revista gragoatá 27 - UFF
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Gragoatá Michael Korfmann e Felipe Kegles Kepler<br />
100<br />
cujos conteúdos são tão inventados como descobertos e cujas formas<br />
têm mais em comum com os seus equivalentes na literatura do<br />
que com os seus correspondentes na ciência” (2001, p. 97).<br />
Entretanto, nenhum dos autores leva em conta a funcionalidade<br />
dessas narrativas. textos científicos ou históricos realizam<br />
uma tarefa atribuída a eles pela sociedade que difere daquela dos<br />
textos literários. Genericamente falando, a ciência ou a história<br />
respondem a problemas da sociedade a serem tratados especifica<br />
e exclusivamente por seus textos. Não pode ser objetivo da<br />
ciência encenar possibilidades de ordem no campo do possível,<br />
como definimos ser a função da literatura. Sua narratividade<br />
reflexiva se explica justamente a partir dessa função: ela torna<br />
visível e questiona como a familiaridade com o mundo é formada<br />
a partir de processos criadores de sentido.<br />
2. Contingência e o tempo<br />
a familiaridade com o mundo estabiliza-se através do<br />
recurso da repetição. Não se devem confundir repetições com<br />
reproduções, já que “não se pode designar nada no mundo duas<br />
vezes sem modificar seu sentido” (LUHMaNN, 1986, p. 181). a<br />
fim de se compreender a mudança que a informação experimenta<br />
ao ser repetida, é preciso diferenciar informação de sentido.<br />
Cada nova operação, pelo fato de ser nova, possui um valor<br />
informativo que causa mudanças no sistema e altera seu comportamento.<br />
Porém, a informação, ao ser repetida, perde o momento<br />
da novidade – justamente aquilo que a tornara uma informação.<br />
Não obstante, a observação repetida não perde seu sentido,<br />
mas se enriquece em relação à produção de familiaridade. No<br />
decorrer de tais processos formam-se regiões e regulamentos do<br />
mundo vivenciado (Lebenswelt) que se estabilizam internamente<br />
por meio de repetições. Uma vez alcançada certa estabilidade,<br />
a diferença familiar/não-familiar pode surgir como objeto da<br />
própria observação do sistema, fazendo um re-entry, conforme a<br />
linguagem de Spencer Brown. o romance fantástico, por exemplo,<br />
estabelece primeiramente um campo literário reconhecível e<br />
familiar, para em seguida introduzir, gradual ou abruptamente,<br />
o sobrenatural como desvio da estabilidade criada inicialmente.<br />
Dizemos que a repetição consolida expectativas e forma<br />
campos familiares. Poderíamos concluir que é a novidade que<br />
estimula a atenção e o interesse. Entretanto, repetições também<br />
têm a capacidade de funcionar como sinais chamativos, pois,<br />
frente a formas repetitivas, insinuam-se intenções e objetivos.<br />
Paralelamente, a novidade somente é identificável como variação<br />
de algo conhecido. Portanto, novidade e repetição apenas ganham<br />
atenção como diferença, uma vez que o reconhecimento de<br />
novidades exige contextos familiares. a repetição como forma<br />
literária destacada e criadora de uma sucessão obsessiva pode<br />
ser exemplificada em thomas Bernhard. abaixo segue um<br />
Niterói, n. <strong>27</strong>, p. 97-115, 2. sem. 2009