a controlar i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />

No <strong>filme</strong>, a interdição na linguagem é vista quando se percebe o controle<br />

das palavras <strong>de</strong> fora, sua manipulação e resignação como “telefone” que<br />

significa saleiro e “ca<strong>de</strong>ira” é mar, o totalitarismo chega a ser poético.<br />

A interdição comportamental é vista quando os pais <strong>de</strong>finem o que é<br />

perigoso, mediam as relações sociais e <strong>de</strong>safiam em jogos, existem também<br />

escapes <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s: o filho que se mostra mais atleta, a filha mais nova<br />

mais científica (“a minha ciência vai te curar”). Na interdição sexual, já citada<br />

em partes, tem-se ao mesmo tempo conservadorismo e <strong>de</strong>pravação, on<strong>de</strong> os<br />

corpos são mecanizados.<br />

Quanto à interdição espacial, existem medo e insegurança ao que está<br />

do lado <strong>de</strong> fora, enquanto a casa é uma fortaleza segura. Atenta-se a questões<br />

técnicas no <strong>filme</strong> quanto à lente aberta da câmera alternada com um<br />

enquadramento muito fechado (chegando a cortar a cena principal), causando<br />

até uma sensação calaustofóbica. Nada, nem mesmo que é <strong>de</strong> fora, sai da<br />

casa. É utilizada a estratégia <strong>de</strong> cor responsabilizar o que está <strong>de</strong>ntro por quem<br />

está <strong>de</strong>ntro como forma <strong>de</strong> não <strong>de</strong>spertar o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> saída (como matar o<br />

gato que matou o filho que mora fora).


A casa é um refúgio longe da cida<strong>de</strong>, na qual só se sai com o carro<br />

(dispositivo seguro), on<strong>de</strong> mesmo a filha no maior grau <strong>de</strong> autonomia busca<br />

sair <strong>de</strong> casa com o carro.<br />

Por fim, o <strong>filme</strong> procura ao mesmo tempo causar choque e i<strong>de</strong>ntificação<br />

com o modo <strong>de</strong> vida burguês, colocando sob questão diversos <strong>de</strong>talhes tidos<br />

como naturais, enraizados e necessários na socieda<strong>de</strong>.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!