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Livro Vicente Rever para crer - Travessa da Ermida

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No vai-vém histórico onírico, pragmático do símbolo,<br />

todos estes projectos são exemplo de uma secularização<br />

grafo-visual de um universo de magia, contraprondo- lhe<br />

uma anti-geografia crítica ¹⁶, cujas coordena<strong>da</strong>s se per-<br />

dem na brancura de um horizonte por traçar. Esta<br />

brancura não vem equipa<strong>da</strong> com qualquer GPS; é <strong>da</strong><br />

ordem <strong>da</strong> emergência, a categoria que a filosofia activista<br />

(Brain Massumi) coloca no coração <strong>da</strong>s artes do<br />

acontecer: There’s happening doing. De facto, assim<br />

acontecemos nós próprios enquanto <strong>Vicente</strong>s: It is the<br />

event under the aspect of its immediate participation in<br />

a world of activity larger than its own.¹⁷ Ou se quisermos,<br />

Each phase of the event must in some way perceive the<br />

pertinence of the phase before it, in order to gather the<br />

prior phase’s momentum into its own unfolding. A anamnese<br />

vicentina está portanto <strong>para</strong> a criação de símbo-<br />

los colectivos como a memória do futuro está <strong>para</strong> a<br />

utopia (e a) crítica <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. O que importa é que há<br />

um acontecer do conceito que nos afecta, redime e<br />

convoca (não sabemos por que ordem), na desarmante<br />

vibração do seu simbolizar.<br />

DA CIDADE AO PAPEL<br />

<strong>Vicente</strong> (re)começa as suas manobras em 2012 também<br />

pela arquitectura experimental, monumentalizando à<br />

sua dimensão o seu pe<strong>da</strong>ço de Belém. Um ano depois<br />

<strong>da</strong>s presenças ala<strong>da</strong>s de Jana Matejkova à porta <strong>da</strong><br />

Ermi<strong>da</strong> (Metamorphosis, 2011), o colectivo de arquitectos<br />

MOOV, em colaboração com o artista Miguel Faro, são<br />

os autores de uma intervenção ao longo <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> <strong>Travessa</strong> do Marta Pinto. Long Streets for Short Stories<br />

consiste numa sequência de frases, uni<strong>da</strong>s por uma<br />

linha – um fio eléctrico – que expõem, conforme o sen-<br />

-tido (<strong>da</strong> rua) em que são li<strong>da</strong>s, uma série de narrativas<br />

possíveis. A interpelação consiste em propor uma leitura<br />

contraditoriamente potencia<strong>da</strong> pela fragmentação dos<br />

ditos. No espírito dividido de <strong>Vicente</strong>, o ir revela-se di-<br />

verso do vir. Mas há, como na História, a tal linha que<br />

se segue, que vai e vem, e que nunca deixou de estar<br />

lá. A matriz narrativa de <strong>Vicente</strong> necessita desse espaço<br />

público e comum, de interrogação e depois de opinião.<br />

Ora como pode esta noção embebi<strong>da</strong> do texto no arquitectural<br />

prolongar-se depois pelas páginas do fólio<br />

que o/a caro/a laitor/a tem em mão? MOOV e Faro<br />

propõem no caderno que lhes foi atribuído um trabalho<br />

textual e gráfico de síntese, sublinhando a tensão entre<br />

heresia e <strong>da</strong> santi<strong>da</strong>de. Esta é uma tensão sempre política,<br />

que se desenrola em sede de construção <strong>da</strong> perspectiva<br />

de ca<strong>da</strong> um. É um jogo de hipóteses cujo apelo<br />

gnoseológico está em sintonia com a arte como coisa<br />

heterodoxa, discurso aberto à parole. A arte do texto<br />

torna-se aqui uma mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de particularmente rica<br />

<strong>da</strong> fenomenização do tempo e <strong>da</strong> experiência, desde<br />

logo porque o tempo <strong>da</strong> leitura é um tempo íntimo de,<br />

primeiro, participação e envolvimento, indistrinçável<br />

<strong>da</strong> ideia de caminhar, e só depois de conscientização<br />

e, eventualmente, toma<strong>da</strong> de postura.<br />

Para outros criadores, o mito nasce, morre e volta a<br />

nascer e a morrer na ponta dos dedos <strong>da</strong> mão que<br />

desenha. André Graça Gomes transforma a capela <strong>da</strong><br />

Ermi<strong>da</strong> de N. Sra. <strong>da</strong> Conceição numa Matriz de desenhos<br />

de grandes dimensões. O projecto parte <strong>da</strong> percepção<br />

de vários níveis de expressão: em primeiro lugar,<br />

a elaboração plástica do tema <strong>da</strong> viagem – o corvo<br />

negro é quem nos guia através <strong>da</strong>s Tenebras. Depois,<br />

perspassa no encadeamento dos desenhos a ideia de<br />

um processo de acumulação de referências, interpenetrando-se<br />

as bem explícitas a Dante (O Inferno e seus<br />

círculos enquanto travessia cinemática) e as menos<br />

explícitas, ao mundo interior do artista – a sua habitual<br />

pesquisa <strong>da</strong> memória pessoal. Em Graça Gomes,<br />

há uma vertigem psicanalítica que vai ao encontro de<br />

fantasmas de que apenas ele conhece os contornos.<br />

Nestes fólios o que se vê são os desenhos pre<strong>para</strong>tórios<br />

<strong>para</strong> a intervenção expositiva, a que, em devi<strong>da</strong> altura,<br />

é precisamente através de um espelho na mão que<br />

acedemos. Como em trabalhos anteriores do artista, é<br />

aqui crucial a questão <strong>da</strong> mão – a pata do artista –, na<br />

resistência que lhe está implícita a tudo o que não seja<br />

o gesto de sacrifício performativo. Não será por acaso<br />

que Graça Gomes apresenta não poucas vezes os seus<br />

desenhos juntamente com as folhas pisa<strong>da</strong>s durante o<br />

processo de criação.<br />

. ¹⁴<br />

. ¹⁵<br />

. ¹⁶<br />

. ¹⁷<br />

Ver o projecto 8!8!8! – http://oitooitooito.blogspot.pt/<br />

ou http://objet-perdu.blogspot.pt/<br />

Rabiscados na primeira edição de <strong>Vicente</strong>, por<br />

João Ribeiro, depois animados por Nuno Maya<br />

e Carole Purnelle , sob a forma de pequenos<br />

filmes na ci<strong>da</strong>de e enigmáticos cartazes.<br />

Em parte como Simeon Nelson o fez no <strong>Vicente</strong><br />

de 2011 com Relicario, concreção, no limite<br />

absur<strong>da</strong>, de ideias relativas à paisagem, ao<br />

imaginário animal, à santi<strong>da</strong>de implícita e à<br />

potenciali<strong>da</strong>de cibernética do símbolo.<br />

Massumi, Brian; Semblance and Event. Activist<br />

Philosph and the Occurrent Arts, The MIT Press,<br />

2011, p. 3.<br />

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