Arquitetura e receptividade Simone Tostes Interpretar Arquitetura ...
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muralhas medievais, chamava de imoral esta arquitetura fundada sobre a mentira e a imitação de<br />
signos de um passado que já se fora. Uma sociedade burguesa que se camuflava sob a<br />
aparência de uma aristocracia em vias de desaparecimento, numa atitude que não compreendia<br />
as conseqüências das novas solicitações da existência moderna mereceu de Loos um repúdio<br />
contundente e explícito.<br />
Em 1900, publicou um outro ensaio, desta vez uma fábula cáustica, “A história de um pobre<br />
homem rico”, na qual ironizava a atitude autoritária do arquiteto, ao pretender planejar tudo, dos<br />
maiores aos menores detalhes de uma casa, tornando inabitável o espaço assim planejado. O<br />
resultado deste tipo de atitude foi descrito na fábula como um conjunto rígido e sem lugar para<br />
que a própria vida do cliente, representada na história por um presente de aniversário, pudesse se<br />
manifestar espontaneamente. Tratava-se na verdade de um ataque à concepção dos profissionais<br />
da Sezession, colocando em foco a concepção cultural conhecida como Gesamtkunstwerk, a obra<br />
de arte total, em termos arquitetônicos. Esta concepção, desenvolvida no final do século XIX, foi<br />
bastante familiar nas artes performáticas, das quais as óperas de Wagner eram exemplares.<br />
Constituíam-se numa forma artística híbrida de música, poesia e drama, na qual o impacto<br />
sinestésico amplificado pela sobreposição das diversas formas artísticas tinha seu efeito<br />
multiplicado sobre a audiência. Neste tipo de concepção, as fronteiras entre as diversas<br />
modalidades artísticas tornavam-se difíceis de serem estabelecidas. Por volta de 1900, as<br />
características de tal concepção total já se manifestavam nos meios arquitetônicos e das artes<br />
aplicadas, podendo ser identificadas a partir das seguintes estratégias, conforme Georges Baird<br />
(1992:32):<br />
Unidade fechada de concepção: desde a escala maior da configuração geral do projeto, até a<br />
menor, de talheres a cinzeiros, tudo era concebido pelo arquiteto.<br />
- Unicidade: não só a concepção da casa era completa, mas também única, específica para cada<br />
proprietário, de maneira a ser a própria expressão de sua individualidade<br />
- Assertividade: além de completa e única, a unidade conceitual da casa deveria ser aparente.<br />
Trata-se de uma abordagem da arquitetura e do projeto que assinala claramente um desejo de<br />
poder e controle por parte do arquiteto, assinalando também uma posição de passividade<br />
reservada ao “usuário”. Tais anseios certamente não devem ser pensados apenas como<br />
demandas e procedimentos puramente técnicos e neutros, mas pelo contrário, são de fato<br />
requerimentos necessários a toda uma construção ideológica e de poder por meio da qual a<br />
prática profissional se afirmava e se constituía a partir das novas demandas da sociedade<br />
capitalista da virada do século.<br />
Em seus escritos e projetos, Loos defendia uma outra abordagem da arquitetura, contrastando<br />
nitidamente com as características acima descritas. Novamente é Georges Baird quem assinala<br />
os traços característicos de sua abordagem:<br />
- Unidade aberta de concepção: seus projetos não refletiam o anseio de controle total da autoria<br />
dos diversos elementos; pelo contrário, acomodavam uma combinação mais heterogênea de<br />
objetos de diversas origens, sem que a unidade conceitual fosse cindida. - Tipicalidade: ao<br />
contrário da unicidade, Loos cultivava tipicalidade em suas obras: o uso de uma iluminação<br />
standard, fabricada em série, das poltronas de couro inglesas e dos móveis Thonet em madeira