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Arquitetura e receptividade Simone Tostes Interpretar Arquitetura ...

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Loos, as novas necessidades estariam sempre ligadas ao conforto e ao bem-estar físico e moral<br />

da humanidade, assim como aos seus condicionantes: os deslocamentos, a comunicação, a<br />

higiene, a luz. Logo, não se trata absolutamente da exaltação da tecnologia ou da utilização<br />

estética das formas geométricas simples por ela geradas. A solução aos novos problemas não<br />

poderia responder à busca de um mero efeito de ruptura pretendendo diferenciar os novos objetos<br />

daqueles de épocas anteriores, mas deveria repousar sobre a estrita submissão a regras que se<br />

impõem igualmente a todos, reconstituindo um processo idêntico ao que permitiu às sociedades<br />

anteriores criar e disponibilizar objetos que não tinham sido herdados da tradição. Assim<br />

concebida por Loos, devendo renunciar à expressão artística e se submeter aos critérios de<br />

produção dos objetos utilitários, a arquitetura passou por verdadeira dessacralização, como<br />

observa Hubert Damisch (1975), estando reduzida a se exercer enquanto arte apenas em<br />

circunstâncias muito restritas.<br />

Este anseio de separação e delimitação das práticas artísticas e seus métodos na verdade reflete<br />

uma sensibilidade que ultrapassa os domínios artísticos e estéticos, caracterizando com a<br />

modernidade toda uma racionalidade que perpassa os diversos campos do saber, transformando-<br />

os em territórios estanques de conhecimentos especializados. Também a ciência, pretensamente<br />

apartada das determinações artísticas, se vê submetida a este regime de compartimentação,<br />

como explicita Cássio Hissa:<br />

“Algo do que se pode entender sobre a projeção da modernidade na ciência refere-se à<br />

fragmentação do saber e do conhecimento. Desvincula-se a arte da ciência, a ciência da filosofia.<br />

A ciência desmembra-se em várias ciências, em disciplinas buscando autonomia, em nome e à<br />

luz da racionalidade. A especialização levada ao extremo torna-se, ela mesma, um saber<br />

fragmentado que se faz insuficiente no processo de leitura da realidade. Todo esse processo, em<br />

termos gerais compreendido pela multiplicação das disciplinas científicas, pode ser interpretado<br />

como a criação de expectativas com respeito à autonomia disciplinar e, simultaneamente, como a<br />

multiplicação de fronteiras interdisciplinares” (HISSA, 2002:209).<br />

Trata-se de um movimento de separação e delimitação que vai gradualmente se aprofundando e<br />

se difundindo concomitantemente ao próprio desenvolvimento da modernidade.<br />

O que chama a atenção em toda a cruzada de Loos contra a concepção da arquitetura apoiada<br />

nas determinações artísticas é exatamente a coincidência de aspectos com esta sensibilidade<br />

moderna, criadora de separações e interdições que assenta-se sobre uma contradição irredutível:<br />

a reinvidicação das delimitações e separações de cada campo do saber e da ação na<br />

modernidade é ela mesma um traço que une todos estes campos pretensamente independentes.<br />

A delimitação encerra um vestígio de união e compartilhamento que se constitui como uma<br />

contradição inescapável.<br />

Desta maneira não é de surpreender o fato de a mesma dessacralização processada por Adolf<br />

Loos na arquitetura ser levada a cabo no domínio das artes plásticas, mais precisamente na figura<br />

de Marcel Duchamp, quase simultaneamente (os escritos de Loos antecederam em<br />

aproximadamente uma década os experimentos de Duchamp), e que levanta algumas questões<br />

sobre a pretensa distância entre os dois universos e entre a natureza dos problemas que estes<br />

dois domínios trazem à tona. A este respeito são bastante esclarecedores os argumentos de<br />

Theodor Adorno referentes exatamente a tais aspectos da abordagem de Loos:

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