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i seminário do npgau - Escola de Arquitetura - UFMG

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PROGRAMA DE PÓS‐GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO DA <strong>UFMG</strong>(ORGANIZADOR)I SEMINÁRIO DO NPGAU “AS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADE”ANAISBelo Horizonte, 7 a 9 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2012.BELO HORIZONTEESCOLA DE ARQUITETURA DA <strong>UFMG</strong>2012


S471tSeminário <strong>do</strong> NPGAU (1.: 2012: Belo Horizonte)As transformações da cida<strong>de</strong> [recurso eletrônico]: anais / 1°.Seminário <strong>do</strong> NPGAU. Belo Horizonte: EA/<strong>UFMG</strong>, 2012.290 p.: il.ISBN: 9788598261089Disponível online: http://www.arq.ufmg.br/pos/1. Planejamento urbano. 2. <strong>Arquitetura</strong> paisagística. I.Programa <strong>de</strong> Pós‐graduação em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo. II.Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais. <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> <strong>Arquitetura</strong>. III.Título.CDD: 711.4


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (<strong>UFMG</strong>)isbn: 978-85-98261-08-9ReitorClélio Campolina DinizVice‐ReitoraRocksane <strong>de</strong> Carvalho NortonPró‐Reitor <strong>de</strong> Pós‐GraduaçãoRicar<strong>do</strong> Santiago GomesPró‐Reitora Adjunta <strong>de</strong> Pós‐GraduaçãoAndréa Gazzinelli Corrêa <strong>de</strong> OliveiraFUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (FAPEMIG)Presi<strong>de</strong>nteMário Neto BorgesDiretor <strong>de</strong> Ciência, Tecnologia e InovaçãoJosé Policarpo Gonçalves <strong>de</strong> AbreuSECRETARIA ESTADUAL DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DEMINAS GERAIS (SEMAD)SecretárioAdriano Magalhães ChavesPresi<strong>de</strong>nte da Fundação Estadual <strong>de</strong> Meio Ambiente (FEAM)Zuleika Stela Chiacchio TorquettiFUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA (FUNDEP)Presi<strong>de</strong>nteMarco Aurélio Crocco AfonsoAnalista <strong>de</strong> ProjetosRaphael Martius Tole<strong>do</strong> RosaCristiane Maria Rossi Tori<strong>do</strong>Natiene Doerl Gonçalves


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)ESCOLA DE ARQUITETURA DA <strong>UFMG</strong>isbn: 978-85-98261-08-9DiretorFre<strong>de</strong>rico <strong>de</strong> Paula TofaniVice‐diretorPaulo Gustavo Von KrügerPROGRAMA DE PÓS‐GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO DA <strong>UFMG</strong> (NPGAU‐<strong>UFMG</strong>)Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>raFernanda Borges <strong>de</strong> MoraesSub‐Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>raAna Clara Mourão MouraCOMISSÃO ORGANIZADORA DO I SEMINÁRIO DO NPGAUDocentesJupira Gomes <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça (Presi<strong>de</strong>nte/ Coor<strong>de</strong>nação Geral)Fernanda Borges <strong>de</strong> Moraes (Vice‐Presi<strong>de</strong>nte/Coor<strong>de</strong>nação Científica)DiscentesDanielle StuartFabiana AraújoFelipe SudréJeanne CrespoJunia MortimerLívia MonteiroMaria Clara M. S. BoisPatrícia UriasColabora<strong>do</strong>resCarolina H. Coelho‐<strong>de</strong>‐SouzaLuiz Felype AlmeidaPatrícia Junqueira


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9COMITÊ CIENTÍFICO DO I SEMINÁRIO DO NPGAUNúcleo Temático I: Cida<strong>de</strong> em movimento e movimento na cida<strong>de</strong>Profa. Dra. Silke Kapp – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUProfa. Dra. Ana Paula Baltazar <strong>do</strong>s Santos – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUProfa. Dra. Denise Mora<strong>do</strong> Nascimento – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUNúcleo Temático II: Gran<strong>de</strong>s projetos como elementos transforma<strong>do</strong>res da cida<strong>de</strong> e regiãoProf. Dr. Roberto Luís <strong>de</strong> Melo Monte‐Mór – <strong>UFMG</strong>/ NPGAU – Ce<strong>de</strong>plarProfa. Dra. Ana Clara Mourão Moura – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUProfa. Dra. Fernanda Borges <strong>de</strong> Moraes – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUProfa. Dra. Jupira Gomes <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUNúcleo Temático III: Memórias e Cida<strong>de</strong>sProf. Dr. Flávio <strong>de</strong> Lemos Carsala<strong>de</strong> – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUProf. Dr. André Guilherme Dornelles Dangelo – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUProfa. Dra. Celina Borges Lemos – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUNúcleo Temático IV: Novo perfil <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> e novos rumos em direção a uma socieda<strong>de</strong>inclusivaProf. Dr. Carlos Antônio Leite Brandão – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUProfa. Dra. Carmen Aroztegui Massera – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUProf. Dr. Marcelo Pinto Guimarães – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUProf. Dr. Otávio Curtiss Silviano Brandão – <strong>UFMG</strong>/ NPGAU


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9APRESENTAÇÃOO I Seminário <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pós‐Graduação em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo da <strong>UFMG</strong> ‐ ISeminário <strong>do</strong> NPGAU ‐ partiu <strong>de</strong> uma iniciativa <strong>do</strong>s estudantes pesquisa<strong>do</strong>res <strong>de</strong>ste Programa<strong>de</strong> Pós‐Graduação e tem por objetivo principal a criação <strong>de</strong> uma plataforma <strong>de</strong> encontro ediálogo entre os pesquisa<strong>do</strong>res <strong>de</strong>sta instituição e <strong>de</strong> outras entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino e pesquisa.O tema <strong>de</strong>sta primeira edição, As Transformações da Cida<strong>de</strong>, preten<strong>de</strong> colocar em pauta aprodução <strong>de</strong> conhecimento sobre o meio urbano, bem como levantar direcionamentos eproposições que visem a tornar possível uma cida<strong>de</strong> menos <strong>de</strong>sigual e mais justa. Conhecer eenten<strong>de</strong>r as transformações <strong>de</strong>sse espaço, seus vínculos com o passa<strong>do</strong>, o atendimento àsnecessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> presente e a expectativa por um futuro mais inclusivo são alguns <strong>do</strong>s pontosem torno <strong>do</strong>s quais se reuniram pesquisa<strong>do</strong>res diversos entre os dias 07 e 09 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong>2012, na <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> <strong>Arquitetura</strong> da <strong>UFMG</strong>, para o I Seminário <strong>do</strong> NPGAU.Núcleos TemáticosO Seminário foi organiza<strong>do</strong> em quatro gran<strong>de</strong>s núcleos com temáticas transversais: Cida<strong>de</strong> emmovimento e movimento na cida<strong>de</strong>; Gran<strong>de</strong>s projetos como elementos transforma<strong>do</strong>res dacida<strong>de</strong> e região; Memórias e Cida<strong>de</strong>s; e Novo perfil <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> e novos rumos em direção auma socieda<strong>de</strong> inclusiva.O Núcleo Temático I, Cida<strong>de</strong> em movimento e movimentos da cida<strong>de</strong>, reúne trabalhosrelaciona<strong>do</strong>s às alterações na organização e estrutura <strong>do</strong> espaço urbano e ao papel da cida<strong>de</strong>na história, ten<strong>do</strong> a dialética socioespacial da vida urbana como eixo orienta<strong>do</strong>r. Este Núcleotraz discussões que tratam da produção <strong>do</strong> espaço em um da<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>; o papel <strong>do</strong>smovimentos sociais, das instituições e <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> imobiliário na conformação <strong>do</strong> território; adicotomia existente entre as premissas contidas nas leis e planos urbanísticos e a rapi<strong>de</strong>z daconstrução e das transformações da cida<strong>de</strong> formal e informal; observações a respeito dasrelações sociais que têm nas cida<strong>de</strong>s palco para seu <strong>de</strong>senvolvimento e a ela modificam, entreoutras ações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrução e reconstrução da malha urbana.O Núcleo Temático II, Gran<strong>de</strong>s projetos como elementos transforma<strong>do</strong>res da cida<strong>de</strong> e região,reúne trabalhos que tratam <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> transformações estruturais no espaçoprovocadas por: operações urbanas consorciadas; planejamento ou projetos estratégicos;reabilitações <strong>de</strong> centros ou outros espaços relevantes das cida<strong>de</strong>s ou regiões; implantação <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>s equipamentos polariza<strong>do</strong>res; e alterações na re<strong>de</strong> e na estrutura urbana ocorridaspara realização <strong>do</strong>s megaeventos, acontecimentos não periódicos, normalmente <strong>de</strong> cunhoesportivo, que têm conduzi<strong>do</strong> mudanças espaciais e inversões <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s planejadas paraas cida<strong>de</strong>s que os sediam. Esta temática engloba os conflitos territoriais que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a escalaintraurbana até a escala regional.O Núcleo Temático III, Memórias e Cida<strong>de</strong>s, aborda a partir <strong>de</strong> uma perspectiva transdisciplinarquestões teóricas, históricas, analíticas e críticas no estu<strong>do</strong> das produções e reproduçõesmateriais e imateriais <strong>do</strong>s diversos grupos sociais que vivenciam a cida<strong>de</strong>. Desta forma, oNúcleo enquadra estu<strong>do</strong>s que problematizam objetos como memória social, memória política,


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)patrimônio cultural, festivida<strong>de</strong>s, espacialida<strong>de</strong>s, memórias <strong>do</strong>s lugares, memórias sobre acida<strong>de</strong>, além das relações espaço‐tempo <strong>de</strong>senvolvidas no território urbano.O Núcleo Temático IV, Novo perfil <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> e novos rumos em direção a uma socieda<strong>de</strong>inclusiva, reúne trabalhos que especulam sobre o futuro das cida<strong>de</strong>s, os possíveis novos rumosem direção a uma socieda<strong>de</strong> mais inclusiva. Estão aqui incluí<strong>do</strong>s trabalhos comtransversalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> temas como a inclusão social e a sustentabilida<strong>de</strong> ambiental e econômicacom uma visão holística sobre os mesmos, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> como cada pequena parte contribuipara a melhoria da socieda<strong>de</strong> como um to<strong>do</strong>.Em cada Núcleo Temático foram seleciona<strong>do</strong>s até cinco trabalhos para publicação nos anais,sen<strong>do</strong> classifica<strong>do</strong>s três para apresentação oral no Seminário.isbn: 978-85-98261-08-9


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9SUMÁRIOProgramação ......................................................................................................................................................... 10NÚCLEO TEMÁTICO I: CIDADE EM MOVIMENTO E MOVIMENTO NA CIDADEA produção <strong>do</strong> espaço não construí<strong>do</strong>: reflexões sobre áreas protegidas <strong>de</strong> Belo Horizonte e sua periferiasul‐metropolitana ................................................................................................................................................. 13Ana Carolina P. Eucly<strong>de</strong>sO Planejamento Urbano Deseja<strong>do</strong> e o Pratica<strong>do</strong>: O Caso <strong>de</strong> Viçosa, MG. .................................................... 35Ítalo I. C. StephanCida<strong>de</strong>s e Afetos: segregação e alterida<strong>de</strong> ........................................................................................................ 50Maria Luísa M. NogueiraDireito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong> sem direito: o caso da ocupação “Dandara” em Belo Horizonte. . 61Luiz F. G. AlmeidaUrbanização contemporânea e conflitos urbanos em Viçosa, Minas Gerais: a remoção da feira livre daAvenida Santa Rita e o novo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> renovação urbana local. ....................................................................... 74Nayana Corrêa BonamichiNÚCLEO TEMÁTICO II: GRANDES PROJETOS COMO ELEMENTOS TRANSFORMADORES DACIDADE E REGIÃOOperações urbanas consorciadas em Belo Horizonte ‐ novo mo<strong>de</strong>lo em construção................................. 91Lívia <strong>de</strong> Oliveira MonteiroDesnudamentos: instantâneos <strong>do</strong> alargamento da Avenida Antonio Carlos em Belo Horizonte ............ 114Luciana Souza Bragança; Larissa Batista L. Tre<strong>de</strong>zini; Fre<strong>de</strong>rico CanutoEl Parque Lineal concebi<strong>do</strong> y su interpretación espacial <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lo vivi<strong>do</strong> ..................................................... 132Coppelia H. Cuartas; Juan J. C. CalleJeceaba, uma cida<strong>de</strong> na encruzilhada.............................................................................................................. 155Reginal<strong>do</strong> Luiz Car<strong>do</strong>soGran<strong>de</strong>s reformas urbanas e seu impacto no direito à cida<strong>de</strong> ..................................................................... 169Vyrna Jacomo <strong>de</strong> A. Nunes


NÚCLEO TEMÁTICO III: MEMÓRIAS E CIDADESprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Transportes e transformações no Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis ...................................................... 182Cinthia TraganteSuportes <strong>de</strong> memória da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes: a encruzilhada <strong>de</strong> rotas e caminhos lusobrasileiros............................................................................................................................................................ 195Marília Fátima Dutra <strong>de</strong> Ávila Carvalho; Fernanda Borges <strong>de</strong> MoraesPatrimônio + Educação: <strong>de</strong>rruban<strong>do</strong> barreiras e construin<strong>do</strong> novas pontes .............................................. 206Paula Gomes CuryPatrimônio em ruínas: <strong>de</strong>safios para preservação ......................................................................................... 220Maria da Graça Andra<strong>de</strong> DiasMo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e tradição: A dialética na dinâmica urbana das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequeno porte ....................... 230Tamyres Virgínia L. Silveira; Josélia Go<strong>do</strong>y Portugalisbn: 978-85-98261-08-9NÚCLEO TEMÁTICO IV: NOVO PERFIL DE CIDADE E NOVOS RUMOS EM DIREÇÃO A UMASOCIEDADE INCLUSIVAO uso das tecnologias digitais no espaço: as telas urbanas ........................................................................... 240Lorena MelgaçoQuan<strong>do</strong> Rousseau visitou Alphaville: status, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e uma certa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> ................ 256Lucas Veloso <strong>de</strong> MenezesO cooperativismo na construção civil: uma outra cultura produtiva com senti<strong>do</strong> social .......................... 273Cristiano Gurgel Bickel


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Programação07/11/2012 ‐ QUARTA‐FEIRANoite – 19h00Palestra <strong>de</strong> Abertura ‐ Ícones arquitetônicos e espaços públicos na cida<strong>de</strong> contemporâneaRoberto Segre – UFRJ/ PROURB08/11/2012 ‐ QUINTA‐FEIRAManhã – 10h00 às 12h30Núcleo Temático II ‐ Gran<strong>de</strong>s projetos como elementos transforma<strong>do</strong>res da cida<strong>de</strong> e regiãoPalestrante: Mariana Fix – Unicamp/ Instituto <strong>de</strong> EconomiaMesa Re<strong>do</strong>ndaMedia<strong>do</strong>ra: Jupira Gomes Men<strong>do</strong>nça ‐ <strong>UFMG</strong>/NPGAU10Trabalhos apresenta<strong>do</strong>s:Operações urbanas consorciadas em Belo Horizonte ‐ Novo mo<strong>de</strong>lo em construçãoLívia <strong>de</strong> Oliveira Monteiro – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUDesnudamentos: Instantâneos <strong>do</strong> alargamento da Avenida Antonio Carlos em Belo HorizonteLuciana Souza Bragança ‐ I.M. Izabela HendrixLarissa Batista L. Tre<strong>de</strong>zini ‐ I.M. Izabela HendrixFre<strong>de</strong>rico Canuto ‐ I.M. Izabela HendrixEl Parque Lineal concebi<strong>do</strong> y su interpretación espacial <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lo vivi<strong>do</strong>Coppelia H.Cuartas ‐ Escuela <strong>de</strong> Arquitectura y Diseño <strong>de</strong> la Universidad Pontificia BolivarianaJuan J. C. Calle ‐ Escuela <strong>de</strong> Arquitectura y Diseño <strong>de</strong> la Universidad Pontificia BolivarianaTar<strong>de</strong> ‐ 14h30 às 18h00Núcleo Temático I ‐ Cida<strong>de</strong> em movimento e movimento na cida<strong>de</strong>Palestrante: Cristóvão Fernan<strong>de</strong>s Duarte ‐ UFRJ/ PROURBMesa Re<strong>do</strong>ndaMedia<strong>do</strong>ra: Silke Kapp ‐ <strong>UFMG</strong>/ NPGAU


Trabalhos apresenta<strong>do</strong>s:programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A produção <strong>do</strong> espaço não construí<strong>do</strong>: Reflexões sobre áreas protegidas <strong>de</strong> Belo Horizonte esua periferia sul‐metropolitanaAna Carolina P. Eucly<strong>de</strong>s – <strong>UFMG</strong>/NPGAUisbn: 978-85-98261-08-9O Planejamento urbano <strong>de</strong>seja<strong>do</strong> e o pratica<strong>do</strong>: O caso <strong>de</strong> Viçosa, MGÍtalo I. C. Stephan – UFV/ Departamento <strong>de</strong> <strong>Arquitetura</strong> e UrbanismoCida<strong>de</strong>s e afetos: Segregação e alterida<strong>de</strong>Maria Luísa M. Nogueira – <strong>UFMG</strong>/ Departamento <strong>de</strong> Psicologia09/11/2012 ‐ SEXTA‐FEIRAManhã – 09h00 às 12h30Núcleo Temático III ‐ Memórias e Cida<strong>de</strong>sPalestrante: Mário <strong>de</strong> Souza Chagas – UNIRIO/ Programa <strong>de</strong> Pós‐Graduação em Memória SocialMesa Re<strong>do</strong>ndaMedia<strong>do</strong>r: Flávio <strong>de</strong> Lemos Carsala<strong>de</strong> ‐ <strong>UFMG</strong>/NPGAU11Trabalhos apresenta<strong>do</strong>s:Transportes e transformações no Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> AssisCinthia Tragante – USP/ IAUSuportes <strong>de</strong> memória da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes: A encruzilhada <strong>de</strong> rotas e caminhos lusobrasileirosMarília Ávila Carvalho – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUFernanda Borges <strong>de</strong> Moraes – <strong>UFMG</strong>/ NPGAUPatrimônio + Educação: Derruban<strong>do</strong> barreiras e construin<strong>do</strong> novas pontesPaula Gomes Cury ‐ <strong>UFMG</strong>/ NPGAUTar<strong>de</strong> – 14h30 às 18h00Núcleo IV ‐ Novo perfil <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> e novos rumos em direção a uma socieda<strong>de</strong> inclusivaPalestrante: João Antônio <strong>de</strong> Paula ‐ <strong>UFMG</strong>/ Ce<strong>de</strong>plarMesa Re<strong>do</strong>ndaMedia<strong>do</strong>r: Carlos Antônio Leite Brandão ‐ <strong>UFMG</strong>/ NPGAU


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Trabalhos apresenta<strong>do</strong>s:O uso das tecnologias digitais no espaço: As telas urbanasLorena Melgaço ‐ <strong>UFMG</strong>/ NPGAUisbn: 978-85-98261-08-9Quan<strong>do</strong> Rousseau visitou Alphaville: Status, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e uma certa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>Lucas Veloso <strong>de</strong> Menezes ‐ <strong>UFMG</strong>/ NPGAUO cooperativismo na construção civil: Uma outra cultura produtiva com senti<strong>do</strong> socialCristiano Gurgel Bickel ‐ <strong>UFMG</strong>/ NPGAUNoite – 19h00Palestra <strong>de</strong> EncerramentoMaria Lúcia Malard ‐ <strong>UFMG</strong>/ NPGAU12


NÚCLEO TEMÁTICO I: Cida<strong>de</strong> em movimento e movimento na cida<strong>de</strong>programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A produção <strong>do</strong> espaço não construí<strong>do</strong>: reflexões sobre áreasprotegidas <strong>de</strong> Belo Horizonte e sua periferia sul‐metropolitanaThe production of unconstructed space: thoughts on the protected areas in BeloHorizonte's southern suburbs.Ana Carolina P. EUCLYDESMestre em Geografia/<strong>UFMG</strong>; Doutoranda em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo pelo NPGAU/<strong>UFMG</strong>; Consultora<strong>de</strong> meio ambiente e <strong>de</strong>senvolvimento sustentável da Assembleia Legislativa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais.anacpeucly<strong>de</strong>s@gmail.comisbn: 978-85-98261-08-9RESUMOCom Henri Lefebvre (1991), po<strong>de</strong>‐se afirmar que, na socieda<strong>de</strong> capitalista, tanto a construção civilcomo a restrição à construção – ou a quaisquer outros usos – são faces da produção <strong>do</strong> espaço. Nessaperspectiva, a reflexão sobre os espaços intencionalmente não construí<strong>do</strong>s, como os parques e outrasáreas protegidas, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um prisma pertinente para a apreensão <strong>de</strong> regras,conhecimentos, i<strong>de</strong>ologias e simbolismos que pautam o processo <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaço. Nesteartigo, combinan<strong>do</strong> a história da instituição <strong>de</strong> áreas naturais protegidas com a história da expansãoda capital mineira na direção sul, ressalta‐se a relevância <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> das áreas ver<strong>de</strong>s e áreasprotegidas para a compreensão das dinâmicas históricas e contemporâneas da produção <strong>do</strong> espaço naRegião Metropolitana <strong>de</strong> Belo Horizonte. Com essa reflexão, verifica‐se que essas áreas, registros <strong>de</strong><strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s tempo e espaço, compõem o palimpsesto da construção <strong>do</strong> espaço urbano,expressan<strong>do</strong> diferentes representações <strong>de</strong> natureza e distintos projetos <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>.PALAVRAS‐CHAVE: parque, região metropolitana, produção <strong>do</strong> espaço, áreas protegidas, BeloHorizonte13ABSTRACTLefebvre's (1991) work suggests that, in capitalist society, both the construction and the restriction toconstruction – or to any other uses – are aspects of space production. From that point of view, the studyof the spaces that are intentionally not built, such as parks and other protected areas, can be consi<strong>de</strong>redan appropriate perspective to perceive the rules, the knowledge, the i<strong>de</strong>ologies and the symbols thatsteer space production processes. In this paper, compounding the history of the institution of protectedareas with the history of the expansion of state capital towards south, we highlight the relevance of thestudy on green areas and protected areas for the comprehension of the historical and contemporarydynamics of space production in Belo Horizonte's metropolitan region. With such contributions, we attestthat these areas refer to <strong>de</strong>termined space and time conditions inhering the palimpsest of urban spaceconstruction, expressing different representations of nature and distinct city projects.KEYWORDS: parks, metropolitan region, space production, protected areas, Belo Horizonte.1 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NÃO CONSTRUÍDOO espaço não é um objeto científico <strong>de</strong>scarta<strong>do</strong> pela i<strong>de</strong>ologia ou pela política; ele sempre foi político e estratégico.Se o espaço tem um aspecto neutro, indiferente em relação ao conteú<strong>do</strong>, (…) é precisamente porque ele já estáocupa<strong>do</strong>, or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>, já foi objeto <strong>de</strong> estratégias antigas, das quais nem sempre se encontram vestígios. O espaço foiforma<strong>do</strong>, mo<strong>de</strong>la<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> elementos históricos ou naturais, mas politicamente (LEFEBVRE, 2008, p. 61).


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9A crítica proposta por Henri Lefebvre na década <strong>de</strong> 1960 – direcionada aos estudiososque tomavam o espaço como algo puro, neutro, não‐político, e consi<strong>de</strong>ravam que ourbanismo, enquanto uma prática científica e técnica, po<strong>de</strong>ria constituir uma ciênciacartesiana – é hoje amplamente aceita no âmbito da teoria social crítica. Em nossos dias,compreen<strong>de</strong>mos, sem maiores dificulda<strong>de</strong>s, que espaços como uma zona <strong>de</strong> expansãourbana ou um cinturão agrícola são produzi<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> combinações <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>se vantagens locacionais, mas também em razão <strong>de</strong> outros fatores, como as <strong>de</strong>cisõespolíticas, pertinentes a espaços/tempos específicos.Porém, muitas vezes, quan<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ramos áreas não construídas, constituídas <strong>de</strong> campos,florestas ou mesmo parques, a mesma lógica parece incerta, já que esses espaços nãoaparentam terem si<strong>do</strong> incorpora<strong>do</strong>s à dinâmica produtiva, seja na forma <strong>de</strong> matérias‐primas ou<strong>de</strong> espaço ocupa<strong>do</strong>. Talvez por isso sejam comuns as referências a essas áreas como “espaçoslivres” ou “espaços vazios”, como se observa em discursos acadêmicos e comerciais, a exemplo<strong>de</strong> Miranda Magnoli (1982) e Caparaó e Patrimar (2011).Mas a produção <strong>do</strong> espaço se limita à construção (civil) <strong>do</strong> espaço?Com Lefebvre (1991), po<strong>de</strong>‐se afirmar que não. Para o filósofo, a produção <strong>do</strong> espaço se dá pormeio das relações dialéticas que a socieda<strong>de</strong> estabelece com seus espaços percebi<strong>do</strong>s, vivi<strong>do</strong>s econcebi<strong>do</strong>s. Em breves termos, enquanto o espaço percebi<strong>do</strong> compreen<strong>de</strong> a leitura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>exterior a partir <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> corpo, por meio da qual cada pessoa i<strong>de</strong>ntifica sua localizaçãoparticular e os conjuntos espaciais característicos <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong>, o espaço vivi<strong>do</strong> consisteno espaço <strong>do</strong>s usuários, que atribuem ao espaço físico imaginário e simbolismos, relacionan<strong>do</strong>secom a experiência cultural <strong>do</strong> meio. Já o espaço concebi<strong>do</strong> é o espaço <strong>do</strong>minante, aabstração por meio da qual cientistas, planeja<strong>do</strong>res e toma<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões mobilizamconhecimentos, i<strong>de</strong>ologias e códigos para construir elaborações teóricas sobre as práticasespaciais, e a partir <strong>de</strong>las, organizar o espaço no senti<strong>do</strong> produtivo. Assim, se a construçãofísica <strong>do</strong> meio constitui uma face <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaço, também o fazem osafetos, as culturas, os conhecimentos e as i<strong>de</strong>ologias que concorrem para sua organização.Nessa perspectiva, também os espaços não construí<strong>do</strong>s compreendi<strong>do</strong>s pelas áreas ver<strong>de</strong>s ou<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s como áreas protegidas 1 seriam facetas <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaço maisamplo, que <strong>de</strong>manda a reserva <strong>de</strong> “áreas naturais” com <strong>de</strong>terminadas motivações. Ten<strong>do</strong> issoem conta, cabe buscar compreen<strong>de</strong>r as origens e a história <strong>de</strong>ssas áreas, e, com isso, suarelação com a produção <strong>do</strong> espaço da/na região.Foi esse o intuito da dissertação intitulada “Proteção da natureza e produção da natureza:política, i<strong>de</strong>ologias e diversida<strong>de</strong> na criação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação na periferia sul dametrópole belo‐horizontina” (EUCLYDES, 2012), apresentada ao Programa <strong>de</strong> Pós‐Graduaçãoem Geografia da <strong>UFMG</strong>. Nesse trabalho, as quase 30 áreas protegidas no/<strong>do</strong> Eixo Sul 2 daRegião Metropolitana <strong>de</strong> Belo Horizonte – RMBH –, foram objeto <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> que contoucom revisão bibliográfica, entrevistas a agentes públicos e pessoas envolvidas em associaçõesambientalistas, além <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong> mapas e <strong>de</strong> discursos proferi<strong>do</strong>s em reuniões públicaspelos principais agentes relaciona<strong>do</strong>s à produção <strong>do</strong> espaço na região.Dessa dissertação se origina o presente artigo, que preten<strong>de</strong> refletir sobre a relevância dareflexão das áreas protegidas para a compreensão da produção <strong>do</strong> espaço, a partir <strong>de</strong> exemplos14


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)das áreas ver<strong>de</strong>s e áreas protegidas <strong>de</strong> Belo Horizonte e <strong>de</strong> sua extensão sul. Para tanto, otrabalho se compõe <strong>de</strong> mais seis seções: origens, em que se apresenta a raiz comum <strong>do</strong>planejamento urbano e da instituição <strong>de</strong> áreas protegidas; áreas ver<strong>de</strong>s/áreas protegidas <strong>de</strong>Belo Horizonte, que remonta a geohistória da capital a partir <strong>de</strong> cinco áreas protegidas e umprojeto <strong>de</strong> parque; consi<strong>de</strong>rações finais, em que a metáfora <strong>do</strong> palimpsesto, recorrente emestu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> urbanismo, é aplicada às áreas protegidas, salientan<strong>do</strong> a imbricação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>istemas; referências; e notas.isbn: 978-85-98261-08-92 ORIGENS: CIDADES INDUSTRIAIS, URBANISMO E ÁREAS VERDES/PROTEGIDAS“Esta audiência po<strong>de</strong>ria ter si<strong>do</strong> realizada lá, na Serra da Moeda, que tem lugares maravilhosos. Vocêspo<strong>de</strong>riam ver <strong>de</strong> perto o natural próximo a Belo Horizonte”.A fala <strong>do</strong> vice‐presi<strong>de</strong>nte da ONG Associação <strong>de</strong> Meio Ambiente <strong>de</strong> Moeda, proferida em numaaudiência pública promovida pela Assembleia Legislativa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais – ALMG –,para <strong>de</strong>bater os usos <strong>do</strong> solo na Serra da Moeda, em 18/11/2008, sistematiza a representação<strong>do</strong> espaço urbano como o espaço artificial, <strong>do</strong> qual a natureza foi completamente excluída/<strong>de</strong>struída , on<strong>de</strong> não mais haveria processos ecológicos.Trata‐se <strong>de</strong> uma representação recorrente, que figura também com frequência em materialpublicitário <strong>de</strong> empreendimentos imobiliários situa<strong>do</strong>s no Eixo Sul <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a classes <strong>de</strong>média e alta renda da zona sul <strong>de</strong> Belo Horizonte, como no caso <strong>do</strong> Loteamento Gran RoyalleCasa Branca, que anuncia que “a natureza nunca esteve tão perto <strong>de</strong> você”.Embora essa oposição cida<strong>de</strong> x natureza – variação da oposição homem x natureza, em que asocieda<strong>de</strong> (Sujeito) é vista como o agente externo <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição <strong>do</strong> meio (objeto) – possa parecercontemporânea, ela remete às transformações socioespaciais vivenciadas na Inglaterra a partir <strong>do</strong>século XVII.Segun<strong>do</strong> Keith Thomas (1988 apud DIEGUES, 1996; CAMARGOS, 2006), as atitu<strong>de</strong>s cada vez maisafetuosas <strong>do</strong>s ingleses com os animais, as plantas e os espaços abertos e silvestres estiveramrelacionadas ao intenso processo <strong>de</strong> urbanização associa<strong>do</strong> à Revolução Industrial, que promoverasensíveis alterações no uso e na ocupação <strong>do</strong> solo, escassez <strong>de</strong> recursos naturais e modificações nopadrão <strong>de</strong> consumo 3 . Como que em repúdio a essas transformações, na medida em que as fábricas sedispersavam pelo país e as cida<strong>de</strong>s cresciam em número e em <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> populacional, instensificavasea afinida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong> com o meio rural, o que se traduzia na criação <strong>de</strong> jardins e na busca porcasas <strong>de</strong> campo – sobretu<strong>do</strong> pelas classes sociais não diretamente envolvidas na produção agrícola,como a aristocracia e as classes médias burguesas (THOMAS apud CAMARGOS, 2006, p. 11).Contribuíram também para a valorização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> selvagem o avanço da História Natural e adivulgação <strong>do</strong>s relatos <strong>do</strong>s “viajantes pitorescos”, em especial daqueles que buscavam a singularida<strong>de</strong>das praias isoladas, <strong>do</strong>s costões e das ilhas. Esses <strong>do</strong>is fatores – a admiração pelo ambiente naturalexótico e a negação da cida<strong>de</strong> – se refletiram na literatura romântica <strong>do</strong> século XIX, que aproximava “oque restava” <strong>de</strong> natureza selvagem na Europa <strong>do</strong> imaginário <strong>do</strong> paraíso perdi<strong>do</strong>, <strong>do</strong> refúgio, dainocência, da beleza e <strong>do</strong> sublime, exercen<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> influência sobre as elites norte‐americanas, que,mais tar<strong>de</strong>, se valeriam da constituição <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s parques como estratégia para a construção dai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da nova nação (DIEGUES, 1996b, CAMARGOS, 2006).15


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Ao mesmo tempo, nos núcleos transforma<strong>do</strong>s pela indústria inglesa, o repúdio a questõescomo a falta <strong>de</strong> infraestrutura geral, as condições sanitárias precárias, a altíssima <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>populacional <strong>do</strong>s bairros operários e o arruamento inapto a comportar o trânsito que vinha seconstituin<strong>do</strong> forneceu elementos à construção <strong>do</strong> urbanismo mo<strong>de</strong>rno (BERMAN, 1989,p.147). Este primava pela or<strong>de</strong>m e pela hierarquia, pela eficiência da circulação e pelohigienismo, contribuin<strong>do</strong> para a disseminação <strong>do</strong>s novos conceitos <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> e naturezaresultantes relaciona<strong>do</strong>s ao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida urbano‐industrial (BARROS, 2005).Desse mo<strong>do</strong>, a concepção social <strong>de</strong> natureza se transformava: tanto ela se afastavaprogressivamente <strong>do</strong> homem, na medida em que passava a ser vista como “recurso” para asfábricas e como o “selvagem“ contraposto à civilização, como se enobrecia e se aproximava dasocieda<strong>de</strong>, na medida em que se acentuavam seus senti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> “refúgio” e <strong>de</strong> “saú<strong>de</strong>”, com a<strong>de</strong>limitação <strong>de</strong> áreas “ver<strong>de</strong>s” <strong>de</strong>stinadas ao <strong>de</strong>scanso <strong>do</strong>s cidadãos urbanos e à purificação<strong>do</strong>s ares da cida<strong>de</strong> (DIEGUES, 1996; BARROS, 2005).Foi esse o contexto histórico <strong>do</strong> planejamento e da construção <strong>de</strong> Belo Horizonte, a capitalmineira concebida para representar os novos tempos republicanos, no final <strong>do</strong> século XIX. Seuprojeto, marca<strong>do</strong> pelas linhas retas, pelas gran<strong>de</strong>s avenidas diagonais e pelos limites impostospor seu anel <strong>de</strong> contorno, tinha no Parque Municipal, nas praças e nos jardins encaixa<strong>do</strong>s emseu traça<strong>do</strong> os símbolos da natureza <strong>do</strong>mesticada, e, ao mesmo tempo, os “pulmões dacida<strong>de</strong>”, pensa<strong>do</strong>s para facilitar a circulação e purificação <strong>do</strong> ar, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a controlar os malesendêmicos da observa<strong>do</strong>s nas cida<strong>de</strong>s industriais europeias (BARROS, 2005).3 ÁREAS VERDES/ PROTEGIDAS DE BELO HORIZONTE (E SUA REGIÃO METROPOLITANA)3.1 Parque MunicipalSerá este Parque o mais importante e grandioso <strong>de</strong> quantos há na América, e, por si só, merecerá a visita<strong>de</strong> nacionais e estrangeiros e elevará a nova cida<strong>de</strong> acima <strong>de</strong> quantas ora attrahem no Brazil (Relatório daComissão Construtora da Nova Capital apud CVRD, 1992, s/p.)Projeta<strong>do</strong> para ser um parque inglês 4 , uma ilha <strong>de</strong> romantismo e sinuosida<strong>de</strong> em meio àgeometria retilínea da cida<strong>de</strong> planejada, o Parque Municipal registra a história <strong>de</strong> BeloHorizonte <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua construção.Como ocorreu com to<strong>do</strong> o arraial <strong>do</strong> Curral d´El Rey, feito tábula rasa para receber a capitalsímbolo da nova época, os terrenos que compuseram o parque constituíam a ChácaraGuilherme Vaz <strong>de</strong> Mello, conhecida como Chácara <strong>do</strong> Sapo, que foi <strong>de</strong>sapropriada e postaabaixo para recebê‐lo. Seu projeto foi elabora<strong>do</strong> pelo arquiteto‐paisagista francês Paul Villon, eprevia, em meio aos jardins, equipamentos como um cassino, um restaurante, um observatóriometeorológico, uma ponte artística, lagos e grama<strong>do</strong>s.O parque foi inaugura<strong>do</strong> três meses antes que a cida<strong>de</strong>, mas, mesmo antes disso, já sediava osmais importantes eventos relaciona<strong>do</strong>s à construção da capital. Além <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> residência <strong>do</strong>engenheiro‐chefe da Comissão Construtora da Nova Capital, Aarão Reis, em seus terrenosforam realizadas as cerimônias <strong>de</strong> inauguração <strong>do</strong> ramal férreo, que cumpriu relevante papelno transporte <strong>do</strong>s materiais para a construção da cida<strong>de</strong>, em 1895, e o banquete ofereci<strong>do</strong>pela Comissão Construtora na noite da inauguração da cida<strong>de</strong> (CVRD, 1992).isbn: 978-85-98261-08-916


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Inicialmente, o parque tinha como limites as importantes avenidas Mantiqueira (atual Alfre<strong>do</strong>Balena), Araguaia (atual Francisco Sales) e Tocantins (atual Assis Chateaubriand), abrin<strong>do</strong>‐separa o eixo monumental da cida<strong>de</strong>, a Afonso Pena. Situava‐se, portanto, na zona reservada aosfuncionários da burocracia estatal, aos representantes <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r e à elite local da nova capital,<strong>de</strong>ven<strong>do</strong> servir <strong>de</strong> palco a suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer.isbn: 978-85-98261-08-9Já nas primeiras décadas <strong>do</strong> século XX, assumiu‐se a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se levar adiante o projetocompleto <strong>de</strong> Villon, e, entre as décadas <strong>de</strong> 1910 e 1930, iniciou‐se a cessão <strong>de</strong> áreas para outrosequipamentos públicos, o que, ao longo <strong>do</strong> século, levou à expressiva redução <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> parque,<strong>de</strong> 55ha aos atuais 8ha. Nesse perío<strong>do</strong>, foi <strong>de</strong>sligada <strong>de</strong>finitivamente a porção a norte <strong>do</strong> RibeirãoArrudas, bem como entregue ao esta<strong>do</strong> a porção a su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> córrego Acaba‐Mun<strong>do</strong> que se abriapara a atual Avenida Alfre<strong>do</strong> Balena, principian<strong>do</strong> a configuração <strong>de</strong> uma área hospitalar a su<strong>do</strong>este<strong>do</strong> parque. Remontam também a esse perío<strong>do</strong> a instalação <strong>de</strong> uma quadra <strong>de</strong> tênis, uma pista <strong>de</strong>patinação e um pequeno zoológico no interior <strong>do</strong> parque (GÓIS, 2003; GUIMARÃES, 2005).Na década <strong>de</strong> 1930 foi implantada a Cida<strong>de</strong> Industrial, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Betim – fora <strong>do</strong> centrourbano <strong>de</strong> Belo Horizonte, conforme os preceitos <strong>do</strong> urbanismo mo<strong>de</strong>rno –, constituin<strong>do</strong> omovimento <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> produção da cida<strong>de</strong>, impulsiona<strong>do</strong> pelo esta<strong>do</strong>(COSTA, 1994). O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> setor industrial, em especial após a 1ª Guerra, fortaleceuo papel da capital como o centro político‐econômico <strong>de</strong> Minas Gerais. Essas transformações serefletiram na intensa expansão urbana, principalmente nos subúrbios, não apenas com direçãoà Cida<strong>de</strong> Industrial e a seus bairros operários, como também na forma <strong>de</strong> novas áreasresi<strong>de</strong>nciais e <strong>de</strong> lazer para as elites (MONTE‐MÓR, 1994a).A partir da década <strong>de</strong> 1950, com o impulso à industrialização substitutiva conferi<strong>do</strong> pelacriação das Centrais Hidrelétricas <strong>de</strong> Minas Gerais – Cemig – e pelo significativo investimentoem ro<strong>do</strong>vias – <strong>de</strong>belan<strong>do</strong> as principais <strong>de</strong>ficiências que continham o <strong>de</strong>senvolvimentoindustrial mineiro –, a cida<strong>de</strong> foi transformada <strong>de</strong> várias formas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a expansão urbana <strong>de</strong>bairros afasta<strong>do</strong>s e cida<strong>de</strong>s‐satélite até o embelezamento <strong>do</strong> centro da capital e <strong>de</strong> suasperiferias imediatas (Ibid.).No Parque Municipal, as transformações iniciadas nessa década se refletiram em <strong>do</strong>isaspectos principais. Primeiramente, em <strong>de</strong>corrência da intensificação das ligaçõesregionais, <strong>do</strong> <strong>de</strong>slocamento <strong>do</strong> lazer das elites para a Pampulha, <strong>do</strong> estímulo aostransportes <strong>de</strong> massa e da apropriação da região central da capital pela população <strong>de</strong>baixa renda, o público <strong>do</strong> parque foi significativamente diversifica<strong>do</strong>, popularizan<strong>do</strong>‐se(GOIS, 2003). Além disso, a área recebeu importantes obras <strong>de</strong> reestruturação,promovidas pela administração <strong>do</strong> Prefeito Américo Renné Gianetti – motivo pelo qual,mais tar<strong>de</strong>, o parque viria a receber seu nome.A reestruturação contou com os estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> paisagista Burle Marx, que concluiu que oparque se encontrava ofusca<strong>do</strong> por edificações públicas que não condiziam com ele e lhetiravam a beleza. As sugestões <strong>do</strong> paisagista foram apenas parcialmente pela prefeitura,resultan<strong>do</strong> em benfeitorias pontuais e no tratamento das águas que drenavam área.Contu<strong>do</strong>, não se interrompeu a cessão <strong>de</strong> áreas e a construção <strong>de</strong> prédios públicos,sen<strong>do</strong> então implantadas a <strong>Escola</strong> Técnica <strong>de</strong> Comércio Municipal e a polêmica ConchaAcústica 5 (CVRD, 1992).17


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Em, 1975, expressan<strong>do</strong> a reação pública diante da <strong>de</strong>scaracterização da área, o conjuntopaisagístico e arquitetônico <strong>do</strong> Parque Municipal foi tomba<strong>do</strong> pelo Instituto <strong>de</strong>Preservação <strong>do</strong> Patrimônio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> – hoje IEPHA‐MG. A iniciativa, contu<strong>do</strong>, nãomotivou ações para reverter a má conservação da área, que só ao final da década <strong>de</strong>1980 viria a receber novos investimentos.3.2 Tombamento da Serra <strong>do</strong> Curralisbn: 978-85-98261-08-9A Serra <strong>do</strong> Curral é o marco geográfico mais representativo da região metropolitana <strong>de</strong> Belo Horizonte, comexpressivo significa<strong>do</strong> simbólico, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> múltiplos conjuntos paisagísticos, registros geológicos <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong>anos e uma vegetação que comunga com o clima e a ambiência da região. (...) O tombamento inclui o conjuntopaisagístico <strong>do</strong> pico [<strong>de</strong> Belo Horizonte] da parte mais alcantilada, ou seja, a parte mais nobre da serra,resguardan<strong>do</strong> apenas um trecho <strong>de</strong>sta (SPHAN, 1960, p. 8 apud BATISTA, 2004, p. 102).Como se observa, o tombamento <strong>do</strong> Parque Municipal não foi o primeiro instrumento <strong>de</strong>ssanatureza aplica<strong>do</strong> – e ignora<strong>do</strong> – ao patrimônio cultural e paisagístico da capital. Já na década<strong>de</strong> 1960, o tombamento da Serra <strong>do</strong> Curral, limite sul entre Belo Horizonte e Nova Lima,instituí<strong>do</strong> pelo Sistema <strong>de</strong> Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan –, no ano <strong>de</strong> 1960,vinha sen<strong>do</strong> negligencia<strong>do</strong>.Exemplo <strong>de</strong>ssa negligência foi a participação da própria prefeitura da capital numa socieda<strong>de</strong><strong>de</strong> economia mista criada para explorar o minério <strong>de</strong> ferro na serra. Tratou‐se da Ferro BeloHorizonte S.A. – Ferrobel –, que atuou nas regiões <strong>do</strong> Barreiro, <strong>do</strong> Cercadinho e <strong>do</strong> BairroMangabeiras 6 , sob a justificativa <strong>de</strong> gerar as divisas necessárias à realização <strong>de</strong> obras <strong>de</strong>urbanização na cida<strong>de</strong>, então em franco processo <strong>de</strong> expansão (BATISTA, 2004).A expansão a que se referia a prefeitura, observada a partir <strong>do</strong> final da década <strong>de</strong> 1960, estavarelacionada ao expressivo crescimento da população metropolitana e ao surto industrial queculminou com a instalação da Fiat Automóveis na Cida<strong>de</strong> Industrial, manifestan<strong>do</strong>‐se noaprofundamento da segregação espacial da região. Nesse perío<strong>do</strong>, enquanto as periferias seexpandiam por meio, principalmente, <strong>de</strong> loteamentos populares e <strong>de</strong> recreio – <strong>do</strong> tipocon<strong>do</strong>mínio –, os espaços centrais e mais bem estrutura<strong>do</strong>s passaram por um processo <strong>de</strong>elitização (COSTA, 1994).Roberto Monte‐Mór (1994a) associa esse momento ao coroamento da metrópole fordistabelo‐horizontina: enquanto o centro histórico se fechava sobre si mesmo, excluin<strong>do</strong> apopulação trabalha<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r, o teci<strong>do</strong> urbano explodia para além das cida<strong>de</strong>s,esten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a forma urbano‐industrial <strong>do</strong>minante pelos subúrbios, por meio <strong>de</strong> espaçosindustriais, serviços, con<strong>do</strong>mínios, conjuntos habitacionais, favelas, loteamentos, linhas <strong>de</strong>ônibus e serviços <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong>. Oficialmente, a Região Metropolitana foi instituída em 1973,por meio <strong>de</strong> lei complementar fe<strong>de</strong>ral, abrangen<strong>do</strong> 14 municípios.Assim, ocupa<strong>do</strong> em acompanhar a expansão urbana, o po<strong>de</strong>r público ignorou o tombamentoda Serra <strong>do</strong> Curral também ao criar a Companhia Urbaniza<strong>do</strong>ra da Serra <strong>do</strong> Curral – Ciurbe –, e,mais tar<strong>de</strong>, a Companhia <strong>de</strong> Desenvolvimento Urbano <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> – Co<strong>de</strong>urb –, que conduzirama ocupação da zona sul da capital. Seus projetos não foram submeti<strong>do</strong>s à análise <strong>do</strong> Sphan, quesó se manifestaria novamente sobre a áreas em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos 1970, propon<strong>do</strong> medidaspara mitigar os impactos sobre a área tombada e retifican<strong>do</strong> os termos <strong>do</strong> tombamento, pormeio da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> seis marcos instala<strong>do</strong>s em pontos da serra 7 (BATISTA, 2004).18


