Resenha “O vento será sua herança” Título original: “Inherit the wind ...
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<strong>Resenha</strong> <strong>“O</strong> <strong>vento</strong> <strong>será</strong> <strong>sua</strong> <strong>herança”</strong><br />
<strong>Título</strong> <strong>original</strong>: <strong>“Inherit</strong> <strong>the</strong> <strong>wind</strong>”<br />
Direção: Stanley Kramer<br />
Ano: 1960<br />
Por Talyssa Fiore RA 346373<br />
O enredo de <strong>“O</strong> <strong>vento</strong> <strong>será</strong> <strong>sua</strong> <strong>herança”</strong> de 1960 é baseado no<br />
acontecimento real conhecido por “Julgamento do macaco” (“The monkey trial”)<br />
que ocorreu em 1925 em uma pequena cidade do estado americano do<br />
Tennessee. No filme, o professor de biologia Bertram T. Cates, interpretado por<br />
Dick York, é preso e julgado por infringir uma lei que proibia o ensino do<br />
evolucionismo, ou qualquer outra teoria que contradissesse as interpretações<br />
bíblicas, em escolas públicas. O julgamento se tomou proporções<br />
internacionais sendo, até mesmo, transmitido pela rádio ao vivo. Há de se<br />
entender tal magnitude pelo que estava em jogo: a ameaça de uma explicação<br />
e, consequentemente, de uma crença que não admitiam confronto por mais de<br />
um milênio. Cidadãos de todas as regiões do país lutaram para repulsar e<br />
boicotar a “teoria profana”, assim como àqueles que a representavam.<br />
Apesar de o julgamento ter o intuito de atestar se o professor havia<br />
ensinado a teoria proibida da evolução das espécies na sala de aula, se tornou<br />
inevitável que o debate tomasse o rumo de enfrentamento entre as duas<br />
teorias, argumentações e validades. Contudo, o advogado de defesa Henry<br />
Drummond se vê diante de um júri e, principalmente, de um juiz que conduzem<br />
o processo de forma imparcial, impedindo que Drummond utilizasse qualquer<br />
argumento que abordasse o evolucionismo, incluindo testemunhos de<br />
especialistas consagrados no assunto e prontificadas a depor sobre a teoria e<br />
<strong>sua</strong>s adjacências. Diante de tal situação, Drummond decide chamar para depor<br />
o próprio representante da promotoria, o defensor da teoria criacionista<br />
Mat<strong>the</strong>w Harrison Brady. O advogado de defesa cria <strong>sua</strong> estratégia<br />
argumentativa para deixar o promotor confuso e, a partir daí, desconstruir a<br />
crença literal na bíblia, assim como a teoria criacionista.
Em uma abordagem reflexiva, o que estava em jogo no julgamento não<br />
era apenas atestar se o professor de biologia haveria infringido a lei que proibia<br />
o ensino da teoria evolucionista em sala de aula: havia uma luta pela liberdade<br />
pensamento e de livre circulação das ideias, direitos que hoje são oficializados<br />
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (2000):<br />
Artigo XVIII: Todo ser humano tem direito à liberdade de<br />
pensamento, consciência e religião; este direito inclui a<br />
liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de<br />
manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática,<br />
pelo culto e pela observância, em público ou em particular;<br />
Artigo XIX: Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião<br />
e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem<br />
interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir<br />
informações e ideias por quaisquer meios e<br />
independentemente de fronteiras. (Declaração Universal dos<br />
Direitos Humanos, 2000, p.9).<br />
Apesar de tal Declaração ter <strong>sua</strong> primeira publicação em 1946, até que<br />
ponto pode-se constatar que tais direitos são plenamente garantidos a todos?<br />
Um claro exemplo que responde à tal pergunta é a questionável real laicidade<br />
de um país como o Brasil: ao entrar em algum edifício de um órgão público se<br />
verá frente a frente com uma representação da crucificação de cristo, ou ao se<br />
observar as cédulas de Real emitidas pelo Banco Central do Brasil<br />
apresentando os dizeres “Deus seja louvado”. Tais situações representam a<br />
interferência em opiniões e a dominação de uma religião sobre as outras, um<br />
retrocesso impetuoso na evolução da humanidade e de seus direitos.<br />
Apesar de se tratar de um fato real, o filme faz uma interpretação<br />
dramática da história do julgamento para se tornar palatável ao público da<br />
época. Apresentando grandes interpretações, o enredo é enriquecido pela<br />
qualidade dos diálogos traçados principalmente pelo advogado de defesa<br />
Henry Drummond, pelo promotor Mat<strong>the</strong>w Harrison Brady e pelo jornalista E. K.<br />
Hornbeck. É um clássico em preto e branco e com certeza um dos melhores do<br />
gênero.