Revista Viver 5 - Agriculturas e agricultores da BIS - Adraces
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Grande tema: ID<br />
(1) Este texto corresponde a uma certa<br />
revisão de dois pontos <strong>da</strong> comunicação<br />
escrita “Cui<strong>da</strong>r o futuro é cui<strong>da</strong>r do<br />
pão, <strong>da</strong> água e do solo”, a qual, por sua<br />
vez, é uma revisão <strong>da</strong> intervenção oral<br />
que fizemos no painel “Que carga<br />
suporta a Terra? Questões sobre<br />
Quali<strong>da</strong>de de Vi<strong>da</strong>”. Este painel abriu<br />
o Seminário Prospectivo “Pensar<br />
o Futuro”, organizado pela Fun<strong>da</strong>ção<br />
Cui<strong>da</strong>r o Futuro, Pequeno Auditório<br />
<strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção C. Gulbenkian, Lisboa,<br />
21-22 de Outubro de 2005.<br />
o valor <strong>da</strong> alimentação infantil e a problemática dos<br />
riscos associados, tudo isto intimamente unido às<br />
questões <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> segurança alimentar.<br />
Como disse acima, a agricultura pode ser perspectiva<strong>da</strong><br />
de muitos modos. Ora, numa certa perspectiva<br />
ambientalista, a agricultura seria uma acção de embelezamento<br />
do território a <strong>da</strong><strong>da</strong> escala, talvez uma série<br />
de operações de arquitectura paisagista. Os <strong>agricultores</strong><br />
e os produtores florestais, por sua vez, seriam<br />
os jardineiros. Julgo que há aqui um grande equívoco,<br />
uma conversa fácil de quem não conhece esses empresários,<br />
pois nem uns, nem outros, desejam tal estatuto<br />
e a ele se reconverterão. Isto, porque os <strong>agricultores</strong><br />
produzem primariamente alimentos crus e fibras.<br />
Sim, é ver<strong>da</strong>de, produzem ain<strong>da</strong> paisagens agrárias,<br />
mas quase como um subproduto inseparável <strong>da</strong>queles<br />
bens. Amiúde, trata-se dum efeito “invisível” para<br />
eles próprios. No geral, o que eles vêem, isso sim, é<br />
a terra, as árvores, os animais, a quem por vezes dão<br />
nomes. É o caso <strong>da</strong> Mimosa, <strong>da</strong> Cereja, <strong>da</strong> Laranja,<br />
tudo vacas bem baptiza<strong>da</strong>s. Mas a paisagem propriamente<br />
dita não a vêem, pelo menos com os nossos<br />
olhos de não <strong>agricultores</strong>. A paisagem surgiu como<br />
noção e visão gera<strong>da</strong> pela pintura <strong>da</strong> Natureza, um<br />
conceito estético.<br />
Em qualquer caso, tanto as molduras como os quadros<br />
do ambiente, ou seja, as paisagens “naturais”,<br />
rurais, ou agrárias que nós valorizamos e de que os<br />
<strong>agricultores</strong> também têm percepção por via do seu<br />
fazer quotidiano, são questões que merecem discussão.<br />
Para os <strong>agricultores</strong> e produtores florestais, o essencial<br />
centra-se no quadro produtivo, na digni<strong>da</strong>de e<br />
ADRACES - PAULO PINTO<br />
utili<strong>da</strong>de do seu trabalho, não na visão estética de<br />
outrem. Note-se, porém, que isto não significa que<br />
os valores simbólicos e materiais <strong>da</strong> floresta e <strong>da</strong> paisagem<br />
agrária não possam ser, e não sejam, reconhecidos<br />
pelos ci<strong>da</strong>dãos urbanos. Igualmente, isto<br />
não significa que os correspondentes bens e serviços<br />
públicos prestados pelos <strong>agricultores</strong> não possam ser<br />
valorados do ponto de vista económico.<br />
O exposto acima leva-nos a nova in<strong>da</strong>gação: até que<br />
ponto, em profundi<strong>da</strong>de, é que nós olhamos para a<br />
agricultura como um sector económico? Tenho a percepção<br />
que muitas pessoas, e entre elas uma ampla<br />
maioria <strong>da</strong> elite intelectual, discutem o agro como<br />
equiparável a outros sectores económicos. Discordo<br />
profun<strong>da</strong> e radicalmente desta percepção, e isto por<br />
muitas razões, que aqui e agora não posso explanar<br />
por falta de espaço. Destacarei somente uma delas:<br />
entre os vários sectores económicos não há paralelismo<br />
quanto à incerteza e ao risco que envolve a activi<strong>da</strong>de<br />
agrária. Os riscos são tamanhos: climático, biológico,<br />
comercial, financeiro e até mesmo institucional, ou<br />
seja, a activi<strong>da</strong>de agrícola é ca<strong>da</strong> vez mais politicamente<br />
regula<strong>da</strong> e nenhum agricultor está seguro contra<br />
a instabili<strong>da</strong>de dessa regulação miudinha.<br />
A enorme insensibili<strong>da</strong>de de economistas, políticos,<br />
planeadores e técnicos quanto à especifici<strong>da</strong>de e<br />
singulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> produção agrária e <strong>da</strong> sua transformação<br />
(artesanal e industrial) em bens alimentares<br />
tem de ser combati<strong>da</strong>. A agricultura é uma activi<strong>da</strong>de<br />
básica, vital, não se trata de jardinagem. Tomemos<br />
consciência colectiva do quanto dependemos do<br />
agro. É urgente. •