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Os novos bairros ao sul da capital se caracterizavam pela combinação <strong>de</strong> zonas resi<strong>de</strong>nciaisnobres e favelas adjacentes, reproduzin<strong>do</strong> um mo<strong>de</strong>lo comum às cida<strong>de</strong>s pré‐industriaisbrasileiras (MONTE‐MÓR, 1994a). Na direção da Serra <strong>do</strong> Curral, o Bairro Serra já convivia como Morro <strong>do</strong> Cafezal, como viria a ocorrer com o novo Bairro Mangabeiras.Para além das fronteiras municipais, as características <strong>de</strong> elitização e segregação características dazona sul <strong>de</strong> Belo Horizonte se estendiam a municípios como Nova Lima e Brumadinho, que seconstituíam como local preferencial para a instalação <strong>do</strong>s con<strong>do</strong>mínios em função das belas paisagense da manutenção da baixa <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> da ocupação – relacionada a restrições como a pronunciadaconcentração fundiária por parte das minera<strong>do</strong>ras, as limitadas alternativas <strong>de</strong> acesso viário e algunscondicionantes ambientais, como o relevo aci<strong>de</strong>nta<strong>do</strong> das serras e as áreas <strong>de</strong> matas (COSTA, 2006).3.3 Parque das MangabeirasArt. 1º ‐ Fica o Executivo autoriza<strong>do</strong> a realizar as obras necessárias à implantação <strong>do</strong> Parque dasMangabeiras, em terrenos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Município, situa<strong>do</strong>s na Serra <strong>do</strong> Curral.(...)isbn: 978-85-98261-08-9Art. 2º ‐ Fica o Prefeito autoriza<strong>do</strong> a urbanizar e lotear uma área <strong>de</strong> terrenos, com aproximadamente397.000,00 m2 (trezentos e noventa e sete mil metros quadra<strong>do</strong>s) <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Município, situadaentre o "Bairro das Mangabeiras” e gleba <strong>de</strong>stinada à implantação <strong>do</strong> "Parque das Mangabeiras". (LeiMunicipal nº 2.403, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1974)Em mea<strong>do</strong>s da década <strong>de</strong> 1970, como parte da referida estratégia <strong>de</strong> expansão <strong>do</strong> teci<strong>do</strong>urbano belo‐horizontino no senti<strong>do</strong> sul, a prefeitura da capital empreen<strong>de</strong>u um gran<strong>de</strong> projeto<strong>de</strong> urbanização na Serra <strong>do</strong> Curral, combinan<strong>do</strong> a instalação <strong>do</strong> Parque das Mangabeiras –cria<strong>do</strong> por um <strong>de</strong>creto‐lei em 1969, mas não implanta<strong>do</strong> até então – com o loteamento <strong>do</strong>sterrenos públicos em suas imediações. Assim, os loteamentos, volta<strong>do</strong>s para camadas <strong>de</strong> altarenda da socieda<strong>de</strong> belo‐horizontina, se valeriam da infraestrutura <strong>de</strong> acesso ao parque e, aomesmo tempo, custeariam as obras e equipamentos necessários à implantação da reserva(BATISTA, 2004).A Figura 1 situa o Parque das Mangabeiras com relação ao Parque Municipal e ao Tombamentoda Serra <strong>do</strong> Curral, sobre uma imagem <strong>de</strong> satélite atual.19


Figura 1: Parque Municipal, Tombamento da Serra <strong>do</strong> Curral e Parque das Mangabeirasprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Diferentemente <strong>do</strong> Parque Municipal, a concepção <strong>de</strong> parque que orientou a criação <strong>do</strong> dasMangabeiras, em 1969, estava relacionada à preservação <strong>de</strong> atributos excepcionais da natureza, bemcomo à proteção da fauna e da flora, e à utilização com fins educacionais, científicos e recreativos,conforme consolidara o Novo Código Florestal, <strong>de</strong> 1965, que reviu o Código <strong>de</strong> 1934. As categorias <strong>de</strong>áreas protegidas <strong>de</strong>finidas pelo código – parque nacional, reserva biológica e floresta nacional –,expressaram a concentrada tutela <strong>do</strong>s recursos naturais pelo Esta<strong>do</strong>, que selecionava as áreas a seremprotegidas e as <strong>de</strong>sapropriava, além <strong>de</strong> funcionarem como resposta/contenção aos/<strong>do</strong>s ânimos <strong>do</strong>snaturalistas, que viriam a constituir o movimento ecologista no país (GONÇALVES, 2006).Porém, no caso <strong>do</strong> Parque das Mangabeiras, ao longo da década <strong>de</strong> 1970, a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>proteção da natureza se tornou secundária à recreativa. Com a criação da Empresa Municipal<strong>de</strong> Turismo <strong>de</strong> Belo Horizonte – Belotur –, o projeto <strong>do</strong> parque foi altera<strong>do</strong> para constituir umgran<strong>de</strong> empreendimento turístico, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> equipamentos como: conjunto alpino (teleféricoe tobogã), restaurante, pistas <strong>de</strong> patinação, minifazenda, áreas para quadras e parques infantis(BATISTA, 2004).E, embora o discurso oficial fosse <strong>de</strong> que o parque aten<strong>de</strong>ria a toda população da capital, oscustos pertinentes a sua utilização, como o pagamento <strong>de</strong> ingressos, os custos com alugueis <strong>de</strong>equipamentos <strong>de</strong> lazer, além das dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso – a exemplo da localização <strong>de</strong> suaportaria, no Bairro Mangabeiras –, restringiriam seu uso às elites 8 . O parque foi inaugura<strong>do</strong> em1982, atrain<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas e eventos, embora a maior parte das obras eativida<strong>de</strong>s planejadas não tivesse si<strong>do</strong> implementada – já que seu projeto previa quemelhoramentos seriam financia<strong>do</strong>s com os lucros advin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> próprio parque (Ibid.).20


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Esses melhoramentos, que incluíam a implantação <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s equipamentos, nunca seefetivaram, pois, além <strong>de</strong> se mostrarem superdimensiona<strong>do</strong>s, revelaram‐se incompatíveiscom as novas posturas <strong>de</strong> proteção da natureza esperadas <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público. Isso porque,na década <strong>de</strong> 1990, já se discutia a criação <strong>do</strong> Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Conservação da Natureza – Snuc 9 –, que distinguia as categorias que <strong>de</strong>veriam primarpela proteção da biodiversida<strong>de</strong>, com usos rigidamente controla<strong>do</strong>s, como os parques,daquelas on<strong>de</strong> quais po<strong>de</strong>ria haver uso extensivo das áreas, como as Áreas <strong>de</strong> ProteçãoAmbiental – APAs.A categoria APA, instituída oficialmente em 1981 a partir da influência <strong>do</strong>s parquesnaturais portugueses, teve como principal diferencial a permissão da manutenção daproprieda<strong>de</strong> privada da terra e das ativida<strong>de</strong>s econômicas, que <strong>de</strong>veriam ser pactuadas<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a assegurar funções ecológicas como a conectivida<strong>de</strong> e o amortecimento. Essascaracterísticas levaram à escolha da categoria por um conjunto <strong>de</strong> associações <strong>de</strong>mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> con<strong>do</strong>mínios <strong>de</strong> Nova Lima e Brumadinho, que no final da década <strong>de</strong> 1980e início da <strong>de</strong> 1990, propôs ao po<strong>de</strong>r público a criação <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservaçãopara tentar conter o avanço da mineração na região.3.4 APA Sul da RMBH“Era uma proposta que (...) ia causar um certo alvoroço, porque pegava toda a área <strong>de</strong> mineração.(...) E realmente o IBRAM [Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Mineração] achou que aquilo seria um empecilhoàs ativida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras. Nesse momento, as várias associações <strong>de</strong> con<strong>do</strong>mínios se uniram paraabarcar a proposta que inicialmente era técnica e mais ampla. O processo ficou em <strong>de</strong>bate poraproximadamente <strong>do</strong>is anos” (Relato <strong>de</strong> uma técnica da Fundação Estadual <strong>de</strong> Meio Ambiente –Feam –, referin<strong>do</strong>‐se ao momento da criação da área protegida) 10 .Nos anos 1980, fatores como os gran<strong>de</strong>s projetos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimentista, aimplantação <strong>de</strong> uma complexa estrutura industrial no país, a recuperação <strong>do</strong>s preçosinternacionais <strong>do</strong> aço, a melhora das condições financeiras das si<strong>de</strong>rúrgicas, a saída <strong>de</strong>merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> importantes empresas internacionais, além <strong>de</strong> eventos que diminuíram aoferta <strong>do</strong> produto, culminaram num momento muito favorável à indústria <strong>do</strong> minério <strong>de</strong>ferro (FERREIRA, 2001). Ao sul da capital, no Quadrilátero Ferrífero, esse momentoprovocou a notável expansão da mineração, exemplificada a partir da produção daempresa Minerações Brasileiras Reunidas – MBR –, que, entre os anos <strong>de</strong> 1989 e 1999,cresceu 70% para aten<strong>de</strong>r ao merca<strong>do</strong> interno e 25% para a exportação 11 (PINHEIRO,2000 apud FREITAS, 2004, p. 59).Então, enquanto nos bairros situa<strong>do</strong>s nos limites entre Belo Horizonte e Nova Lima tinhainício o processo <strong>de</strong> verticalização, ao longo <strong>do</strong>s vales das Serras <strong>do</strong> Rola Moça e daMoeda principiava o processo <strong>de</strong> conversão <strong>do</strong>s sítios <strong>de</strong> recreio em residênciasprincipais, ocorren<strong>do</strong> também um importante aumento na produção <strong>de</strong> con<strong>do</strong>mínios, emespecial os com apelos relaciona<strong>do</strong>s ao “contato com a natureza”, à “qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida” eà fuga da metrópole. Entre o final <strong>do</strong>s anos 1980 e início <strong>do</strong>s 1990, preocupa<strong>do</strong>s com operceptível avanço da mineração – em especial com a ampliação das ativida<strong>de</strong>s da MBRno vale <strong>do</strong> Córrego Mutuca –, esses novos mora<strong>do</strong>res da região começaram a se articularpara reivindicar medidas normatiza<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> uso e da ocupação <strong>do</strong> solo.21


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)À época, representantes <strong>de</strong> nove con<strong>do</strong>mínios e <strong>do</strong>is clubes da região criaram aAssociação para Proteção Ambiental <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong> Mutuca – ProMutuca –, que participou<strong>de</strong> fóruns <strong>de</strong> discussão sobre temas ambientais da região, como o Conselho <strong>de</strong>Desenvolvimento Ambiental – Co<strong>de</strong>ma – <strong>de</strong> Nova Lima, ten<strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong>representações à Feam com relação a ativida<strong>de</strong>s da MBR (FREITAS, 2004). A entida<strong>de</strong>uniu forças com a Associação <strong>de</strong> Meio Ambiente <strong>de</strong> Macacos – AMA Macacos – e com oConselho Comunitário <strong>de</strong> São Sebastião das Águas Claras, que tentavam fazer frente àsativida<strong>de</strong>s impactantes das minera<strong>do</strong>ras, tais como o assoreamento e a poluição <strong>de</strong>cursos d´água.Desse conselho partiu a i<strong>de</strong>ia da criação <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação na região, quefoi protocolada junto à Feam em junho <strong>de</strong> 1991, na forma <strong>de</strong> requerimento solicitan<strong>do</strong>providências para <strong>de</strong>clarar como APA “a região <strong>de</strong>nominada Vale <strong>do</strong>s Macacos”. Ajustificativa <strong>do</strong> requerimento se baseava nos impactos causa<strong>do</strong>s pela extração mineralsobre a flora, os recursos hídricos e o solo, e na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conter a produção <strong>de</strong>loteamentos “<strong>de</strong>sconformes com as características da região e agressivos ao patrimônioque a integra” e o “turismo predatório e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>” (FEAM, 1992 apud FREITAS, 2004,p. 98‐99).Nos estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s pela Feam, concluiu‐se que a área requerida para a APA <strong>de</strong>veriaextrapolar o perímetro proposto pelos mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> São Sebastião das Águas Claras,protegen<strong>do</strong> o “cinturão” <strong>de</strong> vegetação ao sul da RMBH – daí a <strong>de</strong>nominação APA Sul. Emdiscussões posteriores, o perímetro da UC foi sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>talha<strong>do</strong>, com a participação dasassociações. Esses <strong>de</strong>bates se esten<strong>de</strong>ram por mais <strong>de</strong> <strong>do</strong>is anos, ocorren<strong>do</strong> gran<strong>de</strong>polêmica sobre a aprovação da UC sem zoneamento ecológico‐econômico – ZEE (FREITAS,2004).A APA Sul foi criada em junho <strong>de</strong> 1994, sem ZEE previamente aprova<strong>do</strong>, abrangen<strong>do</strong>165.000ha, em 17 municípios da região central <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>. Passa<strong>do</strong>s 18 anos <strong>de</strong> suacriação, a APA ainda não teve seu ZEE aprova<strong>do</strong>, o que tem se refleti<strong>do</strong> em novosprojetos <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação para a região (EUCLYDES, 2012).Ao longo <strong>de</strong>ssas duas décadas, permanecen<strong>do</strong> a intensa ação <strong>do</strong>s agentes imobiliários, oEixo Sul se consoli<strong>do</strong>u como uma área <strong>de</strong> valorização acentuada, on<strong>de</strong> o preço da terra, aescassez <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> expansão e a crescente busca pela moradia próxima a “amenida<strong>de</strong>sambientais” criam pressões sobre o padrão <strong>de</strong> ocupação existente no senti<strong>do</strong> dasegregação espacial (<strong>UFMG</strong>/PUCMINAS/UEMG, 2010).Ten<strong>do</strong> em vista essa valorização e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auferimento <strong>de</strong> rendas diferenciais e<strong>de</strong> monopólio em negociações imobiliárias envolven<strong>do</strong> essas glebas, algumasminera<strong>do</strong>ras incursionaram no setor, lançan<strong>do</strong>, no final <strong>do</strong>s anos 1990, <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>sempreendimentos – com área superior a 2.000.000m 2 , dimensão superior a toda áreaparcelada nos 19 loteamentos empreendi<strong>do</strong>s na década <strong>de</strong> 1960 (COSTA, 2006). Essasiniciativas, que ten<strong>de</strong>m a se tornar mais freqüentes, em <strong>de</strong>corrência da gran<strong>de</strong>concentração fundiária por parte <strong>de</strong>ssas empresas, têm si<strong>do</strong> apontadas como “a nova” oua “terceira safra” <strong>do</strong> ouro, numa referência ao novo momento <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> lucros porparte <strong>de</strong>ssas empresas a partir <strong>do</strong>s mesmos terrenos no Quadrilátero Ferrífero.isbn: 978-85-98261-08-922


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Nesse contexto teve origem o empreendimento imobiliário Vale <strong>do</strong>s Cristais que, àsemelhança <strong>do</strong> Con<strong>do</strong>mínio Alphaville Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses, lança<strong>do</strong> em 1998, configurouum novo conceito <strong>de</strong> loteamentos na RMBH, no qual são ocupadas áreas extensas, comusos varia<strong>do</strong>s – resi<strong>de</strong>ncial, comercial e <strong>de</strong> serviços – e tipologias arquitetônicas diversas.Nesse caso, a produção <strong>do</strong> espaço se baseou em discursos <strong>de</strong> segurança, combinação <strong>de</strong>trabalho e moradia e proteção ambiental, expressos na ocupação <strong>de</strong> menores proporçõesda gleba (COSTA; MENDONÇA, 2009).O Vale <strong>do</strong>s Cristais é resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma articulação entre a minera<strong>do</strong>ra AngloGold, proprietária <strong>do</strong>sterrenos, e a construtora O<strong>de</strong>brecht Engenharia e Construções, responsável pelo projetoarquitetônico‐urbanístico e pela venda das unida<strong>de</strong>s, remuneran<strong>do</strong> a minera<strong>do</strong>ra com um percentualdas vendas (FREITAS, 2004). O empreendimento, em implantação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>do</strong>s anos 2000, se<strong>de</strong>staca por ter incorpora<strong>do</strong> o discurso ambientalista como elemento estrutura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> projeto, queprevê a constituição <strong>de</strong> uma Reserva Particular <strong>do</strong> Patrimônio Natural em seu interior.3.5 RPPN Vale <strong>do</strong>s Cristaisisbn: 978-85-98261-08-9uma proposta “para respon<strong>de</strong>r a diferentes <strong>de</strong>mandas e aspectos que dizem respeito ao empreendimento comoum to<strong>do</strong>, com <strong>de</strong>staque para a questão da sustentabilida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s benefícios ambientais, paisagísticos e comerciaisgera<strong>do</strong>s pela preservação <strong>de</strong> uma parcela significativa da proprieda<strong>de</strong>” (Relatório <strong>de</strong> Impacto Ambiental – Rima –<strong>do</strong> empreendimento Vale <strong>do</strong>s Cristais, 2002)A década <strong>de</strong> 1990 foi marcada pela disseminação da máxima <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável 12 , quepermitiu a incorporação <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate ecológico por Esta<strong>do</strong>s e empresas e a <strong>de</strong>spolitização <strong>do</strong> tema,caracterizan<strong>do</strong> o que Martin O´Connor (1993 apud ESCOBAR, 1996) caracterizou como a faseecológica <strong>do</strong> capitalismo 13 . O perío<strong>do</strong> coinci<strong>de</strong> com a re<strong>de</strong>mocratização brasileira – e com a elevaçãoda proteção ambiental a obrigação constitucional –, com a transição neoliberal <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e com os<strong>de</strong>bates sobre o Snuc no âmbito <strong>do</strong> Congresso Nacional. Antes da aprovação <strong>do</strong> sistema, contu<strong>do</strong>, foiinstituída a categoria RPPN, que representou o avanço <strong>de</strong> permitir e estimular a criação voluntária <strong>de</strong>áreas protegidas pela socieda<strong>de</strong> (MEDEIROS, 2006).As RPPNs são áreas privadas, gravadas com perpetuida<strong>de</strong> para fins <strong>de</strong> conservação da diversida<strong>de</strong>biológica. No interior das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa categoria só po<strong>de</strong>m se realizar pesquisas científicas evisitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais, conforme previsão no termo <strong>de</strong>compromisso e no plano <strong>de</strong> manejo.A instituição <strong>de</strong> uma RPPN traz alguns benefícios ao proprietário, <strong>de</strong>ntre os quais se <strong>de</strong>stacam aexclusão da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação da área tributável <strong>do</strong> imóvel para fins <strong>de</strong> cálculo <strong>do</strong> Impostosobre a Proprieda<strong>de</strong> Territorial Rural – ITR –, a priorida<strong>de</strong> em programas fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> crédito rural –para RPPNs maiores que 50% da área <strong>de</strong> reserva legal exigida por lei, com plano <strong>de</strong> manejo aprova<strong>do</strong>–, e as restrições à <strong>de</strong>sapropriação para fins <strong>de</strong> reforma agrária, da<strong>do</strong> que a proteção ambientalconstitui função social da proprieda<strong>de</strong> (BRASIL, 2006). Além disso, as RPPNs têm si<strong>do</strong> utilizadas comoinstrumentos <strong>de</strong> marketing por empresas que buscam se fortalecer no merca<strong>do</strong> “ver<strong>de</strong>”, expressan<strong>do</strong>“responsabilida<strong>de</strong> ambiental” em suas ativida<strong>de</strong>s.A RPPN Vale <strong>do</strong>s Cristais integra o empreendimento – que, originalmente 14 , abrangia 587,5ha –composto por conjuntos <strong>de</strong> con<strong>do</strong>mínios, prédios, lotes, centro empresarial e área <strong>de</strong> comércio eserviços, projeta<strong>do</strong>s para conferir certa autossuficiência ao conjunto, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que os mora<strong>do</strong>respu<strong>de</strong>ssem realizar trabalho e consumo no interior <strong>do</strong> empreendimento.23


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)No Rima <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong>s Cristais, apresenta<strong>do</strong> para fins <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> licença ambiental, a RPPNé apresentada como medida para aten<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas referentes à “questão dasustentabilida<strong>de</strong>”, além <strong>de</strong> proporcionar “benefícios ambientais, paisagísticos e comerciais”.Assim, a “preservação da RPPN e das <strong>de</strong>mais áreas <strong>de</strong> APP [áreas <strong>de</strong> preservação permanente,previstas pelo Código Florestal Brasileiro] é a garantia <strong>de</strong> se gerar um espaço <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, noqual é a convivência entre as áreas loteadas e estas <strong>de</strong> preservação que constitui o gran<strong>de</strong>diferencial <strong>de</strong>ste projeto” (SETE/ODEBRECHT, 2002, p. 40‐41).Além disso, na seção <strong>do</strong> Rima pertinente à avaliação <strong>do</strong>s impactos ambientais, a RPPN éproposta como medida <strong>de</strong> controle e/ou compensação <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> <strong>do</strong>s seguintes impactosambientais: alteração da paisagem, redução <strong>de</strong> habitats levan<strong>do</strong> a fuga e/ou perda <strong>de</strong>indivíduos da fauna <strong>do</strong>s biótopos capoeira e capoeirinha, perda <strong>de</strong> indivíduos da flora <strong>do</strong>bioma capoeira, interrupção <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r florestal com isolamento <strong>de</strong> algumas populações <strong>de</strong>fauna na área <strong>do</strong> aterro‐dique, caça e coletas predatórias em função <strong>do</strong> aumento da pressãoantrópica, e fuga e/ou perda <strong>de</strong> indivíduos da fauna em função da maior presença humana naárea (Ibid., p. 62‐63).Assim, a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação é apresentada como atributo diferencial <strong>do</strong> Vale <strong>do</strong>s Cristais –que repercutiria em benefícios à paisagem, à natureza e às vendas das unida<strong>de</strong>s –, além <strong>de</strong>operar antecipan<strong>do</strong> a compensação ambiental <strong>do</strong>s impactos <strong>do</strong> empreendimento, que seria<strong>de</strong>finida pelo po<strong>de</strong>r público após a análise <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos <strong>de</strong>manda<strong>do</strong>s para a concessão dalicença ambiental.O empreendimento Vale <strong>do</strong>s Cristais foi, <strong>de</strong> certa maneira, pioneiro na incorporação dasáreas protegidas como diferenciais imobiliários no Eixo Sul. Des<strong>de</strong> a divulgação <strong>de</strong> seuprojeto, contu<strong>do</strong>, esse tipo <strong>de</strong> estratégia se expandiu sensivelmente. É possível dizer quea RPPN Vale <strong>do</strong>s Cristais representa o momento atual <strong>do</strong>s <strong>de</strong>bates internacionais, em queo discurso ambientalista é utiliza<strong>do</strong> por diferentes atores, com propósitos inclusivedivergentes. Esse momento é <strong>de</strong>scrito com precisão por Laurent Thévenot e Clau<strong>de</strong>tteLafaye (1993 apud ACSELRAD, 2004, p. 19): “ao contrário <strong>de</strong> uma causa universalecológica que se manifestaria através <strong>de</strong> atores particulares, como sugere comfrequência o <strong>de</strong>bate corrente, observa‐se uma busca pela universalização <strong>de</strong> causasparcelares através <strong>de</strong> valores [ecológicos] compartilháveis que tornam os atosjustificáveis”.Nessa perspectiva, a conservação da natureza tem se torna<strong>do</strong> objetivo secundário <strong>de</strong>algumas áreas protegidas, que po<strong>de</strong>m ter por finalida<strong>de</strong> maior a constituição <strong>de</strong>atributos capazes <strong>de</strong> agregar valor ao empreendimento imediatamente. Tratar‐se‐ia daprodução da natureza, ou, nos termos <strong>de</strong> Lefebvre (1991), da produção <strong>de</strong> “substitutosmedíocres da natureza” – já que tais UCs constituem fragmentos exíguos <strong>de</strong> áreas nãoconstruídas, representantes simbólicos da natureza <strong>de</strong>struída para dar lugar aosempreendimentos.Esses objetivos diversos, encobertos por discursos ambientalistas e áreas protegidas, têmse dissemina<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> possível i<strong>de</strong>ntificar um exemplo recente na proposta <strong>de</strong> criação <strong>do</strong>Parque Águas Claras, situa<strong>do</strong> entre Belo Horizonte e Nova Lima.isbn: 978-85-98261-08-924


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)3.6 Proposta <strong>de</strong> criação <strong>do</strong> Parque Águas Claras (Parque José Alencar Gomes da Silva)“... o objetivo é oferecer um espaço <strong>de</strong> convívio entre os mora<strong>do</strong>res, garantir mais qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida e frear o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> Nova Lima naquele local” (Texto extraí<strong>do</strong> <strong>de</strong> matéria <strong>do</strong> JornalBelve<strong>de</strong>re & Con<strong>do</strong>mínios <strong>de</strong> Nova Lima).Segun<strong>do</strong> a reportagem <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2011, uma proposta da Prefeitura <strong>de</strong> BeloHorizonte <strong>de</strong> transformar o ramal ferroviário da mina <strong>de</strong>sativada <strong>de</strong> Águas Claras (NovaLima) em rota <strong>de</strong> Veículo Leve sobre Trilhos – VLT –, ligan<strong>do</strong> o Bairro Belve<strong>de</strong>re à região<strong>do</strong> Barreiro, teria <strong>de</strong>sagrada<strong>do</strong> mora<strong>do</strong>res da zona sul da capital. Como reação àproposta, a Associação <strong>do</strong>s Amigos <strong>do</strong> Bairro Belve<strong>de</strong>re – AABB – e a Frente <strong>de</strong>Associações <strong>de</strong> Con<strong>do</strong>mínios <strong>do</strong> Vetor Sul teriam se mobiliza<strong>do</strong> para criar “um espaço <strong>de</strong>convívio entre os mora<strong>do</strong>res, garantir mais qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e frear o <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> Nova Lima naquele local”, por meio da criação <strong>do</strong> “Parque Águas Claras” ou daincorporação da área à Estação Ecológica <strong>do</strong> Cercadinho (PARQUE ÁGUAS CLARAS...,2011).Para o presi<strong>de</strong>nte da AABB, a utilização <strong>do</strong> ramal com fins <strong>de</strong> transporte, “com aconstrução <strong>de</strong> mais lojas comerciais e mais a<strong>de</strong>nsamento para a região preocupa osmora<strong>do</strong>res”, o que po<strong>de</strong>ria ser evita<strong>do</strong> com a institucionalização da proteção ambientalda área – teoricamente impeditiva aos usos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s “preocupantes”. Tambémrejeitan<strong>do</strong> a proposta da prefeitura, o presi<strong>de</strong>nte da Frente <strong>de</strong> Associações <strong>de</strong>Con<strong>do</strong>mínios <strong>do</strong> Vetor Sul argumenta que não haveria <strong>de</strong>manda por transporte <strong>de</strong> massaentre Belve<strong>de</strong>re e Barreiro, além <strong>do</strong> que a implantação <strong>do</strong> VLT não solucionaria oprincipal problema <strong>do</strong> trânsito da região: a ligação entre Nova Lima e a capital.Destacam‐se, em falas como essas, o para<strong>do</strong>xo das posturas <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s pleiteiam acriação <strong>de</strong> uma área <strong>de</strong> proteção ambiental – que, se imaginaria, relacionada apreocupações ambientais –, ao mesmo tempo em que rejeitam o transporte público emprol <strong>do</strong> particular, que, além <strong>de</strong> contribuir para a emissão <strong>de</strong> poluentes, provoca otrânsito tão questiona<strong>do</strong>.Apoian<strong>do</strong> a <strong>de</strong>manda <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res da zona sul, em agosto <strong>de</strong> 2011, foi apresenta<strong>do</strong> àALMG o Projeto <strong>de</strong> Lei nº 2.290, requeren<strong>do</strong> a criação <strong>do</strong> Parque Estadual José AlencarGomes da Silva, no referi<strong>do</strong> trecho <strong>do</strong> ramal ferroviário. Conforme o projeto, o parqueteria por finalida<strong>de</strong> a proteção à biodiversida<strong>de</strong> e a conservação da “paisagem natural,sua fauna e flora, como elementos promotores <strong>do</strong> ecoturismo e da recreação em contatocom a natureza” (MINAS GERAIS, 2011). Contu<strong>do</strong>, há que se questionar a instituição <strong>de</strong>um parque estadual, e não uma praça ou parque municipal, em uma área tão limitada,confinada entre loteamentos numa região <strong>de</strong>nsamente ocupada <strong>do</strong> Eixo Sul.Observa‐se, no caso <strong>de</strong>sse parque, o <strong>de</strong>libera<strong>do</strong> uso das áreas protegidas com finsdiversos da proteção ambiental. Mais que isso, nota‐se como a conservação da naturezaé utilizada como argumento <strong>de</strong> medidas que acentuam a segregação socioespacial <strong>do</strong>Eixo Sul, a exemplo <strong>do</strong> que verificou Eliano Freitas (2004) com relação à APA Sul.isbn: 978-85-98261-08-925


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: PALIMPSESTO DE REPRESENTAÇÕES DE ÁREAS PROTEGIDASisbn: 978-85-98261-08-9A partir da reflexão sobre esses espaços não‐construí<strong>do</strong>s, ou <strong>de</strong> uso restrito, verifica‐se que,em nossa socieda<strong>de</strong>, apesar da forte presença <strong>do</strong> imaginário que concebe as áreas protegidascomo redutos <strong>de</strong> uma natureza‐original a serem manti<strong>do</strong>s “intoca<strong>do</strong>s” com relação àsdinâmicas produtivas <strong>de</strong> seu entorno, essas áreas vêm se constituin<strong>do</strong> como “protocolos <strong>de</strong>intenções” <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> paisagens e recursos, instrumentos localiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> planejamentocom objetivos <strong>de</strong> assegurar <strong>de</strong>terminada conformação <strong>do</strong> espaço urbano 15 . Assim, os conceitos<strong>de</strong> áreas protegidas e espaço urbano se reaproximam – como em suas origens inglesas –,revelan<strong>do</strong> a manutenção intencional <strong>de</strong> certos espaços com aspectos naturais originais comoparte integrante <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaço urbano.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o momento histórico em que cada uma das áreas citadas foi instituída, eobservan<strong>do</strong>, nas figuras apresentadas, a situação <strong>de</strong>ssas áreas no espaço urbano da capital e <strong>de</strong>sua região metropolitana, verifica‐se que esse conjunto <strong>de</strong> áreas protegidas vem sen<strong>do</strong>constituí<strong>do</strong> – por meio <strong>de</strong> ampliações, supressões, sobreposições e substituições – <strong>de</strong>s<strong>de</strong> acriação da capital mineira, e, <strong>de</strong> forma mais pronunciada, ao longo das últimas décadas.A Figura 2 situa as áreas protegidas a que se refere a seção 3. Entre outras coisas, ela permiteobservar a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sproporção entre a UC e as áreas protegidas criadas até então.Figura 2: Conjunto das áreas protegidas a que se refere a Seção 3.26A dinâmica espacial da criação <strong>de</strong>ssas áreas remete à reflexão <strong>de</strong> Milton Santos (1996) sobre acomposição da paisagem:


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9A paisagem não se cria <strong>de</strong> uma só vez, mas por acréscimos, substituições; a lógica pela qual se fez umobjeto no passa<strong>do</strong> era a lógica da produção daquele momento. Uma paisagem é uma escrita sobre aoutra, é um conjunto <strong>de</strong> objetos que têm ida<strong>de</strong>s diferentes, é uma herança <strong>de</strong> muitos diferentesmomentos (SANTOS, 1996, p. 66).O autor compara a paisagem a um palimpsesto – um manuscrito cuja grafia foi removida paradar lugar a novo texto, conservan<strong>do</strong> marcas da escrita passada –, explicitan<strong>do</strong> que a leitura<strong>de</strong>ssa paisagem <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar as condições políticas, econômicas e culturais da socieda<strong>de</strong>que a produz(iu). Nessa perspectiva, sopesan<strong>do</strong> as sucessivas medidas que criam, sobrepõem,ignoram e valorizam as áreas protegidas da região, faz‐se pertinente a utilização da metáfora<strong>do</strong> palimpsesto para pensar esse conjunto <strong>de</strong> áreas protegidas 16 , como se propõe a seguir.Enquanto a criação e o <strong>de</strong>senho original <strong>do</strong> Parque Municipal <strong>de</strong> Belo Horizonte refletem aintenção das elites políticas mineiras <strong>de</strong> constituir uma capital própria <strong>do</strong>s novos temposrepublicanos – a “síntese entre Paris e Washington, Haussmann e L´Enfant (LEMOS, 1988 apudMONTE‐MÓR, 1994) –, suas transformações ao longo <strong>do</strong> século constituem expressões <strong>de</strong>diferentes momentos da história belo‐horizontina. Nos primeiros anos <strong>de</strong> vida da nova capital,a área foi se<strong>de</strong> <strong>de</strong> importantes eventos e <strong>do</strong> lazer das elites, e, ao mesmo tempo, fragmentadapara receber novos prédios públicos; quan<strong>do</strong> Belo Horizonte fortaleceu suas ligações viáriascom as periferias e os municípios vizinhos, seu público foi altera<strong>do</strong> e benfeitorias foramrealizadas; mas, quan<strong>do</strong> a industrialização e o milagre econômico fizeram explodir o espaçourbano, a área se afastou das priorida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público, que voltou suas atenções para apaisagem das periferias.O mesmo afastamento das áreas protegidas das priorida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público se expressa nohistórico <strong>do</strong> tombamento fe<strong>de</strong>ral da Serra <strong>do</strong> Curral, que não representou mais que um título<strong>de</strong> reconhecimento da importância da serra na paisagem da capital – embora sinalize algumapreocupação pública, ainda que apenas na esfera fe<strong>de</strong>ral, com a permanência <strong>de</strong>ssa paisagem,que se alterava com o avanço <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> urbano em direção às periferias, nas décadas <strong>de</strong> 1960 e1970. O entendimento <strong>de</strong> que o tombamento tenha correspondi<strong>do</strong> apenas a um título sefortalece com a criação <strong>do</strong> Parque das Mangabeiras, conti<strong>do</strong> na área tombada. Isso porque, seo tombamento fosse suficiente para preservar a paisagem – e seu conteú<strong>do</strong> –, a criação <strong>do</strong>parque, com essa finalida<strong>de</strong>, não se faria necessária.As décadas <strong>de</strong> 1980 e 1990 foram <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s transformações na capital, como no país e emto<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> capitalista. Os reflexos da “crise <strong>do</strong> petróleo”, a difusão <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> mínimoneoliberal, a queda <strong>de</strong> barreiras econômicas internacionais, o fim <strong>do</strong> regime militar e are<strong>de</strong>mocratização alteraram não só o mo<strong>do</strong> como a população se relacionava com o Esta<strong>do</strong>,mas também o comportamento das gran<strong>de</strong>s empresas <strong>do</strong> setor primário brasileiro. No Eixo Sulda RMBH, enquanto a mineração se expandia por to<strong>do</strong> o Quadrilátero Ferrífero, inclusive nadireção da zona sul da capital, os loteamentos populares e <strong>de</strong> alto padrão avançavam nosenti<strong>do</strong> sul, acercan<strong>do</strong>‐se <strong>do</strong>s sítios <strong>de</strong> recreio <strong>de</strong> Brumadinho e Nova Lima, que vinham seconverten<strong>do</strong> em residências principais.Desses choques <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> uso e apropriação <strong>do</strong> solo – que compreen<strong>de</strong>m o receio <strong>de</strong> que oabastecimento <strong>de</strong> água da capital pu<strong>de</strong>sse se comprometi<strong>do</strong>, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> preservação danatureza e das belas paisagens da região, e as estratégias <strong>de</strong> controle <strong>do</strong>s loteamentospopulares na zona nobre – são registros as vinte áreas protegidas criadas nesse perío<strong>do</strong> na27


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9região. Entre elas se <strong>de</strong>stacam sete áreas <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> mananciais, o Parque Estadual daBaleia, o Parque Estadual da Serra <strong>do</strong> Rola Moça e a APA Sul. Repetin<strong>do</strong> a sobreposição <strong>de</strong> áreaprotegidas da Serra <strong>do</strong> Curral, as novas UCs foram criadas umas sobre as outras.Essa dinâmica permaneceu ao longo <strong>do</strong>s anos 2000, quan<strong>do</strong> a temática ambiental já seconsolidara nos discursos e ações <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e <strong>de</strong> empresas e a mineração no QuadriláteroFerrífero alcançava dimensões nunca antes registradas – o que se exemplifica com o notávelcrescimento da minera<strong>do</strong>ra Vale que, privatizada, incorporava empresas como a MBR ecaminhava rumo ao seleto grupo das 40 maiores companhias <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Nesse perío<strong>do</strong>, emque já se podia contar com o novo leque <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> áreas protegidas instituí<strong>do</strong> peloSnuc, e no qual a APA Sul completava seu primeiro <strong>de</strong>cênio sem interferir expressivamente nocontrole <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> solo, tiveram <strong>de</strong>staque as RPPNs – em especial, as pertencentes aminera<strong>do</strong>ras – e as UCs <strong>de</strong> proteção integral nos municípios mais afeta<strong>do</strong>s pela mineração.Essas áreas foram criadas, notadamente, na forma <strong>de</strong> sobreposições e justaposições.A Figura 3, que apresenta o palimpsesto regional, agrupan<strong>do</strong> as áreas conforme a década emque foram criadas, permite observar as tendências <strong>de</strong> localização <strong>de</strong>ssas áreas protegidas, além<strong>de</strong> revelar o progressivo aumento <strong>de</strong> suas dimensões. A figura não representa o ParqueMunicipal <strong>de</strong> Belo Horizonte, por não se tratar <strong>de</strong> área voltada para a proteção ambiental, nemas RPPNs, por falta <strong>de</strong> informações precisas sobre essas áreas particulares.Nessa ilustração, explicitam‐se as justaposições e sobreposições <strong>de</strong> UCs na região, haven<strong>do</strong>pontos em que se po<strong>de</strong> contar até quatro “camadas 17 ” <strong>de</strong> áreas protegidas – entre asreconhecidas como existentes e as consi<strong>de</strong>radas revogadas –, o que ratifica a perspectiva <strong>do</strong>palimpsesto urbano. A representação permite i<strong>de</strong>ntificar também a repetição <strong>do</strong> padrãocentro‐periferia da expansão metropolitana no avanço das UCs nos senti<strong>do</strong>s sul, sobre a Serrada Moeda, e oeste, sobre a Serra <strong>do</strong> Rola Moça, ao longo da Serra <strong>do</strong>s Três Irmãos.28


Figura 3 – A criação <strong>de</strong> áreas protegidas no Eixo Sul, por década.programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-929Sobre esse avanço, cumpre notar que essas são justamente as paisagens montanhosas maisprocuradas por empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>res imobiliários na RMBH, on<strong>de</strong> se tem verifica<strong>do</strong> expressivavalorização <strong>do</strong>s imóveis, mas também importantes reservas minerais <strong>do</strong> Quadrilátero Ferrífero.Ten<strong>do</strong> isso em conta, e consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que as motivações que levaram à criação <strong>de</strong> UCs no EixoSul têm por característica a proposta <strong>de</strong> controle <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> solo no que se refere aempreendimentos minerários e loteamentos populares, essas áreas protegidas po<strong>de</strong>m serinterpretadas como indica<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s conflitos entre esses diferentes tipos <strong>de</strong> uso. Nessamedida, avalian<strong>do</strong> os tempos a que se referem e suas crescentes dimensões, po<strong>de</strong>‐se


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)apreen<strong>de</strong>r que, ao longo <strong>do</strong>s últimos 30 anos, tais conflitos têm afeta<strong>do</strong> áreas cada vezmaiores. Desse mo<strong>do</strong>, se persiste a tendência, cabe inferir que, em pouco tempo, toda a RMBHserá cenário <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong> uso relaciona<strong>do</strong>s à proteção ambiental ou justifica<strong>do</strong>s sob oargumento ambientalista.Diante <strong>do</strong> exposto, confirma‐se a pertinência da reflexão sobre as áreas protegidas enquantoexpressões históricas da produção <strong>do</strong> espaço metropolitano, seja na forma <strong>de</strong> registros nãoconstruí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias e políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas épocas, seja na forma <strong>de</strong> representações<strong>do</strong> espaço protegi<strong>do</strong> necessárias à reprodução da valorização <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias (minerais,imobiliárias...) e da segregação socioespacial.isbn: 978-85-98261-08-95 REFERÊNCIASACSELRAD, Henri. As práticas espaciais e o campo <strong>do</strong>s conflitos ambientais. In: ACSELRAD, Henri (Org.). Conflitosambientais no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Relume Dumará, 2004, p. 13‐35.ALMG – ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Notas Taquigráficas da 4ª Reunião Ordinária daComissão Especial das Serras da Calçada e da Moeda [18/11/2008]. Belo Horizonte: ALMG, 2008.BARROS, José M. Cultura e comunicação nas avenidas <strong>de</strong> contorno em Belo Horizonte e La Plata. Belo Horizonte: Ed.PUC Minas, 2005.BATISTA, Cláuzia P. Transformações e permanências na paisagem da Serra <strong>do</strong> Curral. 2004. Dissertação (Mestra<strong>do</strong>) –Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais, Programa <strong>de</strong> Pós‐Graduação em Geografia, Belo Horizonte.BERMAN, Marshall. Tu<strong>do</strong> o que é sóli<strong>do</strong> <strong>de</strong>smancha no ar: a aventura da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. 7 reimp. São Paulo:Companhia das Letras, [1982] 1989.BRASIL. Lei nº 9.985, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> jul. 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,institui o Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial daUnião, Brasília, 19 jul. 2000.BRASIL. Decreto nº 5.746, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2006. Regulamenta o art. 21 da Lei no 9.985, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2000, quedispõe sobre o Sistema Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação da Natureza. Diário Oficial da União, Brasília, 6abr. 2006.CAMARGOS, Regina. Homem, natureza e sensibilida<strong>de</strong>s ambientais: as concepções <strong>de</strong> áreas naturais protegidas.2006. Tese (Doutora<strong>do</strong>) – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Rural <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, Programa <strong>de</strong> Pós‐Graduação <strong>de</strong> CiênciasSociais em Desenvolvimento, Agricultura e Socieda<strong>de</strong>, Rio <strong>de</strong> Janeiro.CAPARAÓ E PATRIMAR <strong>de</strong>senvolvem empreendimento que traz benefícios e soluções para o crescimento urbanoplaneja<strong>do</strong>. 2011. (Material recebi<strong>do</strong> por correspondência pessoal).COSTA, Heloisa S.M. Habitação e produção <strong>do</strong> espaço em Belo Horizonte. In: MONTE‐MÓR, Roberto L.M. (Coord.).Belo Horizonte: espaços e tempos em construção. Belo Horizonte: Ce<strong>de</strong>plar/PBH, 1994, p. 51‐77.COSTA, Heloisa S.M. Merca<strong>do</strong> imobiliários, Esta<strong>do</strong> e natureza na produção <strong>do</strong> espaço metropolitano. In: COSTA,Heloisa S.M. (Org.). Novas Periferias Metropolitanas: A expansão metropolitana em Belo Horizonte – dinâmica eespecificida<strong>de</strong>s no Eixo Sul. Belo Horizonte: Ed. C/Arte, 2006, p. 101‐124.COSTA, Heloisa; MENDONÇA, Jupira. Novida<strong>de</strong>s e permanências na dinâmica imobiliária metropolitana: um olhar apartir <strong>de</strong> Belo Horizonte. In: ENCONTRO DE GEÓGRAFOS DA AMÉRICA LATINA, 12, 2009, Montevidéu, Uruguai.Anais... Montevidéu: Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> la Republica, 2009. Disponível em:. Acesso em: 20 ago. 2011.CVRD – COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. Parque Municipal: crônica <strong>de</strong> um século. Belo Horizonte: CVRD, 1992.129p.30


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programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9constituía a mais simbólica representação <strong>de</strong> sua introdução à civilização. A transformação <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>ário, que levariaà convivência entre as antigas sensibilida<strong>de</strong>s e as novas percepções relacionadas à valorização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> selvagem,teve início no século XIX.4 Na virada <strong>do</strong> século XX, entre os paisagistas europeus, o geométrico jardim francês perdia espaço para o jardimromântico inglês, que intervinha na natureza, removen<strong>do</strong> seus “aspectos <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s”. Nos termos <strong>do</strong> importantepaisagista francês Jules Vacheront: “Um jardim romântico é uma obra <strong>de</strong> arte lançada na própria natureza, não aoacaso caprichoso <strong>de</strong> exemplos que esta coloca sob nossos olhos, mas com discernimento e seguin<strong>do</strong> regras” (CVRD,1992, p. 19).5 Dizia‐se que a estrutura não possuía atributos que lhe conferissem acústica satisfatória e que sua posição, voltadapara a área hospitalar, comprometia sua utilização (CVRD, 1992, p.96).6 A Ferrobel atuou na área que viria a constituir o Parque das Mangabeiras ao longo das décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970,ten<strong>do</strong> suas ativida<strong>de</strong>s encerradas antes da abertura da área ao público. A minera<strong>do</strong>ra ocupava os locais on<strong>de</strong>atualmente se situam o estacionamento Sul e as Praças <strong>do</strong> Brita<strong>do</strong>r e das Águas (HISTÓRICO..., 2011).7 Contu<strong>do</strong>, esses marcos não abarcaram a escarpa sul da serra, situada em Nova Lima, atrás <strong>do</strong> que viria a ser oParque das Mangabeiras. Assim, permitiu‐se a exploração mineral em parte da serra, o que, em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos1980, veio a implicar no rebaixamento <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 100 metros da crista original, <strong>de</strong>scaracterizan<strong>do</strong> a paisagem – elevan<strong>do</strong> à perda <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s marcos <strong>do</strong> tombamento, em função <strong>de</strong> <strong>de</strong>smoronamentos (BATISTA, 2004, p.138).8 É preciso <strong>de</strong>stacar, além disso, que corria entre os belo‐horizontinos a notícia <strong>de</strong> que uma das funções <strong>do</strong> parqueseria fortalecer as fronteiras entre o Bairro Mangabeiras e a Vila Cafezal.9 A lei <strong>do</strong> Snuc <strong>de</strong>finiu 12 categorias <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação ‐ UCs –, divididas em <strong>do</strong>is grupos: o <strong>de</strong> proteçãointegral e o <strong>de</strong> uso sustentável. Nas UCs das categorias <strong>de</strong> proteção integral <strong>de</strong>vem pre<strong>do</strong>minar os usos indiretos,como a pesquisa científica e a visitação controlada, não sen<strong>do</strong> admiti<strong>do</strong>s “consumo, coleta, dano ou <strong>de</strong>struição <strong>do</strong>srecursos naturais” (BRASIL, 2000, art. 2º). As categorias <strong>de</strong> proteção integral são parque, estação ecológica e reservabiológica, cujos terrenos <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong> posse e <strong>do</strong>mínio públicos, e monumento natural e refúgio da vida silvestre,que po<strong>de</strong>riam manter áreas particulares, “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja possível compatibilizar os objetivos da unida<strong>de</strong> com autilização da terra e <strong>do</strong>s recursos naturais <strong>do</strong> local pelos proprietários” (Ibid., art. 12). Já nas UCs das categorias <strong>de</strong>uso sustentável, a exploração <strong>do</strong>s recursos é permitida, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que observada a premissa da garantia da “perenida<strong>de</strong><strong>do</strong>s recursos ambientais renováveis e <strong>do</strong>s processos ecológicos, manten<strong>do</strong> a biodiversida<strong>de</strong> e os <strong>de</strong>mais atributosecológicos, <strong>de</strong> forma socialmente justa e economicamente viável” (Ibid., art. 7º). São categorias <strong>de</strong> uso sustentável:APA e área <strong>de</strong> relevante interesse ecológico – ARIE, em que é admitida a proprieda<strong>de</strong> privada <strong>do</strong>s terrenos; florestanacional – Flona –, reserva extrativista – Resex – e reserva <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável – Re<strong>de</strong>s –, on<strong>de</strong> osterrenos são públicos, com uso concedi<strong>do</strong> a comunida<strong>de</strong>s tradicionais; reserva <strong>de</strong> fauna, <strong>de</strong> posse e <strong>do</strong>míniopúblicos; e reserva particular <strong>do</strong> patrimônio natural – RPPN.3310 Em entrevista concedida a Eliano Freitas (2004).11 Trata‐se <strong>de</strong> um aumento <strong>de</strong> 2,3Mt, em 1989, para 3,9Mt, em 1999, para o merca<strong>do</strong> interno, e <strong>de</strong> 16,3Mt, em1989, para 20,7Mt, em 1999, para exportação, sen<strong>do</strong> os <strong>de</strong>stinos dividi<strong>do</strong>s da seguinte forma: 29% para a Europa,21% para a Ásia, 18% para o Japão, 16 para o merca<strong>do</strong> interno e 16% para outros países.12 O termo se difundiu mundialmente a partir <strong>do</strong> Relatório Nosso Futuro Comum, publica<strong>do</strong> pela Comissão Mundialsobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987. Para Wolfgand Sachs (1992 apud ESCOBAR, 1996), a máxima <strong>do</strong><strong>de</strong>senvolvimento sustentável contribuiu para a operação i<strong>de</strong>ológica segun<strong>do</strong> a qual o termo meio ambientesubstituiu as referências à natureza. Para o autor, a transformação da natureza em meio ambiente tem por funçãoretirar da primeira seu caráter <strong>de</strong> instância superior, fonte <strong>de</strong> vida (como na recorrente construção “Mãe Natureza”),<strong>de</strong>smistifican<strong>do</strong>‐a e limitan<strong>do</strong>‐a um papel passivo, um apêndice <strong>do</strong> meio ambiente, que, por seu turno, se refereapenas a quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> matéria e energia. Essa transformação discursiva – que para o autor equivale à mortesimbólica da natureza em paralelo à sua <strong>de</strong>terioração física – torna o homem o sujeito da ação sobre a natureza,coroan<strong>do</strong> a visão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> como um recurso, construção indispensável para o funcionamento <strong>do</strong> sistemacapitalista.13 Para o autor, a produção capitalista tem internaliza<strong>do</strong> a natureza, por exemplo, quan<strong>do</strong> age em prol da


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9conservação da biodiversida<strong>de</strong> por ver nos genes das espécies protegidas da extinção uma utilida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> serconvertida em lucro através da engenharia genética. A natureza, assim, é vista como matéria para produção futura,ainda mais rentável, <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias <strong>de</strong> maior valor, como os produtos farmacêuticos.14 Após obter essa licença ambiental estadual – com base no referi<strong>do</strong> Rima, que previa a construção <strong>de</strong> casas eprédios <strong>de</strong> até quatro andares – o empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>r buscou o licenciamento em âmbito municipal, junto ao ConselhoMunicipal <strong>de</strong> Desenvolvimento Ambiental <strong>de</strong> Nova Lima, para expandir o projeto e construir edificações <strong>de</strong> mais <strong>de</strong>15 andares, no con<strong>do</strong>mínio integrante <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “Vistas <strong>do</strong> Vale”. Em reação a essas alterações, associações <strong>de</strong>mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> outros con<strong>do</strong>mínios da região fizeram manifestações e apresentaram representações junto aoMinistério Público Estadual. Em maio <strong>de</strong> 2011, uma <strong>de</strong>cisão judicial acatou a liminar <strong>do</strong> MPE, <strong>de</strong>terminan<strong>do</strong>: aimediata suspensão <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> licenciamento ambiental municipal para implantação <strong>do</strong> Vistas <strong>do</strong> Vale, aabstenção <strong>do</strong> município da concessão <strong>de</strong> qualquer espécie <strong>de</strong> licença ou autorização ao con<strong>do</strong>mínio; e a suspensãoimediata das vendas <strong>de</strong> imóveis <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> con<strong>do</strong>mínio (MORADORES..., 2010; ODEBRECHT PROIBIDA..., 2011).15 Aqui entendi<strong>do</strong> como "zona urbana", no senti<strong>do</strong> que lhe atribui Henri Lefebvre, referin<strong>do</strong>‐se ao “estágio <strong>de</strong>organização espacial no qual o capitalismo industrial, firmemente estabeleci<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong> e controlan<strong>do</strong> todasua região <strong>de</strong> influência, provoca a ruptura da cida<strong>de</strong>” em centro urbano (core) e teci<strong>do</strong> urbano, correspon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>este às trama <strong>de</strong> relações socioespaciais urbanas que se expan<strong>de</strong> regionalmente – por to<strong>do</strong> o espaço (MONTE‐MÓR,1994b, p. 170; LEFEBVRE, 2008).16 Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que algumas <strong>de</strong>ssas áreas não apresentam limites perceptíveis em campo, confundin<strong>do</strong>‐se comterrenos não utiliza<strong>do</strong>s pertencentes a minera<strong>do</strong>ras ou ao po<strong>de</strong>r público, como no caso <strong>do</strong> tombamento da Serra <strong>do</strong>Curral e da APA Sul, sugere‐se que esse conjunto seja compreendi<strong>do</strong> mais como um palimpsesto <strong>de</strong> representaçõesespaciais – espaço concebi<strong>do</strong> – que <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> base material.17 Lefebvre (1991) alerta para os riscos da utilização <strong>de</strong> termos como “camada” para fazer referência ao espaço,consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que esse tipo <strong>de</strong> metáfora sugere que o espaço se limite aos objetos, não refletin<strong>do</strong> sua naturezadialética. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que os lugares se interpõem, se compõem, se superpõem, e, às vezes, se chocam, cadafragmento seleciona<strong>do</strong> para análise carrega uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações sociais. Nessa perspectiva, ao refletirsobre essas “camadas”, faz‐se necessário consi<strong>de</strong>rar que não se tratam <strong>de</strong> espaços homogêneos, monolíticos ou<strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> conflitos.34


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)NÚCLEO TEMÁTICO I: Cida<strong>de</strong> em movimento e movimento na cida<strong>de</strong>isbn: 978-85-98261-08-9O Planejamento Urbano Deseja<strong>do</strong> e o Pratica<strong>do</strong>: O Caso <strong>de</strong>Viçosa, MG.Ítalo I. C. STEPHANDoutor em Planejamento Urbano pela FAU/USP; Professor <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> <strong>Arquitetura</strong> eUrbanismo da UFV; Conselheiro <strong>do</strong> CAU‐MG. stephan@ufv.br.RESUMOEste texto discute a dicotomia entre as premissas <strong>do</strong> planejamento urbano e o contínuo crescimento <strong>de</strong>Viçosa. Em um município on<strong>de</strong> se pratica um planejamento, a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> ou não, existem agentesdiferentes envolvi<strong>do</strong>s na sua produção. Este texto visa a analisar os <strong>do</strong>ze anos <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaçourbano, uma vez que Viçosa aprovou seu plano diretor em 2000, juntamente com a legislaçãocomplementar. Os prefeitos têm manti<strong>do</strong> a postura <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinteresse na implementação <strong>do</strong> plano. ACâmara Municipal permitiu mudanças contrárias ao que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u o plano. O Instituto <strong>de</strong> Planejamentofoi cria<strong>do</strong>, instala<strong>do</strong> e administra<strong>do</strong> por técnicos não qualifica<strong>do</strong>s. Os construtores permaneceram a umadistância, ausentes, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> para agir mais tar<strong>de</strong>, modifican<strong>do</strong> a legislação, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com seusinteresses, através <strong>do</strong>s seus representantes na Câmara Municipal. A proposta <strong>de</strong> revisão <strong>do</strong> plano,encaminhada à Câmara Municipal em 2008, permanece sem discussão e aprovação, enquanto a cida<strong>de</strong>se expan<strong>de</strong> com vigor, com forte a<strong>de</strong>nsamento na área central e com o espraiamento através <strong>de</strong>con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s e programas habitacionais <strong>de</strong> baixa renda.PALAVRAS‐CHAVE: Viçosa, MG: Plano Diretor Participativo; Viçosa, MG: Planejamento Urbano; Viçosa,MG: Legislação urbanística.35ABSTRACTThis paper discusses the dichotomy between the assumptions of urban planning and the ongoing growthin Viçosa, MG, Brazil. In a city where planning is practiced, appropriate or not, there are differentagents involved in its production. This paper aims to analyze the twelve years of production of urbanspace, since Viçosa approved its master plan in 2000, together with complementary legislation. Themayors have maintained the posture of disinterest in implementing the master plan. The CityCouncil allowed changes contrary to what <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>d the plan. The Planning Institute wascreated, installed and administered by unskilled technicians. The constructors remained at adistance away, leaving to act later, changing the law, according to their interests, via theirrepresentatives at City Council. The proposed revision of the plan and forwar<strong>de</strong>d to City Council in 2008remains without discussion and approval while the city expands with force, with a high <strong>de</strong>nsification inthe central area and a sprawl through closed con<strong>do</strong>miniums and the low income housing programs.KEYWORDS: Viçosa, MG: Participatory Master Plan; Viçosa, MG: Urban Planning, Viçosa‐MG;urban legislation.APRESENTAÇÃOO município <strong>de</strong> Viçosa possui, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000, uma ampla legislação urbanística, com PlanoDiretor à frente. O município dispõe <strong>de</strong> um Instituto <strong>de</strong> Planejamento (IPLAM) atuante,embora subdimensiona<strong>do</strong> em infraestrutura e recursos humanos. A análise e aprovação<strong>de</strong> projetos é a sua ocupação quase exclusiva. Em contrapartida, contrarian<strong>do</strong> o Plano


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Diretor, há um processo li<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> pelo forte setor da construção civil, <strong>de</strong> uma visívelverticalização na área central e <strong>de</strong> expansão em áreas não permitidas, principalmentenas margens <strong>do</strong>s cursos d’água e em regiões <strong>de</strong> nascentes. O processo é complementa<strong>do</strong>com a construção <strong>de</strong> con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s em áreas próximas à infraestrutura suficientee com a implantação <strong>de</strong> conjuntos habitacionais (<strong>do</strong> Programa fe<strong>de</strong>ral “Minha Casa,minha vida”) em áreas periféricas, <strong>de</strong> difícil acesso e sem infraestrutura. Há inúmerosvazios urbanos em áreas centrais e uma valorização exacerbada <strong>do</strong> custo da terra.Em 2006, foi inicia<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong> revisão <strong>do</strong> plano diretor. O anteprojeto <strong>de</strong> lei foientregue ao prefeito que o encaminhou à Câmara Municipal em 2008 e, pelo menos atémea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ano 2012, não entrou na pauta <strong>de</strong> discussão.Depois <strong>de</strong> <strong>do</strong>ze anos com o Plano Diretor, o forte merca<strong>do</strong> da construção civil atua <strong>de</strong>acor<strong>do</strong> com os seus interesses e prega a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajustes na legislação, paracontinuar a trazer o “crescimento“ e a oferta <strong>de</strong> empregos tão <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s para a cida<strong>de</strong>.isbn: 978-85-98261-08-91 INTRODUÇÃOViçosa, um município da Zona da Mata mineira, possui um pouco mais <strong>de</strong> 72.000 habitantes euma população chamada <strong>de</strong> flutuante <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 15.000 estudantes universitários. Atopografia aci<strong>de</strong>ntada espreme a cida<strong>de</strong> entre morros e vales. Suas ruas são estreitas e <strong>de</strong>pavimentação <strong>de</strong> péssima qualida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> circulam cerca <strong>de</strong> 40.000 veículos. Há um processointenso <strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamento e verticalização na região central que resulta da <strong>de</strong>manda gerada pelaampliação das vagas na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa e nas outras três faculda<strong>de</strong>sparticulares.Em sua história, quase sem exceção, o município não teve prefeitos interessa<strong>do</strong>s em um mínimo <strong>de</strong>planejamento urbano. A cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Viçosa cresceu em resposta às <strong>de</strong>mandas geradas pela UFV. Um<strong>do</strong>s prefeitos, o folclórico e populista Antônio Chequer, que <strong>do</strong> alto <strong>de</strong> seu “castelo”, construí<strong>do</strong>estrategicamente em um morro localiza<strong>do</strong> em frente à área central, apontava para seus funcionáriosos locais on<strong>de</strong> queria que passasse o trator para abrir ruas. Foi esse o retrato <strong>do</strong> “planejamentourbano” no município até o final <strong>do</strong> século XX. Chequer uma vez afirmou: “o plano diretor sou eu”.Até 1998, Viçosa não tinha um plano diretor, mas havia um conjunto <strong>de</strong> leis (Código <strong>de</strong> Obras, Lei312/79) adulteradas ou reduzidas a ponto <strong>de</strong> restarem <strong>do</strong>is artigos: um que estabelecia o coeficiente<strong>de</strong> aproveitamento e outro que aprovava automaticamente um projeto <strong>de</strong> construção que não fosseanalisa<strong>do</strong> pela prefeitura em um mês.Viçosa possui, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000, uma ampla legislação urbanística, encabeçada pelo Plano Diretor. Era esseo arcabouço da legislação urbanística, no início <strong>do</strong> século XXI: Plano Diretor <strong>de</strong> Viçosa ‐ PDV (Lei1383/2000); Instituto <strong>de</strong> Planejamento <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Viçosa (IPLAM) e Conselho Municipal <strong>de</strong>Planejamento (COMPLAN); Lei <strong>de</strong> Parcelamento <strong>do</strong> Solo (Lei 1469/2001); Lei <strong>de</strong> Ocupação, Uso <strong>do</strong>Solo e Zoneamento (1.420/2000); Código Ambiental (Lei 1526/2002); Código <strong>de</strong> Posturas (Lei1574/2003) e Código <strong>de</strong> Obras e Edificações (1633/2004). To<strong>do</strong> esse aparato legal não tem si<strong>do</strong>suficiente para produzir espaços <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> na cida<strong>de</strong>. O setor da construção civil encontra sempremeios <strong>de</strong> alterar a legislação em prol da manutenção da construção em massa para aten<strong>de</strong>r a uma<strong>de</strong>manda ampla e contínua.36


2 LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA VERSUS MERCADO IMOBILIÁRIO EM VIÇOSAprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A acumulação e especulação imobiliária andam juntas. Esse fenômeno já não ocorre apenasem cida<strong>de</strong>s maiores. O po<strong>de</strong>r público chega sempre atrasa<strong>do</strong> para se prover <strong>de</strong> instrumentoslegais para tentar or<strong>de</strong>nar o uso <strong>do</strong> solo (KOWARICK, 1993, p 33‐35). Para o autor, “a açãogovernamental restringiu‐se (...) a seguir os núcleos <strong>de</strong> ocupação cria<strong>do</strong>s pelo setor priva<strong>do</strong> eos investimentos públicos vieram colocar‐se a serviço da dinâmica <strong>de</strong> valorização‐especulação<strong>do</strong> sistema imobiliário‐construtor”. Maricato (2001, p. 83) afirma que “a ocupação <strong>do</strong> soloobe<strong>de</strong>ce a uma estrutura informal <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r: a lei <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> prece<strong>de</strong> a lei/norma jurídica” eque “a distância entre plano e gestão se presta ainda ao papel i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong> encobrir compalavras e conceitos mo<strong>de</strong>rnos (...) práticas arcaicas”.A separação entre planejamento e gestão permanece pela relutância <strong>do</strong>s políticos <strong>de</strong> seenvolverem em planos, por não perceberem sua utilida<strong>de</strong> ou duvidarem <strong>de</strong>la. (VILLAÇA, 2005).Quan<strong>do</strong> eles percebem, veem o plano como empecilho para suas ações politiqueiras.Viçosa apresenta uma aparente prosperida<strong>de</strong>, embora produza custos ambientais e sociais<strong>de</strong>sastrosos para a população e o po<strong>de</strong>r público, como <strong>de</strong>terioração da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida,<strong>de</strong>gradação <strong>do</strong>s valores estéticos (RATTNER, 2009). A cida<strong>de</strong> reflete a situação <strong>do</strong> capital quemantém à distância as pessoas e as “coisas in<strong>de</strong>sejáveis” (bairros afasta<strong>do</strong>s para habitação <strong>de</strong>baixa renda) ao mesmo tempo que se aproxima <strong>de</strong> pessoas e “coisas <strong>de</strong>sejáveis” (estudantes,professores e o Campus da UFV, Figura 1). Os que não possuem capital permanecem distantes<strong>do</strong>s bens mais raros (BORDIEU, 1997).Figura 1: Área Central <strong>de</strong> Viçosa em frente ao Campus da UFV.isbn: 978-85-98261-08-937Fonte: STEPHAN, 2012.Cabe perfeitamente em Viçosa a afirmação <strong>de</strong> que “nenhuma legislação, mesmo que aprovada<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a circunstâncias especiais, será implantada; <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> nenhuma lei, mesmosen<strong>do</strong> autoaplicável, garante justiça social e qualida<strong>de</strong> ambiental pela sua simplespromulgação” (MARICATO, 1994). Temos, no Brasil, assim como em Viçosa, uma avançadalegislação urbanística, mas carecemos <strong>de</strong> políticas e meios a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>s para implementá‐la. A


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)simples a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> instrumentos normativos não é suficiente para alterar substantivamente adinâmica <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento urbano. A política, como sempre, faz a diferença (GOULART,2008). Nada mais pertinente como retrato da dinâmica da produção que ocorre na pequenacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Viçosa, em Minas Gerais.O PDV foi formula<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> oferecimento <strong>de</strong> amplas oportunida<strong>de</strong>s para que apopulação se manifestasse, além <strong>de</strong> uma farta divulgação na mídia, realizada por meio <strong>de</strong>artigos <strong>de</strong> divulgação e matérias em jornais; <strong>de</strong>bates nas emissoras <strong>de</strong> rádio; programastemáticos e mesas re<strong>do</strong>ndas na emissora <strong>de</strong> TV local (STEPHAN, 1998). Foram aplica<strong>do</strong>squestionários nas ruas comerciais e na feira livre como também questionários temáticospara os setores <strong>de</strong> engenharia, <strong>de</strong> construção civil e <strong>de</strong> comércio e indústria. Os maioresconflitos, os liga<strong>do</strong>s à ação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> imobiliário em Viçosa, permaneceramdissimula<strong>do</strong>s. A participação, em nenhuma <strong>de</strong> construtores, engenheiros e arquitetosatuantes no merca<strong>do</strong> da construção civil nas reuniões públicas foi insignificante 1 .Evi<strong>de</strong>nciou‐se que parte <strong>do</strong> setor prefere atuar junto aos seus interlocutores na CâmaraMunicipal, quan<strong>do</strong> lhes interessa.O projeto <strong>do</strong> Plano Diretor tramitou na Câmara Municipal nas vésperas das eleiçõesmunicipais <strong>de</strong> 1999, o que dificultou as negociações para sua aprovação. Os <strong>do</strong>iscandidatos a prefeito, tanto nos comícios, como em seus programas <strong>de</strong> rádio e televisão,<strong>de</strong>fendiam abertamente a aprovação <strong>do</strong> Plano Diretor e a sua aplicação, mas, nosbasti<strong>do</strong>res, articulavam pela sua não aprovação. Após negociações entre os <strong>do</strong>isverea<strong>do</strong>res que <strong>de</strong>fendiam a aprovação <strong>do</strong> Plano e os opositores, conseguiu‐se que fossemantida apenas a criação <strong>do</strong> IPLAM e <strong>do</strong> COMPLAM. No entanto, as atribuições <strong>do</strong> IPLAMe a composição <strong>do</strong> COMPLAM foram retiradas da lei <strong>do</strong> Plano Diretor para serem votadasem outra oportunida<strong>de</strong>. A estratégia utilizada pelos verea<strong>do</strong>res que se opunham àaprovação era adiar ao máximo a implantação <strong>de</strong>sses <strong>do</strong>is órgãos. (STEPHAN, 2006).O IPLAM começou a funcionar <strong>de</strong> maneira precária e com poucos funcionários. Seusdiretores não tiveram capacitação em planejamento 2 . O primeiro diretor foi o Secretário <strong>de</strong>Obras da época em que houve uma aprovação em massa <strong>de</strong> projetos às vésperas daentrada em vigor da Lei <strong>de</strong> Zoneamento, Uso e Ocupação <strong>do</strong> Solo. Após alguns anos <strong>de</strong>funcionamento, o IPLAM é pouco atuante em planejamento e continua subdimensiona<strong>do</strong>.A atribuição que mais o ocupa é a <strong>de</strong> análise e aprovação <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> projetos a cadaano (STEPHAN, 2006). A população, quan<strong>do</strong> precisa aprovar projetos, reclama da <strong>de</strong>mora.Alguns anos <strong>de</strong>pois prevaleceram os interesses <strong>do</strong> setor da construção civil, isso inun<strong>do</strong>u asáreas centrais <strong>de</strong> prédios com taxa bruta <strong>de</strong> edificação sempre superior aos índices legais(Figura 2). Também, nesse perío<strong>do</strong>, caiu a exigência <strong>de</strong> afastamento frontal <strong>de</strong> 3 metros,estabeleci<strong>do</strong> pela lei <strong>de</strong> uso <strong>do</strong> solo, fican<strong>do</strong> obrigatório apenas para novas ruas. Em<strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com a legislação <strong>de</strong> parcelamento <strong>do</strong> solo, tentou‐se permitir a pavimentação<strong>de</strong> novos loteamentos com pedras fincadas, para baratear os custos <strong>do</strong>s construtores.O instrumento Transferência <strong>do</strong> Potencial Construtivo foi aplica<strong>do</strong> quatro vezes, comproblemas. Os potenciais foram transferi<strong>do</strong>s para <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s próprios terrenos e, comocontrapartida, houve a preservação <strong>de</strong> partes das edificações tombadas, com resulta<strong>do</strong>squestionáveis.isbn: 978-85-98261-08-938


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Cria<strong>do</strong> simultaneamente com o IPLAM, o COMPLAN 3 funcionaria como órgão superior <strong>de</strong>assessoramento e consulta da administração municipal, com funções fiscaliza<strong>do</strong>ras no âmbito<strong>de</strong> sua competência. O conselho se reuniu algumas vezes nos primeiros anos e ficou <strong>de</strong>sativa<strong>do</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2006 (STEPHAN, 2009a).Figura 2: Área Central <strong>de</strong> Viçosa em processo <strong>de</strong> verticalização.isbn: 978-85-98261-08-939Fonte: STEPHAN, 2012.Vários alvarás resultantes da avalanche <strong>de</strong> projetos aprova<strong>do</strong>s às vésperas da entrada em vigorda lei <strong>de</strong> Ocupação, Uso, e Zoneamento <strong>do</strong> Solo Urbano <strong>de</strong> Viçosa, que teriam valida<strong>de</strong> até por<strong>do</strong>is anos, foram prorroga<strong>do</strong>s por até cinco anos. Essa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixou graves problemas para osanos seguintes (STEPHAN, 2006 b). A paisagem urbana passou a apresentar aglomera<strong>do</strong>s <strong>de</strong>edificações verticalizadas. A versão da lei <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> solo encaminhada para votação foialterada. A faixa non aedificandi <strong>de</strong> 15 metros ao longo das margens <strong>do</strong>s cursos d’água foireduzida para 10 metros, em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com a Lei Fe<strong>de</strong>ral 6766. Foram altera<strong>do</strong>s alguns índicesurbanísticos, para valores mais permissivos, tais como número máximo <strong>de</strong> pavimentos e oscoeficientes e taxas <strong>de</strong> ocupação das zonas urbanas, <strong>de</strong> forma a ficarem mais favoráveis a ummaior a<strong>de</strong>nsamento que o inicialmente previsto. Houve posteriormente uma alteração notexto, permitin<strong>do</strong> o acréscimo <strong>de</strong> um terceiro pavimento <strong>de</strong> subsolo.3 O PLANO REVISTO E DEIXADO DE LADONo interregno entre a promulgação da Constituição e a edição da Lei n o . 10257 <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho<strong>de</strong> 2001, vários municípios aprovaram seus planos diretores. Poucos inovaram no tocante ao<strong>de</strong>senho da Política Urbana local e aos instrumentos que a viabilizariam. A maioria, por suavez, pautou‐se por criarem verda<strong>de</strong>iras cartas <strong>de</strong> intenção, com objetivos gerais a serematingi<strong>do</strong>s, contu<strong>do</strong> sem <strong>de</strong>monstrar a forma como isto se daria (STEPHAN, 2009 a). Nesse


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)panorama, insere‐se a experiência <strong>de</strong> Viçosa que, em 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2000, editou seu PlanoDiretor. Apesar <strong>de</strong> ser fruto da interação entre o Po<strong>de</strong>r Público e os cidadãos, a referida normafiliou‐se à segunda tendência acima apontada, não inovan<strong>do</strong> na matéria, mas se contentan<strong>do</strong>em estabelecer normas generalíssimas, com baixa <strong>de</strong>nsificação normativa. Al revisão <strong>do</strong> planoficou para se feita em cinco anos, entretanto isso só teve início no final <strong>de</strong> 2006. Além <strong>de</strong>stacláusula <strong>do</strong> plano,Pouco mais <strong>de</strong> um ano após a edição da lei Municipal, o Estatuto da Cida<strong>de</strong> veio a lume, tornan<strong>do</strong>imperiosa a revisão <strong>do</strong> Plano Diretor <strong>de</strong> Viçosa, a<strong>de</strong>quan<strong>do</strong>‐o às diretrizes nacionais, bem como corrigin<strong>do</strong>falhas constantes no texto normativo, mo<strong>de</strong>rnizan<strong>do</strong> a estrutura e o aparato prescrito, <strong>de</strong> forma a aten<strong>de</strong>raos reclamos da socieda<strong>de</strong> local (SPORCH, 2008).A base <strong>do</strong>s trabalhos foi estruturada seguin<strong>do</strong> o Estatuto da Cida<strong>de</strong> e aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> às resoluções<strong>de</strong> número 15 e 34, ambas <strong>de</strong> 2005, <strong>do</strong> Conselho das Cida<strong>de</strong>s. Desta vez, a equipe foi formadapor professores da UFV e por técnicos <strong>do</strong> IPLAM.A revisão <strong>do</strong> Plano Diretor <strong>de</strong> Viçosa teve quatro etapas com participação popular. A primeiracom a realização <strong>de</strong> 39 reuniões públicas (21 na área urbana, seis na área rural e 12 reuniõessetoriais), o que resultou numa quantida<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> assuntos para serem trata<strong>do</strong>s no plano.A segunda, com a apresentação <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> da leitura das reuniões aos <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s eleitos emcada reunião em <strong>de</strong>bates públicos. A terceira, com a realização <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate público, com apresença <strong>do</strong>s <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s na discussão e aprovação das propostas a serem incluídas no plano. Aquarta proposta constou <strong>de</strong> um Encontro da Cida<strong>de</strong>, aberto aos <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s e à população emgeral, on<strong>de</strong> foi apresenta<strong>do</strong> e discuti<strong>do</strong> novamente o texto <strong>do</strong> plano diretor, inclusive comalgumas propostas <strong>de</strong> alterações acordadas e posteriormente incluídas no texto.O novo plano foi feito contan<strong>do</strong> com a consolidação <strong>do</strong> IPLAM, o funcionamento efetivo <strong>do</strong>sconselhos, a ampliação da fiscalização e, principalmente, abrin<strong>do</strong> canais para a participação dapopulação na solução <strong>de</strong> problemas e na apresentação <strong>de</strong> propostas para melhorias. Paraalcançar o <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato da Política Urbana, o Município terá a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicar osinstrumentos previstos no plano, quais sejam: parcelamento, edificação ou utilizaçãocompulsórios; IPTU progressivo no tempo; <strong>de</strong>sapropriação com pagamento em títulos da dívidapública; concessão <strong>de</strong> uso especial para fins <strong>de</strong> moradia; direito <strong>de</strong> preempção; outorgaonerosa; operações urbanas consorciadas; transferência <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> construir; estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>impacto <strong>de</strong> vizinhança. Preten<strong>de</strong>u‐se, por um la<strong>do</strong>, incentivar o comportamento <strong>do</strong>s cidadãos<strong>de</strong> forma a fazer com que o mesmo seja consoante com o Plano Diretor. Por outro la<strong>do</strong>,objetivou‐se obrigar que as normas cogentes <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> espaço fossem atendidas.Na redação da <strong>do</strong>cumentação a ser encaminhada para tramitação na Câmara Municipal, ficouclara a importância <strong>de</strong> produzir um plano diretor com o máximo possível <strong>de</strong> dispositivosautoaplicáveis e i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> os agentes responsáveis pela execução e fiscalização <strong>de</strong> cadaproposta <strong>de</strong> ação, obra ou programa incluí<strong>do</strong> no plano e prazos para sua execução (STEPHAN,2008).Outro aspecto <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> foi a redução da inflação normativa. Além <strong>de</strong> proposições <strong>de</strong> novaredação para alguns artigos <strong>de</strong> leis e a inclusão <strong>de</strong> partes <strong>de</strong> leis, trata da redução da inflaçãonormativa, através <strong>de</strong> proposições <strong>de</strong> revogação <strong>de</strong> partes <strong>de</strong> leis; exclusão <strong>de</strong> partes <strong>de</strong> leis erevogação <strong>de</strong> leis. Desta forma, 55 leis relativas à política urbana foram alteradas, sen<strong>do</strong> que 32tiveram algum tipo <strong>de</strong> alteração em seu texto, como a Lei <strong>de</strong> Parcelamento <strong>do</strong> Solo. Foramisbn: 978-85-98261-08-940


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)revogadas 23 leis, como a <strong>de</strong> Ocupação, Uso <strong>do</strong> Solo e Zoneamento, que teve to<strong>do</strong> o seuconteú<strong>do</strong> revisto e incluí<strong>do</strong> no plano (STEPHAN, 2008). O maior problema foi que <strong>do</strong>s 783artigos <strong>do</strong> plano, 449 são relaciona<strong>do</strong>s a esta limpeza da legislação, o que assustou e intimi<strong>do</strong>uvários verea<strong>do</strong>res.Outras características <strong>do</strong> plano são:Seguin<strong>do</strong> a orientação <strong>do</strong> Ministério das Cida<strong>de</strong>s, as normas referentes à or<strong>de</strong>nação <strong>do</strong>solo foram inseridas no Plano Diretor, o que levou à revogação da Lei Municipaln o 1420, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000, conforme explicita<strong>do</strong> no Título VIII. Assim,trabalhou‐se inicialmente com as normas referentes à ocupação <strong>do</strong> solo, a<strong>de</strong>quan<strong>do</strong>‐asao Estatuto da Cida<strong>de</strong> e aos <strong>de</strong>mais dispositivos aplicáveis a cada caso, resolven<strong>do</strong>‐seanomias e antinomias com estas normas, com as normas <strong>de</strong> outras esferas, e atémesmo contrarieda<strong>de</strong>s com as normas constitucionais. Outrossim, houve aflexibilização <strong>de</strong> índices e a racionalização <strong>de</strong> parâmetros, <strong>de</strong> forma a orientar aconstrução civil no processo <strong>de</strong> produção da cida<strong>de</strong>, a<strong>de</strong>quan<strong>do</strong>‐os à realida<strong>de</strong>municipal, seja no que concerne aos investimentos <strong>do</strong> setor priva<strong>do</strong>, seja no que tangeàs observações realizadas durante as reuniões públicas (SPORCH, 2008);O IPLAM passaria a ser autarquia municipal, com personalida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong> direitopúblico, com autonomia administrativa e financeira;A criação <strong>do</strong> Fun<strong>do</strong> Municipal <strong>de</strong> Política Urbana, forma<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ntre outros, pelosrecursos obti<strong>do</strong>s através <strong>do</strong>s valores <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s das medidas mitiga<strong>do</strong>ras e/oucompensatórias <strong>de</strong>terminadas pelos Estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Impacto <strong>de</strong> Vizinhança e contribuição<strong>de</strong> melhoria <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> obras públicas;A implantação da Se<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Conselhos Municipais, que abrigará as reuniões <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s osórgãos colegia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> participação popular eA <strong>de</strong>finição das regras para Produção e alterações das normas urbanísticas; daelaboração da Revisão Decenal <strong>do</strong> Plano; das a<strong>de</strong>quações das normas urbanísticas àsPlataformas Políticas <strong>do</strong>s Prefeitos Eleitos e <strong>do</strong> redirecionamento das NormasUrbanísticas.Junto com o texto <strong>do</strong> anteprojeto <strong>de</strong> lei <strong>do</strong> plano, foi encaminhada a “Lei <strong>do</strong>s Instrumentos”,redigida <strong>de</strong> forma a conter e concentrar as disposições prescritas como leis específicas eprevistas no estatuto da Cida<strong>de</strong>, estabelecen<strong>do</strong>:O que <strong>de</strong>termina o parcelamento, a edificação ou utilização compulsórios <strong>do</strong> solo urbano nãoedifica<strong>do</strong>, subutiliza<strong>do</strong> ou não utiliza<strong>do</strong>, com as condições e prazos para a implementação dareferida obrigação (Art. 5 o <strong>do</strong> Estatuto da Cida<strong>de</strong>);A <strong>de</strong>limitação das áreas <strong>de</strong> incidência <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> preempção, com prazos e formas <strong>de</strong>notificação <strong>do</strong> proprietário ao Município;A fórmula <strong>de</strong> cálculo para cobrança da Outorga onerosa <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> construir, oscasos passíveis <strong>de</strong> isenção <strong>do</strong> pagamento da outorga e as contrapartidas <strong>do</strong>beneficiário (Art. 30);isbn: 978-85-98261-08-941


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A regulamentação <strong>do</strong> Consórcio imobiliário e a Concessão <strong>de</strong> uso especial parafins <strong>de</strong> moradia;As condições a serem observadas para a Outorga onerosa <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> construir(Art. 30); A <strong>de</strong>limitação das áreas para a aplicação <strong>de</strong> operações consorciadas (Art. 32); As condições para a aplicação da Transferência <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> construir (Art. 35);A <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s empreendimentos e ativida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rão <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong>Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> impacto <strong>de</strong> vizinhança (Art. 36 ).Os textos <strong>do</strong>s anteprojetos foram submeti<strong>do</strong>s à apreciação <strong>do</strong> Ministério Público, paraque se opinasse sobre as medidas e a sua correção. Esse momento apresentou caráterpreventivo, além <strong>de</strong> ser meio <strong>de</strong> informação <strong>do</strong> órgão ministerial, proporcionan<strong>do</strong> a suaparticipação e melhoria da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle da gestão pública, estreitan<strong>do</strong>, ainda, oslaços entre essas instituições (SPORCH, 2008).Os anteprojetos <strong>de</strong> lei foram entregues ao prefeito, que os encaminhou à CâmaraMunicipal em 2008 e, até mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ano <strong>de</strong> 2012, não entraram na pauta <strong>de</strong> discussão.Houve uma tentativa <strong>de</strong> aprovar o plano às pressas, no final <strong>de</strong> 2008, sem sucesso. Um<strong>do</strong>s verea<strong>do</strong>res quis retirar <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> plano to<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> controle e uso <strong>do</strong> solourbano. Posteriormente, houve eventuais tentativas <strong>de</strong> alguns <strong>do</strong>s verea<strong>do</strong>res <strong>de</strong>conhecer e enten<strong>de</strong>r o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> plano como também houve a instabilida<strong>de</strong> políticada expectativa <strong>de</strong> cassação <strong>do</strong> mandato <strong>do</strong> prefeito eleito em 2008, o que ocorreu emmaio 2010.isbn: 978-85-98261-08-9424 OS INTERESSES DO MERCADO IMOBILIÁRIOA atuação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> imobiliário em Viçosa tem si<strong>do</strong> gerada principalmente pela<strong>de</strong>manda crescente em função da criação <strong>do</strong>s novos cursos na UFV 4 (vinte <strong>de</strong>lescomeçaram a funcionar a partir <strong>de</strong> 2000) e nas faculda<strong>de</strong>s particulares (FDV 5 , Univiçosa 6 eESUV 7 ). A maioria absoluta <strong>do</strong>s estudantes é <strong>de</strong> outras cida<strong>de</strong>s.Doze anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> entrar em vigência, contrarian<strong>do</strong> várias vezes o Plano Diretor, masampara<strong>do</strong> pela atuação da Câmara Municipal, há a continuação <strong>do</strong> processo, li<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>pelo setor da construção civil, <strong>de</strong> verticalização em áreas não recomendadas e daexpansão da área urbana em vetores que o plano indica como não a<strong>de</strong>nsáveis 8 .Isso ocorre tanto com a implantação <strong>de</strong> novas áreas, quanto com a construção <strong>de</strong>con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s e novos loteamentos em áreas próximas à boa infraestrutura <strong>de</strong>serviços urbanos, vizinhas ao Campus da UFV e com a implantação <strong>de</strong> conjuntoshabitacionais em áreas periféricas não <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> infraestrutura a<strong>de</strong>quada (Figura 3).


Figura 3 Mapa esquemáticoprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: STEPHAN, 2012.Há uma intensa substituição <strong>de</strong> edificações menores (casas e lojas) por edifícios <strong>de</strong> múltiplospavimentos (Figura 4), em sua maioria com uso comercial ao nível da rua e apartamentospequenos, cujo objetivo é aten<strong>de</strong>r à alta <strong>de</strong>manda por aluguéis numa cida<strong>de</strong> universitária. Oconselho municipal que cuida <strong>do</strong> patrimônio histórico (CMCPCA) tem ti<strong>do</strong>, como maior<strong>de</strong>manda <strong>de</strong> discussão, solicitações <strong>de</strong> pareceres pelo IPLAM, a respeito <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>molições <strong>de</strong> casas inventariadas. O conselho é manti<strong>do</strong> apenas consultivo, o que o tornafrágil e ineficaz.Figura Área Central <strong>de</strong> Viçosa, on<strong>de</strong> prédios altos substituem casas ecléticas43Fonte: STEPHAN, 2012.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A <strong>de</strong>gradação ambiental é visível na cida<strong>de</strong>. O alto preço da terra retirou casas com quintais àsmargens <strong>do</strong>s rios e provocou a construção <strong>de</strong> prédios nas margens <strong>do</strong>s cursos d’água. Váriosnovos prédios têm si<strong>do</strong> autoriza<strong>do</strong>s a ser construí<strong>do</strong>s às margens <strong>do</strong>s cursos d’água, <strong>de</strong>ntro dafaixa <strong>do</strong>s quinze a trinta metros, sob o pagamento em dinheiro, <strong>de</strong> compensações ambientaisirrisórias 9 .Três casos ilustrativosA seguir, apresentaremos três casos que ilustram a atuação <strong>do</strong> setor imobiliário,respectivamente ao burlar a legislação; ignorar as diretrizes <strong>do</strong> plano diretor e alterar osparâmetros urbanísticos quan<strong>do</strong> o que existe não mais os satisfaz.No primeiro caso, o “Con<strong>do</strong>mínio Ecolife” será forma<strong>do</strong> por duas torres <strong>de</strong> treze pavimentosencravadas em uma mata, numa região da cida<strong>de</strong> em que o zoneamento ‐ ZR310 ‐ permitiria,no máximo, quatro pavimentos, incluin<strong>do</strong> o térreo. Trata‐se também <strong>de</strong> uma região da cida<strong>de</strong>on<strong>de</strong> se encontram as nascentes <strong>do</strong> ribeirão São Bartolomeu, responsável pelo abastecimento<strong>de</strong> 50% da população urbana. Num artifício bem planeja<strong>do</strong>, a Câmara Municipal aprovou umprojeto <strong>de</strong> Lei (1848/2007) que <strong>de</strong>nominou <strong>de</strong> Avenida Prefeito Geral<strong>do</strong> Eustáquio Reis o trechoentre a Rua Carmita Pacheco e o término <strong>do</strong> trevo que dá acesso ao Bairro Acamari.Alguns meses <strong>de</strong>pois, a Lei 1865/2008 11 a substituiu, prolongan<strong>do</strong> a avenida por uns 500 metrosaté o trevo <strong>de</strong> acesso ao bairro Romão <strong>do</strong>s Reis e a incluiu como Corre<strong>do</strong>r Secundário, como<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> pela Lei 1420/2000. Essa lei, portanto, alterou duas outras e não uma como está noseu caput. Isso significou que o que era ZR3, passou a ser Corre<strong>do</strong>r Urbano ‐ CS. Passou a tercomo características a pre<strong>do</strong>minância <strong>de</strong> uso comercial e ser área a<strong>de</strong>nsável. O Coeficiente <strong>de</strong>Aproveitamento máximo passou <strong>de</strong> 1,5 para 2,8. Sua Taxa <strong>de</strong> Ocupação máxima passou <strong>de</strong> 50%para 80%. A Taxa <strong>de</strong> Permeabilização mínima passou <strong>de</strong> 30% para 10%. Por fim, o gabaritomáximo das edificações passou <strong>de</strong> 4 para 10 pavimentos (figura 4). Uma vez legalizada apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir torres no lugar, o projeto foi aprova<strong>do</strong> pelo CODEMA local, sob agarantia <strong>de</strong> que o empreendimento compensaria com a reposição <strong>de</strong> árvores, obteria e tratariasua água para se tornar potável e trataria seu esgoto. Com o parecer <strong>do</strong> CODEMA e semconsulta ao COMPLAN, o projeto foi aprova<strong>do</strong> (STEPHAN, 2009b).Figura 4: Uma das duas torres <strong>de</strong> 13 pavimentos em construção em área <strong>de</strong> zoneamento altera<strong>do</strong>isbn: 978-85-98261-08-944Fonte: STEPHAN, 2012.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)No segun<strong>do</strong> caso, a presença <strong>do</strong> Programa Fe<strong>de</strong>ral “Minha Casa, Minha Vida” em Viçosarevelou uma fragilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> programa no município, que não possui terras públicas nem sequerestabeleceu nenhuma Zona <strong>de</strong> Especial Interesse Social para receber programas <strong>de</strong> habitação<strong>de</strong> interesse social. O programa foi atendi<strong>do</strong> por um projeto <strong>de</strong> uma construtora proprietária<strong>de</strong> um terreno em uma área urbana, em uma ZR3, em local (Coelhas) <strong>de</strong> difícil acesso e longe<strong>do</strong> teci<strong>do</strong> e da infraestrutura urbana. O terreno está localiza<strong>do</strong> em um vale separa<strong>do</strong> <strong>do</strong> restoda cida<strong>de</strong> por uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> morros, o que acrescenta esforços extras para caminhada,dificulda<strong>de</strong>s para o uso <strong>de</strong> bicicletas ou percorrer trechos mais longos com uma <strong>de</strong>clivida<strong>de</strong>razoável . No local foi construí<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> 132 casas <strong>de</strong> 37 metros quadra<strong>do</strong>s em lotes<strong>de</strong> 120 metros quadra<strong>do</strong>s, um “pombal” característico como os que se produziram há pelomenos quarenta anos atrás (figura 5). Depois mais um conjunto <strong>de</strong> 123 foi construí<strong>do</strong> namesma região. Outro está em fase <strong>de</strong> construção. Criou‐se menos autonomia, mais exclusãosocial, menos mobilida<strong>de</strong>, enquanto os terrenos centrais vazios chegam a preços eleva<strong>do</strong>s 12 ,sem aten<strong>de</strong>r à função social da proprieda<strong>de</strong> urbana 13 .O terceiro caso foi a aprovação pela Câmara Municipal <strong>de</strong> Viçosa <strong>de</strong> uma lei alteran<strong>do</strong> a Lei1420/2000, <strong>de</strong> Zoneamento e Uso <strong>do</strong> Solo. Estabeleceu‐se que, nas vias com caixa <strong>de</strong> rua inferior a 7metros, seria concedida uma compensação <strong>de</strong> 20% <strong>do</strong> potencial construtivo da edificação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> queconstasse no projeto um recuo <strong>de</strong> 2 metros ao longo da frente <strong>do</strong> lote. Tal recuo seria transferi<strong>do</strong> aoPo<strong>de</strong>r Municipal, possibilitan<strong>do</strong> o alargamento da rua. Com a medida, po<strong>de</strong>riam ser acresci<strong>do</strong>s até<strong>do</strong>is pavimentos. O objetivo era “promover o alargamento das vias centrais <strong>do</strong> Município, on<strong>de</strong> otrânsito vem se tornan<strong>do</strong> cada vez mais caótico; sen<strong>do</strong> certo que, com o recuo [...] a Zona Central dacida<strong>de</strong> tornar‐se‐á viável [...]”. Acrescentava que: “Deste mo<strong>do</strong>, em troca <strong>de</strong> uma mobilida<strong>de</strong> nas viascentrais [...] , o Po<strong>de</strong>r Público Municipal possibilitará uma compensação ao empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>r, no intuito<strong>de</strong> melhorar não só a flui<strong>de</strong>z <strong>do</strong> trânsito nas vias centrais, como também a própria estrutura da regiãocentral <strong>do</strong> Município.”Figura 5: Conjunto habitacional <strong>do</strong> programa Minha casa Minha Vida, na localida<strong>de</strong> Coelhas, Viçosa, MGisbn: 978-85-98261-08-945Fonte: STEPHAN, 2011.


Uma interpretação <strong>de</strong>sta proposta leva a constatar que:programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A compensação <strong>de</strong> 20% a mais <strong>do</strong> potencial construtivo (o que permite que o proprietárioconstrua 20% a mais no lote) é muito mais vantajosa para o empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>r. Por exemplo, emum terreno <strong>de</strong> 20x30 metros, o proprietário per<strong>de</strong>ria 40 m 2 multiplica<strong>do</strong>s pelo Coeficiente <strong>de</strong>Aproveitamento ‐ CA (área <strong>do</strong> lote multiplica<strong>do</strong> por um número específico para cada zonaurbana), mas ganharia 120m 2 multiplica<strong>do</strong>s pelo o CA, ou seja, 3 vezes mais;Consegue‐se criar na via duas vagas <strong>de</strong> estacionamento, mas se cria, com a compensação, nomínimo, uns quatro apartamentos, o que geraria pelo menos 4 automóveis a mais circulan<strong>do</strong>na via;O alargamento <strong>de</strong> 2 metros seria apenas na frente <strong>do</strong> lote e, para se tornar um alargamentoem toda a extensão da via, seriam necessárias décadas para acontecer, uma vez que nãohaveria substituição <strong>do</strong>s prédios já construí<strong>do</strong>s e nem para prédios tomba<strong>do</strong>s. Portanto,teríamos algumas vagas esparsas e não o alargamento da via, sem melhoria alguma naflui<strong>de</strong>z <strong>do</strong> trânsito.É pertinente lembrar que o Plano Diretor <strong>de</strong> 2000 e a Lei 1420/2000 previam um recuo <strong>de</strong> três metroscom o objetivo <strong>de</strong> obter‐se, em longo prazo, o alargamento das vias. O recuo foi retira<strong>do</strong> das leis e osproprietários ganharam 3 metros a mais para construírem nos lotes. Atualmente, há prédios na cida<strong>de</strong>que alargaram a calçada, sem nenhuma compensação.isbn: 978-85-98261-08-95 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAISEm um município, exista nele a prática <strong>de</strong> um bom planejamento ou não, há vários agentesenvolvi<strong>do</strong>s, cada grupo <strong>de</strong> uma forma, mais ou menos explícita. Neste texto foi feito umbalanço <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ze anos <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaço urbano, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que Viçosa aprovou seu planodiretor, em 2000, juntamente com a legislação complementar referente à política urbana. Oresulta<strong>do</strong> <strong>do</strong> balanço entre as ações efetivadas e as regras aprovadas é claramente negativo.Os prefeitos mantiveram certa distância, sem muito interesse e esforço na aplicação <strong>do</strong> plano.A população, quan<strong>do</strong> convidada a participar, esteve presente. Os prefeitos, assim como osverea<strong>do</strong>res são <strong>de</strong>sprepara<strong>do</strong>s, sem noção da amplitu<strong>de</strong> da legislação. Os verea<strong>do</strong>res apoiaramos prefeitos, por razões políticas. Parte <strong>de</strong>les atuou permitin<strong>do</strong> a utilização <strong>de</strong> brechas nalegislação ou <strong>de</strong> alterações contrárias ao que prega o plano diretor, a partir da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>argumentos contraditórios.O IPLAM foi cria<strong>do</strong>, instala<strong>do</strong> precariamente e dirigi<strong>do</strong> por técnicos sem formação emplanejamento urbano. Em alguns casos, liga<strong>do</strong>s diretamente ao setor da construção civil. Oórgão passou to<strong>do</strong> o tempo sob pressão da população <strong>de</strong>scontente com as regras e com a<strong>de</strong>mora da aprovação <strong>do</strong>s projetos. O IPLAM vem sen<strong>do</strong> efusivamente critica<strong>do</strong> pelos setoresda construção civil, com raras exceções, que discordam da sua atuação, uma vez que, no órgão,busca‐se aplicar a legislação e tentam‐se impedir ações irregulares 14 .Os construtores também se mantiveram à distância, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> para atuar posteriormente juntoa seus representantes na Câmara Municipal, quan<strong>do</strong> lhes aprouvessem. O setor atuafortemente para <strong>de</strong>rrubar ou a<strong>de</strong>quar leis que não condizem com os interesses daqueles a46


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)quem representam. As leis prevalecem na base <strong>do</strong> “tu<strong>do</strong> po<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não afronte as áreasvalorizadas pelo merca<strong>do</strong>”. Construtores cinicamente ameaçam ir embora da cida<strong>de</strong> eespalham, nas pessoas menos esclarecidas, o me<strong>do</strong> <strong>de</strong> que a imposição <strong>de</strong> regras po<strong>de</strong>rá gerar<strong>de</strong>semprego. Tal ameaça não se concretizará porque a <strong>de</strong>manda persistirá e os lucros sãoenormes.isbn: 978-85-98261-08-9Com a certeza <strong>de</strong> que a população continuará a crescer, há <strong>de</strong> se ocupar, <strong>de</strong>ntro da legislação e<strong>de</strong> forma sustentável, os muitos vazios urbanos, muitos próximos à área central, cerca<strong>do</strong>s <strong>de</strong>infraestrutura. Essas proprieda<strong>de</strong>s não cumprem sua função social e se <strong>de</strong>stinam à especulaçãoimobiliária. Não houve prefeito com coragem <strong>de</strong> cobrar <strong>de</strong> muitos proprietários ocumprimento da função social da proprieda<strong>de</strong>. A construção civil po<strong>de</strong>, como felizmente écomprovada por alguns empresários, conviver com o respeito às leis, continuar a lucrar muito eempregar muita gente. A cida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> crescer <strong>de</strong> forma mais harmoniosa, não como um tumormaligno.Houve poucas melhorias como resulta<strong>do</strong> da legislação, pois elas só começaram a surgir há unscinco anos nas tipologias das edificações. A produção e reprodução <strong>de</strong> espaços urbanoscontinuam <strong>do</strong>minadas pela forte ação <strong>do</strong> setor imobiliário. O meio ambiente foi fortementeagredi<strong>do</strong> e molda<strong>do</strong> <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com interesses <strong>do</strong> setor. Há um gran<strong>de</strong> estrago já feito porconta da invasão das margens <strong>do</strong>s cursos d’água e das irregularida<strong>de</strong>s espalhas pelo teci<strong>do</strong>urbano, inclusive nas periferias.Há, no entanto, alguns sinais <strong>de</strong> que algo po<strong>de</strong> estar mudan<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Viçosa. Emboratar<strong>de</strong>, mas não tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais, a firmeza <strong>do</strong> Ministério Público na cobrança pela aplicação dalegislação ambiental vem confirmar que Viçosa está crescen<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma errada e ilegal e quealgo precisa ser feito. As últimas <strong>de</strong>cisões quanto à negação da permissão para se construir<strong>de</strong>ntro das áreas não edificantes provarão estar corretas e contribuirão <strong>de</strong>cisivamente paraalterar o <strong>de</strong>stino da insustentável forma <strong>de</strong> crescimento que a cida<strong>de</strong> tomou nas últimasdécadas. Agora, a preocupação com o <strong>de</strong>stino <strong>do</strong> meio ambiente parece encontrar<strong>de</strong>cisivamente o seu amparo legal.Este texto é um alerta. Tem‐se <strong>de</strong> pensar num futuro em que não persistirão as aberraçõespermitidas e construídas em cima <strong>de</strong> interesse, privilégio, irresponsabilida<strong>de</strong>, ameaça eimpunida<strong>de</strong>. Um dia, não importa em quantas décadas ou qual geração que nos suce<strong>de</strong>rá, oserros <strong>de</strong>verão ser repara<strong>do</strong>s. É certo que nossa atual geração po<strong>de</strong>rá ser lembrada comomesquinha e inconsequente, mas a nós po<strong>de</strong>rá também ser atribuí<strong>do</strong> o reconhecimento <strong>do</strong>serros e o crédito <strong>do</strong> marco inicial da mudança.476 REFERÊNCIASBASSUL, José Roberto. “Reforma urbana e Estatuto da Cida<strong>de</strong>”. EURE. Santiago, v. 28, n. 84, set. 2002. Disponível em: . Acesso em 15<strong>de</strong>z 2010.BORDIEU, Pierre. A Miséria <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.BRASIL. Lei 10.257, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001. Estatuto da Cida<strong>de</strong>. Brasília: Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s, 2001.CARVALHO, Pélmio. “Bizantinismo e tombamentos”. Folha da Mata no 2165, Viçosa, MG 10 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2010. P. 2


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)CONSELHO DAS CIDADES. Resolução nº. 15, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2004. Realizar uma Campanha Nacional <strong>de</strong>Sensibilização e Mobilização visan<strong>do</strong> à elaboração e à implementação <strong>do</strong>s Planos Diretores Participativos, com oobjetivo <strong>de</strong> criar cida<strong>de</strong>s inclu<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>mocráticas e sustentáveis. Disponível em: Acesso em 03 set. 2007.CONSELHO DAS CIDADES. Resolução nº. 34, <strong>de</strong> 1º julho <strong>de</strong> 2005. Emitir orientações e recomendações ao conteú<strong>do</strong>mínimo <strong>do</strong> Plano Diretor, ten<strong>do</strong> por base o Estatuto da Cida<strong>de</strong>. Disponível em: Acessoem 03 set. 2007.GOULART, Jefferson. “Estatuto da Cida<strong>de</strong> e Plano Diretor Participativo instituições contam e a política faz adiferença”. Ca<strong>de</strong>rnos IPPUR, vol. XXII n.,1, jan.‐jul 2008, p. 99‐121.MARICATO, Ermínia. ______. “Reforma Urbana: Limites e Possibilida<strong>de</strong>s. Uma Trajetória Incompleta”. In: RIBEIRO, L.C. Q. e SANTOS JR. O. A. <strong>do</strong>s (orgs.). In: Globalização e Fragmentação e Reforma Urbana: o futuro das cida<strong>de</strong>sbrasileiras na crise. Rio <strong>de</strong> janeiro: Civilização Brasileira. 1994. p. 309‐23.______ . Brasil, cida<strong>de</strong>s: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001._______. “Especulação da terra inviabiliza moradia popular”. Entrevista à Revista Caros Amigos. São Paulo, n° 158,maio <strong>de</strong> 2010.KOWARICK, Lúcio. Espoliação urbana. 2 ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1993.PACHECO, Aguinal<strong>do</strong>. Duplicação da Estrada <strong>do</strong>s Cristais. Viçosa Cida<strong>de</strong> Aberta. Viçosa, 24 mar. 2010. Disponível em:. Acesso em 15 <strong>de</strong>z. 2010.SOUZA, Marcelo Lopes <strong>de</strong>. Mudar a cida<strong>de</strong>: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 556 p.isbn: 978-85-98261-08-9SPORCH, Ygor. “Exposição <strong>de</strong> motivos <strong>do</strong> Plano Diretor” (Documento integrante <strong>do</strong> Anteprojeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> Revisão <strong>do</strong>Plano Diretor <strong>de</strong> Viçosa). Viçosa: IPLAM, 2008Stephan, Ítalo I. C. “A participação popular no Plano Diretor”. Tribuna Livre. Viçosa, MG, p.2, 18 <strong>de</strong>z. 1998.______. “O instituto e o conselho <strong>de</strong> planejamento”. Tribuna Livre, n. 406. Viçosa, MG, p.2, 01 abr. 1999.______. “Os anéis e os <strong>de</strong><strong>do</strong>s”. Tribuna Livre, n. 498. Viçosa, MG, p.2, 05 jan. 2001.______. “Nasce o COMPLAN”. Tribuna Livre, n. 541. Viçosa, MG, p.2, 01 nov. 2001.______. “Plano Diretor <strong>de</strong> Viçosa: avanços e limitações”. Vitruvius: Arquitextos 78, Texto especial 393, nov. 2006.______. “Conselhos que não aconselham”, Tribuna Livre, Viçosa, MG, V. , N. 956, P. 6 , 2009.______. Leis e salsichas, Tribuna Livre, Viçosa‐MG, V. , N. 948, P. 6 , 2009.______, REIS, Luiz. F. “Revisão <strong>do</strong> Plano Diretor <strong>de</strong> Viçosa: participação popular e auto‐aplicabilida<strong>de</strong>”. Risco (SãoCarlos), v.6, p.84 ‐ 93 2008.______. “Planos Diretores em Minas Gerais: vinte anos <strong>de</strong> exigência constitucional”. Risco (São Carlos), V. 10, p. 46‐56, 2009. Disponível em: .Acesso em 12/12/2010.VIÇOSA, Prefeitura Municipal <strong>de</strong>. Institui o Plano Diretor <strong>de</strong> Viçosa. Lei Complementar <strong>de</strong> 1383/ 2000.VILLAÇA, Flávio. As ilusões <strong>do</strong> Plano Diretor. São Paulo: 2005, 94 p. Disponível em:. Acesso em: 12 <strong>de</strong>z. 2010.VIÇOSA, Prefeitura Municipal. Lei n.º. 1383/2000. Institui a Ocupação, Uso <strong>do</strong> Solo e Zoneamento <strong>do</strong> Município <strong>de</strong>Viçosa e dá outras providências. 25 mai. 2000.______ . Lei n.º. 1420/2000. Institui a Ocupação, Uso <strong>do</strong> Solo e Zoneamento <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Viçosa e dá outrasprovidências. 21 <strong>de</strong>z. 2000.______ . Lei n.º. 1.469/2001. Institui o Parcelamento <strong>do</strong> Solo <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> Viçosa e dá outras providências. 20 <strong>de</strong>z. 2001.48


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)7 NOTASisbn: 978-85-98261-08-91 Foi feita uma reunião específica para o setor <strong>de</strong> construtores e agentes imobiliários. Foram apenas cinco ospresentes. Foi realizada uma segunda reunião, com seis presentes. Nenhum <strong>de</strong>les era <strong>de</strong> alguma gran<strong>de</strong> construtora,nenhum arquiteto.2 Um <strong>do</strong>s diretores era um construtor <strong>de</strong> conhecimento prático em obras. Foi escolhi<strong>do</strong> pelo prefeito com ajustificativa <strong>de</strong> que, se o IPLAM não funcionava direito com diretores com formação em nível superior, <strong>de</strong>veriafuncionar com uma pessoa <strong>de</strong> vivência prática.3 O Conselho Municipal <strong>de</strong> Planejamento <strong>de</strong> Viçosa (COMPLAN) tem, <strong>de</strong>ntre outras as seguintes atribuições: ‐monitorar, fiscalizar e avaliar a implementação <strong>do</strong> Plano diretor; sugerir alterações das normas contidas no PlanoDiretor e <strong>de</strong>mais leis municipais correlatas, além <strong>de</strong> promover a compatibilização com as <strong>de</strong>mais leis municipais,sugerin<strong>do</strong> modificações em seus dispositivos; opinar sobre a compatibilida<strong>de</strong> das propostas <strong>de</strong> programas eprojetos conti<strong>do</strong>s nos planos plurianuais, leis <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias e nos orçamentos anuais; analisar e emitirparecer sobre as propostas <strong>de</strong> alteração <strong>do</strong> Plano Diretor e da legislação municipal correlata.4 Cursos <strong>de</strong> Dança, Engenharia Ambiental, Engenharia Agrícola e Ambiental e <strong>de</strong> Produção, 1999; Bioquímica,Geografia, História e Engenharia Elétrica, 2000; Educação Infantil em 2006; Comunicação Social em 2005;Enfermagem, Engenharias Mecânica e Química, Ciências Sociais, Licenciaturas em Ciências Biológicas, Química,Física, Matemática, em 2007 e Medicina em 2010.5 Fundada em 1999, possuía em 2010 cerca <strong>de</strong> 550 alunos matricula<strong>do</strong>s em sete cursos <strong>de</strong> graduação e seis <strong>de</strong> pósgraduação.6 Fundada em 2005, possuía em 2010 cerca <strong>de</strong> 1800 alunos matricula<strong>do</strong>s em treze cursos <strong>de</strong> graduação e <strong>do</strong>ze <strong>de</strong>pós‐graduação.7 Criada em 2001, possuía em 2010 cerca <strong>de</strong> setecentos alunos matricula<strong>do</strong>s em quatro cursos <strong>de</strong> graduação e <strong>do</strong>isem pós‐graduação.8 O setor su<strong>do</strong>este da cida<strong>de</strong>, como região das nascentes <strong>do</strong> Ribeirão São Bartolomeu, que é juntamente com seureceptor Rio Turvo, o responsável pelo abastecimento <strong>de</strong> água .9 O último caso, para a construção <strong>de</strong> um prédio às margens <strong>do</strong> Ribeirão São Bartolomeu, foi paga quantia <strong>de</strong> R$26.000,00, o que permitiria a construção <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> vinte apartamentos <strong>de</strong>ntro da faixa <strong>do</strong>s 15 a 30metros.10 A ZR3 tem o Coeficiente <strong>de</strong> Aproveitamento máximo <strong>de</strong> 1,5 (um inteiro e cinco décimos). A ZR3 tem comoíndices <strong>de</strong> ocupação <strong>do</strong> solo: ‐ Taxa <strong>de</strong> Ocupação máxima <strong>de</strong> 50% (cinqüenta por cento) e Taxa <strong>de</strong> Permeabilizaçãomínima <strong>de</strong> 30% (trinta por cento). Para a ZR3, o gabarito máximo das edificações será <strong>de</strong> 4 (quatro) pavimentos.11 Art. 1º ‐ O artigo 1º da Lei nº. 1.848, <strong>de</strong> 26.09.2007, passa a vigorar com a seguinte redação:“Art. 1º ‐ Fica <strong>de</strong>nominada Avenida Prefeito Geral<strong>do</strong> Eustáquio Reis a via pública que tem início <strong>de</strong>pois <strong>do</strong>número 419 da Rua Carmita Pacheco e término no trevo que dá acesso ao bairro Romão <strong>do</strong>s Reis.”Art. 2º ‐ A Avenida Prefeito Geral<strong>do</strong> Eustáquio Reis fica assim incluída como Corre<strong>do</strong>r Secundário <strong>do</strong>Anexo V da Lei nº 1.420/2000.Art. 3º ‐ Esta Lei entra em vigor na data <strong>de</strong> sua publicação, revogadas as disposições em contrário.12 O custo por metro quadra<strong>do</strong> <strong>de</strong> um apartamento na área central chegou aos R$4.500,00 no início <strong>de</strong> 2012.13 Em 2002, em monografia <strong>de</strong> especialização em Planejamento Municipal, Sérgio Car<strong>do</strong>so Pinheiro levantou to<strong>do</strong>sos terrenos vazios na área urbana <strong>de</strong> Viçosa e concluiu que a cida<strong>de</strong> não necessitaria se expandir pelos próximostrinta anos.14 Em adição a estes aspectos a <strong>de</strong>mora na aprovação <strong>do</strong>s projetos, na maioria <strong>do</strong>s casos normal pela tramitaçãoexigida, irrita aos construtores que não levam em consi<strong>de</strong>ração esse tempo em seus cronogramas.49


NÚCLEO TEMÁTICO I: Cida<strong>de</strong> em movimento e movimento na cida<strong>de</strong>Cida<strong>de</strong>s e Afetos: segregação e alterida<strong>de</strong>Cities and affections: segregation and othernessprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Maria Luísa M. NOGUEIRAMestre em Psicologia Social/<strong>UFMG</strong>; Doutoranda em Geografia/<strong>UFMG</strong>; Professora <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong>Psicologia/<strong>UFMG</strong>. marilumn@yahoo.com.brisbn: 978-85-98261-08-9RESUMOA partir <strong>de</strong> uma discussão sobre fragmentação urbana, discute‐se neste texto a questão da segregação,sobretu<strong>do</strong> em seu caráter simbólico. Pela via da dimensão psicossocial, é possível perceber os aspectosnegativos <strong>de</strong>stes processos. Para tanto, usa‐se não apenas referências a casos específicos das cida<strong>de</strong>sbrasileiras, como também a presença <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> arranjo urbano em obras literárias. Deste mo<strong>do</strong>:Jurerê Internacional, em Florianópolis; Complexo Cida<strong>de</strong> Jardim, em São Paulo; Alphavilles; e aspaisagens literárias <strong>de</strong> Altos <strong>de</strong> La Cascada, extraída <strong>do</strong> livro As viúvas das quintas‐feiras, <strong>de</strong> CláudiaPiñeiro e o Centro, da obra A Caverna, <strong>de</strong> José Saramago. Objetiva‐se estabelecer uma reflexão sobre adimensão simbólica das cida<strong>de</strong>s, ten<strong>do</strong> como base as imagens colhidas nas paisagens citadas acima e ai<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o espaço é político, conforme pensam Henri Lefebvre e Milton Santos. Admitir a dimensãopolítica <strong>do</strong> espaço é reconhecer a importância da diferença, o que nos encaminha a refletir sobre como avivência da alterida<strong>de</strong> hoje resvala na produção <strong>do</strong> que aqui foi <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> como alterida<strong>de</strong> cosmética.PALAVRAS‐CHAVE: cida<strong>de</strong>, segregação, alterida<strong>de</strong>, subjetivida<strong>de</strong>, imaginário.ABSTRACTQuestioning the urban fragmentation issue, this paper discuss the symbolic matter of segregation.Through psychosocial dimension it is possible to apprehend the negative aspects of these proposals. Forthis purpose we borrow not only specific cases of Brazilian cities, as urban arrangements on literaryworks. Thus: Jurerê Internacional in Florianopolis, Complexo Cida<strong>de</strong> Jardim in São Paulo; Alphavilles, andthe literary landscapes such as Altos <strong>de</strong> la Cascada, from Claudia Piñeiro book As viúvas das quintasfeirasand the Center, from the book A Caverna of Jose Saramago. The goal is to establish a reflection onthe symbolic dimension of cities, based on images taken in the landscapes mentioned above. As a way todive into this problematic field, we discuss and raise reflections from the Henri Lefebvre and MiltonSantos works, such as the i<strong>de</strong>a of space as political. Acknowledge the political dimension of space isrecognize the importance of difference, leading us to think about how today the experience of othernessbecame, as this paper calls, a cosmetic otherness.KEYWORDS: city, segregation, alterity, subjectivity, imaginary50Diversos autores já apontaram para as consequências negativas <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> fragmentação datrama <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> urbano, evi<strong>de</strong>ntes na autossegregação das elites, não apenas na produção <strong>do</strong>senclaves fortifica<strong>do</strong>s – como <strong>de</strong>nominou Teresa Cal<strong>de</strong>ira (CALDEIRA, 2003.) ou urbanizações privadas(SVAMPA, 2004). Eles também se fazem presentes em estratégias variadas como a inserção <strong>de</strong>guaritas e cancelas nas ruas da cida<strong>de</strong> (privatização branca 1 ); marcam também, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> comMarcelo Lopes <strong>de</strong> Souza, a territorialização <strong>de</strong> favelas pela questão <strong>do</strong> tráfico” (SOUZA, 2008, p. 58).Exclusões e autoexclusões participam, pela via <strong>do</strong> me<strong>do</strong>, na conformação <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> experiênciaurbana 2 , marcada por uma alterida<strong>de</strong> cosmética.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Há muito tempo a teoria urbana já fala <strong>de</strong> segregação. Em publicação recente, Lúcia MariaBógus <strong>de</strong>dica um texto inteiro à discussão <strong>de</strong>sse léxico e suas diversas análises, ao longo daconformação das várias vertentes da teoria urbana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os últimos cem anos e passan<strong>do</strong> porvárias disciplinas. A autora faz um trabalho interessante e aponta a seguinte conclusão,informan<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> aprofundamento da questão e sua consequente ação, em termos<strong>de</strong> políticas públicas:[...] os estu<strong>do</strong>s sobre segregação espacial acabam invariavelmente apontan<strong>do</strong> para as consequênciasnegativas <strong>do</strong> isolamento involuntário <strong>de</strong> grupos sociais em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s espaços das cida<strong>de</strong>s, quaisquerque sejam as causas <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> isolamento. Mesmo nos casos <strong>de</strong> isolamento voluntário <strong>do</strong>s grupos <strong>de</strong>alta renda em con<strong>do</strong>mínios resi<strong>de</strong>nciais, as <strong>de</strong>svantagens po<strong>de</strong>m ser apontadas em relação às limitaçõesimpostas às formas <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, que em muitos casos se restringem às áreas intramuros (Cal<strong>de</strong>ira,2000) ou a elas contíguas, como reação <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa a outro tipo <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> que vem se instalan<strong>do</strong> nascida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> terceiro mun<strong>do</strong>, a sociabilida<strong>de</strong> violenta, maior em áreas segregadas <strong>de</strong> baixa renda, que seapresenta como uma ameaça aos habitantes <strong>de</strong>ssas cida<strong>de</strong>s, como um to<strong>do</strong>. (BÓGUS, 2009, p. 123).O importante a colocar em relevo no pensamento <strong>de</strong> Lúcia Maria Bógus, a meu ver, éjustamente a multiplicação das consequências negativas <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> segregação queengenhamos. Contu<strong>do</strong>, há duas ressalvas importantes a marcar: em primeiro lugar, parecepouco afirmar que a segregação voluntária expressa‐se apenas como “reação <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa” a umapossível “sociabilida<strong>de</strong> violenta”. Ainda que esse <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa seja um elemento inegávelna escolha das famílias <strong>de</strong> renda média e alta pela moradia isolada, isto é, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> seafastar da violência da e na cida<strong>de</strong>, penso que seja preciso reconhecer que é justamente essemovimento (<strong>de</strong> segregação) um eixo fundamental da própria violência – o que só po<strong>de</strong> sercompreendi<strong>do</strong> se tomamos a violência numa compreensão mais ampla <strong>do</strong> fenômeno.Portanto, me parece importante sublinhar que, se querem <strong>de</strong>la se afastar, não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong>participar <strong>de</strong> seu fomento. Em segun<strong>do</strong> lugar, no mesmo raciocínio, o que a autora chama <strong>de</strong>sociabilida<strong>de</strong> violenta não é exclusivida<strong>de</strong> das cida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s países chama<strong>do</strong>s <strong>de</strong> terceiro mun<strong>do</strong>(se é que po<strong>de</strong>mos ainda manter essa nomenclatura).No livro A Caverna, José Saramago conta os efeitos da opacida<strong>de</strong> da vida vivida no Centro,mesmo para aqueles que (ainda) lá não vivem.Creio que a melhor explicação <strong>do</strong> Centro ainda seria consi<strong>de</strong>rá‐lo como uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> outracida<strong>de</strong>, Não sei se será a melhor explicação, <strong>de</strong> qualquer mo<strong>do</strong> não é suficiente para que eu perceba o quehá <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> Centro, O que há é o mesmo que se encontra numa cida<strong>de</strong> qualquer, lojas, pessoas quepassam, que compram, que conversam, que comem, que se distraem, que trabalham, [...] é curioso quecada vez que olho cá <strong>de</strong> fora para o Centro tenho a impressão <strong>de</strong> que ele é maior <strong>do</strong> que a própria cida<strong>de</strong>,isto é, o Centro está <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong>, mas é maior <strong>do</strong> que a cida<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> uma parte é maior que o to<strong>do</strong>,provavelmente será porque é mais alto que os prédios que o cercam, mais alto que qualquer prédio dacida<strong>de</strong>, provavelmente porque <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o princípio tem esta<strong>do</strong> a engolir ruas, praças, quarteirões inteiros.(SARAMAGO, 2000, p. 258)Ruas, praças e quarteirões inteiros po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>saparecer num instante. Foram engoli<strong>do</strong>s?Crescer, crescer, crescer. Crescer para <strong>de</strong>senvolver. Para Henri Lefebvre: “Sabemos (e repitoinsistentemente) que o <strong>de</strong>senvolvimento e o crescimento não coinci<strong>de</strong>m, que o crescimentonão conduz automaticamente ao <strong>de</strong>senvolvimento” (LEFEBVRE, 2008, p. 161). É ao gosto (egozo) feroz da especulação imobiliária que o cenário urbano muda sempre e rapidamente.Morrem casas to<strong>do</strong>s os dias. Enterra‐se o rio, mais ou menos lentamente. A qualida<strong>de</strong> da vidaurbana muda em vários senti<strong>do</strong>s – forma, conteú<strong>do</strong>, escala, senti<strong>do</strong>. Inventam‐se eisbn: 978-85-98261-08-951


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)reinventam‐se arranjos <strong>de</strong> moradia, trabalho, lazer. Nascem cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong>, cida<strong>de</strong>sfora da cida<strong>de</strong>, pseu<strong>do</strong>‐cida<strong>de</strong>s maiores que a cida<strong>de</strong>, indiferentes a ela. O Centro cresce to<strong>do</strong>sos dias (SARAMAGO, 2000, p. 281.) transporta para seu interior os usos antes próprios da vidaurbana – cinemas e teatros, discotecas, jardins, igreja, praia, zoológico, cascata (SARAMAGO,2000, p. 277), entre diversos outros componentes observa<strong>do</strong>s pelos personagens <strong>de</strong> JoséSaramago. Trata‐se <strong>de</strong> eliminar da cida<strong>de</strong> o que não po<strong>de</strong> ser previsto e controla<strong>do</strong>. Trata‐se <strong>de</strong>um simulacro 3 <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>. Uma cida<strong>de</strong> falsa?Nuances <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> proposta aparecem e <strong>de</strong>saparecem em ofertas diversas <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> umpouco, moradia, transporte, intimida<strong>de</strong>, privacida<strong>de</strong>, segurança, controle, anestesia. Instituirprotocolos <strong>de</strong> contato. Fixar memórias em imagens estáticas. Pesar o tempo. Controlar, vigiar,militarizar. Nada disso é novida<strong>de</strong>, já faz parte da esfera imaginária <strong>de</strong>s<strong>de</strong>, pelo menos,Admirável Mun<strong>do</strong> Novo, 1984, Alphaville 4 . Talvez seja relativamente novo 5 encontrar condiçõesmateriais à mão para fabricar esses mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> viver. Não ser afeta<strong>do</strong>: morar, trabalhar,consumir sem estabelecer contato com a cida<strong>de</strong>. Fazer <strong>do</strong> shopping, a rua. Obrigar a rua ace<strong>de</strong>r à estética <strong>do</strong> shopping.São arranjos urbanos chama<strong>do</strong>s, por exemplo, <strong>de</strong> “con<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> tipo cida<strong>de</strong>”, ampara<strong>do</strong>s naproposta <strong>de</strong> “ter tempo” para viver a cida<strong>de</strong>, sem precisar <strong>de</strong>la – afinal, trata‐se, talvez, <strong>de</strong> uma“cida<strong>de</strong> própria” 6 , uma “minicida<strong>de</strong>” 7 . Em São Paulo, o complexo Parque Cida<strong>de</strong> Jardim pareceoferecer justamente esse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconexão à cida<strong>de</strong>. Seu slogan é previsível: isto éinédito, ainda que não seja efetivamente nada tão novo ou original 8 . Praça particular. Bosqueparticular. Rua particular. “Sustentabilida<strong>de</strong>” e “personal shopper” 9 . Vista para o rio, ou o queum dia foi um rio. Shopping ao ar livre, “<strong>de</strong> frente para um jardim”, o jardim <strong>do</strong>s outros –aquele mesmo, que é sempre mais bonito. Em 2 anos, to<strong>do</strong>s os luxuosos apartamentos (325unida<strong>de</strong>s) das torres resi<strong>de</strong>nciais estavam vendi<strong>do</strong>s, um terço <strong>do</strong> tempo previsto pelaincorpora<strong>do</strong>ra 10 ; o consumo das torres comerciais também foi recor<strong>de</strong>.Cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tantas torres. Torre: topo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Observar sem ser visto. Ser forte e pronto paraa guerra. Uma torre <strong>de</strong>ve ser alta, fortificada. Se há <strong>de</strong> fato uma verticalida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável,pensan<strong>do</strong> na escala da cida<strong>de</strong>, talvez o prepon<strong>de</strong>rante na proliferação <strong>do</strong> uso <strong>de</strong>sta<strong>de</strong>nominação seja a dimensão simbólica que sustenta o léxico: lugar protegi<strong>do</strong>, fortifica<strong>do</strong>,enclausura<strong>do</strong>, pronto ao combate. Este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> arranjo urbano prolifera‐se, radicaliza ai<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Henri Lefebvre sobre a socieda<strong>de</strong> urbana, sobre como o urbano corrói os teci<strong>do</strong>s davida agrária (LEFEBVRE, 2008). Parece que os teci<strong>do</strong>s urbanos veem‐se, eles mesmos, cada vezmais esgarça<strong>do</strong>s por um arranjo que nega a própria cida<strong>de</strong>.Não estamos apenas nos <strong>do</strong>mínios <strong>do</strong> me<strong>do</strong>, estamos no reino <strong>do</strong> conforto. O conforto é dafamília da or<strong>de</strong>m, já o acaso é companheiro da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. E para Beatriz Sarlo a cida<strong>de</strong> éterritório aberto (SARLO, 2009, p. 21) 11 , disponível a vivências múltiplas; um artefato <strong>de</strong>lica<strong>do</strong>,resistente e complexo que carrega em si um potencial diabólico <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m.A <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, característica tão evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> nossos movimentos no teci<strong>do</strong> urbano, <strong>do</strong> própriomovimento das cida<strong>de</strong>s ao longo da história, vem sen<strong>do</strong> vivida como in<strong>de</strong>sejável. Contra elavem sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> um mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> tecnologias <strong>de</strong> controle e previsibilida<strong>de</strong>s vigilantes.Repelir a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, ou <strong>do</strong>miná‐la, significa o esvaziamento <strong>do</strong>s encontros, bem como aeliminação discreta da cida<strong>de</strong>. Com uma tipologia que persegue a “perfeita a<strong>de</strong>quação entreisbn: 978-85-98261-08-952


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)finalida<strong>de</strong> e disposição <strong>do</strong> espaço” (SARLO, 2009, p. 13) 12 , a ambição <strong>do</strong> shopping, por sua vez,ainda segun<strong>do</strong> Beatriz Sarlo, é justamente substituir a cida<strong>de</strong>: mais <strong>do</strong> que se contrapor a ela,ele transpõe em seu interior, <strong>de</strong> forma revista e selecionada, usos e serviços, sempretangencia<strong>do</strong>s pelo consumo e pelo conforto. Prolonga‐se, assim, ad nauseam, uma superfície<strong>de</strong> homogeneida<strong>de</strong>, na qual a posição <strong>do</strong> sujeito diferente é sempre modificada para a <strong>de</strong>inimigo, aquele que ameaça. Porém, é claro, o outro é e sempre será, <strong>de</strong> fato, uma forma <strong>de</strong>ameaça. Há uma ameaça necessária. É pelo encontro com o olhar <strong>do</strong> outro que saímos <strong>de</strong> umequilíbrio psíquico postiço, <strong>do</strong> mesmo <strong>de</strong> nós mesmos. O outro é capaz <strong>de</strong> nos convidar ao<strong>de</strong>vir, à saída da manutenção i<strong>de</strong>ntitária. O outro, que nos convida à vivência da diferença,base da experiência <strong>de</strong> alterida<strong>de</strong>, tão importante à produção subjetiva.Está claro que a semelhança e homogeneização são bases <strong>do</strong> conceito que estrutura este tipo<strong>de</strong> arranjo urbano, ainda que, contraditoriamente, venda exclusivida<strong>de</strong>, diferença. “É opara<strong>do</strong>xo <strong>de</strong> nosso mun<strong>do</strong>: ser igual quan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> aponta para (ou facilita) singularizações esingularizar‐se quan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> se encaminha para gran<strong>de</strong>s formações homogêneas” (BRANDÃO,2002, p. 138). Assistimos a um <strong>de</strong>slocamento abrupto ente singularida<strong>de</strong> e homogeneização,conforme sugere a cartografia feita por Ludmila <strong>de</strong> Lima Brandão no livro A Casa Subjetiva:“Casas queren<strong>do</strong> ser iguais a..., fazen<strong>do</strong> parte <strong>de</strong> tribos. Casas queren<strong>do</strong> ser diferentes <strong>de</strong>..., osonho <strong>de</strong> ser famoso, único” (BRANDÃO, 2002, p. 27). Nada mais igual que um shopping. Querser inédito, mas é sempre mais uma reedição. Para Teresa Cal<strong>de</strong>ira:Essas tecnologias incluem a ubiquida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s muros, sua inserção em complexos sistemas <strong>de</strong> vigilância edistinção, privatização e comoditização da segurança e a naturalização <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> controle. Essasnovas tecnologias <strong>do</strong> público tornaram a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e a segregação naturais. O público que elas criaram,inerentemente <strong>de</strong>sigual, não apenas distancia grupos sociais, mas trata essa separação como <strong>de</strong>sejável”(CALDEIRA, 2011, p. 217).Os enclaves fortifica<strong>do</strong>s segun<strong>do</strong> Teresa Cal<strong>de</strong>ira carregam a segregação social como umvalor. Nesse tipo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>namento socioespacial, em que são facilmente enquadra<strong>do</strong>scon<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s e shoppings, a marca é a da seletivida<strong>de</strong> e separação; ali,reduzem‐se substancialmente as “interações cotidianas entre habitantes <strong>de</strong> diferentesgrupos sociais.” (CALDEIRA, 1997, p. 174).Na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Florianópolis, em Jurerê Internacional, os muros são proibi<strong>do</strong>s. Entretanto,estão ali, ocupan<strong>do</strong> outra materialida<strong>de</strong> – eles simplesmente não são necessários pois obloqueio à diferença já está inscrito socioespacialmente. Trata‐se da produção <strong>de</strong> umespaço reserva<strong>do</strong> às camadas <strong>de</strong> alta renda <strong>do</strong> Brasil (não só <strong>de</strong> Florianópolis)aparentemente aberto, mas pouco acessível. Essa localida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forte carga imagética,parece ter muito a dizer sobre o universo priva<strong>do</strong>. Chama atenção o sobrenomerecentemente agrega<strong>do</strong>: internacional – sugerin<strong>do</strong> a transposição <strong>de</strong> limites e fronteiras,a ida ao exterior, a entrada em uma cultura distinta. A formalida<strong>de</strong> impressa no nometorna o outro um estrangeiro ali – Internacional. Entretanto, o uso <strong>do</strong> termo não respeitaa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> exteriorida<strong>de</strong> implícita na noção, antes, seu emprego não diz respeito ao fora,mas sim à produção <strong>de</strong> uma distinção que, mesmo na ausência <strong>de</strong> muros, busca o mais<strong>de</strong>ntro: o fechamento, a seleção, a particularida<strong>de</strong>.Os lugares possuem uma força singular na espacialização social. O mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s lugares éum mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> elementos que parecem intangíveis: o cotidiano, o simbólico, aisbn: 978-85-98261-08-953


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)subjetivação. É justamente nos lugares que a experiência subjetiva acontece comoprodução <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>, movimento e diferenciação – um processo que exige o mergulhopermanente no conflito, no encontro com o outro, com os lugares <strong>do</strong>s outros. Por isso, oslugares são permea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> dissenso, permitin<strong>do</strong> a emergência das contradições e fazen<strong>do</strong>conviver dialeticamente os elementos <strong>de</strong> que se tece a vida.Milton Santos fundamenta a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que partimos sempre <strong>de</strong> um lugar, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vemos omun<strong>do</strong>, como parece testemunhar o livro As Viúvas das quintas‐feiras <strong>de</strong> Claudia Piñeiro. Ocotidiano <strong>de</strong> seus personagens revela‐se profundamente marca<strong>do</strong> pelo lugar, Altos <strong>de</strong> laCascada, ele mesmo um personagem <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na história. Entretanto, os mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> LaCascada parecem apenas existir sob a condição <strong>de</strong> pertencerem àquele lugar, on<strong>de</strong>aparentemente a cida<strong>de</strong> emerge pelo seu avesso, sua negação:To<strong>do</strong>s os que viemos morar em Altos <strong>de</strong> la Cascada dizemos ter feito isso buscan<strong>do</strong> ‘o ver<strong>de</strong>’, a vidasaudável, o esporte, a segurança. Com essa <strong>de</strong>sculpa, inclusive diante <strong>de</strong> nós mesmos, acabamos por nãoconfessar por que viemos. E, com o tempo, já nem nos lembramos. A vinda para La Cascada produz umcerto esquecimento mágico <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. O passa<strong>do</strong> que resta é a semana passada, o mês passa<strong>do</strong>, o anopassa<strong>do</strong>, “quan<strong>do</strong> jogamos o intercountry e ganhamos”. Vão‐se apagan<strong>do</strong> os amigos da vida inteira, oslugares que antes pareciam imprescindíveis, alguns parentes, as recordações, os erros. Como se fossepossível, em certa ida<strong>de</strong>, arrancar as folhas <strong>de</strong> um diário e começar a escrever um novo. (PIÑEIRO, 2007, p.25)As <strong>de</strong>sculpas se sustentam em justificativas frágeis e terminam por substantivarem‐se emmo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida. Com o tempo, esquecemos as origens <strong>de</strong>les, naturalizamos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> morar, <strong>de</strong>ver o mun<strong>do</strong>, <strong>de</strong> passar o tempo. O mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> viver é um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> significar o mun<strong>do</strong>, <strong>de</strong>simbolizar a vida, <strong>de</strong> subjetivar. É sentir, pensar, organizar a vida, as memórias, os afetos, osencontros. Por que, atualmente, as pessoas parecem gostar tanto <strong>de</strong> passarem suas vidas emidas e vindas a shoppings? Por que o <strong>de</strong>sejo tão dissemina<strong>do</strong> pelos con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s? Nãoparece ser apenas a questão da segurança, ainda que ela não seja <strong>de</strong>sprezível. Parece haveruma conotação <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação neste mo<strong>de</strong>lo, é isso que que se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>sejar. O que reitera umaquestão central: por que a escolha parece ser primariamente dirigida pela dimensão <strong>do</strong>priva<strong>do</strong>? Mais <strong>do</strong> que pensar o shopping e o con<strong>do</strong>mínio, cabe refletir sobre o que os sustenta.O livro <strong>de</strong> Claudia Piñeiro termina como uma interrogação, a mesma que este texto persegue:“Está com me<strong>do</strong> <strong>de</strong> sair?” (PIÑEIRO, 2007, p. 252). Interrogação que leva a outras tantas:po<strong>de</strong>mos viver uma alterida<strong>de</strong> cosmética? Isto é, po<strong>de</strong>mos nos relacionar com o outro, com adiferença, com a política, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> controla<strong>do</strong>, segregacionista, previsível, narcisista? Temosme<strong>do</strong> <strong>do</strong> outro? O que o outro nos diz sobre nós mesmos? Será possível pensar que<strong>de</strong>terminadas políticas <strong>de</strong> espacialida<strong>de</strong> contemporâneas são capazes <strong>de</strong> recusar o conflito?Em Altos <strong>de</strong> la Cascada, a cida<strong>de</strong> emerge como sua negação. Na extinção <strong>de</strong> lembranças, aradicalização da fragmentação da cida<strong>de</strong>. Vive‐se o ausência <strong>do</strong> acaso – esse elemento queintegra a cida<strong>de</strong> e seus encontros –, nutre‐se a elisão <strong>do</strong> imprevisível e a conversão <strong>do</strong> risco emregularida<strong>de</strong>, ainda que submersas numa aura <strong>de</strong> naturalida<strong>de</strong> e espontaneida<strong>de</strong>:Não há cercas retas cortadas com precisão para imitar pare<strong>de</strong>s ver<strong>de</strong>s. Nem arbustosarre<strong>do</strong>nda<strong>do</strong>s. As cercas são cortadas <strong>de</strong>sigualmente, como que <strong>de</strong>scabeladas, para que pareçamnaturais, embora a poda tenha si<strong>do</strong> meticulosamente estudada. À primeira vista, essas plantasmais parecem um casual aci<strong>de</strong>nte geográfico entre vizinhos <strong>do</strong> que barreiras colocadas <strong>de</strong>propósito para marcar um limite. Ainda que o sejam e que esse limite só possa ser insinua<strong>do</strong> porisbn: 978-85-98261-08-954


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9plantas. Não são permiti<strong>do</strong>s alambra<strong>do</strong>s, gra<strong>de</strong>s e muito menos pare<strong>de</strong>s. Exceto o alambra<strong>do</strong>perimetral <strong>de</strong> <strong>do</strong>is metros <strong>de</strong> altura que corre por conta da administração <strong>do</strong> bairro, e que logoserá substituí<strong>do</strong> por um muro que satisfaça as novas normas <strong>de</strong> segurança. [...], anda‐se emqualquer hora, por qualquer lugar, com absoluta tranquilida<strong>de</strong> porque nada <strong>de</strong> ruim po<strong>de</strong>acontecer. (PIÑEIRO, 2007, p. 22)Estética feita para parecer, minuciosamente, espontânea e casual. A marcação <strong>de</strong> limitesé propositalmente disfarçada. Os muros são para o la<strong>do</strong> “<strong>de</strong> fora”, para o outro,diferente. Antes, por causa <strong>de</strong>le. O que se passa entre os muros? Recusa da cida<strong>de</strong>? Épossível afirmar que haja ali a negação da experiência urbana? Certamente, há a redução<strong>do</strong>s encontros, o empobrecimento da experiência social no assoreamento das trocas, natirania da regulamentação, tributária <strong>do</strong> me<strong>do</strong> da cida<strong>de</strong> e <strong>do</strong> me<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> 13 (SARLO,2009, p. 23), preocupação central que alimenta as espacialida<strong>de</strong>s urbanascontemporâneas, segun<strong>do</strong> Beatriz Sarlo.O tempo, uma das novas rarida<strong>de</strong>s, sugere Henri Lefebvre (LEFEBVRE, 2008). Éjustamente tempo o maior atrativo e o melhor produto <strong>do</strong> complexo Parque Cida<strong>de</strong>Jardim, ele ven<strong>de</strong> tempo. Para Henri Lefebvre, o espaço envolve o tempo (LEFEBVRE,2008). É isso que a incorpora<strong>do</strong>ra parece perceber e fazer muito bem: quan<strong>do</strong> se compraum espaço, compra‐se igualmente uma distância, um emprego <strong>do</strong> tempo:O tempo, bem supremo, merca<strong>do</strong>ria suprema, se ven<strong>de</strong> e se compra: tempo <strong>de</strong> trabalho, tempo <strong>de</strong>consumo, <strong>de</strong> lazer, <strong>de</strong> percurso, etc. Ele se organiza em função <strong>do</strong> trabalho produtivo e dareprodução das relações <strong>de</strong> produção na cotidianida<strong>de</strong>. O tempo “perdi<strong>do</strong>” não o é para to<strong>do</strong>mun<strong>do</strong>, pois é preciso pagar caro por ele. (LEFEBVRE, 2008, p. 50)Portanto, parece haver aquele que po<strong>de</strong> comprar tempo. Espaço‐tempo que vincula‐se àreprodução das relações sociais <strong>de</strong> produção, ainda <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Henri Lefebvre. Nãose trata, portanto, <strong>de</strong> <strong>de</strong>monizar esse <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida, afinal, ele não existe<strong>de</strong>svincula<strong>do</strong> da socieda<strong>de</strong> como um to<strong>do</strong>, <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida possíveis. É apenas umaquestão <strong>de</strong> escala. As mesmas substâncias que conformam o cotidiano no Parque Cida<strong>de</strong>Jardim, ou Alphaville, ou Jurerê Internacional, ou Altos <strong>de</strong> la Cascada estão presentes nomeu cotidiano. Aquele que faz, efetivamente, essa opção <strong>de</strong> vida respon<strong>de</strong> ao imaginárioconstruí<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s (KEHL, 2008, p. 294 ) 14 . To<strong>do</strong>s nós contribuímos em maior ou menormedida à existência <strong>de</strong> espaços‐tempos <strong>de</strong> segregação, ainda que seja na posição <strong>de</strong>impossibilita<strong>do</strong>s <strong>de</strong> obtê‐los, o que é a essência <strong>de</strong> sua valorização, nossa impossibilida<strong>de</strong>é o que os torna tão <strong>de</strong>sejáveis. Deste mo<strong>do</strong>, cabe lembrar que algumas condiçõessocioespaciais foram necessárias para essa opção nascer como arranjo urbano. Elas estãopresentes na cida<strong>de</strong> como um to<strong>do</strong>. A condição <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste arranjo foifundada em gestos e signos que dizem respeito à nossa relação com o mun<strong>do</strong>.As imagens urbanas são tecidas <strong>de</strong> elementos diversos – política, história, poética,memória, uso sucessivo e contínuo que transformam espaços. A cida<strong>de</strong> é preenchida porum imaginário, compartilha<strong>do</strong> por habitantes e visitantes. Esse imaginário é permea<strong>do</strong>pelos diversos usos <strong>do</strong> espaço urbano. Ele nunca é constituí<strong>do</strong> abruptamente, mas simpelos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> olhar a cida<strong>de</strong> que vão se configuran<strong>do</strong> ao longo <strong>do</strong>s tempos, emhorizontes <strong>de</strong> enunciação, na co‐habitação <strong>de</strong> conceitos, na proliferação <strong>de</strong> imagens maisou menos similares.55


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)O corpo da cida<strong>de</strong> é feito <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rência, colagem incessante das imagens colecionadas naórbita tempo‐espaço: o que se vê, o que se escon<strong>de</strong>, o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> olhar. Essas imagens sãoproduzidas a partir <strong>do</strong> que o olhar encontra, não apenas pelo que ele constrói. Todaimagem é construída no jogo <strong>do</strong> olhar: o que se emoldura em suas urgências; a ação dasforças <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sobre minha história; o ângulo e o lugar <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se vê; o instante fixa<strong>do</strong>na memória, no papel, da câmera fotográfica, no corpo. O imaginário, justamente o quecompartilhamos na cida<strong>de</strong>, é uma dimensão afetiva <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Constrói‐se por sensaçõese sentimentos, pelas curiosida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> corpo. Essa dimensão simbólica, que constituí oimaginário, não se <strong>de</strong>creta, pois ele é constituí<strong>do</strong> nas condições <strong>de</strong> encontro. Ele é feito<strong>do</strong>s diferentes usos <strong>do</strong> espaço da cida<strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> nossas perspectivas e experiênciassingulares, tecidas por nosso olhar.O imaginário urbano hoje parece ce<strong>de</strong>r à primazia <strong>de</strong> imagens negativas: a cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> me<strong>do</strong>, daparanóia, da vigilância, <strong>do</strong>s muros. Esses elementos, soma<strong>do</strong>s a outras substâncias, alimentama produção <strong>de</strong>sses arranjos urbanos que voltam para si mesmos, on<strong>de</strong> conectam‐se shoppings,con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s, arquitetura <strong>do</strong> me<strong>do</strong>, indústria da segurança, conforto constante eanestésico, o me<strong>do</strong> <strong>do</strong> outro. Parece ser difícil <strong>de</strong>ixar marcas na cida<strong>de</strong>, participar <strong>de</strong> sua vida,produzir memória, fazer cida<strong>de</strong>. Parece que ela já está pronta, a memória já está dada(substituída), os caminhos já estão traça<strong>do</strong>s – e toma<strong>do</strong>s – e temos apenas que respon<strong>de</strong>r,a<strong>de</strong>quadamente, a isso. Para tanto, multiplicam‐se regras, polícias, dispositivos <strong>de</strong> controle,segregação e vigilância. Imagens prontas, editadas. Se a cida<strong>de</strong> nos habita, ela é, ao mesmotempo, produtora da vida, marcan<strong>do</strong> cotidianamente suas possibilida<strong>de</strong>s, seus trajetos e,ainda, os mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> subjetivação que aí se tecem. Se as subjetivida<strong>de</strong>s são construções sociais,composições, elas se arranjam a cada meio‐fio da cida<strong>de</strong>, às suas guias, às pedras que amo<strong>de</strong>lam; integram cada intervalo socioespacial, irrompen<strong>do</strong> em corpo. Uma noção maisradical <strong>de</strong> alterida<strong>de</strong> se obtém <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong>, aquela em que a subjetivida<strong>de</strong> ressoa imóvel,indisposta, hermética.Nessa cida<strong>de</strong>, queremos um pouco <strong>de</strong> cada coisa, queremos apenas um pouco <strong>do</strong> outro – aporção <strong>de</strong>le que se encaixa explicitamente às minhas necessida<strong>de</strong>s – <strong>de</strong> satisfação,reconhecimento e afirmação <strong>de</strong> quem sou, dada por contraste, por <strong>de</strong>squalificação. Queremos<strong>do</strong> outro, e <strong>de</strong>ssa cida<strong>de</strong>, aquilo que se ajusta a mim sem gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sgastes, sem maioresconflitos. Eu preciso que o outro exista, mas na medida certa. Eu <strong>de</strong>sejo a cida<strong>de</strong>, mas não tu<strong>do</strong>que ela contém. A cida<strong>de</strong> inteira é impossível e insuportável.Maria Rita Kehl discute o empobrecimento da experiência subjetiva, presente na emergência da<strong>de</strong>pressão como um sintoma social, por esse que enten<strong>de</strong>mos como um temor daheterogeneida<strong>de</strong> – radicalização da clássica <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> que Freud <strong>de</strong>nominou narcisismo daspequenas diferenças 15 . Em seu último livro O tempo e o cão (KEHL, 2009) a autora discute a<strong>de</strong>pressão como um sintoma social contemporâneo. Um sintoma social é um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>comportamento, <strong>de</strong> pensamento, <strong>de</strong> estilo subjetivo que vai à contramão da norma social <strong>de</strong>seu tempo, por isso, a tristeza é uma anomalia. A <strong>de</strong>pressão seria um sintoma por ser estranhaao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> funcionamento <strong>de</strong> nossa socieda<strong>de</strong>, que é o <strong>do</strong> gozo imperativo, cuja regra é aeuforia e o conforto permanentes. Não basta, ainda, nessa socieda<strong>de</strong>, ser único: há que se serespecial. A autora indica como diversas propagandas que evi<strong>de</strong>nciam a produção <strong>de</strong> gozo, pormeio da produção <strong>de</strong> si como um sujeito especial. O mesmo processo que po<strong>de</strong>mos ler noisbn: 978-85-98261-08-956


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)espaço urbano, em que prevalece a <strong>de</strong>squalificação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas regiões da cida<strong>de</strong> para aprodução <strong>de</strong> lugares valoriza<strong>do</strong>s. A <strong>de</strong>squalificação se dá por vias diversas, tais como adificulda<strong>de</strong> e/ou precarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso a bens e equipamentos públicos e a distância àscentralida<strong>de</strong>s urbanas, mas ela se efetiva também por dispositivos simbólicos, na afirmaçãomidiática <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas parcelas que adquirem estatuto nobre, seja pela invenção <strong>de</strong>imagens seguras (mesmo que não o sejam) e, sobretu<strong>do</strong>, como locais conexos ao sistemaurbano (novamente, mesmo que não sejam, já que regiões valorizadas também apresentamproblemas <strong>de</strong> trânsito e afins). Interessa sublinhar que a valorização <strong>de</strong> uma parcela <strong>do</strong> solocostuma se dar em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outras. Seja como for, a especulação urbana <strong>de</strong>sempenhapapel importante neste movimento. Ela é produtora <strong>de</strong> imagens importantes das cida<strong>de</strong>s,nomes e palavras que circulam e se multiplicam em propagandas <strong>de</strong> moradias, matérias <strong>de</strong>jornais e revistas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação enaltecen<strong>do</strong> memórias e futuros, <strong>de</strong>liberan<strong>do</strong> on<strong>de</strong> é,<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, o coração da cida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>sejar morar.As contradições <strong>do</strong> urbano, já apontadas por Henri Lefebvre (LEFEBVRE, 2008; 2006), ospossíveis‐impossíveis da cida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>m ser encontra<strong>do</strong>s na pluralida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong>. São diversasas cida<strong>de</strong>s da cida<strong>de</strong> e elas se atravessam, conforman<strong>do</strong> aquele imaginário da cida<strong>de</strong>, cujoteci<strong>do</strong> também é feito <strong>de</strong> pluralida<strong>de</strong>, compartilha<strong>do</strong> por seus habitantes e visitantes.(…) a cida<strong>de</strong> não se faz na sua inteireza, a um tempo só, mas ela se faz anacronicamente, nos lugares dainteireza i<strong>de</strong>alizada, presente nas cartografias i<strong>de</strong>ais que preenchem os imaginários e os <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> ter omun<strong>do</strong> nas mãos ou nos mapas. Assim, como não há a cida<strong>de</strong> inteira, também não há a cida<strong>de</strong> que se fazcompleta e a um tempo só. A cida<strong>de</strong> é sempre incompleta, e vai se resolven<strong>do</strong> no ritmo <strong>do</strong>s fazeresdistintos, tal como são compreendi<strong>do</strong>s, em sua distinção, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que eles estejam subordina<strong>do</strong>s àprevalência da racionalida<strong>de</strong> cartesiana em <strong>de</strong>trimento das subjetivida<strong>de</strong>s. (HISSA & WSTANE, 2009, p. 89)Os i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>, os sonhos, os me<strong>do</strong>s, os pertencimentos. As subjetivida<strong>de</strong>s e asracionalida<strong>de</strong>s. As cartografias sensíveis e as cartografias cartesianas. A cida<strong>de</strong> existe emprocesso inacaba<strong>do</strong>, trama<strong>do</strong> nas diversas ações <strong>do</strong> cotidiano, feito também <strong>do</strong> que rezam osespecialistas. Os usos, a <strong>de</strong>speito das racionalida<strong>de</strong>s, preenchem os espaços e produzemsubjetivida<strong>de</strong>s. Contu<strong>do</strong>, as teorias sobre cida<strong>de</strong> – teorias que, em sua maioria, se pautam nocartesianismo – não costumam dar conta disso, da incompletu<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> sua pluralida<strong>de</strong>.Em geral, as teorias não sabem ver as cida<strong>de</strong>s da cida<strong>de</strong>. Talvez lhes falte reintegrar a utopia aseu corpo, perceber os ausentes e os outros possíveis – a imaginação, matéria prima da arte.Incorporar a utopia é o que os Situacionistas chamaram <strong>de</strong> imaginação da ausência:A pavorosa falta <strong>de</strong> idéias que possa se reconhecer em to<strong>do</strong>s os atos da cultura, da política, da organizaçãoda vida e <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> mais, se explica por esta mesma razão, e a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s construtores mo<strong>de</strong>rnistas <strong>de</strong>cida<strong>de</strong>s funcionais não é mais que um exemplo particularmente visível. Os especialistas inteligentes sótêm inteligência para jogar o jogo <strong>do</strong>s especialistas: daí o conformismo medroso e a falta fundamental <strong>de</strong>imaginação que os fazem admitir que tal qual a produção é útil, boa, necessária. Na realida<strong>de</strong>, a raiz dafalta <strong>de</strong> imaginação reinante não po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r‐se se não unir‐se à imaginação da falta; quer dizer,conceber o que está ausente, proibi<strong>do</strong> e oculto, e é por tanto possível na vida mo<strong>de</strong>rna. (I.S., 1962, p.10, grifo meu) 16On<strong>de</strong> moram as utopias <strong>de</strong> hoje? As utopias <strong>de</strong>sabam quan<strong>do</strong> se conformam em objetos <strong>de</strong>consumo. Não é a utopia que os con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s querem ven<strong>de</strong>r? De acor<strong>do</strong> com opensamento <strong>de</strong> Carlos Fortuna: “O colapso da utopia impe<strong>de</strong>‐nos, assim, <strong>de</strong> concretizaralternativas que não sejam as propaladas pelas fantasias tecnológicas da cultura <strong>do</strong> consumo eda lógica da acumulação” (FORTUNA, 2008, p. 18).isbn: 978-85-98261-08-957


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)O priva<strong>do</strong> se insinua não apenas no que diz respeito ao capital, tão evi<strong>de</strong>nte na cida<strong>de</strong> – <strong>de</strong>acor<strong>do</strong> com Carlos Vainer, o interesse priva<strong>do</strong> <strong>do</strong>s capitalistas (VAINER, 2002, p. 88) – mas,também, no que parece se colocar como elemento compositor <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> hegemônico daexperiência subjetiva: privar‐se <strong>do</strong> outro, <strong>do</strong> risco da alterida<strong>de</strong>; da política, como possibilida<strong>de</strong><strong>do</strong> dissenso; viver o temor da heterogeneida<strong>de</strong>, a busca pelo gozo constante e pela segurança(KEHL, 2003; 2009), na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo imperativo; privar o outro <strong>de</strong> movimentar‐senessa socieda<strong>de</strong>; <strong>de</strong>ixar enrijecida a dinâmica social. Carregamos em nós a privatização, não asofremos simplesmente. O processo <strong>de</strong> privatização é trivialmente legível nesses territóriosque produzem arranjos urbanos alisa<strong>do</strong>s, limpos, previsíveis e controláveis, feitos <strong>de</strong> conforto esemelhança. Porém, ficarmos restritos a esse tipo <strong>de</strong> arranjo espacial é insuficiente. Antes <strong>do</strong>muro, está o projeto, grava<strong>do</strong> nas formas <strong>de</strong> viver, marca<strong>do</strong> por propostas <strong>de</strong> segregação. Omuro talvez seja apenas o índice.Recusar a homogeneização sutil mas <strong>de</strong>spótica em que incorremos às vezes, sem querer, nos dispositivosque montamos quan<strong>do</strong> os subordinamos a um mo<strong>de</strong>lo único, ou a uma dimensão pre<strong>do</strong>minante. Aceitaresse para<strong>do</strong>xo <strong>de</strong> que quan<strong>do</strong> um dispositivo está dan<strong>do</strong> certo <strong>de</strong>mais é que ele já não serve mais, quequan<strong>do</strong> um grupo está <strong>de</strong>masiadamente bem sucedi<strong>do</strong> alguma processualida<strong>de</strong> foi emperrada, quequan<strong>do</strong> enten<strong>de</strong>mos muito bem é porque <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r um boca<strong>do</strong>, que quan<strong>do</strong> estamos muitosãos é porque já estamos muito é neuróticos. (PELBART, 1993, p. 23)isbn: 978-85-98261-08-9REFERÊNCIASBAUDRILLARD, Jean. A Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Consumo. Lisboa: Edições 70, 2008.BÓGUS, Lucia Maria M. Segregações Urbanas. In: FORTUNA, Carlos & LEITE, Rogério Proença (orgs). Plural <strong>de</strong> Cida<strong>de</strong>: novosléxicos urbanos. 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programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)PIÑEIRO, Claudia. As Viúvas das quintas‐feiras. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Objetiva, 2007. Trad. Joana Angélica D’Avila Melo. [1ª edição2005]PECHMAN, Robery Moses. Con<strong>do</strong>mínio. In TOPALOV, Christian (et al.) L´Aventure <strong>de</strong>s Mots <strong>de</strong> La Ville. Paris : Ed. Bouquins,2010.SANTOS, Milton. A natureza <strong>do</strong> Espaço: espaço e tempo: razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 2008 [1ª edição 1996].SARAMAGO, José. A Caverna. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.SARLO, Beatriz. La ciudad vista – Mercancias y cultura urbana. Buenos Aires: Siglo XXI, 2009.SOUZA, Marcelo Lopes. Fobópole: o me<strong>do</strong> generaliza<strong>do</strong> e a militarização da questão urbana. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ed. Bertrand,2008.SVAMPA, Maristella. La Brecha Urbana: countries y Barrios priva<strong>do</strong>s. Buenos Aires: Ed. 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A opção, no momento, é por uma aproximação sensível a uma<strong>de</strong>terminada nuance da questão, <strong>de</strong> caráter simbólico e material.593 A i<strong>de</strong>ia é emprestada <strong>de</strong> Jean Baudrillard (BAUDRILLARD, 2008), para quem simulacro é um engo<strong>do</strong> que traz a presença dacoisa na forma <strong>de</strong> representação. O autor usa o termo, portanto, com forte conotação negativa.4 Respectivamente: Al<strong>do</strong>us Huxley, 1932; George Orwell, 1949; Jean‐Luc Godard, 1965.5Copan/SP, Edifício JK/Belo Horizonte são projetos que, originalmente, esboçaram matizes <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo, ainda que inseri<strong>do</strong>sem outros projetos i<strong>de</strong>ológicos.6 Referência ao Complexo Cida<strong>de</strong> Jardim, em São Paulo. De acor<strong>do</strong> com <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> mora<strong>do</strong>res, <strong>do</strong> incorpora<strong>do</strong>r e da fala<strong>do</strong> repórter da Re<strong>de</strong> Globo no Programa Mun<strong>do</strong> S/A sobre esse tipo <strong>de</strong> arranjo urbano. Exibi<strong>do</strong> em 2012. Disponível em:http://www.youtube.com/watch?v=8‐‐MiyHzdYA&feature=related. Acessa<strong>do</strong> em 4 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2012.7 Matéria Eles vão morar no shopping. Revista da Folha. Folha <strong>de</strong> São Paulo, 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008.8 São diversos os empreendimentos, espalha<strong>do</strong>s pelo mun<strong>do</strong>, que se baseiam neste mo<strong>de</strong>lo: Roppongi Hills/Tóquio; KualaLampur City Center; Time Warner Center/NY. Ainda em São Paulo o Parque Villa Lobos possui as mesmas características <strong>do</strong>Complexo Cida<strong>de</strong> Jarim. Na Flórida, Celebration (Celebration Community Development District,) cida<strong>de</strong> lançada pelaCorporação Disney com notório sucesso nos anos 90 , viveu, cabe registrar, acontecimentos recentes que mancharam aimagem fantasiosa <strong>de</strong> perfeição, segurança e controle criada pela estética Disney, a saber: um suicídio e um assassinato.Informação disponível em:http://www.guardian.co.uk/world/2010/<strong>de</strong>c/13/celebration‐<strong>de</strong>ath‐of‐a‐dream. Acessa<strong>do</strong> em 10 <strong>de</strong>Maio <strong>de</strong> 2012.9 Propaganda <strong>do</strong> Parque Cida<strong>de</strong> Jardim. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=V57fB9i0ivA&feature=related.Acessa<strong>do</strong> em 4 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2012.10 Depoimento <strong>de</strong> José Auriemo Neto, presi<strong>de</strong>nte da Incorpora<strong>do</strong>ra JHSF, ao Programa Mun<strong>do</strong> S/A – Re<strong>de</strong> Globo, 2010. Caberegistrar que um <strong>do</strong>s próximos lançamentos da Incorpora<strong>do</strong>ra é o Dona Catarina, o projeto <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> para 60 milhabitantes, em São Roque, a km <strong>de</strong> São Paulo (Os inova<strong>do</strong>res <strong>do</strong> boom imobiliário. Revista Época Negócios, junho <strong>de</strong> 2008, p.94; O senhor <strong>do</strong> luxo Dinheiro 23/11/2011, p. 74).


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-911 “[...] la ciudad es un território abierto a la exploración por <strong>de</strong>splazamiento dinámico, visual, <strong>de</strong> rui<strong>do</strong>s y <strong>de</strong> olores: es unespacio <strong>de</strong> experienciais corporales e intelectuales; está medianamente regula<strong>do</strong> pero también vive <strong>de</strong> las transgresionesmenores a las reglas [...].” (SARLO, 2009, p. 21)12 “Sólo una tipología, la <strong>de</strong>l shopping center, resiste ao principio diabólico <strong>de</strong>l <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>n, exorciza<strong>do</strong> por la perfectaa<strong>de</strong>cuación entre finalidad y disposición <strong>de</strong>l espacio” (SARLO, 2009, p.13).13 “[...] la inseguridad, que fue siempre um tema urbano (...), se convertió en uma preocupación central: el mie<strong>do</strong> <strong>de</strong> la ciudady el mie<strong>do</strong> en la ciudad, el exó<strong>do</strong> a barrios cerra<strong>do</strong>s, a enclaves que simulan al<strong>de</strong>as, a suburbios bajo control, el aban<strong>do</strong>no <strong>de</strong>los espacios abiertos a causa <strong>de</strong> sus acechanzas.” (SARLO, 2009, p. 23)14 “O que faz <strong>de</strong> São Paulo, por exemplo, uma cida<strong>de</strong> compartilhada, com características comuns entre to<strong>do</strong>s os seus 12milhões <strong>de</strong> habitantes? É o imaginário urbano.” (KEHL, 2008, p. 294)15 Sobre narcisismo das pequenas diferenças: “... unir uns aos outros pelos vínculos <strong>do</strong> amor, uma imensa massa <strong>de</strong> homens,com a única condição <strong>de</strong> que alguns fiquem <strong>de</strong> fora para serem alvo <strong>de</strong> ataques.” (Cf. Freud, S.‐ E.S.B.‐ Vol. XI ‐ Pág.184).16 “This explains the astonishing lack of i<strong>de</strong>as evi<strong>de</strong>nt in all the acts of culture, of politics, of the organization of life, and ineverything else — the lameness of the mo<strong>de</strong>rnist buil<strong>de</strong>rs of functionalist cities is only a particularly glaring example. Theintelligent specialists are intelligent only in playing the game of specialists; hence the timid conformity and fundamental lack ofimagination that make them grant that this or that product is useful, or good, or necessary. The root of the prevailing lack ofimagination cannot be grasped unless one is able to imagine what is lacking — that is, what is missing, hid<strong>de</strong>n, forbid<strong>de</strong>n, andyet possible, in mo<strong>de</strong>rn life.” (I.S., 1962, p. 10)60


NÚCLEO TEMÁTICO I: Cida<strong>de</strong> em movimento e movimento na cida<strong>de</strong>programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> e proprieda<strong>de</strong> sem direito: o caso daocupação “Dandara” em Belo Horizonte.Property rights and property without law: the case of informal settlement movement“Dandara” in Belo Horizonte.Luiz F. G. ALMEIDAMestran<strong>do</strong> em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo pelo NPGAU/<strong>UFMG</strong>; Servi<strong>do</strong>r da Secretaria Estadual <strong>de</strong>Desenvolvimento Regional e Política Urbana <strong>de</strong> Minas Gerais. luizfelype.almeida@gmail.comisbn: 978-85-98261-08-9RESUMOO presente trabalho tem como objetivo traçar e sugerir reflexões a respeito <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> direito àproprieda<strong>de</strong> e os rebatimentos e implicâncias <strong>de</strong> tal compreensão no que concerne ao acesso á moradiadita formal. Para isso, o recorre‐se no ensaio à observação e relato das motivações, organização eperspectivas <strong>do</strong> assentamento informal “Dandara” localiza<strong>do</strong> na Região Norte Belo Horizonte. Observaseque os participantes <strong>do</strong> movimento por meio da a<strong>de</strong>quação da forma <strong>de</strong> organização <strong>do</strong> espaço físicoda ocupação ás normas formais <strong>do</strong> município presentes em seu Plano Diretor, têm como objetivo nãoapenas o Direito (acesso) à proprieda<strong>de</strong>, mas também, à proprieda<strong>de</strong> com “direito”.PALAVRAS‐CHAVE: direito à proprieda<strong>de</strong>; proprieda<strong>de</strong> privada; Dandara.ABSTRACTThis paper aims to outline and suggest reflections on the concept of property rights and the repercussions andimplications of such an un<strong>de</strong>rstanding with regard to access to housing formal dictates. For this, the test relies onthe observation and reporting of motivations, organization and prospects in informal settlement "Dandara"located in the North Belo Horizonte. It is observed that the participants of the movement through theappropriateness of the form of organization of physical space occupation ace formal standards present in the cityMaster Plan, are aimed not only the law (access) to the property but also the property with "right".KEYWORDS: property rights, private property; Dandara.611 INTRODUÇÃO:O presente trabalho tem como objetivo traçar e sugerir reflexões a respeito <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> direito àproprieda<strong>de</strong> no qual se baseia o planejamento urbano <strong>de</strong> forma geral e os rebatimentos eimplicâncias <strong>de</strong> tal compreensão no que concerne ao acesso á moradia dita formal.Ao discutirmos a noção <strong>de</strong> direito, percebemos que a mesma distingui‐se, sobretu<strong>do</strong> em duas formasprincipais. A primeira, a qual revela o direito como reconhecimento da necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s indivíduospara sua sobrevivência e a segunda, correlata à primeira, a qual toma o direito em seu senti<strong>do</strong> legal,como o instrumento que garante e legitima o acesso a da<strong>do</strong> bem ou recurso. Tais conceituaçõesnecessariamente <strong>de</strong>veriam caminhar <strong>de</strong> forma conjunta como meio <strong>de</strong> produzir uma plena realização<strong>do</strong> indivíduo no espaço <strong>de</strong> sua sobrevivência. Em palavras, é preciso mais que <strong>do</strong> que oreconhecimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada necessida<strong>de</strong> 1 , mas também a formulação <strong>de</strong> práticas eespecificações que regulem o acesso imperativo a tais provisões.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Embora a aglutinação das noções acima referidas <strong>de</strong>monstre‐se como indispensáveis naconstrução <strong>de</strong> um cenário i<strong>de</strong>al e sustentável <strong>de</strong> vida, nem sempre a mesma acontece. O caso<strong>do</strong>s assentamentos precários e informais é exemplar nesse senti<strong>do</strong>, configuran<strong>do</strong>‐se naquiloque <strong>de</strong>nominamos no presente trabalho como Direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> em meio a umaproprieda<strong>de</strong> sem direito. Nas chamadas terras irregulares ‐ proprieda<strong>de</strong>s à margem daregulação <strong>do</strong> direito ‐ reconhece‐se, por motivos lógicos, a necessida<strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo ao acessoà proprieda<strong>de</strong> para fins <strong>de</strong> moradia e habitação no espaço físico urbano, ao mesmo tempo emque não se manifesta <strong>de</strong> imediato o reconhecimento <strong>do</strong> direito, como prática legal, da posse <strong>de</strong><strong>de</strong>termina<strong>do</strong> terreno.Nas seções que se seguem a esta introdução, a discussão acima apresentada será realizadaten<strong>do</strong> como objeto empírico <strong>de</strong> análise a ocupação informal “Dandara”, localizada na regiãonorte <strong>do</strong> município <strong>de</strong> Belo Horizonte. Por meio <strong>de</strong> entrevistas realizadas com mora<strong>do</strong>res daocupação e técnicos que auxiliaram em sua formação busca‐se enten<strong>de</strong>r as formas <strong>de</strong>organização <strong>do</strong> movimento, suas iniciais motivações, a vinculação <strong>do</strong> mesmo ao planejamentourbano dito formal e suas perspectivas repercussões no espaço que está inseri<strong>do</strong>. Antes daapresentação <strong>do</strong> caso é realizada uma rediscussão da problemática habitacional brasileira, comênfase sobretu<strong>do</strong>, nas incoerências, implicações e perversida<strong>de</strong>s advindas da instituição daproprieda<strong>de</strong> privada. A quarta e última seção traz as consi<strong>de</strong>rações finais <strong>do</strong> trabalho.isbn: 978-85-98261-08-92 A PROPRIEDADE PRIVADA E PROPRIEDADE SEM DIREITOEm uma das mais interessantes e esclarece<strong>do</strong>ras <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Karl Marx em O Capital, oautor aponta para uma grave incoerência observável ao consi<strong>de</strong>rar‐se a terra como um bemmercantilizável assim como to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>mais produtos frutos <strong>do</strong> trabalho humano. Marx sugereque:A circunstância <strong>de</strong> a renda fundiária capitalizada se configurar no preço ou no valor da terra, e <strong>de</strong> a terrapor isso ser comprada e vendida como qualquer outra merca<strong>do</strong>ria, é, para alguns apologistas motivo parajustificar a proprieda<strong>de</strong> fundiária, pois o compra<strong>do</strong>r teria pago por ela, como por qualquer outramerca<strong>do</strong>ria, um equivalente, e a maior parte das proprieda<strong>de</strong> fundiárias teria assim muda<strong>do</strong> <strong>de</strong> mãos. Amesma argumentação legitimaria assim a escravatura, pois, para o senhor que pagou dinheiro peloescravo, o rendimento <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong>ste representa apenas juro <strong>de</strong> capital que empregou para comprá‐lo.Justificar que a renda fundiária existe por ser ela comprada e vendida significa justificar sua existência coma própria existência. (MARX, K., O Capital: crítica á economia política, p.716, grifo nosso).Sen<strong>do</strong> assim, não há problemas na constituição da proprieda<strong>de</strong> privada em contraposição aoregime comunal ou <strong>de</strong> concessão, na medida em que o solo não passa <strong>de</strong> mais outro produtoexistente na esfera <strong>de</strong> circulação das merca<strong>do</strong>rias. Contu<strong>do</strong>, como a força <strong>de</strong> trabalho humana,a terra é um “bem” não reprodutível e monopolizável. Desse ponto advém comparação <strong>de</strong>Marx entre a renda fundiária e a escravidão.Em palavras, não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> novas terras seja pelo trabalha<strong>do</strong>r maiseficiente que exista. Complementarmente, ao ocupar uma gleba <strong>de</strong> terra – posse financeira ‐<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> agente torna impossível que algum outro possa ocupá‐la ou <strong>de</strong>la fazer usosimultaneamente (monopólio). Nesse senti<strong>do</strong>, o reconhecimento formal por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>da proprieda<strong>de</strong> privada ou, nas palavras <strong>de</strong> Marx, da suposição “que certas pessoas têm omonopólio <strong>de</strong> dispor <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas porções <strong>do</strong> globo terrestre como esferas privativas <strong>de</strong>62


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)sua vonta<strong>de</strong> particular” (I<strong>de</strong>m, p. 707, grifo nosso), significa consequentemente oreconhecimento <strong>de</strong> que certos indivíduos não terão acesso a tal recurso. De forma maisexplícita, a instituição da proprieda<strong>de</strong> privada aponta, no limite, para a aniquilação <strong>do</strong> acesso aterra como Direito e sua constituição como componente <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>. Ter acesso á proprieda<strong>de</strong>em qualquer forma contrária a tal mo<strong>de</strong>lo, significa assim obter proprieda<strong>de</strong> sem direito.isbn: 978-85-98261-08-9As implicações disso mostram‐se problemáticas. Em termos teóricos, na instituição daproprieda<strong>de</strong> privada, observamos o germinar <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada lógica orienta<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>comportamento humano no seu ambiente <strong>de</strong> vida, a saber, a lógica <strong>do</strong> conflito por espaço. Napromoção e consolidação <strong>de</strong> tal forma como a mais a<strong>de</strong>quada e justa <strong>de</strong> acesso a terra, a lógicaestabelece‐se e consolida‐se. A total mercantilização <strong>do</strong> acesso ao solo via sua inserção naesfera <strong>de</strong> circulação das merca<strong>do</strong>rias e sua plena realização como valor <strong>de</strong> troca conduzem aum tipo <strong>de</strong> acesso ao urbano necessariamente orienta<strong>do</strong> por uma perspectiva <strong>de</strong> conflitomonetário pelas terras melhor “localizadas”.Ao longo <strong>do</strong>s anos e com formação e consolidação <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s centros e metrópoles urbanas alógica intensifica‐se. Os movimentos e disputas por espaço tornam‐se mais freqüentes edinâmicos. Das vagas <strong>de</strong> estacionamento ao acesso à moradia a lógica <strong>do</strong>conflito/luta/conquista nos forma e (con)forma. Sua expansão, contu<strong>do</strong> encontra um limitefísico e natural. Nesse ponto, a cida<strong>de</strong> explo<strong>de</strong> <strong>do</strong> formal para o informal, <strong>do</strong> estrutura<strong>do</strong> para oprecário, <strong>do</strong> urbano para o quase‐urbano. Com isso, reproduzem‐se e multiplicam‐se osproblemas <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong>s conflitos: exclusão, revolta, violência.A ação <strong>do</strong> capital imobiliário tem papel fundamental nesse processo. Atua <strong>de</strong> diversasmaneiras. Na retenção <strong>de</strong> terras para especulação move‐se pela luta por espaço para novasconstruções; na <strong>de</strong>limitação e estruturação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s acirra a exclusãoe a separação <strong>de</strong> classes; na <strong>de</strong>preciação fictícia <strong>do</strong> estoque existente estimula a novas lutaspor espaço pelos agentes e assim por diante.Aglutina‐se à lógica <strong>do</strong>s conflitos, o papel e po<strong>de</strong>r centraliza<strong>do</strong>r da cida<strong>de</strong> e <strong>do</strong> urbano queaglomera múltiplos caracteres e formações individuais. Instala‐se um cenário <strong>de</strong> caos forma<strong>do</strong>e forma<strong>do</strong>r <strong>do</strong> espaço o qual resulta, em ato ou potência, em renovadas formas <strong>de</strong> conflitos eviolências (LEFEBVRE, 1999).A formação urbana no Brasil, acompanhada das sucessivas políticas habitacionais promovidaspelos diferentes governos evi<strong>de</strong>nciam tal realida<strong>de</strong>. Não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso ao Direito<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> (formal e consolidada) àqueles que, no conflito por espaço, não possuemsuficientes recursos financeiros para a ela ter acesso. SOUZA (2004), tratan<strong>do</strong> a respeito <strong>do</strong>sanos finais <strong>do</strong> século XIX e primeiros <strong>do</strong> XX aponta que:Mesmo haven<strong>do</strong> uma crescente <strong>de</strong>manda e uma significativa oferta <strong>de</strong> lotes, gran<strong>de</strong> parte da populaçãonão tinha condições <strong>de</strong> acesso à habitação formal. Assim intensificam‐se as favelas e os loteamentosclan<strong>de</strong>stinos, o que acaba por pressionar o po<strong>de</strong>r público a tomar novas atitu<strong>de</strong>s. (pg. 169)Cabe a ressalva que, conforme <strong>de</strong>staca o mesmo autor, as soluções em termos <strong>de</strong>planejamento e construções urbanas por parte <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público para essa situaçãomaterializaram‐se na construção das chamadas vilas higiênicas e operárias, <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> eacesso bastante precários.63


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)AZEVEDO (2004) traçan<strong>do</strong> um panorama da política habitacional brasileira nas últimas décadasapresenta um cenário verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong>sanima<strong>do</strong>r no que concerne á capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>em lidar com a mediação e resolução <strong>do</strong>s conflitos por espaço existentes no território. Todas asiniciativas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o BNH até os programas pontuais <strong>do</strong>s governos como o Habitar Brasil,Programa <strong>de</strong> Ação Imediata para a Habitação – PAIH, Cred‐Casa, <strong>de</strong>ntre outros, mostraram‐sefada<strong>do</strong>s em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s momento ao fracasso, por não atingirem, dada a baixa lucrativida<strong>de</strong>ao setor construtivo, ás camadas <strong>de</strong> menores rendas e, por conseguinte, <strong>de</strong> maior necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> acesso á moradia. Como ressalta o autor:Entre as diversas carências da população <strong>de</strong> baixa renda vinculadas ao ‘habitat’ (saneamento,abastecimento <strong>de</strong> água, energia elétrica, transporte, etc), a que apareceu com mais evidência ecentralida<strong>de</strong> foi o déficit <strong>de</strong> moradia. Esse contexto se explica, em parte, não só pelo fato <strong>de</strong> o po<strong>de</strong>rpúblico, em termos <strong>de</strong> política urbana, ter prioriza<strong>do</strong> historicamente a questão habitacional, com tambémpela pouca amplitu<strong>de</strong> e o fracasso da maior parte <strong>de</strong>ssas intervenções governamentais. (pg. 105)Contu<strong>do</strong>, como causa mais elementar para a ineficácia <strong>de</strong> tais medidas estava o fato dasmesmas preocuparem‐se na tentativa <strong>de</strong> ampliação <strong>do</strong> Direito, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> intacta, contu<strong>do</strong> aconcepção <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> a<strong>do</strong>tada para <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> programa. Dava‐se assim um verda<strong>de</strong>irocontra senso, pois, objetivava‐se dirimir o problema habitacional manten<strong>do</strong>‐se, contu<strong>do</strong> ocerne motiva<strong>do</strong>r <strong>do</strong> mesmo em sua essência, a saber, a instituição incontestável daproprieda<strong>de</strong> como sen<strong>do</strong> <strong>de</strong> uso priva<strong>do</strong>.O planejamento urbano, materializa<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma mais evi<strong>de</strong>nte nas políticas habitacionais,mostra‐se assim sempre a mercê <strong>de</strong> tal categoria constituinte da cida<strong>de</strong> a qual para abrigaralguns <strong>de</strong>ve necessariamente excluir a outros. Com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 que melhoresclarece no País o princípio da função social da proprieda<strong>de</strong> e da cida<strong>de</strong> e, sobretu<strong>do</strong> com apromulgação em 2001 <strong>do</strong> Estatuto das Cida<strong>de</strong>s observa‐se uma tentativa mais acurada porparte <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r em modificar a realida<strong>de</strong> até então vigente. Ao tocar na questão central <strong>do</strong>acesso à terra, a saber, sua própria concepção, há, mesmo que teoricamente, uma reconduçãoda noção da terra como Direito, não mais como merca<strong>do</strong>ria condicionada aos interessesindividuais.Entretanto, as primeiras avaliações <strong>de</strong> tais medidas têm revela<strong>do</strong> que, ao contrário <strong>do</strong> que seesperava, há a continuida<strong>de</strong> <strong>do</strong> acirramento das incoerências das disfunções causadas pelamanutenção da proprieda<strong>de</strong> privada, da<strong>do</strong> que o reconhecimento <strong>do</strong> Direito ainda não se mostratotalmente legitima<strong>do</strong> e esclareci<strong>do</strong> na legislação. Conforme aponta Fernan<strong>de</strong>s (2008:126):De fato, um aspecto fundamental a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> para o avanço das políticas urbanas no Brasil diz respeito ànecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma maior compreensão da tensa relação entre, por um la<strong>do</strong>, a natureza jurídica <strong>do</strong>s direitos <strong>de</strong>proprieda<strong>de</strong> imobiliária e, por outro, a <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s limites da intervenção <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público no <strong>do</strong>mínio daproprieda<strong>de</strong> – e <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> imobiliário – através das ativida<strong>de</strong>s e políticas <strong>de</strong> planejamento e legislaçãourbanística. Há várias décadas tem se verifica<strong>do</strong> um embate entre <strong>do</strong>is paradigmas jurídicos distintos: o paradigmaainda hegemônico <strong>do</strong> legalismo liberal, basea<strong>do</strong> no i<strong>de</strong>ário <strong>do</strong> Código Civil e na concepção individualista,mercantilista e patrimonialista da proprieda<strong>de</strong>, e uma tentativa <strong>de</strong> ruptura <strong>de</strong>ssa visão civilista tradicional através daafirmação <strong>do</strong> princípio constitucional, da or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> direito público, da função socioambiental da proprieda<strong>de</strong> e dacida<strong>de</strong>.Infelizmente os instrumentos <strong>de</strong> planejamento até então existentes no Estatuto das Cida<strong>de</strong>s em suamaterialização municipal através <strong>do</strong>s planos diretores ainda não tem da<strong>do</strong> conta <strong>de</strong> prover <strong>de</strong> formaeficaz uma solução ao embate aponta<strong>do</strong> pelo autor.isbn: 978-85-98261-08-964


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Relatório produzi<strong>do</strong> pelo Ministério das Cida<strong>de</strong>s em parceria com o Observatório das Metrópoles noano <strong>de</strong> 2011 <strong>de</strong>staca que:As dificulda<strong>de</strong>s políticas <strong>de</strong> regulamentação <strong>do</strong>s instrumentos com potencial <strong>de</strong> intervenção no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> terrasurbano sempre foram bastante conhecidas – afinal, nem to<strong>do</strong>s ganham quan<strong>do</strong> há mais justiça nas formas <strong>de</strong>apropriação social <strong>do</strong>s bens e serviços urbanos ‐, mas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação <strong>do</strong> Estatuto [da Cida<strong>de</strong>] nosenti<strong>do</strong> da construção <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> menos <strong>de</strong>sigual exigia que o campo <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong>s planos diretores – aquem cabia a construção das condições <strong>de</strong> implementação <strong>do</strong>s instrumentos – fosse disputa<strong>do</strong>. A leitura <strong>do</strong>srelatórios estaduais indica, contu<strong>do</strong>, que o potencial <strong>do</strong>s instrumentos <strong>de</strong> intervenção <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> terras, <strong>de</strong>redistribuição da renda gerada pelo <strong>de</strong>senvolvimento urbanos e <strong>de</strong> promoção da redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociaisno acesso à terra urbanizada e à cida<strong>de</strong> praticamente não foi aproveita<strong>do</strong>. (OLIVEIRA & BIASOTTO, 2011:59)Corrobora ainda para tal cenário a a<strong>do</strong>ção cada vez maior por parte <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público das diretrizes epráticas <strong>de</strong> planejamento estratégico, as quais tomam a cida<strong>de</strong> como merca<strong>do</strong>ria e imagem a servendida aos interesses <strong>do</strong>s capitais financeiros e internacionais. Sob essa orientação <strong>de</strong> planejamento,não há espaço para uma proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> função social, ao contrário, a cada vez maior mercantilizaçãoé condição sine qua non para a execução <strong>do</strong> projeto <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> pensa<strong>do</strong>.isbn: 978-85-98261-08-9Por fim, somam‐se a tais fatores, conforme observa QUEIROZ (2004), a falta <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> política aindaexistente em nossas Câmaras legislativas em propor e promover verda<strong>de</strong>iras práticas <strong>de</strong> redistribuiçãoe reforma fundiária. Ao contrário, apresenta o autor, observa‐se nas cida<strong>de</strong>s brasileiras a formação <strong>de</strong>um po<strong>de</strong>r urbano corporativo, no qual gran<strong>de</strong>s interesses mercantis mostram‐se liga<strong>do</strong>s às políticas<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento urbano.Na perpetuação <strong>de</strong> tais empecilhos à total realização da proprieda<strong>de</strong> como instrumento <strong>de</strong> inclusão enão como <strong>de</strong> exclusão social, não restam alternativas para <strong>de</strong>terminada classe <strong>do</strong>minada pela lógica<strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaço capitalista, intrinsecamente conflituosa e <strong>de</strong>sigual, que não o acesso aoDireito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> sem direito. Essas experiências, por sua vez, não necessariamente serãoexecutadas <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada ou resultarão em assentamentos <strong>de</strong>grada<strong>do</strong>s, dada a própriaaspiração e <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> seus mora<strong>do</strong>res em pertencer à cida<strong>de</strong> legal, se não pela via <strong>do</strong> direito, aomenos pelos traços <strong>de</strong> sua forma. O caso da ocupação Dandara apresenta<strong>do</strong> a seguir é exemplarnesse senti<strong>do</strong>.653 A OCUPAÇÃO DANDARASob a perspectiva colocada na primeira seção <strong>do</strong> trabalho, o espaço urbano apresenta‐se como umaarena <strong>de</strong> conflitos e exclusão <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong>, à instituição da proprieda<strong>de</strong> privada e a inexistência<strong>de</strong> instrumentos jurídicos e <strong>de</strong> planejamento urbano verda<strong>de</strong>iramente eficazes na prática para otratamento <strong>de</strong> suas implicações.A FIG. 1 abaixo, extraída <strong>do</strong> relatório para plano <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> da prefeitura <strong>de</strong> Belo Horizonte,relaciona o nível <strong>de</strong> renda das famílias á 26 regiões <strong>de</strong>limitadas no plano para análise. Conforme po<strong>de</strong>ser observa<strong>do</strong>, a ocupação <strong>do</strong> espaço e sua configuração mostram‐se diretamente relacionadas aonível <strong>de</strong> renda das famílias. Na disputa e conflito por espaço, a renda monetária tem assim papel<strong>de</strong>terminante promoven<strong>do</strong> uma verda<strong>de</strong>ira homogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classes em cada recorte territorialque compõem os bairros <strong>do</strong> município. É pela posse da renda que se permite ao mora<strong>do</strong>r ter acesso ámoradia, sua realização no espaço urbano e o acesso a serviços das mais variadas naturezas bemcomo o convívio com outros indivíduos.


Figura 1 – Nível <strong>de</strong> renda média individual por região <strong>de</strong> Belo Horizonteprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: PBH, 2011Dessa condição <strong>de</strong>sigual <strong>de</strong> disputa apresenta‐se, por sua vez, uma realida<strong>de</strong> perversa <strong>de</strong>segregação e isolamento ‐ por <strong>de</strong>mais óbvias ‐ e que claramente po<strong>de</strong> ser visualizada nosgran<strong>de</strong>s aglomera<strong>do</strong>s <strong>de</strong> pobrezas <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s como vilas e favelas e nas outras inúmerasformas <strong>de</strong> assentamento informal originadas da busca por acesso ao dinamismo e aosacontecimentos <strong>do</strong> urbano. As manchas claras nos espaços escuros da figura são exemplos<strong>de</strong>ssas manifestações.A ocupação Dandara, assim <strong>de</strong>nominada por seus próprios mora<strong>do</strong>res, nasce <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a umprocesso <strong>de</strong> exclusão social e espacial característico <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalistainerentemente conflituoso, como já <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>, o qual impe<strong>de</strong> que tais indivíduos tenhamacesso á moradia consi<strong>de</strong>rada formal e legal. No conflito que toma como suas armas acapacida<strong>de</strong> monetária das pessoas para o pagamento <strong>do</strong> aluguel ou da compra, viafinanciamento, <strong>de</strong> uma moradia, <strong>de</strong>terminada classe mostra‐se plenamente <strong>de</strong>sarmada. Aprópria ausência <strong>de</strong> um comprovante formal <strong>de</strong> localização no espaço urbano impe<strong>de</strong> o acessoaos serviços básicos necessários à sobrevivência e realização plena da cida<strong>de</strong>, da cidadania, <strong>do</strong>srelacionamentos.A verda<strong>de</strong>ira diferença é que aqui eu não vou pagar o aluguel o porque o problema maior é quevocê loca um lugar pequeno, você não tem liberda<strong>de</strong> pra nem se quer receber a sua parentela<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> lugar que você aluga, porque a gente não é rico, não tem condições <strong>de</strong> alugar umacasa gran<strong>de</strong> sozinho em um lote. A maioria <strong>do</strong>s valores <strong>do</strong> aluguel ultrapassam meio saláriomínimo, ai já vai sobrar uma migalha pra gente. Diante disso como é que eu vou sustentar essamoradia pagan<strong>do</strong> essa quantida<strong>de</strong>? E ainda por cima eu preciso <strong>de</strong> um fia<strong>do</strong>r.66


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Não há respostas formais para a pergunta da Sra. Maria <strong>de</strong> Fátima, mora<strong>do</strong>ra daocupação.Dada tal realida<strong>de</strong>, a solução encontrada por gran<strong>de</strong> parcela da população, utilizan<strong>do</strong>‐se <strong>de</strong>outras armas <strong>de</strong> luta e conflito que não a sua renda e na maior parte das vezes seu própriocorpo, é a <strong>de</strong> a ocupação <strong>de</strong> terras privadas que estejam ociosas. Ainda assim, a instituição daproprieda<strong>de</strong> privada, motiva<strong>do</strong>ra da luta por espaço e elementar à lógica <strong>do</strong> conflito, mostra‐sepor vezes tão arraigada à nossa cultura e formação e tida como justa e normal que, apesar dasinegáveis privações e miseráveis condições <strong>de</strong> vida e sobrevivência, as próprias pessoas vítimas<strong>de</strong> tal condição consi<strong>de</strong>ram inicialmente a ocupação como uma medida errada e ina<strong>de</strong>quada.Faz‐se necessário um tempo para a adaptação e compreensão das incoerências engendradaspela forma atual <strong>de</strong> organização <strong>do</strong> espaço urbano para que assim o <strong>de</strong>sejo por “uma únicaoportunida<strong>de</strong>” – Sra. Maria <strong>de</strong> Fátima – possa superar as inseguranças que uma atitu<strong>de</strong> como aapropriação <strong>de</strong> uma terra não comprada monetariamente po<strong>de</strong>m levar. Como relata a Sra.Wagna, mora<strong>do</strong>ra e li<strong>de</strong>rança local sobre sua inserção no movimento:Meu filho foi comprar pão <strong>de</strong> manhã e disse: ‘mãe, o povo está invadin<strong>do</strong> o pasto vamos lá?’ Não vou não,não é nosso. ‘Se a senhora não for, eu vou sozinho porque não agüento ver mais a senhora chorar <strong>de</strong>morar na casa da mãe <strong>do</strong> Felter (...) Vivia numa casa muito boa, mas que não era minha, agüentavahumilhação da minha sogra, meu mari<strong>do</strong> não quis ir, disse ele que não ia (...) Depois <strong>de</strong> 6 meses meumari<strong>do</strong> resolveu por o pés a primeira vez na ocupação. Ele levava comida pra mim, mas esperava naesquina porque tinha vergonha <strong>de</strong> entrar na comunida<strong>de</strong> (...) Com 6 meses eu consegui levar ele pra oprimeiro manifesto. Hoje é um militante <strong>de</strong> mão cheia e assim, a nossa família toda engajou na luta.Na organização <strong>de</strong> tais movimentos no espaço, contu<strong>do</strong>, existem significativas diferenças.O caso da Dandara é exemplar nesse senti<strong>do</strong>, apresentan<strong>do</strong> características que adistinguem <strong>de</strong> outras ocupações. Como regra inicial, a comunida<strong>de</strong> então constituída <strong>de</strong>aproximadamente 100 famílias optou pela eliminação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> informal na região. Nacomunida<strong>de</strong> “per<strong>de</strong> quem compra e per<strong>de</strong> quem ven<strong>de</strong>” como aponta uma entre as 13regulamentações básicas instituídas em conjunto com a comunida<strong>de</strong>. O cancelamento eproibição das trocas comerciais tanto entre mora<strong>do</strong>res como externa tem como objetivogarantir que a utilização <strong>do</strong> solo seja exclusivamente para moradia. Mais ainda, a“concessão” <strong>do</strong> lote obrigatoriamente <strong>de</strong>ve ser acompanhada tanto pela construçãocomo pela habitação no local a fim <strong>de</strong> evitar a retenção <strong>de</strong> terras por famílias que jápossuam outro local para residência.Na resolução <strong>de</strong> pequenas disputas que ocorrem no interior da ocupação, apenas em casosextremos recorre‐se ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> regulação e coesão formal, a saber a polícia. Há uma buscapela construção <strong>do</strong> consenso entre os mora<strong>do</strong>res até mesmo pelo fato <strong>de</strong> que a ação policialfoi marcada na região pela violência, retenção e proibição da ocupação.“A policia entrou assim: <strong>de</strong>rruban<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>” afirma a Sra Wagna. “Conflito que a genteteve por aqui foi só com a polícia, (...) as mulheres sentaram em cima <strong>do</strong>s tijolos com ascrianças e disseram: ‘vocês po<strong>de</strong>m dar tiros, fazer o que quiserem, mas nós não vamossair daqui”, relata o Sr. Fernan<strong>do</strong>, outro mora<strong>do</strong>r da ocupação.Nesse cenário <strong>de</strong> exclusão e conflitos, é na informalida<strong>de</strong> que se abre uma brecha àrealização <strong>de</strong> uma utopia <strong>do</strong> convívio coletivo que por mais que não tenha como objetivoestar totalmente <strong>de</strong>sconectada e isolada numa ilha, cria regras próprias e práticas <strong>de</strong>isbn: 978-85-98261-08-967


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)regulação interna. Sobretu<strong>do</strong>, tenta lidar com a questão <strong>do</strong> uso e proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> espaçourbano via eliminação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> e consequente eliminação da lógica <strong>de</strong> qual são frutoque regula a ocupação e realização humana no espaço pela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento aoinvés <strong>de</strong> pela necessida<strong>de</strong>.As relações <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaço urbano no que concerne ás edificações das casas,construção <strong>do</strong>s espaços coletivos e conservação da or<strong>de</strong>m são orientadas pelocooperativismo e auxílio mútuo:“Para construir, eu não paguei pedreiro não, foi no sistema <strong>de</strong> mutirão (...) cada um <strong>do</strong>scompanheiros <strong>de</strong>u uma mãozinha e eu fiz meu barracão, e to aí, pelejan<strong>do</strong> aí”; “A gentetrabalha no coletivo, é um ajudan<strong>do</strong> o outro... é assim que funciona a organização <strong>de</strong>ntroda comunida<strong>de</strong>” afirmam respectivamente o Sr. Fernan<strong>do</strong> e a lí<strong>de</strong>r Wagna.Obviamente, distorções e relações <strong>de</strong> opressão certamente ocorrem na ocupação, atémesmo como fruto das condições <strong>de</strong> exclusão que muitos <strong>do</strong>s lá resi<strong>de</strong>ntes passaram eviveram. Contu<strong>do</strong>, observa‐se ao mesmo tempo um projeto <strong>de</strong> regulação interno queobjetiva a mediação <strong>do</strong> conflito principal existente em suas realida<strong>de</strong>s, o conflito porespaço. Complementarmente, há uma proposta <strong>de</strong> organização espacial encaixada nospadrões legais e o interesse pela maior parte da população resi<strong>de</strong>nte em manter talproposta como meio <strong>de</strong> atingir <strong>do</strong>is objetivos principais, quais sejam, primeiramente aconsolidação da ocupação como parte integrante e ao mesmo tempo <strong>de</strong>sconectada <strong>do</strong>restante da cida<strong>de</strong> e em segun<strong>do</strong> lugar a não transformação <strong>do</strong> território em algosemelhante ás vilas e favelas, cenário passivo <strong>de</strong> repulsa por to<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s parao trabalho.Nesse contexto, caber‐nos‐ia dizer que a ocupação po<strong>de</strong> ainda ser caracterizada comouma “informalida<strong>de</strong> legal”, na medida em que as regras <strong>de</strong> ocupação no que concerne aotipo <strong>de</strong> edificação, tamanho <strong>do</strong>s lotes, áreas <strong>de</strong> conservação e escoamento, largura dasvias, <strong>de</strong>ntre outros aspectos estão to<strong>do</strong>s <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as diretrizes para a regiãodispostas no Plano Diretor <strong>de</strong> Belo Horizonte. Essa estrutura foi organizada <strong>de</strong>ssa formanão por acaso, ao contrário, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da ocupação o movimento foi acompanha<strong>do</strong>por diferentes profissionais que alinhan<strong>do</strong> o conhecimento dito técnico às aspirações dapopulação formularam uma proposta urbanística para a região.A FIG. 2 abaixo aponta para a proposta que direcionou a forma em que os lotes seriamdividi<strong>do</strong>s, o número <strong>de</strong> ruas, áreas <strong>de</strong> uso coletivo, etc.isbn: 978-85-98261-08-968


Figura 2 – Proposta urbanística para ocupação Dandaraprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: Arquivo da comunida<strong>de</strong>Da<strong>do</strong> o crescimento exponencial <strong>do</strong> número <strong>de</strong> famílias presentes (100 para 887) assim como da áreaocupada foi necessária a divisão da comunida<strong>de</strong> em nove grupos, a qual foi acompanhada da eleição<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res para cada um <strong>de</strong>les, sen<strong>do</strong> esses, responsáveis pela participação nas assembléiassemanais e repasse das informações ao restante da população assim como da realização <strong>de</strong> reuniõesperiódicas com as famílias presentes em seu grupo. No início da ocupação e à medida que a mesmacrescia era realiza<strong>do</strong> um cadastro familiar que conduziria a instalação das famílias até que acapacida<strong>de</strong> total <strong>do</strong> terreno fosse atingida.A cada um <strong>do</strong>s grupos foi instituída uma cor <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e através <strong>de</strong> sorteios foi <strong>de</strong>limitada aárea em que cada um passaria a ocupar. Em seguida, cada agrupamento internamente sorteava ou<strong>de</strong>ixava a livre escolha <strong>do</strong>s habitantes para ocupação <strong>de</strong> seu lote. Em <strong>de</strong>terminadas ocasiões, foi dadapreferência <strong>de</strong> escolha a famílias específicas que <strong>de</strong> alguma forma (presença nas reuniões, <strong>do</strong>ações,etc.) mostravam‐se mais envolvidas no projeto da ocupação conforme relata<strong>do</strong> pela Sra. Wagna.Anteriormente à tal proposta (FIG. 2), contu<strong>do</strong>, foi elaborada uma primeira a qual caracterizava‐sepela pureza da técnica arquitetônica em conformida<strong>de</strong> a legislação municipal vigente. Sen<strong>do</strong> quaseque totalmente formulada por profissionais da área da arquitetura e urbanismo, a proposta levavaem conta, sobretu<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instalação da maior parte <strong>de</strong> famílias possível 2 . Assim,propunha a divisão da área em lotes coletivos, dividi<strong>do</strong>s conforme a topografia da região,compensan<strong>do</strong>‐se assim com uma maior área aqueles terrenos com menor possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>construção <strong>de</strong>vida á inclinação.Nas palavras <strong>de</strong> Tiago Castelo Branco, arquiteto que esteve à frente <strong>do</strong> planejamento <strong>do</strong>projeto para instalação da comunida<strong>de</strong>, assim como <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>do</strong> processo auxiliou apopulação para que as normas urbanísticas <strong>do</strong> município pu<strong>de</strong>ssem ser seguidas:69


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9A gente elaborou um primeiro plano pra área. Por que os lotes coletivos? Para a gente ter o mínimopossível <strong>de</strong> ruas e não per<strong>de</strong>r espaço com ruas, porque a gente tinha cerca <strong>de</strong> 1300 famílias, então a genteprecisava criar uma solução que aten<strong>de</strong>sse essas 1300 famílias.Nem por isso o processo era realiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma autoritária ou tecnocrática. Ao contrário,conforme <strong>de</strong>staca o arquiteto:Durante to<strong>do</strong> esse perío<strong>do</strong> havia to<strong>do</strong> um processo <strong>de</strong> discussão com as li<strong>de</strong>ranças e com a populaçãopara ver se eles iam aprovar essa proposta, se essa proposta era interessante pra eles ou não. (...) Essaproposta começa a ser implantada e você tem uma pressão muito forte da polícia, o processo <strong>de</strong><strong>de</strong>marcação <strong>de</strong>mora muito, ele po<strong>de</strong>ria ter aconteci<strong>do</strong> muito rápi<strong>do</strong>, mas você não consegue <strong>de</strong>vida a essapressão.Tal participação popular apresenta‐se em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento tão massiva que toda aproposta tem <strong>de</strong> ser reformulada dada a insatisfação da população resi<strong>de</strong>nte, sobretu<strong>do</strong> comum aspecto específico <strong>do</strong> projeto em pauta, a saber, a vida em coletivida<strong>de</strong>:Um problema, porém começa a surgir que é a questão da vida coletiva. Morar nos lotes coletivos, eles nãoconseguem resolver bem isso, eles começam a achar que isso vai gerar uma favela, que tu<strong>do</strong> aquilo queeles estavam insistin<strong>do</strong> ia se per<strong>de</strong>r com a proposta <strong>do</strong> lote coletivo, e eles tinham um receio muito gran<strong>de</strong>porque com o lote coletivo era necessário você criar um con<strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> cada lote coletivo e isso eles nãoestavam aceitan<strong>do</strong> bem.Como discuti<strong>do</strong> anteriormente no ensaio, duas inquietações principais permeavam a vida<strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res, a saber a preocupação na manutenção da or<strong>de</strong>m urbanísticaimplementada e <strong>de</strong> forma mais evi<strong>de</strong>nte o me<strong>do</strong> e completa aversão <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res poruma taxa <strong>de</strong> utilização da terra como o aluguel ou aqui entendi<strong>do</strong> como o con<strong>do</strong>mínio. Aproposta <strong>do</strong> lote coletivo, ao menos aparentemente, ia <strong>de</strong> encontro exatamente a taisquestões. Nesse ínterim, ao mesmo tempo em que se observa a tentativa <strong>de</strong> umaconstrução <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajuda e parceria mútua, <strong>de</strong> auxílio e construção <strong>do</strong> espaço<strong>de</strong> forma compartilhada, quan<strong>do</strong> o tema volta‐se para a questão da moradia, o convíviocoletivo mostra‐se in<strong>de</strong>seja<strong>do</strong>.O confronto e inquietação tornam‐se tão expressivos que a população <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> por simesma reavaliar o caminho até então percorri<strong>do</strong> e sugerir uma nova proposta, que emsua perspectiva teria como intuito o impedir a transformação da ocupação em uma vila,mas, sobretu<strong>do</strong> evitar conflitos futuros que pu<strong>de</strong>ssem vir a acontecer provenientes davida coletiva. A <strong>de</strong>scrição abaixo, apresentada pelo arquiteto mesmo que extensa,explicita bem as impressões e iniciativas tomadas nesse momento.Então eles, a população, eles apresentam uma proposta (...) Eles apresentam a proposta a partir <strong>de</strong> um <strong>do</strong>smora<strong>do</strong>res da região, ele apresenta aquele <strong>de</strong>senho ali [Figura 2 rascunhada] para mim e ele vai, ele <strong>de</strong>squalifica o<strong>de</strong>senho com o lote coletivo (...) Ele fala que o lote coletivo era uma besteira que não era necessário e o i<strong>de</strong>al eramlotes individuais e to<strong>do</strong>s os lotes iguais. Ai a gente, eu argumento com ele que ao fazer isso a gente ia per<strong>de</strong>r áreaporque a gente ia per<strong>de</strong>r áreas abrin<strong>do</strong> ruas (...) Só que a população prefere fazer isso aqui, prefere fazer o loteindividual e to<strong>do</strong>s os lotes iguais; era uma exigência extremamente importante para eles. Nessa proposta <strong>do</strong> loteindividual, trabalhamos com to<strong>do</strong>s os lotes iguais, <strong>de</strong> 126 metros quadra<strong>do</strong>s (...) Então essa proposta é apresentadae imediatamente a população vai se apropriar <strong>de</strong>ssa proposta e vai implantar isso aqui tu<strong>do</strong>, e nesse momento semnenhum acompanhamento técnico (...) Eles conseguem absorver muito bem a idéia porque a proposta, ela é muitofácil <strong>de</strong> ser implantada. Eles conseguem ir medin<strong>do</strong> e <strong>de</strong>marcam to<strong>do</strong> o terreno, aquilo que na proposta <strong>do</strong> lotecoletivo eles ficavam assim 20 dias tentan<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolver uma coisa <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> terreno, com essa proposta aqui emuma semana eles tinham <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> tu<strong>do</strong>.70


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Nesse contexto <strong>de</strong>stacam‐se <strong>do</strong>is aspectos principais. O primeiro <strong>de</strong>les relaciona<strong>do</strong> àscontradições e até mesmo embate por vezes existente entre o conhecimento técnico e opopular (FRIEDMAN, 1987), sobretu<strong>do</strong> no que concerne à ocupação e construção <strong>do</strong>espaço urbano. Apesar da “simplicida<strong>de</strong>” da segunda proposta, era nela que se refletia aaspiração se não <strong>de</strong> toda, ao menos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte da população que se instalava naRegião. Na medida em que toda a execução <strong>do</strong>s trabalhos seria necessariamenteexecutada pelos próprios mora<strong>do</strong>res, uma proposta que se encaixasse mais ás suasaspirações, anseios e <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> realização no espaço seria implementada <strong>de</strong> forma maiseficaz, como ocorre. Ao mesmo tempo, ao <strong>de</strong>scaracterizar a primeira proposta algunselementos essenciais <strong>do</strong> planejamento or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> para a região como o tamanho i<strong>de</strong>al dasáreas <strong>de</strong> recarga tem <strong>de</strong> ser suplanta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vida a instituição <strong>de</strong> novos lotes assim comonecessariamente diminui‐se o espaço no território para a instalação <strong>de</strong> novas famílias.Esse segun<strong>do</strong> aspecto merece um pouco mais <strong>de</strong> atenção. Ao optarem pelo lotesindividuais e <strong>de</strong>marca<strong>do</strong>s em mesmo formato e tamanho como meio <strong>de</strong> contenção <strong>de</strong>conflitos há em certo senti<strong>do</strong> a opção pela manutenção da lógica da qual a própriaocupação é fruto, a saber, a individualização da posse e das necessida<strong>de</strong>s. A ocupação,resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma lógica <strong>de</strong> conflito e exclusão e ten<strong>do</strong> como herança <strong>de</strong>ssa lógica oconstante receio <strong>de</strong> exclusão sócio‐espacial o território é organiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma repartidae individualizada. O <strong>de</strong>sejo intenso pela individualização <strong>do</strong> lote em oposição ao projetocoletivo reflete e reproduz essa herança perversa.A escolha por tal projeto, contu<strong>do</strong> é também composta pela crença que é pelaindividualização que se evitariam os conflitos futuros <strong>de</strong> convivência, a qual, manchadapelas marcas da marginalida<strong>de</strong> e da exclusão é por vezes conflituosa funcionan<strong>do</strong> à baseda ameaça e da coerção.Viver individualmente, homogeneizan<strong>do</strong> fisicamente o espaço, a <strong>de</strong>speito das limitaçõestopográficas, significa assim fugir e evitar o conflito tanto <strong>de</strong> preferenciais como <strong>de</strong>relacionamentos. Ao mesmo tempo, tal opção se adéqua totalmente ao padrão da cida<strong>de</strong>formal e em certo senti<strong>do</strong> da perversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o próprio movimento é fruto. Tal fator,associa<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>sejo presente nos mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> uma regularização que lhes garanta nãoapenas o uso, mas à posse da terra po<strong>de</strong> levar futuramente à manifestação e reprodução<strong>do</strong> papel exclu<strong>de</strong>nte da proprieda<strong>de</strong>.Enquanto não ocorre, na ocupação manifesta‐se <strong>de</strong> forma literal um verda<strong>de</strong>iro espaço<strong>de</strong> anseios e <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> realização. O lema, “ocupar, resistir, construir”, manifesta<strong>do</strong> pelalí<strong>de</strong>r Wagna, <strong>de</strong> forma resumida apresenta a ação, consequências e esperanças por parte<strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res da Região. Em um formato <strong>de</strong> organização <strong>do</strong> espaço que ten<strong>do</strong> comobase os princípios orienta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalista, possivelmente serãonesses espaços informais e socialmente construí<strong>do</strong>s, por mais que não legalmentereconheci<strong>do</strong>s – proprieda<strong>de</strong> sem direito ‐, que realmente po<strong>de</strong>r‐se‐ia falar em realDireito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> bem como em novas possibilida<strong>de</strong>s e novos arranjos para a plenarealização <strong>do</strong> urbano.isbn: 978-85-98261-08-971


4 CONSIDERAÇÕES FINAISprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Conforme apresenta<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma sugestiva no presente ensaio, a instituição daproprieda<strong>de</strong> privada tem atua<strong>do</strong> na consolidação <strong>de</strong> um dilema jurídico e urbano, na medida emque se reconhece o Direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> como indispensável á sobrevivência, ao mesmo tempo emque um significativo número <strong>de</strong> pessoas necessita recorrer ao uso da terra sem direito. Nessasocieda<strong>de</strong> manifestam‐se <strong>de</strong> forma cada vez mais constante conflitos e contradições que resultam <strong>de</strong>e em um cenário <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação e exclusão.Nesse cenário <strong>de</strong> conflito que toma como principal e única arma a posse <strong>de</strong> renda monetária pelosindivíduos, <strong>de</strong>terminada classe fica a margem <strong>de</strong> tal arena dada sua impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nela a<strong>de</strong>ntrarpor meio <strong>de</strong> tal armamento. Como alternativa, tais indivíduos, utilizan<strong>do</strong>‐se <strong>de</strong> seu próprio corpo evoz na disputa por espaço urbano passam a ocupá‐lo e nele implementar, ao menos em<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s aspectos, diferentes formas <strong>de</strong> planejamento e uso <strong>do</strong> solo. A ocupação informalDandara, no momento presente, apresenta uma <strong>de</strong>ssas novas possibilida<strong>de</strong>s.Na conclusão <strong>de</strong> sua obra, A Revolução Urbana, Lefebvre aponta para “um <strong>do</strong>s problemas maisperturba<strong>do</strong>res” da construção e realização <strong>do</strong> urbano, a saber, “a extraordinária passivida<strong>de</strong> daspessoas diretamente interessadas, concernidas pelos projetos, postas em questões pelas estratégias.Por que esse silêncio <strong>do</strong>s usuários?” (pg. 163), pergunta o autor. Como uma das razões apresentadaspor Lefebvre, está o costume, ou mais <strong>do</strong> que isso, o “hábito” <strong>de</strong> tais usuários <strong>de</strong>legarem seusinteresses aos seus representantes formais.O caso aqui apresenta<strong>do</strong> em certo senti<strong>do</strong> mostra‐se em certo senti<strong>do</strong> como uma tentativa <strong>de</strong>enfrentamento <strong>de</strong> tal hábito maléfico. Através <strong>do</strong> embate, promovi<strong>do</strong> pelo fim da espera por umaresposta formal e pelo convencimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas incoerências, os usuários promovem earticulam seus movimentos na busca por um pleno pertencimento sócio‐espacial. Absolutamente, aquestão da ocupação não po<strong>de</strong> ser aqui esgotada e possivelmente apresente aspectos e incoerênciasque não estiveram presentes e fogem ao escopo <strong>de</strong>ste trabalho. Contu<strong>do</strong>, abordá‐la e analisá‐lasegun<strong>do</strong> a perspectiva da economia política marxista e das práticas <strong>de</strong> planejamento urbano mostrasecomo eficaz meio <strong>de</strong> compreensão das lógicas que atuam sobre o espaço em que a ocupaçãomaterializa‐se bem como da maneira que elas na prática se manifestam.isbn: 978-85-98261-08-9725 REFERÊNCIASAZEVEDO, Sergio <strong>de</strong>. A Questão da Moradia no Brasil: necessida<strong>de</strong>s habitacionais, políticas e tendências. In:FERNANDES, Ana & SOUZA, Ângela Gordilho(Orgs.). Habitação no Brasil: reflexões, avaliações e propostas.Salva<strong>do</strong>r: FAUFBA/PPGAU, 2004, p. 83‐120.BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Plano <strong>de</strong> Mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte. Diagnóstico e PrognósticoPreliminar. Belo Horizonte, 2011. Disponível em:http://www.bhtrans.pbh.gov.br/portal/page/portal/portalpublico/BHTRANS/publicacoes. Acesso em: 25 julho2001CASTELO BRANCO, T. Depoimento [6 <strong>de</strong> julho, 2011] Belo Horizonte. Entrevista concedida ao autor.CRUZ, M. F. Depoimento. [4 <strong>de</strong> julho, 2011]. Belo Horizonte. Entrevista concedida ao autor.FERNANDES, Edésio. Reforma urbana e reforma jurídica no Brasil: duas questões para reflexão. In: COSTA, Geral<strong>do</strong>Magela; MENDONÇA, Jupira Gomes (Orgs.). Planejamento Urbano no Brasil: trajetórias, avanços e perspectivas.Belo Horizonte, 2008, p. 123‐135.


FERNANDO. Depoimento. [4 <strong>de</strong> julho, 2011]. Belo Horizonte. Entrevista concedida ao autor.programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)FRIEDMANN, J. (1987) Planning in the Public Domain: From Knowledge to Action. Princeton: Princeton UniversityPress.LEFEBVRE, H. 1999. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Editora <strong>UFMG</strong>.MARX, Karl. O capital. Livro 3, v. 6. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.QUEIROZ, Luiz Cesar. o Estatuto da Cida<strong>de</strong> na Questão Urbana Brasileira. In: FERNANDES, Ana & SOUZA, ÂngelaGordilho(Orgs.). Habitação no Brasil: reflexões, avaliações e propostas. Salva<strong>do</strong>r: FAUFBA/PPGAU, 2004, p. 69‐82.OLIVEIRA, Fabrício Leal <strong>de</strong>; BIASOTTO, Rosane. O Acesso à Terra Urbanizada nos Planos Diretores Municipais. In:Orlan<strong>do</strong> Alves <strong>do</strong>s Santos Junior; Daniela Todtmann (Org.). Os Planos Diretores Municipais pós Estatuto dasCida<strong>de</strong>s: balanço crítico e perspectivas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Letra Capital: Observatório das Cida<strong>de</strong>s: IPPUR/UFRJ,2011.SOUZA, Angela Gordilho. Viver Melhor: mudanças e permanências no habitar. In: FERNANDES, Ana & SOUZA, ÂngelaGordilho(Orgs.). Habitação no Brasil: reflexões, avaliações e propostas. Salva<strong>do</strong>r: FAUFBA/PPGAU, 2004, p. 167‐190WAGNA. Depoimento [4 <strong>de</strong> julho, 2011]. Belo Horizonte. Entrevista concedida ao autorisbn: 978-85-98261-08-96 NOTAS1 Para fins <strong>de</strong> distinção, passaremos a grafar a palavra Direito em letra maiúscula quan<strong>do</strong> referir‐se aosenti<strong>do</strong> <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>/condição <strong>de</strong> sobrevivência e em letra minúscula ao a consi<strong>de</strong>rá‐la comoinstrumento legal.732 Na ocasião, a ocupação contava com mais <strong>de</strong> 1000 famílias.


NÚCLEO TEMÁTICO I: Cida<strong>de</strong> em movimento e movimento na cida<strong>de</strong>programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Urbanização contemporânea e conflitos urbanos em Viçosa,Minas Gerais: a remoção da feira livre da Avenida Santa Rita e onovo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> renovação urbana local.Contemporary urbanization and urban conflicts in Viçosa, Minas Gerais: the removal ofSanta Rita Avenue’s street fair and the new local urban renovation pattern.Nayana Corrêa BONAMICHIArquiteta e Urbanista; Pós Graduanda <strong>do</strong> curso <strong>de</strong> Especialização em Política e Planejamento Urbano eRegional <strong>do</strong> IPPUR/UFRJ. mnbona@gmail.comisbn: 978-85-98261-08-9RESUMOLer o processo <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaço urbano através <strong>de</strong> seus conflitos é partir da leitura <strong>do</strong>espaço como campo <strong>de</strong> lutas; Por meio <strong>de</strong>stes conflitos enxergamos um espaço vivo e não neutro,um cenário <strong>de</strong> divergências, uma cida<strong>de</strong> em constante movimento. A partir <strong>de</strong>sta leitura se tornamais rica a compreensão <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaço. O objetivo <strong>de</strong>ste artigo éapresentar os resulta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> entre os anos <strong>de</strong> 2009 e 2010que acompanhou uma real situação <strong>de</strong> conflito urbano travada sobre o gozo <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> uso <strong>do</strong>espaço público e os interesses priva<strong>do</strong>s da indústria da construção civil, em Viçosa, MG; Trata‐se<strong>do</strong> conflito entre retirada/manutenção da feira livre da Avenida Santa Rita (tradicional feira livre<strong>de</strong> rua <strong>do</strong> município), em um momento em que esta Avenida passava por intenso processo <strong>de</strong>valorização imobiliária. O trabalho <strong>de</strong> pesquisa teve como objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> a dinâmica interna eos <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos <strong>de</strong> tal situação <strong>de</strong> conflito, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a proposta até a efetiva remoção da feiralivre, em janeiro <strong>de</strong> 2010. Através <strong>de</strong> uma abordagem pre<strong>do</strong>minantemente qualitativa buscamosenten<strong>de</strong>r como esta parcela <strong>do</strong> urbano em questão foi/é produzida e apropriada, como as partesenvolvidas exerceram/exercem seu <strong>do</strong>mínio ou são <strong>do</strong>minadas através <strong>do</strong> espaço.PALAVRAS‐CHAVE: Urbanização Contemporânea, Conflitos Urbanos, Feiras Livres.74ABSTRACTReading the urban space production process between its conflicts is equal to pull out the readingof the urban space like a field of struggles; By these conflicts we can see an alive and non‐neutralspace, a scenario of differences, a city in constant movement. Starting from this reading, itbecomes richer the comprehension of the space production process. The purpose of this article isto present the results of a research work <strong>de</strong>veloped between 2009 and 2010 that had monitored areal urban conflict situation among the enjoyment of the right to use the public space and theprivates interests of the construction industry, in Viçosa, MG; It’s the conflict among theremoval/maintenance of the Santa Rita Avenue’s street fair (a municipality traditional street fairin that city), while this Avenue was going through a strong process of property appreciation. Theresearch work had as its study object the internal dynamic and the <strong>de</strong>velopments of this conflictsituation, since the proposal until the effective removal of the street fair, in January 2010.Through a pre<strong>do</strong>minantly qualitative approach we tried to un<strong>de</strong>rstand how this urban portion inquestion was/is produced and appropriated, how the involved portions had exercised/exercisestheir <strong>do</strong>main through the space.KEYWORDS: Contemporary urbanization, Urban Conflicts, Street Fairs.


1 INTRODUÇÃOprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Entre as décadas <strong>de</strong> 1960 e 1970, o município <strong>de</strong> Viçosa, Minas Gerais, passou por umaintensificação no seu processo <strong>de</strong> urbanização em função da expansão das ativida<strong>de</strong>s da atualUniversida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa. A então ESAV (<strong>Escola</strong> Superior <strong>de</strong> Agronomia e Veterinária)passou a ser reconhecida como Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral, aumentan<strong>do</strong> significantemente osrecursos fe<strong>de</strong>rais nela investi<strong>do</strong>s e alteran<strong>do</strong> drasticamente a dinâmica social, cultural, políticae econômica <strong>do</strong> município. A cida<strong>de</strong> passou a se <strong>de</strong>senvolver em razão da própriaUniversida<strong>de</strong>, ten<strong>do</strong> na expansão da Aca<strong>de</strong>mia a alavanca para o <strong>de</strong>senvolvimento econômico<strong>do</strong> município e passan<strong>do</strong> a ter no setor <strong>de</strong> serviços e na construção civil as bases <strong>de</strong> suaeconomia. O crescimento da <strong>de</strong>manda habitacional gerada principalmente pelo inchaço dacomunida<strong>de</strong> ligada à Universida<strong>de</strong> fez com que a região central <strong>do</strong> município rapidamente sea<strong>de</strong>nsasse, novos vetores <strong>de</strong> crescimento/a<strong>de</strong>nsamento fossem forma<strong>do</strong>s e a renovaçãourbana atingisse índices muito altos.isbn: 978-85-98261-08-9Atualmente, a ação feroz <strong>do</strong> seguimento <strong>de</strong> indústria da construção civil se soma a cada vezmaior rarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> solo urbano central intensifican<strong>do</strong> situações latentes <strong>de</strong> conflitos e lutas pelodireito <strong>de</strong> consumo e <strong>de</strong> (re)produção <strong>do</strong> espaço urbano. Diante da rarida<strong>de</strong> e <strong>do</strong> esgotamentoda centralida<strong>de</strong>, novos vetores <strong>de</strong> crescimento e investimento imobiliários vêm sen<strong>do</strong>forma<strong>do</strong>s em áreas vizinhas às já intensamente ocupadas e verticalizadas. Neste contexto, nosúltimos seis anos, a Avenida Santa Rita e Rua Gomes Barbosa, no centro <strong>do</strong> município vêm seconfiguran<strong>do</strong> como uma <strong>de</strong>ssas novas áreas <strong>de</strong> intensa valorização imobiliária.Coinci<strong>de</strong>ntemente, uma proposta <strong>de</strong> remoção da popular feira livre <strong>de</strong> rua que funcionava háquatro décadas na Avenida Santa Rita veio à tona pela Secretaria <strong>de</strong> Agricultura <strong>do</strong> Municípiono ano <strong>de</strong> 2006. Através <strong>de</strong> uma manobra política, em uma reunião pouco esclarece<strong>do</strong>ra foivotada e aprovada pelos poucos feirantes presentes a construção <strong>de</strong> um novo local para a feiralivre. Em janeiro <strong>de</strong> 2010, após manifestos tardios contra a mudança, organiza<strong>do</strong>s por parte <strong>do</strong>sfeirantes e parte da população,e, após incessantes discussões públicas sobre o <strong>de</strong>stino da feiralivre, a mesma teve suas ativida<strong>de</strong>s relocadas para área às costas <strong>do</strong> Colégio Viçosa, ao final daRua Gomes Barbosa (área menos central e até então menos visada pelo merca<strong>do</strong> imobiliário),em um notável processo <strong>de</strong> marginalização. O ato significou a perda <strong>de</strong> parte da força da feiralivre, em nossas leituras, um rico lugar <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> trocas econômicas e principalmentesociais e <strong>de</strong> saberes; Uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manutenção <strong>de</strong> uma cultura da “vida <strong>de</strong> rua”, queperdurou por mais <strong>de</strong> quatro décadas na Avenida Santa Rita.A remoção significou, também, uma possibilida<strong>de</strong> importante para a leitura e a análise <strong>do</strong>processo <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s segmentos sociais locais sobre outrosatravés da disputa pelo espaço urbano; Tal processo <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio e <strong>de</strong> disputa écoloca<strong>do</strong> aqui como objeto <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>ste trabalho. Assim, com o objetivo <strong>de</strong> analisar os<strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos <strong>de</strong>sta situação <strong>de</strong> conflito e traçar consi<strong>de</strong>rações que aju<strong>de</strong>m a enten<strong>de</strong>r seussignifica<strong>do</strong>s, este artigo transita entre observações feitas a partir da analise <strong>de</strong> fatos empíricose consi<strong>de</strong>rações teóricas baseadas na revisão <strong>de</strong> obras que discorrem sobre as populares feiraslivres <strong>de</strong> rua e o processo <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaço urbano a partir <strong>de</strong> seus conflitos.Entrelaçan<strong>do</strong> tais consi<strong>de</strong>rações teóricas e observações empíricas, acredito ser mais rica acompreensão <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> renovação urbana e valorização imobiliária local e seus efetivospapéis na remoção da feira livre.75


2 METODOLOGIAprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Os procedimentos meto<strong>do</strong>lógicos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s na pesquisa reuniram técnicas quantitativas equalitativas, entre elas: revisão teórica sobre a temática das populares feiras livres <strong>de</strong> rua,levantamento <strong>do</strong>cumental sobre a antiga e popular feira livre da Avenida Santa Rita,levantamento <strong>do</strong>cumental e mapeamento <strong>do</strong>s principais empreendimentos imobiliárioslança<strong>do</strong>s entre os anos <strong>de</strong> 2006 e 2010 para a região central <strong>de</strong> Viçosa 1 , aplicação <strong>de</strong>questionários a feirante e frequenta<strong>do</strong>res/não frequenta<strong>do</strong>res da feira livre 2 , observaçõesdiretas e registros fotográficos das ativida<strong>de</strong>s da feira, entrevistas e acompanhamento dasdiscussões públicas sobre a remoção/manutenção da feira livre 3 .isbn: 978-85-98261-08-93 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS FEIRAS LIVRES COMO LUGARES DE SOCIABILIDADE 4Segun<strong>do</strong> Mascarenhas (2008,p.75):A feira livre no Brasil constitui modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> varejista ao ar livre, <strong>de</strong> periodicida<strong>de</strong> semanal,organizada como serviço <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública pela municipalida<strong>de</strong> e voltada para a distribuição local <strong>de</strong>gêneros alimentícios e produtos básicos. Herança em certa medida da tradição ibérica (também <strong>de</strong> raizmourisca), posteriormente mesclada com práticas africanas [...]. Desempenham ainda hoje papelrelativamente importante no abastecimento urbano.Ainda segun<strong>do</strong> este autor (ibi<strong>de</strong>m, p.74):Como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> longa evolução <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s a céu aberto, <strong>de</strong> remota origem ibérica, re<strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s nocontexto urbanístico da racionalida<strong>de</strong> higienista da Belle Époque, a feira livre representa uma experiênciapeculiar <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> uso da rua, que há décadas sofre acusações <strong>de</strong> obsolescência, pela difusãoilimitada da automobilida<strong>de</strong> e das mo<strong>de</strong>rnas formas <strong>de</strong> varejo (sobretu<strong>do</strong> os supermerca<strong>do</strong>s).As feiras livres, em suas diversas configurações, aglomeram multidões e se configuram comoimportantes espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>. São ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> base econômica, mas que muitotranscen<strong>de</strong>m a esfera comercial; Se constituem em espaços <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong>s comerciais esociais on<strong>de</strong> erguem‐se re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>s (ARAÚJO E MORAIS, 2006, p.247).Em umaambiência <strong>de</strong> informalida<strong>de</strong>, as frias relações existentes na troca moeda‐merca<strong>do</strong>ria dasmo<strong>de</strong>rnas formas <strong>de</strong> varejo alimentar se<strong>de</strong>m espaço a relações informais mais próximas, queenvolvem a troca não só <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias mas social e <strong>de</strong> saberes. As feiras livres se configuramcomo locais <strong>de</strong> estadia e <strong>de</strong> lazer, sua ambiência informal ganha força nos ambientes públicos<strong>de</strong> livre permanência. 5A tradição <strong>do</strong> “dia <strong>de</strong> feira” ganha a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> um festejo para aqueles que têm nestaativida<strong>de</strong> um importante momento <strong>de</strong> lazer e intensa sociabilida<strong>de</strong>. Para essas pessoas, atradição <strong>do</strong> “ir à feira” vira um ritual carrega<strong>do</strong> <strong>de</strong> valor simbólico e afetivo; “A presença <strong>de</strong>elementos populares no cotidiano <strong>de</strong> uma feira livre [...] mostra também a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>steselementos realizarem encontros festivos no interior da feira, exercen<strong>do</strong> espontaneamenteformas <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>” (MASCARENHAS, 2008, p.77). Para Guimarães (2010, p.03), o eventoda feira livre se insere como “possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> integração social, celebração <strong>de</strong> costumes eforça instaura<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>ntro da rotina, possuin<strong>do</strong> inclusive diversos aspectos semelhantes ao <strong>de</strong>uma festivida<strong>de</strong>”.Mascarenhas ainda <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> as feiras livres não só como lugares <strong>de</strong> anônima aglomeraçãoperiódica, mas como espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>s específicas. Na feira livre se instala o uso,76


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)impresso pela dinâmica da vida e estimula o uso coletivo <strong>do</strong>s espaços públicos, ajuda amanter viva a cultura da vida <strong>de</strong> rua no que seria uma via contrária ao processo <strong>de</strong>expansão da agorafobia, <strong>do</strong>s con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s e shoppings centers. Quan<strong>do</strong> fala daperda <strong>do</strong> significa<strong>do</strong> tradicional da rua, afirma que:A sociabilida<strong>de</strong> confinada e o temor da violência urbana crescente inauguram nas ultimas décadasum estilo <strong>de</strong> vida on<strong>de</strong> a rua per<strong>de</strong> seu significa<strong>do</strong> tradicional <strong>de</strong> local privilegia<strong>do</strong> da convivênciatranquila, <strong>do</strong> lazer infanto‐juvenil e <strong>de</strong> diversas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação na vida comunitária,para tornar‐se árida via monopolizada pelo automóvel. A “morte” da rua (HOLSTON, 1993; CHOAY,1982) e to<strong>do</strong> seu folclore engloba a “morte” das feiras livres, literalmente ausentes nos bairros ecida<strong>de</strong>s pauta<strong>do</strong>s pelo urbanismo progressista.(2005, p. __)A ativida<strong>de</strong> da feira livre, no momento da apropriação da rua, volta a afirmar este espaçocomo o local <strong>do</strong> encontro e nega a sua condição <strong>de</strong> local <strong>de</strong> passagem, da nãopermanência. O uso está liga<strong>do</strong> à formação <strong>de</strong> um valor simbólico sobre o lugar namemória <strong>do</strong> indivíduo, assim, fortalecen<strong>do</strong> os vínculos para com as áreas <strong>de</strong> <strong>do</strong>míniopúblico e as reconhecen<strong>do</strong> como espaços que são <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, e não como o que não é <strong>de</strong>ninguém. Trata‐se <strong>de</strong> um forte exercício <strong>do</strong> direito a estes espaços. 6isbn: 978-85-98261-08-94 A ANTIGA FEIRA LIVRE DA AVENIDA SANTA RITA, VIÇOSA – MG 7Funcionan<strong>do</strong> há mais <strong>de</strong> quatro décadas, a antiga Feira Livre da Avenida Santa Ritainiciou suas ativida<strong>de</strong>s antes na Praça Silviano Brandão, principal praça publica <strong>do</strong>município, no centro <strong>de</strong> Viçosa, passan<strong>do</strong> já no ano seguinte a funcionar na AvenidaSanta Rita. A partir <strong>de</strong> extenso levantamento realiza<strong>do</strong> por esta pesquisa sobre a origem<strong>do</strong>s feirantes e frequenta<strong>do</strong>res <strong>de</strong>sta feira livre, constatou‐se que suas ativida<strong>de</strong>satingiam uma amplitu<strong>de</strong> “microrregional”. Tal constatação é, em parte, explicada pelofato <strong>de</strong>sta ser a única feira livre <strong>de</strong> gêneros alimentícios e produtos básicos <strong>do</strong> município<strong>de</strong> Viçosa e a maior <strong>de</strong>ntre seus municípios vizinhos, o que atraía feirantes <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong><strong>do</strong>ze outros municípios próximos a Viçosa (Teixeiras, Guaraciaba, Cajuri, Coimbra,Amparo da Serra, Ubá, Ponte Nova, Guiricema, Viscon<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio Branco, São Miguel <strong>do</strong>Anta, Tocantins e Ervália). Reunia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequenos a gran<strong>de</strong>s produtores e comerciantes<strong>de</strong> produtos agrícolas, reven<strong>de</strong><strong>do</strong>res, artesãos, produtores <strong>de</strong> <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> leite ou grãose comerciantes <strong>de</strong> produtos industrializa<strong>do</strong>s.Constituía importante ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública, pois possibilitava o comércio diretoentre pequenos produtores rurais e consumi<strong>do</strong>res. Em Viçosa, as vendas na feira livreainda representavam a única fonte <strong>de</strong> renda para gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>stes produtores (verFigura 1).77


Figura 1: A Feira Livre da Avenida Santa Ritaprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: Foto Documentário Sába<strong>do</strong>‐Feira, um registro fotográfico sobre a tradicional feira livre <strong>de</strong> Santa Rita, 12/11/2008.As relações sociais <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong> entre trabalha<strong>do</strong>res da feira livre foi uma das característicasmais fortes observadas. O trabalho manual no campo que envolvia toda a família dita patriarcalera tradicionalmente passa<strong>do</strong> <strong>de</strong> pai para filhos. Na feira livre da Avenida Santa Rita, resquícios<strong>de</strong>ste antigo tipo <strong>de</strong> organização refletiam nas formas <strong>de</strong> distribuição <strong>do</strong> trabalho no momentoda feira e até na “herança” <strong>do</strong> “ponto comercial” 8 , vários <strong>de</strong>les passa<strong>do</strong>s pelos pais ou outrosparentes em graus próximos. Estes tipos <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong> foram nota<strong>do</strong>s comgran<strong>de</strong> intensida<strong>de</strong>, principalmente no gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> crianças que ajudavam no “trabalho”e na garantia da renda familiar através da feira. Na atmosfera <strong>de</strong> informalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong>,frequentemente se transitava entre o trabalho e o não trabalho.A ambiência informal <strong>de</strong> que fala Mascarenhas (2008, p.82) somada à ausência <strong>de</strong> umafiscalização rigorosa por parte <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público local contribuiu para formação <strong>de</strong> um “ponto<strong>de</strong> trocas” <strong>de</strong> fácil acesso em Viçosa, que po<strong>de</strong> significar a inserção das classes populares nestesegmento <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> ou uma possibilida<strong>de</strong> ainda melhor para aqueles que já possuem pontoscomerciais fixos. Em outras palavras, a falta <strong>de</strong> leis e fiscalização vinha transforman<strong>do</strong> a feiralivre da Avenida Santa Rita em uma gran<strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reprodução <strong>do</strong> capital comercialvarejista e <strong>de</strong> muito fácil acesso.Por outro la<strong>do</strong>, a força <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong> a mantinha como uma forma <strong>de</strong> festejo. No ambiente dafeira livre transitava‐se entre a formalida<strong>de</strong> da esfera comercial, <strong>do</strong> trabalho, <strong>do</strong> lucro e ainformalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> momento da feira como momento <strong>de</strong> lazer, <strong>do</strong> sába<strong>do</strong> pela manhã comotempo <strong>do</strong> não trabalho.A feira livre da Avenida Santa Rita se apresentava como uma das ativida<strong>de</strong>s reuni<strong>do</strong>ras <strong>de</strong>consumi<strong>do</strong>res e usuários <strong>de</strong> maior heterogeneida<strong>de</strong> <strong>do</strong> município; Por isso, uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> riqueza social e importante para a manutenção da diversida<strong>de</strong> no espaço urbano local(ver figuras 2 a 6).78


Figura 2: Fortes relações familiares na Feira Livre da Avenida Santa Ritaprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: Acervo pessoal da autora, 09/05/2009.Figura 3: O passeio na feira livreFigura 4: O passeio na feira livre79Fonte: Ambas Foto Documentário Sába<strong>do</strong>‐Feira, um registro fotográfico sobre a tradicional feira livre <strong>de</strong> Santa Rita, 12/11/2008.


Figura 5: A feira livre na Avenida Santa Rita.programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: Foto Documentário Sába<strong>do</strong>‐Feira, um registro fotográfico sobre a tradicional feira livre <strong>de</strong> Santa Rita, 12/11/2008.Figura 6: A feira livre na Av. Santa Rita. Fortes relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>.80Fonte: Foto Documentário Sába<strong>do</strong>‐Feira, um registro fotográfico sobre a tradicional feira livre <strong>de</strong> Santa Rita, 12/11/2008.5 AS POPULARES FEIRAS LIVRES DE RUA COMO O ARCAICO E O DISTANTE 9A mo<strong>de</strong>rnização <strong>do</strong> varejo alimentar, a popularização <strong>do</strong>s super e hipermerca<strong>do</strong>s,soma<strong>do</strong>s ao enrijecimento das leis higienistas contribuíram para a formação <strong>de</strong> umconstante olhar preconceituoso sobre as populares feiras livres <strong>de</strong> rua como forma <strong>de</strong>abastecimento alimentar. Esta popularização veio revestida por uma i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>rnização, <strong>de</strong> higiene e <strong>de</strong> praticida<strong>de</strong> a to<strong>do</strong> instante, enquanto a feira livre passoua ser consi<strong>de</strong>rada como o arcaico e o anti‐higiênico.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)O eleva<strong>do</strong> nível <strong>de</strong> capitalização <strong>de</strong>stes mo<strong>de</strong>rnos estabelecimentos comerciais, mesmonas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequeno e médio porte, o alto investimento midiático, a expansão <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>s re<strong>de</strong>s hegemônicas fortemente contrastam com a ambiência informal e a falta <strong>de</strong>capital da popular feira livre <strong>de</strong> rua.Para Mascarenhas (2008, p.79):No plano <strong>do</strong> imaginário, recriam‐se as feiras livres como territórios <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconforto, <strong>do</strong> informal,<strong>do</strong> transtorno, <strong>do</strong> atraso, <strong>do</strong> barulho e sujeira das ruas, enquanto os supermerca<strong>do</strong>s sãomassivamente apresenta<strong>do</strong>s como porta<strong>do</strong>res <strong>do</strong> novo, <strong>do</strong> belo, <strong>do</strong> conforto, <strong>do</strong> “american way oflife”.Como consequência <strong>de</strong> um longo perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> evolução, as feiras livres passaram <strong>de</strong> umatentativa <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnizar o arcaico comércio ambulante ao que Mascarenhas (2005, p.__)chama <strong>de</strong> “estratégias informais <strong>de</strong> sobrevivência”, formadas por um “conjunto <strong>de</strong> práticasalheias ao projeto civilizatório das mo<strong>de</strong>rnas cida<strong>de</strong>s norte‐americanas, por isso uma anomalia,uma patologia social, [...] o folk sector está <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong> sem fazer parte <strong>de</strong>la”(FRIEDMANN apud MASCARENHAS, 2005, p.__, grifos no original); Por isso, as feiras livres sãotidas como “transgressões” (SILVA apud MASCARENHAS,2005, p.__).A ativida<strong>de</strong> da feira livre passou a ser tachada como um fenômeno da informalida<strong>de</strong> urbana,consequência da expansão <strong>de</strong> parte pouco capitalizada <strong>do</strong> setor terciário e da busca <strong>de</strong> novasformas <strong>de</strong> sobrevivência material pelas classes populares. As feiras livres passaram a serreconhecidas pela sua condição <strong>de</strong> expressiva ativida<strong>de</strong> econômica para as camadas sociaispopulares.Sem qualquer tipo <strong>de</strong> fiscalização, as feiras livres mergulham na economia informal e cada vezmais passam a serem vistas como uma forma distante e atrasada <strong>de</strong> comércio. Porém, comoforma <strong>de</strong> sobrevivência para milhares <strong>de</strong> famílias <strong>de</strong> baixa renda, a feira livre persiste e resisteao “processo acentua<strong>do</strong> <strong>de</strong> negação da rua, <strong>do</strong> espaço público <strong>de</strong> franco acesso, que vemmarcan<strong>do</strong> a urbanização brasileira nas últimas décadas” (MASCARENHAS, 2008, p.79).Em Viçosa, a inserção das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequeno e médio porte na lógica das gran<strong>de</strong>smetrópoles, dada a popularização das mo<strong>de</strong>rnas formas <strong>de</strong> varejo também nos pequenos emédios municípios brasileiros, a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escoamento <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias somada a cada vezmaior rarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo que impõe a lógica <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s merca<strong>do</strong>s <strong>de</strong> auto serviço <strong>de</strong> amplohorário <strong>de</strong> funcionamento ao indivíduo mo<strong>de</strong>rno colocam a feira livre cada vez mais como umaforma alternativa <strong>de</strong> abastecimento alimentar; E, principalmente, como uma forma distante damo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> que fala Bauman (2005,p.35).isbn: 978-85-98261-08-9816 O ARCAICO X UM PROJETO DE MODERNIZAÇÃO E RENOVAÇÃO URBANA LOCAL 10Segun<strong>do</strong> Lefebvre (1999, p.45):Denominamos iso‐topia um lugar (topos) e o que o envolve (vizinhança, arre<strong>do</strong>res imediatos), isto é, o quefaz um mesmo lugar. Se noutra parte existe um lugar homólogo ou análogo, ele entra na isotopia.Entretanto, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> “lugar mesmo”, há o lugar outro, ou o outro lugar. O que o torna outro? Umadiferença que o caracteriza, situan<strong>do</strong>‐o (situan<strong>do</strong>‐se) em relação ao lugar inicialmente consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>. Trataseda hetero‐topia.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Henri Lefebvre <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que o espaço urbano é forma<strong>do</strong> por “lugares outros” e “lugaresmesmos”, que são relacionais. Os “lugares mesmos” seriam territórios <strong>do</strong> espaço urbano quepossuem na sua configuração gran<strong>de</strong>s semelhanças sociais, econômicas e até mesmo físicas.Os “lugares mesmos” são áreas “homogêneas” na produção <strong>do</strong> espaço, embora nãocompletamente. Os lugares se tornam “lugares outros” se compara<strong>do</strong>s a outros territórios quereúnem características físicas, políticas e sociais diversas e muitas vezes contrárias às suas.A existência <strong>do</strong>s lugares relativos no conjunto urbano, segun<strong>do</strong> Lefebvre, supõe a existênciatambém <strong>de</strong> um elemento neutro que consiste na ruptura‐sutura <strong>do</strong>s lugares justapostos; Esteelemento neutro seria, por exemplo, a rua, a praça ou um cruzamento. O espaço da ruarepresenta um espaço “neutro”, não pertencente a uma iso ou hetero‐topia, pela sua constantenegação como lugar, pela não apropriação, pela mera função <strong>de</strong> passagem.As populares feiras livres <strong>de</strong> rua, em geral, no momento em que se apropriam <strong>de</strong>ste espaço, oafirmam como lugar. A rua <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter a função <strong>de</strong> passagem para se transformar em lugar <strong>de</strong>permanência. O espaço passa <strong>de</strong> neutro a territorialida<strong>de</strong> popular, apropria<strong>do</strong> popularmentecomo o local <strong>do</strong> encontro, <strong>do</strong> festejo, da troca <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias e da troca social.Como ativida<strong>de</strong> reuni<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> público <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> heterogeneida<strong>de</strong> econômica e social, asativida<strong>de</strong>s da antiga feira livre da Avenida Santa Rita se constituíam como uma forma <strong>de</strong>apropriação ricamente heterogênea; Tomamos então como hipótese que a feira livre seconfigurava como a materialização <strong>de</strong> um “lugar outro” <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um lugar com um forteprojeto <strong>de</strong> homogeneização, veicula<strong>do</strong> pelos gran<strong>de</strong>s incorpora<strong>do</strong>res imobiliários locais. Talhipótese ajudaria a compreen<strong>de</strong>r a intensificação da iminência <strong>de</strong> conflitos. Para Lefebvre(1999,p.45) “Des<strong>de</strong> que se consi<strong>de</strong>re os ocupantes <strong>do</strong>s lugares, a diferença po<strong>de</strong> ir até ocontraste fortemente caracteriza<strong>do</strong>, e mesmo até o conflito” [grifo nosso].A consolidação da Avenida Santa Rita como um novo vetor <strong>de</strong> intensa valorização imobiliária,principalmente após o ano <strong>de</strong> 2006, é tomada por nós como reflexo da crescente <strong>de</strong>mandahabitacional gerada principalmente pelo aumento da comunida<strong>de</strong> ligada à Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa, pela rarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> solo urbano central não edifica<strong>do</strong> e pelas característicasfísicas <strong>de</strong>sta Avenida 11 .Nos últimos seis anos, a Avenida vem se configuran<strong>do</strong> como um banquete para osempreen<strong>de</strong><strong>do</strong>res da construção civil 12 (nas figuras 7 a 11, alguns exemplos <strong>de</strong> parte <strong>de</strong>stesgran<strong>de</strong>s empreendimentos).isbn: 978-85-98261-08-982


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Figura 7: Avenida Santa Rita n85. Alvará <strong>de</strong> construção emiti<strong>do</strong>em novembro <strong>de</strong> 2006.Figura 8: Avenida Santa Rita n06. Alvará <strong>de</strong> construção emiti<strong>do</strong>em agosto <strong>de</strong> 2006.Fonte: Acervo pessoal da autora, 06/05/2009. Fonte: Acervo pessoal da autora, 06/05/2009.Figura 9: Avenida Santa Rita n184. Alvará <strong>de</strong> construção emiti<strong>do</strong> em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008.83Fonte: Acervo pessoal da autora, 06/05/2009.Figura 10: Avenida Santa Rita n132.Fonte: Acervo pessoal da autora, 19/10/2009.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Figura 11: Avenida Santa Rita n159 e 171. Antigos sobra<strong>do</strong>s em processo final <strong>de</strong> <strong>de</strong>molição.isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: Acervo pessoal da autora, 19/10/2009.Ainda segun<strong>do</strong> a hipótese <strong>de</strong>fendida acima, a antiga feira livre da Avenida Santa Rita, comoforte representante da heterogeneida<strong>de</strong> <strong>do</strong> espaço urbano, significava uma ameaça àhomogeneida<strong>de</strong> local por estar inserida em um visível novo vetor <strong>de</strong> investimento imobiliário<strong>de</strong> caráter fortemente homogeniza<strong>do</strong>r. A resistência <strong>do</strong>s segmentos sociais que se colocaram afavor da permanência <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong> na Avenida Santa Rita, mesmo diante <strong>do</strong>s interesses dareprodução <strong>do</strong> capital imobiliário, resultou em uma situação latente <strong>de</strong> conflito.Esta latente situação <strong>de</strong> conflito, travada em torno <strong>do</strong> gozo <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> uso <strong>do</strong> espaço públicoversus a apropriação privada da centralida<strong>de</strong> pelos negócios <strong>do</strong> segmento <strong>de</strong> indústria daconstrução civil refletiu o gran<strong>de</strong> contraste existente entre o novo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnizaçãourbana local e a ativida<strong>de</strong> da feira livre como territorialida<strong>de</strong> popular e “arcaica”.A cida<strong>de</strong> se reproduz na contradição entre a eliminação substancial e manutenção persistente <strong>do</strong>s lugares<strong>de</strong> encontros e reencontros, da festa, da apropriação <strong>do</strong> público para a vida. Há resíduos e resistências nossubterrâneos que fogem ao processo homogeneiza<strong>do</strong>r e terrificante <strong>do</strong> capital.(CARLOS,2007,p.91)Neste processo inconstante, os resíduos e resistências <strong>de</strong>ste subterrâneo muitas vezes são“lava<strong>do</strong>s”, poisa mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impõe como atmosfera porta<strong>do</strong>ra não apenas <strong>de</strong> to<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> novasexpectativas e práticas sociais, mas também <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisivas transformações na espacialida<strong>de</strong> urbana,<strong>de</strong>struin<strong>do</strong> velhas urbanida<strong>de</strong>s (LEFEBVRE,1991) e as substituin<strong>do</strong> por novos formatos.(MASCARENHAS,2008,p.79‐80).Nos novos empreendimentos imobiliários na Avenida Santa Rita, a venda <strong>do</strong> imóvel, unida<strong>de</strong>habitacional/comercial implicava também na venda da paisagem, da extensão da casa, da rua,on<strong>de</strong> os estrangeiros (BAUMAN, 2005, p.56) circulavam, mas não permaneciam. Igualmente, avenda da paisagem da Avenida Santa Rita no ato da venda <strong>do</strong> imóvel envolvia a “limpeza” local,implicava em “varrer” qualquer tipo <strong>de</strong> apropriação estrangeira existente. Para o merca<strong>do</strong>,promover a retirada <strong>de</strong> qualquer fator consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorização local fazia parte daestratégia <strong>de</strong> marketing, na tentativa <strong>de</strong> garantir a máxima reprodução <strong>do</strong> capital.Na busca por estes interesses econômicos <strong>do</strong> segmento <strong>de</strong> indústria da construção civil, a retirada dafeira livre representava abrir as portas para uma transformação urbana que vinha revestida por umai<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização e que se contrapunha ao “arcaísmo” da feira livre. Não permitir que afeira, como territorialida<strong>de</strong> popular arcaica e ultrapassada, continuasse se aproprian<strong>do</strong> daqueleespaço significava o primeiro passo para a promoção da Avenida Santa Rita como um novo vetor <strong>de</strong>renovação e mo<strong>de</strong>rnização urbana e, consequentemente, <strong>de</strong> intensa valorização imobiliária. Tornousenecessária a remoção <strong>do</strong> que estivesse distante disto, o que incluía a feira livre.84


7 FOCOS DE RESISTÊNCIA E A REMOÇÃO DA FEIRA LIVREprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A proposta <strong>de</strong> relocação da feira livre veio à tona através da Secretaria <strong>de</strong> Agricultura <strong>do</strong>Município no ano <strong>de</strong> 2006. Através <strong>de</strong> uma aparente manobra política, em uma reunião poucoesclarece<strong>do</strong>ra foi votada e aprovada pelos poucos feirantes presentes 13 a construção <strong>de</strong> umnovo local para a feira livre. No ano <strong>de</strong> 2008, tal proposta foi retomada pelo Po<strong>de</strong>r Público queiniciou a estruturação <strong>de</strong> um novo espaço para a feira. Tardiamente, em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ano <strong>de</strong>2009, sob a iminência da remoção efetiva, manifestações contra esta mudança foramorganizadas por parte <strong>do</strong>s feirantes e <strong>de</strong>fensores da permanência <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong> na AvenidaSanta Rita. Os sujeitos sociais envolvi<strong>do</strong>s nesta <strong>de</strong>fesa resistiram se organizan<strong>do</strong> parareivindicar as suas condições <strong>de</strong> sobrevivência material e o exercício da cidadania.Parte <strong>do</strong>s feirantes acessou a Defensoria Pública <strong>do</strong> município, no Fórum Presi<strong>de</strong>nte ArthurBernar<strong>de</strong>s, na tar<strong>de</strong> <strong>do</strong> dia 28 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2009 com o intuito <strong>de</strong> buscar alguma forma <strong>de</strong> apoiolegal que impedisse a mudança da feira (JORNAL FOLHA DA MATA, 29/05/2009, p.01) (verfiguras 12 a 14). O ato antece<strong>de</strong>u <strong>do</strong>is momentos <strong>de</strong> uso <strong>do</strong> espaço da Câmara Municipal <strong>de</strong>Viçosa para discussão <strong>do</strong> futuro da feira livre 14 , sen<strong>do</strong> um <strong>de</strong>les uma Assembleia Públicaorganizada exclusivamente para a discussão <strong>do</strong> assunto. Esta assembleia reuniu cerca <strong>de</strong> 100pessoas entre feirantes, mora<strong>do</strong>res da Avenida Santa Rita, Prefeito Municipal em exercício(Raimun<strong>do</strong> Nonato Car<strong>do</strong>so), Secretário <strong>de</strong> Agricultura e Meio Ambiente em exercício (Geral<strong>do</strong>Deus<strong>de</strong>dit Car<strong>do</strong>so) e representantes da socieda<strong>de</strong> civil. To<strong>do</strong>s os encontros foram registra<strong>do</strong>s,publica<strong>do</strong>s e divulga<strong>do</strong>s pela mídia impressa local. 15A amplitu<strong>de</strong> que tomou as discussões sobre o direito <strong>de</strong> apropriação coletiva da centralida<strong>de</strong>da Avenida Santa Rita pela feira livre reflete a dinâmica <strong>de</strong> um espaço urbano em constantechoque <strong>de</strong> interesses e a notorieda<strong>de</strong> que tal ativida<strong>de</strong> (da feira livre) havia no município.Soma<strong>do</strong> a isto, tais discussões reafirmam a condição <strong>de</strong> um espaço vivo e não neutro. Asformas <strong>de</strong> organização em <strong>de</strong>fesa da cidadania evi<strong>de</strong>nciadas aqui são importantes indicativas<strong>de</strong> resistência contra o po<strong>de</strong>r hegemônico. No entanto, apesar da força da resistência, a feiralivre teve suas ativida<strong>de</strong>s transferidas para área às costas <strong>do</strong> Colégio Viçosa, na Rua GomesBarbosa, no mês <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2010.A remoção foi justificada principalmente pela existência prévia <strong>de</strong> uma votação 16 na qual ospróprios feirantes teriam aprova<strong>do</strong> a mudança. Soma<strong>do</strong> a isto, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma melhorinfraestrutura que supriria necessida<strong>de</strong>s básicas da feira livre (como acesso a pontos <strong>de</strong> água esanitários) também foi um <strong>do</strong>s argumentos utiliza<strong>do</strong>s pelo po<strong>de</strong>r publico na tentativa <strong>de</strong>justificar tal remoção. Para a gran<strong>de</strong> maioria <strong>do</strong>s feirantes contrários a saída, tal votação usadacomo argumento não passou <strong>de</strong> uma manobra política da<strong>do</strong>s os motivos já menciona<strong>do</strong>santeriormente e, ainda, por terem recebi<strong>do</strong> a proposta da construção <strong>de</strong> um pavilhão cobertopara a realização das ativida<strong>de</strong>s da feira, proposta esta que não foi cumprida pelo po<strong>de</strong>rpúblico municipal.isbn: 978-85-98261-08-985


Figura 12: Capa <strong>do</strong> jornal Folha da Mataprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: Jornal Folha da Mata, Edição 2100 <strong>de</strong> 29/05/2009. Ano XLVI p.01.Figura 13: Capa <strong>do</strong> jornal Tribuna Livre86Fonte: Jornal Tribuna Livre, Edição 936 <strong>de</strong> 29/05/2009. p.01.Figura 14: Jornal Folha da MataFonte: Jornal Folha da Mata. Edição número 2103 <strong>de</strong> 19junho2009. Ano XLVI. p.03


8 CONSIDERAÇÕES FINAISprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Os conflitos urbanos se configuram como formas <strong>de</strong> luta pelo direito ao consumo econstrução/reconstrução <strong>do</strong> espaço urbano. A leitura <strong>do</strong> urbano através <strong>de</strong> seus conflitos nos mostrauma cida<strong>de</strong> sen<strong>do</strong> construída através <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> forças, <strong>do</strong>mínio e <strong>do</strong>minação; Possibilita‐nosenxergar o movimento inerente à forma urbana que nunca é estática e muito menos acabada. Aocontrário, é uma construção artificial humana que ganha forma a partir <strong>de</strong> suas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.O Esta<strong>do</strong> possui um papel fundamental na construção <strong>do</strong> espaço urbano, pois ao mesmo tempo emque atua como media<strong>do</strong>r <strong>de</strong> conflitos atua também na garantia da consolidação <strong>de</strong> relações <strong>de</strong><strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r hegemônico quan<strong>do</strong> age em função <strong>de</strong>ste e ajuda a promover <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>sigualo acesso à cida<strong>de</strong>.A remoção da feira livre da Avenida Santa Rita foi parte integrante <strong>de</strong> um novo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnizaçãourbana local e afirmação <strong>de</strong>sta Avenida como novo vetor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s investimentos imobiliários <strong>do</strong>qual o po<strong>de</strong>r público <strong>de</strong> Viçosa compartilha e é peça chave para sua consolidação. A proposta <strong>de</strong>remoção da feira livre ao mesmo tempo impulsionou e foi impulsionada pela ação <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>imobiliário e teve papel fundamental na promoção da valorização urbana local.A constante imagem formada sobre a tradicional feira livre da Avenida Santa Rita como forma arcaica,ultrapassada e anti‐higiênica <strong>de</strong> varejo alimentar <strong>de</strong>veu‐se também pela própria ausência <strong>do</strong> po<strong>de</strong>rpublico na fiscalização e promoção <strong>de</strong> tal ativida<strong>de</strong> como importante forma <strong>de</strong> abastecimentoalimentar, fonte <strong>de</strong> renda e sociabilida<strong>de</strong> urbana. A remoção foi então impulsionada <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> pelaausência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> no fortalecimento e <strong>de</strong>fesa da feira livre e <strong>de</strong> outro na presença <strong>do</strong> mesmo comopeça chave para a consolidação da hegemonia <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> segmento <strong>de</strong> indústria da construção civillocal.A relocação da feira livre para área às costas <strong>do</strong> Colégio Viçosa, na Rua Gomes Barbosa, resultou emuma rápida perda <strong>de</strong> parte da força da feira, pois comprometeu sua antiga e rica forma linear <strong>de</strong>organização espacial 17 e, principalmente, sua visibilida<strong>de</strong> e centralida<strong>de</strong> 18 (ver figura 15).Figura 15: Jornal Tribuna Livre. Núcleo Central <strong>do</strong> novo espaço da feira livre. Sua nova organização espacial a fragmenta em duasvias ortogonais em torno <strong>de</strong>ste núcleo.isbn: 978-85-98261-08-987Fonte: Jornal Tribuna Livre, Edição 936 <strong>de</strong> 29/05/2009. p.05.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Se <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> a remoção da feira livre significou sua marginalização e perda <strong>de</strong> parte da suaforça, por outro, significou o passo que faltava para a consolidação <strong>de</strong> mais um novo vetor <strong>de</strong>intensa valorização imobiliária no município <strong>de</strong> Viçosa, pauta<strong>do</strong> por um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnizaçãoe renovação urbana local.isbn: 978-85-98261-08-99 REFERÊNCIASBAUMAN, Zygmund. Confiança e me<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong>. Tradução Eliana Aguiar. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 2009 [2005].BONAMICHI, Nayana Corrêa. Feiras Livres: Lugares <strong>de</strong> Sociabilida<strong>de</strong>. Possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida urbana contra a morte darua em Viçosa, Minas Gerais. Viçosa, MG: UFV, 2009.CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Cida<strong>de</strong>. 8.ed. 1ª.reimp. São Paulo: Contexto, 2007 [1992] (Repensan<strong>do</strong> a Geografia).FOLHA DA MATA. Edição número 2100 <strong>de</strong> 29maio2009. Ano XLVI. p.01._______________. Edição número 2102 <strong>de</strong> 12junho2009. Ano XLVI. p.01 e 03._______________. Edição número 2103 <strong>de</strong> 19junho2009. Ano XLVI. p.01‐03.GUIMARÃES, Camila Au<strong>de</strong>. A feira livre na celebração da cultura popular. 2010. USP. São Paulo. Disponível em Acesso em: 21maio2012.LEFEBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Tradução Sérgio Martins. – Belo Horizonte: Ed. <strong>UFMG</strong>, 1999 [1970].MASCARENHAS, Gilmar. Feiras Livres: Informalida<strong>de</strong> e espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>. In: Colóquio Internacional Comércio,Cultura e Políticas Públicas em tempos <strong>de</strong> globalização, 2005, Rio <strong>de</strong> Janeiro. Anais <strong>do</strong> Colóquio InternacionalComércio, Cultura e Políticas Públicas em tempos <strong>de</strong> globalização, 2005. V.1; Disponível em Acesso em: 16abril2009.88MASCARENHAS, Gilmar; DOLZANI. Miriam C. S. Feira Livre: Territorialida<strong>de</strong> Popular e Cultura na MetrópoleContemporânea. Revista Eletrônica Ateliê Geográfico – UFG – IESA. V.2, n.4. ago2008. P.72‐87. Disponível em Acesso em: 16abril2009.MORAIS, I. R. D.; ARAÚJO, M. A. A. <strong>de</strong>. Territorialida<strong>de</strong>s e Sociabilida<strong>de</strong>s na Feira Livre da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Caicó (RN). In:Caminhos <strong>de</strong> Geografia 23 (17) 244 ‐ 249, fev/2006. Disponível em . Acesso em: 22maio2012.OBSERVATÓRIO <strong>do</strong>s Conflitos Urbanos na Cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. Conflitos urbanos: retratos da vida na e dacida<strong>de</strong>. 11maio2007. Disponível em : Acesso em: 06junho2009.SERPA, Angelo. A ampliação <strong>do</strong> consumo e os conflitos entre o público e o priva<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> contemporânea:questões para <strong>de</strong>bate. In CARLOS, Ana Fani Alessandri; LEMOS, Amália Inês Geraiges (orgs.). Dilemas Urbanos:novas abordagens sobre a cida<strong>de</strong>. São Paulo: Contexto, 2003, p. 413‐417.TRIBUNA LIVRE. Edição nº. 936, <strong>de</strong> 29/maio/2009. p.01 e 05.______________. Edição nº. 939, <strong>de</strong> 19/junho/2009. p.01.UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA. [Foto <strong>do</strong>cumentário] Sába<strong>do</strong>‐Feira, um registro fotográfico sobre a tradicionalFeira <strong>de</strong> Santa Rita, em Viçosa, Minas Gerais. Viçosa, novembro2008.VILLAÇA, Flávio. Espaço intra‐urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute, 2001.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)10 NOTASisbn: 978-85-98261-08-91 Tomamos como “principais empreendimentos imobiliários” os gran<strong>de</strong>s empreendimentos caracteriza<strong>do</strong>s comocon<strong>do</strong>mínios verticais ou edifícios resi<strong>de</strong>nciais multifamiliares <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> cinco pavimentos. O levantamento emapeamento foram feitos com base nos Alvarás <strong>de</strong> Construção emiti<strong>do</strong>s pelo Instituto <strong>de</strong> Planejamento UrbanoMunicipal (IPLAM) da Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Viçosa para o perío<strong>do</strong> referi<strong>do</strong>. Como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste mapeamento,constatou‐se a efetiva formação <strong>de</strong> um novo forte vetor <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s investimentos imobiliários em direção ao antigolocal <strong>de</strong> funcionamento da feira livre (Avenida Santa Rita), na região central <strong>de</strong> Viçosa.2 Os questionários direciona<strong>do</strong>s aos feirantes abrangiam questões como origem e tempo como feirante, gênero efaixa etária, produtos comercializa<strong>do</strong>s e local <strong>de</strong> produção, grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e profissão, assim como questõessemi estruturadas para levantamento <strong>de</strong> subjetivida<strong>de</strong>s sobre a feira livre. Os questionários direciona<strong>do</strong>s aosfrequenta<strong>do</strong>res da feira também abrangeram questões como origem, faixa etária, grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e questõessemi estruturadas que permitiram capturar subjetivida<strong>de</strong>s sobre a feira livre e a Avenida Santa Rita.3 Por “acompanhamento das discussões públicas” enten<strong>de</strong>‐se a participação nas assembleias <strong>de</strong>stinadas a discussãoda remoção/manutenção da feira livre e o acompanhamento <strong>do</strong>s registros da mídia impressa local sobre o assunto.4 Os apontamentos feitos neste tópico se apoiam nas i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Mascarenhas (2005 e 2008), Morais e Araújo (2006),Guimarães (2010) e em análises feitas a partir <strong>de</strong> observações empíricas sobre as populares feiras livres <strong>de</strong> rua comoterritórios <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>.5 Para Mascarenhas: “Em contraposição ao ambiente frio e formal <strong>do</strong>s supermerca<strong>do</strong>s, as feiras constituirão umverda<strong>de</strong>iro reduto comunitário <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concreto” (2008, p.81).6 As feiras livres têm um “papel social e cultural associa<strong>do</strong> ao usufruto da cidadania” (MASCARENHAS, 2005, p.__) epossuem um “papel histórico e crucial <strong>de</strong> lugar <strong>do</strong> encontro, <strong>do</strong> espontâneo, <strong>do</strong> provisório, da diversida<strong>de</strong> cultural”(Ibid., p.__).897 As consi<strong>de</strong>rações feitas aqui neste tópico são baseadas em levantamentos realiza<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> esta feira livre aindafuncionava na Avenida Santa Rita, centro <strong>de</strong> Viçosa, MG. Tais afirmações não po<strong>de</strong>m ser tomadas para <strong>de</strong>screver afeira após sua remoção <strong>de</strong>sta Avenida e relocação para área próxima ao Colégio Viçosa já que tal relocação resultouem visíveis alterações na sua dinâmica e composição interna que não foram estudadas a fun<strong>do</strong> por este trabalho.8 Como “ponto comercial” enten<strong>de</strong>‐se a barraca ou o modulo <strong>de</strong> barraca utiliza<strong>do</strong> como unida<strong>de</strong> base constituinteda feira livre. Para controle da Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Viçosa, cada feirante tinha direito <strong>de</strong> um a quatro módulos <strong>de</strong>dimensões 2x2m cada. O controle e a fiscalização das ativida<strong>de</strong>s da feira livre era feito através da numeração <strong>de</strong>cada um <strong>de</strong>stes módulos.9 Sobre a imagem arcaica frequentemente atribuida às populares feiras livres <strong>de</strong> rua, Mascarenhas (2005 e 2008) fazuma rica discussão questionan<strong>do</strong> o lugar da feira livre na metrópole contemporânea. É principalmente nas suasobservações e nos resulta<strong>do</strong>s das análises <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s empíricos coleta<strong>do</strong>s sobre a dinâmica da antiga Feira Livre daAvenida Santa Rita no município <strong>de</strong> Viçosa, Minas Gerais, que se baseiam as idéias contidas neste tópico.10 Neste ponto, é traça<strong>do</strong> um paralelo entre as i<strong>de</strong>ias sobre iso, heterotopias e conflitos urbanos levantadas porLefebvre (1999), as i<strong>de</strong>ias sobre o caráter homogeneiza<strong>do</strong>r <strong>do</strong> capital imobiliário levantadas por Carlos (2007) eMascarenhas (2008) e, observações feitas a partir da análise <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s empíricos registra<strong>do</strong>s sobre o processo <strong>de</strong>renovação urbana da Avenida Santa Rita. Tal paralelo objetiva construir uma hipótese que se baseia tanto em fatosempíricos quanto em colocações teóricas, enriquecen<strong>do</strong> a discussão.11 A forma <strong>do</strong> tipo boulevard da Avenida Santa Rita é tida como importante fator <strong>de</strong> valorização fundiária localquan<strong>do</strong> comparada à maior parte da estrutura viária <strong>do</strong> município, caraterizada por vias estreitas e poucoarborizadas.12 O mapeamento <strong>do</strong>s principais empreendimentos imobiliários realiza<strong>do</strong>s entre os anos <strong>de</strong> 2006 e 2010 na regiãocentral <strong>de</strong> Viçosa mostrou sete <strong>de</strong>molições e cinco novos gran<strong>de</strong>s empreendimentos sen<strong>do</strong> construí<strong>do</strong>s ou em início<strong>de</strong> construção somente na Avenida Santa Rita, que possui menos <strong>de</strong> um quilômetro <strong>de</strong> extensão total.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-913 Segun<strong>do</strong> o representante <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res da feira livre, Fernan<strong>do</strong> Antônio Mota, os poucos feirantesconvoca<strong>do</strong>s para tal votação eram ti<strong>do</strong>s como alia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> então Secretário <strong>de</strong> Agricultura <strong>do</strong> município, o quecomprometeu uma votação realmente <strong>de</strong>mocrática.14 Nos dias 9 e 17 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2009.15 Jornal Tribuna Livre. Edição nº. 939, <strong>de</strong> 19/junho/2009. p.01; Jornal Folha da Mata. Edição número 2102 <strong>de</strong>12junho2009. Ano XLVI. p.01 e 03; e Edição nº 2103 <strong>de</strong> 19junho2009. Ano XLVI. p.01‐03.16 Votação <strong>de</strong>scrita aqui na nota <strong>de</strong> numero XIV como pouco <strong>de</strong>mocrática e como parte <strong>de</strong> uma possível manobrapolítica.17 O antigo espaço utiliza<strong>do</strong> pela feira livre na Avenida Santa Rita permitia sua organização <strong>de</strong> forma linear econtínua por conta da gran<strong>de</strong> extensão e <strong>de</strong>senho retilíneo <strong>de</strong>sta Avenida. Tal fato estimulava o fluxo <strong>de</strong> formaininterrupta em toda a feira livre. Sua nova forma <strong>de</strong> organização no novo espaço construí<strong>do</strong> pelo po<strong>de</strong>r publico afragmentou, pois estipulou uma nova forma <strong>de</strong> organização espacial que a subdividiu em duas ruas ortogonais e umnúcleo central; Isto comprometeu a continuida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fluxos internos crian<strong>do</strong> áreas residuais e promoven<strong>do</strong>“<strong>de</strong>sencontros <strong>de</strong> fluxos”.18A Avenida Santa Rita se localiza no centro <strong>do</strong> município <strong>de</strong> Viçosa, em área importante e <strong>de</strong> intensa convergência<strong>de</strong> fluxos proporciona<strong>do</strong>s tanto pelo seu traça<strong>do</strong> quanto por suas conexões com o restante da malha urbana. Tal fatoajudava a promover <strong>de</strong> forma muito mais rica o encontro e a visibilida<strong>de</strong> da feira livre. No novo espaço, a novaforma <strong>de</strong> implantação da feira a tira da rua e <strong>do</strong> fluxo pois a transfere para vias sem saída atrás <strong>do</strong> Colégio Viçosa eque, portanto, não se configuram como vias <strong>de</strong> passagem e fluxo intenso.90


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)NÚCLEO TEMÁTICO II: Gran<strong>de</strong>s projetos como elementos transforma<strong>do</strong>res da cida<strong>de</strong> e regiãoOperações urbanas consorciadas em Belo Horizonte ‐ novomo<strong>de</strong>lo em construçãoConsortium urban operations in Belo Horizonte ‐ building a new mo<strong>de</strong>lLívia <strong>de</strong> Oliveira MONTEIROMestre em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo pelo NPGAU/<strong>UFMG</strong>; Doutoranda em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo peloNPGAU/<strong>UFMG</strong>. liviaomonteiro@yahoo.com.br.isbn: 978-85-98261-08-9RESUMOO Plano Diretor <strong>de</strong> Belo Horizonte, promulga<strong>do</strong> em 1996, inseriu as Operações Urbanas comoinstrumentos <strong>de</strong> política urbana no município. A aplicação <strong>de</strong>sta ferramenta, que <strong>de</strong>veria,principalmente, servir para auxiliar na repartição <strong>de</strong> custos e benefícios originários <strong>do</strong>s processos<strong>de</strong> urbanização acabou ganhan<strong>do</strong> a conotação <strong>de</strong> troca em que o po<strong>de</strong>r público concediaflexibilizações em parâmetros urbanísticos vigentes e o setor priva<strong>do</strong> efetuava transformaçõespontuais no espaço, nem sempre, prioritárias. As <strong>de</strong>cisões tomadas na III Conferência Municipal<strong>de</strong> Política Urbana basearam revisão da legislação urbanística em 2010, pela qual foramincorpora<strong>do</strong>s instrumentos originários <strong>do</strong> Estatuto da Cida<strong>de</strong>, como as Operações UrbanasConsorciadas e o Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Impacto <strong>de</strong> Vizinhança, que inserem novos conceitos para aelaboração <strong>de</strong> operações no território belorizontino. Por meio <strong>do</strong> Plano Diretor, foram marcadasáreas para operações urbanas consorciadas em espaços consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s estratégicos para sepromover transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental. Estáem curso a elaboração da Operação Urbana Consorciada Estação Barreiro e Adjacências, queretrata a construção <strong>de</strong> uma meto<strong>do</strong>logia para consolidação <strong>de</strong> operações urbanas no municípiosob novos princípios. O novo mo<strong>de</strong>lo se aproxima <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> planejamento local e<strong>de</strong>monstra <strong>de</strong>safios.PALAVRAS‐CHAVE: operações urbanas consorciadas, aplicação, <strong>de</strong>safios91ABSTRACTThe Belo Horizonte Master Plan, which was promulgated in 1996, inserted the Urban Operationsas instruments of urban policy in the municipality. This tool application should mainly assist thecost and benefits distribution for the urbanization process, but it en<strong>de</strong>d up getting a connotationof an exchange in which the public power granted flexibility in already exist urban parameterswhereas the private sector performed punctual changes in the space which not always presentedas priorities. The <strong>de</strong>cisions taken at the III Urban Policy Municipal Conference based the urbanland legislation review in 2010 which incorporated instruments from the City Statute, e.g.Consortium Urban Operation and Neighborhood Impact Study, that inclu<strong>de</strong> new concepts for theoperation <strong>de</strong>velopment in Belo Horizonte. Through the Master Plan, areas were marked for theConsortium Urban Operations in spaces consi<strong>de</strong>red strategic, in or<strong>de</strong>r to promote structuralurbane changes, social improvement and environmental enhancement. The Barreiro Station andits vicinity Consortium Urban Operation is being elaborated and <strong>de</strong>picts a new metho<strong>do</strong>logybuilding to consolidate the urban operation in the municipality un<strong>de</strong>r new principles. The newmo<strong>de</strong>l resembles a way of local planning and displays challenges.KEYWORDS: urban consortium operations, application, challenges


1 INTRODUÇÃOprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9As operações urbanas estão previstas no Plano Diretor (PD) <strong>de</strong> Belo Horizonte <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1996. ALei n° 7.165/96, que contém o Plano Diretor municipal, foi um marco importante na políticaurbana da capital mineira. Ela foi promulgada na mesma data da Lei <strong>de</strong> Parcelamento,Ocupação e Uso <strong>do</strong> Solo (LPOUS), Lei n° 7.166/96, que a rege e complementa. Este conjuntoregulatório, elabora<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois da aprovação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, trouxe avanços naforma <strong>de</strong> organizar o espaço citadino, abrangen<strong>do</strong> as responsabilida<strong>de</strong>s da municipalizaçãopresentes na carta magna, conjuntamente à a<strong>do</strong>ção <strong>do</strong> Plano Diretor como instrumento básicoda política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong> expansão urbana, sob o preceito da garantia da funçãosocial da proprieda<strong>de</strong>.Muitas das diretrizes contidas nas leis municipais referenciadas haviam si<strong>do</strong> enunciadas pelaLei Orgânica <strong>do</strong> Município. Esta regulamentação, aprovada em 1990, fora elaborada em ummomento em que estavam ainda latentes as discussões feitas para a inserção <strong>de</strong> algumasreivindicações <strong>do</strong> Movimento pela Reforma Urbana na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, presentes,sobretu<strong>do</strong>, em seus artigos 182 e 183.Somada à conjuntura <strong>de</strong> mudanças trazidas pela lei constitucional, o contexto <strong>de</strong> formatação<strong>do</strong> Plano Diretor e da Lei <strong>de</strong> Parcelamento, Ocupação e Uso <strong>do</strong> Solo em Belo Horizonte foimarca<strong>do</strong> por uma alteração no quadro político <strong>do</strong> governo municipal. O Parti<strong>do</strong> <strong>do</strong>sTrabalha<strong>do</strong>res ‐ PT assumiu a Prefeitura em 1993, quan<strong>do</strong> Patrus Ananias ganhou as eleições,colocan<strong>do</strong> um parti<strong>do</strong> <strong>de</strong> esquerda pela primeira vez no governo da capital mineira 1 . Uma dasmetas mais importantes da administração Ananias foi a elaboração <strong>de</strong>stas leis urbanísticas 2 .No primeiro ano <strong>de</strong> seu mandato, foi organizada uma estrutura técnico‐administrativa para aconcepção <strong>do</strong>s projetos <strong>de</strong> lei que dariam origem às novas normas urbanas. O Executivomontou um grupo <strong>de</strong> trabalho que congregava especialistas <strong>de</strong> várias áreas para consolidaremestu<strong>do</strong>s acerca da estrutura urbana da cida<strong>de</strong>. A publicação, <strong>de</strong>nominada “Plano Diretor <strong>de</strong>Belo Horizonte: lei <strong>de</strong> uso e ocupação <strong>do</strong> solo, estu<strong>do</strong>s básicos”, <strong>de</strong>monstrou uma cida<strong>de</strong> comcrescimento <strong>de</strong>sigual; concentração <strong>de</strong> riquezas; diferentes padrões <strong>de</strong> urbanização;<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>s construtivas diversas, sobretu<strong>do</strong>, concentradas na área central e sua periferiaimediata; fragilida<strong>de</strong>s ambientais e <strong>de</strong>ficiências no cuida<strong>do</strong> ao patrimônio e à paisagem, <strong>de</strong>ntreoutros aspectos. Tais problemas, típicos das capitais brasileiras, fruto <strong>do</strong> rápi<strong>do</strong> processo <strong>de</strong>urbanização que viveu o país, foram espacializa<strong>do</strong>s no território para que as <strong>de</strong>ficiênciasfossem i<strong>de</strong>ntificadas e analisadas com mais clareza e se pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>linear os condicionanteslegais para or<strong>de</strong>nar o <strong>de</strong>senvolvimento urbano <strong>do</strong> município.O discurso que justificava a consolidação <strong>do</strong> novo aparato legal era fundamenta<strong>do</strong> na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>“inversão <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s”, na conformação <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> construção participativa <strong>de</strong> planejamento egestão urbanos e na mitigação <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> exclusão e segregação espacial observa<strong>do</strong>s noterritório belorizontino. As legislações urbanísticas promulgadas em 1996, segun<strong>do</strong> seuselabora<strong>do</strong>res, buscavam contemplar as omissões e corrigir os erros conti<strong>do</strong>s nas leis <strong>de</strong> 1976 e 1985 3 ,que regulavam o uso e a ocupação <strong>do</strong> solo até então. Visavam também introduzir conceitos epensamentos que norteassem uma ocupação <strong>do</strong> solo mais a<strong>de</strong>quada às condições <strong>de</strong> cada região epromover <strong>de</strong>senvolvimento urbano <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> com melhor distribuição <strong>do</strong>s bens <strong>de</strong> consumo,infra estrutura, serviços e produção no território.92


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)As principais alterações feitas pelas leis urbanísticas promulgadas em mea<strong>do</strong>s da década <strong>de</strong>1990 tentaram amenizar a concepção extremamente funcionalista <strong>de</strong> regulação <strong>do</strong> uso eocupação <strong>do</strong> solo a<strong>do</strong>tada até então. As leis introduziram o conceito <strong>de</strong> macrozoneamento,mitigan<strong>do</strong> alguns efeitos <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> zoneamento a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> nas leis anteriores. As normasurbanísticas prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>terminavam mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> assentamento para as edificações, bemcomo quais usos eram admiti<strong>do</strong>s em cada zona. O macrozoneamento possibilitou a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong>índices construtivos mais ou menos permissivos, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com potenciais <strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamento<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s a partir da completu<strong>de</strong> da infra estrutura <strong>de</strong> cada área e das <strong>de</strong>mandas porpreservação e proteção ambiental, cultural, arqueológica ou paisagística. A instalação <strong>de</strong> usosnão resi<strong>de</strong>nciais passou a ocorrer em conformida<strong>de</strong> com a hierarquia das vias no sistema <strong>de</strong>circulação, classificadas <strong>de</strong>ntro das categorias <strong>de</strong> vias <strong>de</strong> ligação regional, arteriais, coletoras elocais 4 , respeitadas as áreas <strong>de</strong> relevância ambiental e cultural.isbn: 978-85-98261-08-9Em áreas on<strong>de</strong> aspectos ambientais, paisagísticos, patrimoniais ou urbanísticos conferiamespecificida<strong>de</strong>s aos lugares, foi proposto um "sobrezoneamento" que <strong>de</strong>veria pre<strong>do</strong>minar sobre amancha <strong>do</strong> macrozoneamento existente no local, com a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Área <strong>de</strong> Diretrizes Especiais(ADE). Foram, também, instituí<strong>do</strong>s na nova legislação instrumentos específicos <strong>de</strong> política urbana,como a transferência <strong>do</strong> direito <strong>de</strong> construir, a operação urbana e o convênio urbanístico <strong>de</strong> interessesocial.No contexto <strong>de</strong> reformulação das leis urbanísticas, as operações urbanas <strong>de</strong>veriam ser inseridas comomecanismos redistributivistas, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a promover a repartição mais justa <strong>de</strong> cargas e benefíciosorigina<strong>do</strong>s <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> urbanização, e viabilizar intervenções urbanísticas mais inclusivas ouvinculadas à promoção <strong>de</strong> habitação <strong>de</strong> interesse social (COTA, 2010). O texto legal que regulamenta oinstrumento, entretanto, não explicitou, como obrigatórios, os preceitos redistributivistas dasoperações, apenas conferin<strong>do</strong> ao Executivo a coor<strong>de</strong>nação das intervenções, com liberda<strong>de</strong>s amplaspara conduzir as parcerias.Art. 65 – Operação urbana é o conjunto integra<strong>do</strong> <strong>de</strong> intervenções, com prazo <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, coor<strong>de</strong>nadas peloExecutivo, com a participação <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s da iniciativa privada, objetivan<strong>do</strong> viabilizar projetos urbanísticosespeciais em áreas previamente <strong>de</strong>limitadas.Parágrafo único – A operação urbana po<strong>de</strong> ser proposta ao Executivo por qualquer cidadão ou entida<strong>de</strong> que nelatenha interesse (BELO HORIZONTE, 2000a).As poucas amarras <strong>do</strong> texto legal davam ao Executivo possibilida<strong>de</strong> para, facilmente, justificarem aoperação e ao investi<strong>do</strong>r muitas alternativas para solicitar a flexibilização <strong>de</strong> parâmetros construtivose negociar contrapartidas. Da criação <strong>do</strong> instrumento no município até 2010, foram aprovadas pelaCâmara Municipal <strong>de</strong> Belo Horizonte (CMBH) 12 operações urbanas. As mesmas não <strong>de</strong>monstraram ocaráter <strong>de</strong> inversão <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> redistribuição da valorização fundiária e nem sempre serviram<strong>de</strong> forma eficiente à promoção <strong>de</strong> projetos estruturantes, função que o setor técnico passou a<strong>de</strong>positar no instrumento, mas que não se viabilizou da forma esperada. Tais operações acabaramsen<strong>do</strong> utilizadas para a flexibilização <strong>de</strong> parâmetros construtivos, sobretu<strong>do</strong> no que concerne aoaumento <strong>de</strong> coeficiente <strong>de</strong> aproveitamento, em troca <strong>de</strong> intervenções, em sua maioria, pontuais <strong>de</strong>requalificação urbanística. Passou a haver uma conotação <strong>de</strong> “trocas”, nas quais os benefíciospriva<strong>do</strong>s, utilizan<strong>do</strong>‐se <strong>do</strong>s princípios <strong>do</strong> “solo cria<strong>do</strong>”, eram reverti<strong>do</strong>s em obras, nem sempre,prioritárias. O trabalho <strong>de</strong> Cota (2010) reflete o histórico da criação <strong>do</strong> instrumento e analisa asoperações viabilizadas no município. A autora conclui, a partir <strong>de</strong> suas análises, que:93


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Apesar <strong>de</strong> ser instituída como um meio <strong>de</strong> viabilizar o direito à cida<strong>de</strong>, ao propor uma nova lógica <strong>de</strong>participação da iniciativa privada na produção <strong>do</strong> espaço – qual seja, a repartição <strong>de</strong> custos e benefícios <strong>do</strong>processo <strong>de</strong> urbanização com o po<strong>de</strong>r público –, na prática, as experiências revelam que o instrumento éutiliza<strong>do</strong> para viabilizar <strong>de</strong>mandas específicas, a maioria, empreendimentos pontuais, que, em geral,exigem flexibilizações nas normas da legislação <strong>de</strong> uso e ocupação <strong>do</strong> solo. Com isto, as operaçõesurbanas, em Belo Horizonte, acabaram sen<strong>do</strong> apropriadas para viabilizar, por intermédio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,interesses particulares e/ou priva<strong>do</strong>s. Na maioria das propostas analisadas o interesse público ficou areboque das <strong>de</strong>mandas privadas ou específicas (COTA, 2010, p: 383).Alterações na forma <strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver operações urbanas no município <strong>de</strong> Belo Horizonteforam possíveis com a inserção das Operações Urbanas Consorciadas (OUC) como instrumento<strong>de</strong> política urbana no Plano Diretor municipal, em sua alteração promulgada pela Lei n° 9.959em 20 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2010. O Executivo, sobretu<strong>do</strong> por meio da Secretaria Municipal Adjunta <strong>de</strong>Planejamento Urbano (SMAPU), vem construin<strong>do</strong> uma nova forma <strong>de</strong> se pensar as operaçõesurbanas, levan<strong>do</strong> em conta tanto os exemplos <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong> instrumento realiza<strong>do</strong>s nopróprio município como também experiências <strong>de</strong> São Paulo, Curitiba e Rio <strong>de</strong> Janeiro, no queconcerne às razões <strong>do</strong>s sucessos e problemas verifica<strong>do</strong>s na aplicação <strong>de</strong>sta ferramenta. ASMAPU busca um novo méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> elaborar operações urbanas com o objetivo <strong>de</strong> garantir seupapel como instrumento <strong>de</strong> parceria para promoção <strong>do</strong> planejamento, <strong>de</strong>senvolvimento egestão <strong>do</strong> solo citadino.As alterações na conjuntura legal e política em Belo Horizonte que possibilitam essa novaconformação ao instrumento – disposto sob premissas <strong>do</strong> Estatuto da Cida<strong>de</strong>, Lei n° 10.257/01 ‐serão explicitadas na sequência, bem como a meto<strong>do</strong>logia para a elaboração da primeiraoperação urbana consorciada em <strong>de</strong>senvolvimento sob os novos preceitos: a Operação UrbanaConsorciada Estação Barreiro e Adjacências (OUC‐EBA). Mesmo tratan<strong>do</strong>‐se <strong>de</strong> processosrecentes e em curso, é possível i<strong>de</strong>ntificar avanços e <strong>de</strong>safios para se incorporar às operaçõesurbanas em Belo Horizonte as funções <strong>de</strong> melhor aproveitamento da terra urbana, inclusãosocial, divisão <strong>do</strong>s custos <strong>de</strong> urbanização e viabilização das intervenções prioritárias.942 A CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE POLÍTICA URBANA E A ALTERAÇÃO DE PRINCÍPIOSLEGAISA III Conferência Municipal <strong>de</strong> Política Urbana foi realizada pelo Executivo no primeiro ano <strong>de</strong>mandato <strong>do</strong> Prefeito Márcio Lacerda, 2009. A então Secretaria Municipal <strong>de</strong> Política Urbana(SMURBE) 5 , coor<strong>de</strong>nada pelo Secretário Murilo Valadares, ficou incumbida <strong>de</strong> organizar ocorpo técnico da Prefeitura e convocar a população para discussões acerca <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s queo Plano Diretor e a Lei <strong>de</strong> Parcelamento, Ocupação e Uso <strong>do</strong> Solo, vigentes no território há mais<strong>de</strong> 10 anos, haviam gera<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong>. O evento teve como objetivo re<strong>de</strong>senhar o que fossepreciso entre os artigos das leis organiza<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> território em busca <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quações,mo<strong>de</strong>rnizações e construções <strong>de</strong> novos rumos para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> município. Ostécnicos <strong>do</strong> núcleo <strong>de</strong> planejamento urbano da SMURBE haviam prepara<strong>do</strong> um diagnósticopublica<strong>do</strong> sob o título “Estu<strong>do</strong>s urbanos: transformações recentes na estrutura <strong>de</strong> BeloHorizonte”, com a compilação <strong>de</strong> pesquisas multidisciplinares que <strong>de</strong>monstraram os resulta<strong>do</strong>sda ocupação <strong>do</strong> solo e da distribuição <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas no município. Estes estu<strong>do</strong>sbalizaram todas as discussões da Conferência.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9O evento contou com a participação <strong>de</strong> 243 <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s, que representavam os setores técnico,empresarial e popular, eleitos em assembléias organizadas para cada um <strong>de</strong>sses setores 6 . Ameto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> discussão foi baseada, fundamentalmente, na organização <strong>do</strong>s <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s etécnicos <strong>do</strong> Executivo em sete grupos <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate que trabalharam a partir <strong>de</strong> material quecontinha as propostas iniciais <strong>de</strong> alteração das diretrizes legais. Gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>leva<strong>do</strong> para discussão era proveniente da II Conferência Municipal <strong>de</strong> Política Urbana 7 , altera<strong>do</strong>pelo diagnóstico técnico organiza<strong>do</strong> previamente e pela intenção <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público municipalem incorporar à legislação as premissas <strong>do</strong> Estatuto da Cida<strong>de</strong>. Foram <strong>de</strong>bati<strong>do</strong>s nos grupos osseguintes temas: ocupação <strong>do</strong> solo; licenciamento e localização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas;parcelamento <strong>do</strong> solo; posturas municipais; áreas <strong>de</strong> diretrizes especiais; áreas <strong>de</strong> interessesocial e instrumentos <strong>de</strong> política urbana. As propostas aprovadas em cada grupo foram votadaspela plenária geral, formada por to<strong>do</strong>s os participantes, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a legitimar o conteú<strong>do</strong> a serredigi<strong>do</strong> pelo Executivo em um Projeto <strong>de</strong> Lei para alteração das normas urbanísticas.Mesmo ten<strong>do</strong> sofri<strong>do</strong> diversas emendas, o Projeto <strong>de</strong> Lei envia<strong>do</strong> para a Câmara Municipal foiaprova<strong>do</strong> na forma da Lei n° 9.959 em 20 em julho <strong>de</strong> 2010. As principais alterações contidasno texto legal, que imprimiram um novo formato às operações urbanas no município foram: ainserção das Operações Urbanas Consorciadas (OUC); a <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> perímetros paraoperações urbanas consorciadas no território pelo Plano Diretor e a regulamentação <strong>do</strong> Estu<strong>do</strong><strong>de</strong> Impacto <strong>de</strong> Vizinhança (EIV).Belo Horizonte, <strong>de</strong>pois da alteração feita ao PD e à LPOUS, passou a contar com <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong>operações urbanas, diferenciadas entre operações urbanas simplificadas, baseadas emdiretrizes das operações urbanas vigentes no município <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1996, e as operações urbanasconsorciadas, reguladas pelas diretrizes impostas pelo Estatuto da Cida<strong>de</strong> para o instrumento.O conceito geral <strong>de</strong> operações urbanas passou a vigorar com a seguinte redação:Art. 65 ‐ Operação Urbana é o conjunto <strong>de</strong> intervenções e medidas coor<strong>de</strong>nadas pelo Po<strong>de</strong>r ExecutivoMunicipal, com a participação <strong>de</strong> agentes públicos ou priva<strong>do</strong>s, com o objetivo <strong>de</strong> viabilizar projetosurbanos <strong>de</strong> interesse público, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ocorrer em qualquer área <strong>do</strong> Município (BELO HORIZONTE, 2010).As operações urbanas simplificadas não foram explicitamente conceituadas na lei municipal. Ocaput <strong>do</strong> artigo 66 <strong>do</strong> PD dispõe apenas que as mesmas <strong>de</strong>vem ser sempre motivadas porinteresse público. Quanto às operações urbanas consorciadas, o Plano Diretor traz, no artigo69, <strong>de</strong>finição análoga ao conceito expresso no Estatuto da Cida<strong>de</strong> para o instrumento:Art. 69 ‐ Operação Urbana Consorciada é o conjunto <strong>de</strong> intervenções e medidas coor<strong>de</strong>nadas pelo Po<strong>de</strong>rExecutivo Municipal, com a participação <strong>do</strong>s proprietários, mora<strong>do</strong>res, usuários permanentes einvesti<strong>do</strong>res priva<strong>do</strong>s, com o objetivo <strong>de</strong> alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhoriassociais e valorização ambiental, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ocorrer em qualquer área <strong>do</strong> Município (BELO HORIZONTE,2010).A diferença fundamental entre os <strong>do</strong>is tipos <strong>de</strong> operações urbanas são seus objetivos: assimplificadas viabilizam intervenções pontuais e continuam com a noção <strong>de</strong> “troca” da primeirageração <strong>de</strong> operações urbanas, inserin<strong>do</strong> poucos parceiros e ten<strong>do</strong> alcance específico elimita<strong>do</strong>, enquanto as consorciadas visam intervenções mais estruturantes, <strong>de</strong> maior amplitu<strong>de</strong>e que abarcam maior gama <strong>de</strong> participantes e tipos <strong>de</strong> parcerias. Organizan<strong>do</strong> os preceitoslegais que resguardam as finalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada tipo <strong>de</strong> operação em um quadro, po<strong>de</strong>‐secomparar o alcance <strong>de</strong>stas ferramentas.95


Quadro 1: Quadro comparativo entre os tipos <strong>de</strong> operação urbana em Belo Horizonte(Art. 66 e art. 69 da Lei n° 7.165/96, alterada pela Lei n° 9.959/10)programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Operação Urbana Simplificada 8 Operação Urbana Consorciada 9 tratamento urbanístico <strong>de</strong> áreas públicas; otimização <strong>de</strong> áreas envolvidas em intervenções reurbanização;urbanísticas <strong>de</strong> porte e reciclagem <strong>de</strong> áreas consi<strong>de</strong>radassubutilizadas; dinamização <strong>de</strong> áreas visan<strong>do</strong> à geração <strong>de</strong> empregos; abertura <strong>de</strong> vias ou melhorias no sistema viário; ampliação e melhoria da Re<strong>de</strong> Estrutural <strong>de</strong> TransportePúblico Coletivo; melhoria e ampliação da infra estrutura e da Re<strong>de</strong> ViáriaEstrutural; implantação <strong>de</strong> programa habitacional <strong>de</strong> interesse social; implantação <strong>de</strong> Programas <strong>de</strong> Habitação <strong>de</strong> InteresseSocial; implantação <strong>de</strong> equipamentos públicos; implantação <strong>de</strong> equipamentos estratégicos para o<strong>de</strong>senvolvimento urbano; recuperação <strong>do</strong> patrimônio cultural; valorização e criação <strong>de</strong> patrimônio ambiental, histórico, proteção ambiental;arquitetônico, cultural e paisagístico; amenização <strong>do</strong>s efeitos negativos das ilhas <strong>de</strong> calor sobre aqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida; regularização <strong>de</strong> edificações e <strong>de</strong> usos; regularização <strong>de</strong> construções, reformas ou ampliaçõesexecutadas em <strong>de</strong>sacor<strong>do</strong> com a legislação vigente; requalificação <strong>de</strong> áreas públicas. implantação <strong>de</strong> espaços públicos.Fonte: Monteiro, Lívia, com base em BELO HORIZONTE, 2010.isbn: 978-85-98261-08-9As operações urbanas consorciadas <strong>de</strong>limitadas no Plano Diretor Municipal são (ver FIG. 1 e 2):Áreas em Reestruturação no Vetor Norte <strong>de</strong> Belo Horizonte; entorno <strong>de</strong> Corre<strong>do</strong>res ViáriosPrioritários; entorno <strong>de</strong> Corre<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Transporte Coletivo Prioritários; Áreas Centrais,indicadas como preferenciais para Operação Urbana nos termos <strong>do</strong> Plano <strong>de</strong> Reabilitação <strong>do</strong>Hipercentro; áreas localizadas em um raio <strong>de</strong> 600m das estações <strong>de</strong> transporte coletivoexistentes ou das que vierem a ser implantadas (BELO HORIZONTE, 2010: art. 69A).96


Figura 1: Áreas para operações urbanas consorciadasprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-997Fonte: – Anexo III ‐ Inclui o Anexo IV da Lei 7.165/1996. BELO HORIZONTE, 2010.Figura 2: Operação urbana consorciada das áreas em reestruturação <strong>do</strong> vetor norte <strong>de</strong> belo horizonteFonte: – Anexo IV ‐ Inclui o Anexo IV‐A da Lei 7.165/1996. BELO HORIZONTE, 2010


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)As <strong>de</strong>marcações <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> operação urbana consorciada indicadas nos anexo III e IV <strong>do</strong>PD são preliminares e passíveis <strong>de</strong> serem alteradas <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com estu<strong>do</strong>s específicos,quan<strong>do</strong> da regulamentação <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las. São limites submeti<strong>do</strong>s a regrastransitórias, com o intuito <strong>de</strong> controlar a valorização da terra nos principais setores <strong>de</strong>crescimento da cida<strong>de</strong> para on<strong>de</strong> esta prevista a aplicação <strong>do</strong> instrumento por meio,principalmente, <strong>do</strong> controle <strong>do</strong> potencial construtivo atribuí<strong>do</strong> aos terrenos. Dentro dasáreas <strong>de</strong>marcadas como OUC e nos terrenos limítrofes a elas, o coeficiente <strong>de</strong>aproveitamento fica limita<strong>do</strong> a 1,0 ou a 0,5, exceto para a construção <strong>de</strong>empreendimentos públicos ou <strong>de</strong> comprova<strong>do</strong> interesse público, os quais, em<strong>de</strong>terminadas áreas, po<strong>de</strong>m praticar o potencial construtivo original <strong>do</strong>macrozoneamento. As áreas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>stes perímetros não po<strong>de</strong>m receber potencialconstrutivo <strong>de</strong>riva<strong>do</strong> <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> construir e a lei também regulamentaque não po<strong>de</strong> haver operações urbanas simplificadas nas áreas <strong>de</strong> operações urbanasconsorciadas, a menos que objetivem viabilizar a construção <strong>de</strong> empreendimentos<strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a incrementar a estrutura urbana para a Copa <strong>de</strong> Futebol FIFA 2014.A limitação prévia <strong>do</strong> coeficiente <strong>de</strong> aproveitamento para as áreas <strong>de</strong> operação urbanaconsorciada é fundamental para a sua viabilida<strong>de</strong>. Os coeficientes <strong>de</strong> aproveitamentopratica<strong>do</strong>s em Belo Horizonte são bastante altos em <strong>de</strong>corrência não só <strong>do</strong>s própriosíndices, mas também <strong>do</strong>s <strong>de</strong>scontos atribuí<strong>do</strong>s a áreas <strong>de</strong> estacionamento, pilotis,cobertura e uma porcentagem das áreas <strong>de</strong>stinadas à circulação vertical e horizontal,varandas, caixa d’água, casa <strong>de</strong> máquinas, <strong>de</strong>ntre outros elementos construtivos.Depen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> da tipologia da edificação, a soma <strong>do</strong>s <strong>de</strong>scontos feitos à área computávelpo<strong>de</strong> fazer <strong>do</strong>brar o coeficiente <strong>de</strong> aproveitamento regulamenta<strong>do</strong> para omacrozoneamento. O rebaixamento <strong>do</strong> potencial construtivo nas áreas <strong>de</strong> operaçãourbana indica maior pertinência em se praticar as premissas <strong>de</strong> “solo cria<strong>do</strong>” agregadas aoutras ferramentas, com as quais o po<strong>de</strong>r público, por meio <strong>de</strong> lei específica para cadaOUC, po<strong>de</strong>rá conce<strong>de</strong>r onerosamente o direito <strong>de</strong> construir, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a promover ummaior controle <strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamento e uma distribuição, mesmo que parcial, <strong>do</strong>s encargosgera<strong>do</strong>s pelo uso intensivo da terra.As regras transitórias para as áreas <strong>de</strong> operação urbana consorciada ainda prevêem aaplicação <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Preempção sobre to<strong>do</strong>s os lotes nelas incluí<strong>do</strong>s. Esteinstrumento, entretanto, não foi regulamenta<strong>do</strong> no município para seu efetivo emprego.Ressalta‐se ainda que tais regras transitórias sobrepõem‐se a qualquer diretriz legalmenos restritiva dada pelo macrozoneamento ou pelo sobrezoneamento e são soberanasaté que a lei específica da operação urbana seja aprovada. O PD dispõe, entretanto,diferentes objetivos e regras para os perímetros <strong>de</strong>marca<strong>do</strong>s para cada OUC.A Operação Urbana nas Áreas em Reestruturação no Vetor Norte <strong>de</strong> Belo Horizonte foicriada, especificamente, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nar a ocupação <strong>do</strong> solo, visan<strong>do</strong>estruturar nova centralida<strong>de</strong> no entorno da Cida<strong>de</strong> Administrativa <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> MinasGerais (CAMG). Ela é dividida em subáreas que visam organizar o entorno <strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong>equipamento para expansão <strong>do</strong> uso institucional <strong>de</strong> interesse público complementar asuas ativida<strong>de</strong>s, or<strong>de</strong>nar o crescimento urbano na região, ampliar e melhorar a re<strong>de</strong>viária estrutural e local, entre outros objetivos.isbn: 978-85-98261-08-998


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)As Operações Urbanas Consorciadas das Áreas Centrais, por sua vez, são originárias <strong>de</strong>um plano urbano local concluí<strong>do</strong> em 2007. O “Plano <strong>de</strong> Reabilitação <strong>do</strong> Hipercentro” 10indicou perímetros que merecem ser requalifica<strong>do</strong>s por seu potencial <strong>de</strong> atendimentopor comércio e serviços, pela sua importância na malha urbana, por seus atributosculturais e históricos e pela própria quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> visitas que recebem cotidianamente.As operações urbanas consorciadas Corre<strong>do</strong>res Viários Prioritários e Corre<strong>do</strong>res <strong>de</strong> TransporteColetivo Prioritários têm finalida<strong>de</strong>s semelhantes. A Área Central <strong>de</strong> Belo Horizonte é o núcleopolariza<strong>do</strong>r das ativida<strong>de</strong>s urbanas. A região, projetada para ser o ponto nodal da capital <strong>do</strong>esta<strong>do</strong>, congrega ativida<strong>de</strong>s tradicionais e mo<strong>de</strong>rnas, gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usos, se<strong>de</strong>s <strong>de</strong>empresas, órgãos públicos e é o principal locus da festa e da cultura da metrópole mineira. Aolongo <strong>do</strong>s anos, vários tipos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s se instalaram nas vias radiais à Área Central, espaçosalternativos à visibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> centro principal por cortarem o território ligan<strong>do</strong> o núcleoprimeiro <strong>de</strong> Belo Horizonte às periferias e municípios da Região Metropolitana (RMBH).Os eixos radiais agregam condições que lhes conferem altos preços da terra: são geralmenteáreas com <strong>de</strong>clivida<strong>de</strong>s amenas que se <strong>de</strong>stacam em uma cida<strong>de</strong> com gran<strong>de</strong>s áreas <strong>de</strong> relevoaci<strong>de</strong>nta<strong>do</strong>; reúnem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> histórica como reconheci<strong>do</strong>s eixos <strong>de</strong> ligação entrecomunida<strong>de</strong>s; servem ao tráfego <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linhas <strong>de</strong> transporte coletivo; têmpermissivida<strong>de</strong> legal para a implantação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s não resi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> varia<strong>do</strong>s tipos;possuem coeficientes <strong>de</strong> aproveitamento <strong>do</strong> solo pre<strong>do</strong>minantemente maiores ou iguais a 1,0;são atendi<strong>do</strong>s por infra estrutura completa comparativamente à instalada na cida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong>receberem obras <strong>de</strong> manutenção com maior freqüência.A execução <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte – em curso em avenidas como Cristiano Macha<strong>do</strong>,Antônio Carlos e Pedro I, com vistas a qualificar e aumentar a capacida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong>transporte por meio da implantação <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> Bus Rapid Transit (BRT) – apesar <strong>de</strong> gerarperda <strong>de</strong> valor <strong>de</strong> uso para algumas ativida<strong>de</strong>s, agrega valor <strong>de</strong> troca, sobretu<strong>do</strong>, aos imóveisimediatamente lin<strong>de</strong>iros a estas vias.As operações urbanas Corre<strong>do</strong>res Viários Prioritários e Corre<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Transporte ColetivoPrioritários visam, fundamentalmente, organizar os perímetros das áreas adjacentes aimportantes eixos <strong>de</strong> ligação urbana como expansões qualificadas <strong>do</strong> centro principal dacida<strong>de</strong>, dissipan<strong>do</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> centro regional aos mesmos, promoven<strong>do</strong> o incremento <strong>de</strong>áreas economicamente atraentes a investimentos <strong>do</strong> setor imobiliário e a ativida<strong>de</strong>seconômicas que possam expandir a função da metrópole em oferecer comércio e serviços. Oseixos <strong>de</strong>vem ser planeja<strong>do</strong>s para servirem à função <strong>de</strong> morar, incluin<strong>do</strong> população <strong>de</strong> baixarenda, e agregarem intervenções para equilíbrio ambiental, oferecen<strong>do</strong> áreas ver<strong>de</strong>s e espaçospúblicos. A idéia que vem sen<strong>do</strong> discutida entre a equipe técnica da SMAPU e levada aoConselho Municipal <strong>de</strong> Política Urbana (COMPUR) 11 é a qualificação <strong>de</strong>sses percursos para aformação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s territoriais que privilegiem <strong>de</strong>slocamentos por mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> transportecoletivo e não motoriza<strong>do</strong>s com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se criar alternativas que promovam menor uso<strong>do</strong> automóvel.As OUCs <strong>de</strong>marcadas em torno das estações <strong>de</strong> transporte coletivo têm muitas das funções<strong>de</strong>terminadas para as áreas <strong>de</strong> operações urbanas lin<strong>de</strong>iras a corre<strong>do</strong>res viários prioritários, atémesmo por terem, muitas vezes, seus perímetros coinci<strong>de</strong>ntes com partes <strong>de</strong>stas. Elas,isbn: 978-85-98261-08-999


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)entretanto, agregam com mais força a motivação em se aproveitar espaços subutiliza<strong>do</strong>s eaumentar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte <strong>do</strong> solo urbaniza<strong>do</strong> para conter maior a<strong>de</strong>nsamentoconstrutivo e populacional. A idéia em discussão é que o entorno das estações <strong>de</strong> transportecoletivo, sobretu<strong>do</strong> das que servem ou servirão ao sistema <strong>de</strong> trens, agregue equipamentos <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> porte e seja local <strong>de</strong> moradia <strong>de</strong> uma população que faça uso intensivo <strong>de</strong> transportecoletivo e <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> a pé <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento. O objetivo, além maximizar a estrutura <strong>de</strong>transporte <strong>de</strong> massa implantada, é trazer uma população socialmente diversificada para residire trabalhar em locais centrais e acessíveis, a partir <strong>do</strong> alcance <strong>do</strong>s objetivos <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s no artigo69‐M da Lei n° 7.165/96 (BELO HORIZONTE, 2010).Art. 69‐M ‐ A Operação Urbana nas áreas localizadas em um raio <strong>de</strong> 600 m (seiscentos metros) dasestações <strong>de</strong> transporte coletivo tem as seguintes finalida<strong>de</strong>s:I ‐ permitir a implantação <strong>de</strong> equipamentos estratégicos para o <strong>de</strong>senvolvimento urbano e para o sistema<strong>de</strong> transporte;II ‐ ampliar e melhorar a re<strong>de</strong> viária local, melhoran<strong>do</strong> o acesso às estações;III ‐ otimizar as áreas envolvidas em intervenções urbanísticas <strong>de</strong> porte e proporcionar a reciclagem <strong>de</strong>áreas consi<strong>de</strong>radas subutilizadas;IV ‐ rever os a<strong>de</strong>nsamentos, dada a maior capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> transporte.As áreas <strong>de</strong>finidas para operações urbanas consorciadas no Plano Diretor recebem regrasespeciais, como afirma<strong>do</strong> anteriormente, que po<strong>de</strong>m ser revisadas quan<strong>do</strong> elabora<strong>do</strong> planoespecífico para formatação <strong>do</strong> texto legal que lhe dará viabilida<strong>de</strong> e regerá seu funcionamento.Basea<strong>do</strong> no conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> Estatuto da Cida<strong>de</strong>, o § 4° <strong>do</strong> artigo 69 da Lei n° 7.165/96 (BELOHORIZONTE, 2010), regulamenta:§ 4º ‐ A lei específica que aprovar ou regulamentar a Operação Urbana Consorciada <strong>de</strong>verá conter, nomínimo:I ‐ a <strong>de</strong>finição da área a ser atingida;II ‐ o programa básico <strong>de</strong> ocupação da área;III ‐ o programa <strong>de</strong> atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela Operação;IV ‐ as finalida<strong>de</strong>s da Operação;V ‐ o estu<strong>do</strong> prévio <strong>de</strong> impacto <strong>de</strong> vizinhança;VI ‐ a contrapartida a ser exigida <strong>do</strong>s proprietários, usuários permanentes e investi<strong>do</strong>res priva<strong>do</strong>s, nostermos <strong>do</strong> disposto no inciso VI <strong>do</strong> art. 33 da Lei nº 10.257/01;VII ‐ a forma <strong>de</strong> controle da Operação, obrigatoriamente compartilha<strong>do</strong> com representação da socieda<strong>de</strong>civil.Especificamente sobre o Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Impacto <strong>de</strong> Vizinhança (EIV), cita<strong>do</strong> no inciso V <strong>do</strong> § 4° <strong>do</strong>artigo 69 <strong>do</strong> PD, acima referencia<strong>do</strong>, Belo Horizonte regulamentou um sistema bastanteparticular para <strong>de</strong>senvolvimento e avaliação, o qual serve à concepção das operações urbanasconsorciadas <strong>de</strong> uma forma especial, como será retrata<strong>do</strong> com o caso da Operação UrbanaConsorciada Estação Barreiro e Adjacências.As alterações ao Plano Diretor trouxeram a incorporação <strong>do</strong> instrumento como ferramentapara análise <strong>de</strong> empreendimentos consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s potencialmente gera<strong>do</strong>res <strong>de</strong> impactosprepon<strong>de</strong>rantemente urbanísticos, seja pelo porte das edificações ou pelas ativida<strong>de</strong>s queisbn: 978-85-98261-08-9100


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)<strong>de</strong>sempenham 12 . O EIV foi regulamenta<strong>do</strong> pelos artigos 74‐A a 74‐E da LPOUS e pelo Decreton° 14.479 em 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2011, altera<strong>do</strong> pelo Decreto n° 14.594 em 30 <strong>de</strong> setembro <strong>do</strong>mesmo ano. O segun<strong>do</strong> <strong>de</strong>creto manteve as disposições <strong>do</strong> primeiro, mas foi necessário paraa<strong>de</strong>quar a tramitação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> licenciamento urbanístico especial àcriação da Comissão <strong>de</strong> Interface para Orientação e Acompanhamento <strong>do</strong> Processo <strong>de</strong>Licenciamento <strong>de</strong> Empreendimentos <strong>de</strong> Impacto 13 .A regulamentação <strong>do</strong> EIV 14 no município imprimiu ao COMPUR uma importância ainda maior<strong>do</strong> que a que apresentava antes da promulgação da alteração das normas urbanísticas em2010. As operações urbanas ou os empreendimentos que possuem a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolverem este estu<strong>do</strong> para sua implantação, construção, ampliação ou funcionamento<strong>de</strong>vem passar por reuniões públicas <strong>do</strong> Conselho, pelo menos, duas vezes, salvo alguns casospara os quais os conselheiros <strong>de</strong>liberaram que sua Gerência Executiva <strong>de</strong>ve levar paraapreciação em plenária apenas a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> diretrizes.A operação urbana consorciada disposta em torno da Estação <strong>de</strong> Integração <strong>do</strong> BHBUSBarreiro, localizada na Avenida Afonso Vaz <strong>de</strong> Melo no bairro Barreiro <strong>de</strong> Baixo, <strong>de</strong>nominadaOperação Urbana Consorciada Estação Barreiro e Adjacências (OUC‐EBA) e discutida a seguir, éa primeira operação a ser <strong>de</strong>senvolvida sob os novos preceitos legais. A construção <strong>de</strong>staoperação, ainda em curso, <strong>de</strong>ve ser levada à comunida<strong>de</strong> acadêmica e <strong>de</strong>scrita a maior parteda população para <strong>de</strong>bates e aperfeiçoamento. Provavelmente será a partir <strong>de</strong> suameto<strong>do</strong>logia, com revisões e a<strong>de</strong>quações, que as <strong>de</strong>mais operações urbanas consorciadas, <strong>de</strong>porte muito maior, <strong>de</strong>verão ser formuladas pelo po<strong>de</strong>r público municipal.isbn: 978-85-98261-08-91013 A OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA ESTAÇÃO BARREIRO E ADJACÊNCIAS (OUC‐EBA)Belo Horizonte, diferentemente <strong>de</strong> outras capitais como Curitiba, Rio <strong>de</strong> Janeiro e SãoPaulo, consi<strong>de</strong>rou que o fato <strong>do</strong> Estatuto da Cida<strong>de</strong> e <strong>do</strong> Plano Diretor municipal exigiremestu<strong>do</strong> <strong>de</strong> impacto <strong>de</strong> vizinhança prévio para as operações urbanas, cria a obrigação <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvê‐lo para a concepção <strong>do</strong> Projeto <strong>de</strong> Lei referente à OUC a ser regulamentada. Asoutras capitais, conforme pesquisa<strong>do</strong>, proce<strong>de</strong>m, na maioria das vezes, a realização <strong>do</strong>estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> impacto <strong>de</strong> vizinhança ou estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> impacto ambiental anteriormente àimplementação da operação, mas <strong>de</strong>pois que a lei que a rege foi aprovada pela CâmaraMunicipal.Enten<strong>de</strong>u‐se que o EIV <strong>de</strong>ve ser o instrumento básico para que a operação urbanaconsorciada adquira seu equilíbrio urbanístico e econômico‐financeiro. É por meio <strong>de</strong>staferramenta que se buscará <strong>de</strong>senvolver diagnóstico sobre a região abrangida pela operação<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a: avaliar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte ao a<strong>de</strong>nsamento construtivo e populacional daárea; dimensionar as áreas ver<strong>de</strong>s, espaços públicos e equipamentos urbanos ecomunitários; <strong>de</strong>cidir sobre intervenções estrutura<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> espaço e priorizar obras;formular novos <strong>de</strong>senhos urbanos; conceber regras e padrões <strong>de</strong> parcelamento, ocupaçãoe uso <strong>do</strong> solo que incidam especificamente sobre a área <strong>de</strong>limitada para a operação;apurar informações sobre a dinâmica imobiliária e o valor da terra; estabelecer as formas<strong>de</strong> contrapartida, entre outras condições para qualificação <strong>do</strong> espaço e solução <strong>de</strong>problemas nele diagnostica<strong>do</strong>s.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)O EIV é o instrumento que garantirá o equilíbrio da operação <strong>de</strong>ntro da área que abrange epara seu entorno. Parte‐se da premissa que um plano urbanístico com a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umaOUC só po<strong>de</strong> existir se forem previamente equaciona<strong>do</strong>s os impactos negativos que asalterações espaciais que promova possam ocasionar e potencializa<strong>do</strong>s os impactos positivos aor<strong>de</strong>narem o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> território. As diretrizes, normas legais e obras intrínsecas àsoperações <strong>de</strong>vem ser escolhidas como medidas mitiga<strong>do</strong>ras <strong>do</strong>s problemas e possíveisimpactos negativos e potencializa<strong>do</strong>ras das vocações e qualida<strong>de</strong>s locacionais, a partir <strong>do</strong>equacionamento <strong>de</strong> repercussões i<strong>de</strong>ntificadas por meio da análise <strong>de</strong> conflitos, escopo <strong>do</strong>estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> impacto <strong>de</strong> vizinhança para operações urbanas consorciadas.A meto<strong>do</strong>logia para elaboração da Operação Urbana Consorciada Estação Barreiro eAdjacências foi proposta com os princípios enuncia<strong>do</strong>s. O contexto <strong>de</strong> formatação <strong>de</strong>staoperação incluía fatores como a vonta<strong>de</strong> da SMAPU em <strong>de</strong>senvolver um estu<strong>do</strong> piloto on<strong>de</strong>po<strong>de</strong>ria aplicar as discussões feitas acerca <strong>do</strong>s novos instrumentos <strong>de</strong> política urbana, antes <strong>de</strong>ter que regulamentar as gran<strong>de</strong>s operações previstas para os corre<strong>do</strong>res viários principais dacida<strong>de</strong>, e a pressão que os proprietários <strong>de</strong> terra no Barreiro faziam para terem direito aoscoeficientes <strong>do</strong> macrozoneamento original da área, pre<strong>do</strong>minantemente classificada comoZona Central <strong>do</strong> Barreiro (ZCBA) e Zona <strong>de</strong> A<strong>de</strong>nsamento Preferencial (ZAP).A Secretaria Municipal Adjunta <strong>de</strong> Planejamento Urbano organizou uma meto<strong>do</strong>logia para<strong>de</strong>senvolvimento da OUC‐EBA baseada, fundamentalmente, em <strong>do</strong>is estu<strong>do</strong>s: o Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>Impacto <strong>de</strong> Vizinhança e o Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Viabilida<strong>de</strong> Econômico‐financeira (EVEF).O EIV foi formata<strong>do</strong> pelo levantamento das características da região, especifican<strong>do</strong>‐se ospontos positivos e as <strong>de</strong>ficiências i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s entre os diversos elementos e dinâmicas que acompõem. A primeira constatação da equipe foi a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão <strong>do</strong> perímetro daoperação, ajustan<strong>do</strong> o limite legal, conti<strong>do</strong> no Plano Diretor, a uma área <strong>de</strong> abrangência comreal a<strong>de</strong>quação às funções que a OUC <strong>de</strong>veria agregar para requalificação <strong>do</strong> espaço eaplicação <strong>do</strong>s fundamentos que a originou. O novo perímetro, amplia<strong>do</strong> em relação ao limiteoriginal, foi <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> com base em limites administrativos, barreiras topográficas, áreasindustriais e outras características <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> local a<strong>de</strong>quadas à intenção <strong>de</strong>sta operação emampliar o aproveitamento da estrutura urbana em torno da estação <strong>de</strong> transporte coletivo eincrementar a importância <strong>do</strong> lugar como centro regional.Foram feitas consultas a da<strong>do</strong>s secundários, sobretu<strong>do</strong> ao Censo Demográfico, para acaracterização da realida<strong>de</strong> econômica e social. A dimensão relativamente pequena da áreaabrangida pela OUC, aproximadamente, 1,34 Km², permitiu que a equipe técnica a percorressefacilmente, afim <strong>de</strong>: reconhecer todas as áreas ver<strong>de</strong>s disponíveis e verificar a condição daarborização; qualificar os espaços públicos; caracterizar as tipologias construtivas em seu portee padrão; levantar e caracterizar os gran<strong>de</strong>s equipamentos da região; hierarquizar o conjunto<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s não resi<strong>de</strong>nciais internamente e em relação à cida<strong>de</strong>; avaliar as alternativas <strong>de</strong>trânsito e transportes e <strong>de</strong> estacionamentos da região; aferir o valor <strong>do</strong> solo e conhecer adinâmica imobiliária; estudar a qualida<strong>de</strong> da infra estrutura, além <strong>de</strong> elaborar diagnósticoconcernente a outros temas. O <strong>de</strong>bate constante da equipe sobre as observações feitas emcampo cuidava que fossem enumera<strong>do</strong>s criteriosamente os conflitos <strong>de</strong> uso, ocupação eapropriação <strong>do</strong> espaço.isbn: 978-85-98261-08-9102


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Conforme o EIV, a região po<strong>de</strong> ser dividida em pelo menos cinco subáreas em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>suas características sociais, econômicas, <strong>de</strong> organização territorial e <strong>de</strong> uso e ocupação <strong>do</strong> solo,assim sintetizadas:Subárea 1: <strong>de</strong>finida a leste ao longo <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r da Avenida Olinto Meireles, a qual possui fábrica daVallourec e Mannesmann Tubes <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> e a outra margem com imóveis subutiliza<strong>do</strong>s ou ocupa<strong>do</strong>s porativida<strong>de</strong>s que geram menor movimento <strong>de</strong> pessoas como concessionárias, oficinas mecânicas,marmorarias, etc;Subárea 2: formada à norte e oeste pelos bairros Santa Margarida e Átila <strong>de</strong> Paiva, on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> umapopulação <strong>de</strong> baixo a médio po<strong>de</strong>r aquisitivo. A área, separada <strong>do</strong> centro principal <strong>do</strong> Barreiro pela linhaférrea, apresenta pre<strong>do</strong>minância <strong>de</strong> residências unifamiliares, muitas <strong>de</strong>las, inseridas em lotes menoresque 300m² com alta taxa <strong>de</strong> ocupação. É provável que a conclusão das obras na avenida Tereza Cristinaseja acompanhada da valorização imobiliária <strong>do</strong> local.Subárea 3: faixa <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s equipamentos <strong>de</strong> abrangência intermediária e regional situada paralelamenteà linha <strong>de</strong> trem: instituição da re<strong>de</strong> Pitágoras; um gran<strong>de</strong> atacadista; campus da Pontifícia Universida<strong>de</strong>Católica (PUC‐Minas); batalhão da Polícia Militar; estação <strong>de</strong> transporte coletivo e Shopping Center;Restaurante Popular; Hipermerca<strong>do</strong>; Campus da UNA, entre outras ativida<strong>de</strong>s;Subárea 4: <strong>de</strong>terminada como a porção centro‐oeste e sul <strong>do</strong> perímetro da operação urbana. Esta é a áreaon<strong>de</strong> os imóveis são mais qualifica<strong>do</strong>s e pre<strong>do</strong>minam residências <strong>de</strong> melhor condição construtiva,comparativamente à região, e alguns edifícios multifamiliares;Subárea 5: localizada a centro‐leste e ao longo da avenida Sinfrônio Brocha<strong>do</strong>, on<strong>de</strong> concentram‐seativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comércio e serviços locais e intermediários que recebem maior visitação cotidiana <strong>de</strong>pessoas. Este espaço é o que mais sofre com o intenso tráfego <strong>de</strong> passagem, más condições <strong>do</strong>s passeios,mobiliário urbano disposto <strong>de</strong> forma ina<strong>de</strong>quada, poluição visual, entre outros problemas. Nesta áreaencontram‐se edifícios <strong>de</strong> maior porte, com mais <strong>de</strong> 10 andares.To<strong>do</strong> o perímetro estuda<strong>do</strong> é carente <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> lazer e equipamentos culturais e aspoucas áreas ver<strong>de</strong>s existentes são pequenas e mal estruturadas. Faltam salas <strong>de</strong> cinema,teatros e outros equipamentos que valorizem a memória da região.O tráfego <strong>de</strong> veículos possui conflitos em <strong>de</strong>corrência das principais avenidas servirembastante ao tráfego <strong>de</strong> passagem, tanto <strong>de</strong> veículos particulares quanto <strong>de</strong> linhas <strong>de</strong>transporte coletivo municipais e metropolitanas. Este aspecto <strong>de</strong>verá ser altera<strong>do</strong> com afinalização das obras da avenida Tereza Cristina. Este elo <strong>de</strong> ligação da capital com osmunicípios a sul possui problemas <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> e interrupções que serão,provavelmente, equaciona<strong>do</strong>s com a conclusão das obras. Convém ressaltar que, emboraa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> itinerários <strong>de</strong> transporte coletivo cause conflitos no tráfego, traztambém movimento e visitas à região e, portanto, sua rearticulação <strong>de</strong>ve ser tratada comcautela. Ainda sobre as questões <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> ressalta‐se que a área <strong>de</strong>verá receber aLinha 2 <strong>do</strong> metrô, que facilitará a ligação da região ao centro da cida<strong>de</strong>.Verificou‐se que a área <strong>de</strong>marcada para operação tem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar‐se umcentro regional qualifica<strong>do</strong>. A constituição <strong>do</strong> bairro Barreiro <strong>de</strong> Baixo antece<strong>de</strong>u aconstrução da capital mineira e o local, historicamente, aten<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> um entornocarente em termos <strong>do</strong> atendimento às necessida<strong>de</strong>s da população que abriga. A área,que sempre foi polariza<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> sua vizinhança pela própria carência <strong>de</strong> serviços urbanosnela observada, passa, atualmente, por um processo <strong>de</strong> aumento real da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>atendimento ao mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida urbano em muitos aspectos.isbn: 978-85-98261-08-9103


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A região <strong>do</strong> Bairro Barreiro <strong>de</strong> Baixo congrega, pre<strong>do</strong>minantemente, ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cunho local– como mercearias, farmácias, salões <strong>de</strong> beleza, entre outras – e <strong>de</strong> função intermediária –como lojas <strong>de</strong> cama, mesa e banho, supermerca<strong>do</strong>s, consultórios médicos e o<strong>do</strong>ntológicos,entre outras. A região, entretanto vem receben<strong>do</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> maior porte e especialização,que servem a um raio <strong>de</strong> abrangência cada vez maior. A própria estação <strong>de</strong> integração <strong>de</strong>transporte coletivo interligada ao shopping center é um exemplo. A construção <strong>de</strong> um campusda PUC‐Minas, bem como <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino da re<strong>de</strong> Pitágoras e <strong>do</strong> Centro UniversitárioUNA, têm atraí<strong>do</strong> mais pessoas e aumenta<strong>do</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polarização da área. No perímetroestuda<strong>do</strong>, surgiram, ao longo <strong>do</strong>s últimos anos, cartório, ativida<strong>de</strong>s forenses, clínicas, agênciasbancárias, entre outros ramos mais qualifica<strong>do</strong>s <strong>de</strong> comércio e serviço.O diagnóstico apontou, entretanto, que, mesmo com novos empreendimentos, aindapre<strong>do</strong>mina baixa utilização <strong>do</strong> solo comparativamente ao potencial construtivo legal vigenteaté 2010. São poucos os lotes vagos, mas a região dispõe <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>substituição <strong>de</strong> edificações, pois os imóveis são pre<strong>do</strong>minantemente horizontais. Os estu<strong>do</strong>sconcluíram que, caso tivessem si<strong>do</strong> consolidadas na área alterações na dinâmica imobiliáriaque explorassem os coeficientes permiti<strong>do</strong>s para os macrozoneamentos pre<strong>do</strong>minantes – ZCBAe ZAP, com os parâmetros construtivos legais, <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s lote a lote, sem umareestruturação da infra estrutura local – teria se configura<strong>do</strong> uma situação <strong>de</strong> saturação <strong>de</strong>difícil solução.O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> viabilida<strong>de</strong> econômico‐financeira, parcialmente incorpora<strong>do</strong> ao EIV,consi<strong>de</strong>rou os preços <strong>do</strong>s terrenos, toman<strong>do</strong> como bases principais o Imposto Predial eTerritorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Transmissão <strong>de</strong> Bens Imóveis por AtoOneroso Inter Vivos (ITBI). Foram também realizadas pesquisas com corretoresimobiliários na área, que informaram altos valores no preço <strong>do</strong> metro quadra<strong>do</strong>construí<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong> na porção <strong>do</strong> centro intermediário, on<strong>de</strong> os valores imobiliáriospo<strong>de</strong>m ser compara<strong>do</strong>s aos pratica<strong>do</strong>s na Área Central <strong>de</strong> Belo Horizonte. Os corretoresapontaram preços que chegavam a R$7.000,00 /m 2 . Verificou‐se, ainda, altos preços das“luvas” pagas pelos pontos comerciais. As pesquisas organizadas no EVEF <strong>de</strong>monstraramtambém, por outro la<strong>do</strong>, a baixa dinâmica imobiliária da região, sen<strong>do</strong> os edifícios queexploraram o coeficiente <strong>de</strong> aproveitamento <strong>do</strong> zoneamento aqueles construí<strong>do</strong>s antesda promulgação da lei <strong>de</strong> 1996 e alguns poucos que surgiram recentemente a sul da área<strong>de</strong>marcada para OUC, os quais aproveitaram o potencial construtivo <strong>do</strong>s quarteirõesclassifica<strong>do</strong>s como ZAP. As principais carências <strong>de</strong> produtos imobiliários são prédios <strong>de</strong>salas, apartamentos pequenos – um ou <strong>do</strong>is quartos – hotéis e outras alternativascomerciais.Os estu<strong>do</strong>s técnicos foram complementa<strong>do</strong>s por pesquisa <strong>de</strong> percepção ambiental. Ameto<strong>do</strong>logia contemplou a aplicação <strong>de</strong> questionários a pessoas resi<strong>de</strong>ntes etrabalha<strong>do</strong>ras na área e entrevistas com informantes qualifica<strong>do</strong>s: li<strong>de</strong>rançascomunitárias e religiosas, empresários que atuam na região, diretores <strong>de</strong> instituições <strong>de</strong>ensino, entre outros atores. As opiniões são, obviamente, diversas, mas a população<strong>de</strong>monstra que gosta <strong>de</strong> residir ou trabalhar no Barreiro, ressaltam problemas comointenso tráfego <strong>de</strong> veículos e violência e exaltam as características da região como umnúcleo comercial “quase in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> centro principal <strong>de</strong> Belo Horizonte”.isbn: 978-85-98261-08-9104


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A caracterização da operação urbana para início <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Impacto <strong>de</strong>Vizinhança provocou um primeiro momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate público sobre o assunto. O temafoi leva<strong>do</strong> para a 168° Reunião Ordinária <strong>do</strong> COMPUR, ocorrida em 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong>2011 15 . Na ocasião, o presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho, também Secretário <strong>de</strong> DesenvolvimentoUrbano, Marcello Faulhaber e a Vice Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho, também SecretáriaMunicipal Adjunta <strong>de</strong> Planejamento Urbano, Gina Ren<strong>de</strong>, apresentaram os primeirosresulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> diagnóstico acerca da área pesquisada, bem como as principais premissasque regeriam o plano <strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamento e o plano <strong>de</strong> obras e intervenções da operaçãourbana.Os Conselheiros e <strong>de</strong>mais presentes tiveram a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tirarem suas dúvidas quantoaos objetivos e a aplicação <strong>do</strong> instrumento. A reunião foi tomada, principalmente, pelodiscurso <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> proprietários <strong>de</strong> terreno e empresários locais. Eles concordavam coma avaliação sobre as carências e problemas que a área possuía e que a verticalização<strong>de</strong>sacompanhada da qualificação da estrutura urbana po<strong>de</strong>ria ocasionar piora à região. Seus<strong>de</strong>poimentos em prol da liberação da área da restrição causada pela <strong>de</strong>marcação da OUC‐EBApelo Plano Diretor, entretanto, convergiam para argumentos tais como: o rebaixamento <strong>do</strong>coeficiente causa prejuízo a comerciantes e contribuintes, que exigem uma “solução” rápida aeste problema; a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> coeficiente 1,0 “atrapalha” a dinâmica imobiliária; o dinheiro pagopor cada empresário para a obtenção <strong>de</strong> potencial construtivo é insignificante para a Prefeiturae bastante impactante para o investi<strong>do</strong>r da região, entre outras falas que <strong>de</strong>monstraram acrença <strong>de</strong> que o Executivo estaria “banin<strong>do</strong> um direito” àquela população.As discussões da equipe técnica <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong> diagnóstico e <strong>do</strong> contato com apopulação avançaram para o cruzamento <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s setoriais e a pontuação <strong>de</strong> conflitos epotencialida<strong>de</strong>s existentes na área. A equação <strong>do</strong>s impactos e características levantadas<strong>de</strong>u origem ao que se chamou <strong>de</strong> Plano Urbanístico da operação urbana que sintetiza um“plano <strong>de</strong> intervenções” e um “plano <strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamento” elabora<strong>do</strong>s para a área.É interessante observar que o Plano Urbanístico foi consolida<strong>do</strong> como uma ação <strong>de</strong>planejamento local que apontou para a região estudada unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vizinhançaespecíficas quanto ao padrão <strong>de</strong> urbanização com funções <strong>de</strong>terminadas ecomplementares entre si. A OUC‐EBA ganhou um formato muito semelhante a um planolocal, para o qual foram propostos parâmetros urbanísticos e foram elencadasintervenções específicas. A conformação <strong>de</strong>ste plano como uma operação urbanaconsorciada, entretanto, avançou em comparação a outros planos locais <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>sem Belo Horizonte por esclarecer a priorização das obras, dimensionar seus impactos eformatar os meios pelos quais serão financiadas.O plano <strong>de</strong> intervenções contemplou, fundamentalmente, um conjunto <strong>de</strong> ações paraqualificação ambiental da área, alterações no sistema <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong>, qualificação dasprincipais centralida<strong>de</strong>s, implantação <strong>de</strong> equipamentos urbanos e comunitários eprodução <strong>de</strong> habitação <strong>de</strong> interesse social. As intervenções urbanísticas e ambientais têmcomo princípio servir à solução <strong>de</strong> problemas diagnostica<strong>do</strong>s e preparar a região paraaumentar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte para receber a<strong>de</strong>nsamento construtivo epopulacional, premissas <strong>de</strong> áreas em torno <strong>de</strong> estações <strong>de</strong> transporte coletivo <strong>de</strong>stinadasa operações urbanas, como explicita<strong>do</strong>.isbn: 978-85-98261-08-9105


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)As intervenções <strong>de</strong> cunho ambiental prevêem o resgate e a criação <strong>de</strong> áreas ver<strong>de</strong>spúblicas contemplan<strong>do</strong> medidas como: a melhoria da arborização e das praças; criação<strong>de</strong> uma praça com equipamento cultural na área da antiga estação <strong>de</strong> trem;implementação <strong>de</strong> um complexo esportivo junto à pedreira <strong>de</strong>sativada; construção <strong>de</strong>uma praça central próxima à estação <strong>de</strong> transporte coletivo; requalificação da praçacontígua à PUC‐Minas e <strong>do</strong>tação <strong>de</strong> espaço público <strong>de</strong> lazer adjacente ao clube existenteem terreno municipal.A qualificação <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> e a valorização das áreas comerciais abrangemações como: melhoria da infra estrutura das vias, com a solução <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong>estrangulamento, sobretu<strong>do</strong> nas avenidas principais; a<strong>de</strong>quação <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s <strong>de</strong> fluxo <strong>do</strong>tráfego; revisão <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> drenagem disposto nos logra<strong>do</strong>uros; melhoria da iluminaçãopública; a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho urbano que privilegiem o transporte coletivo e omo<strong>do</strong> não motoriza<strong>do</strong> <strong>de</strong> circulação – ciclistas e pe<strong>de</strong>stres. Convém ressaltar que asintervenções no sistema <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> também buscam preparar a região para asalterações <strong>do</strong> tráfego que serão <strong>de</strong>correntes da finalização das obras da avenida TerezaCristina. Um terminal <strong>de</strong> embarque e <strong>de</strong>sembarque <strong>de</strong> linhas metropolitanas foi propostopara o bairro Santa Margarida com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizar o fluxo intermunicipal,retiran<strong>do</strong> itinerários da Área Central <strong>do</strong> Barreiro. Devem ser mantidas as linhas municipaisneste local. Há a previsão <strong>de</strong> intervenções no viaduto existente junto à avenida citada paramelhorar o fluxo <strong>do</strong>s movimentos que recebe e para viabilizar uma ligação mais a<strong>de</strong>quadae ágil entre a Estação Barreiro e a Estação Diamante, parada <strong>de</strong> transporte coletivo situadamais a sul da Região Administrativa Barreiro.isbn: 978-85-98261-08-9A implantação <strong>de</strong> equipamentos públicos está prevista para ampliar o atendimento da re<strong>de</strong>existente à medida que o a<strong>de</strong>nsamento populacional ocorrer. Estão planejadas unida<strong>de</strong>smunicipais <strong>de</strong> ensino infantil (UMEI), escola <strong>de</strong> ensino médio, centro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e uma se<strong>de</strong> maisa<strong>de</strong>quada para a administração regional, que <strong>de</strong>verá ter central <strong>de</strong> atendimento a munícipescom mais funções integradas. A operação urbana prevê, também, a produção <strong>de</strong> 1000unida<strong>de</strong>s habitacionais <strong>de</strong>stinadas a famílias com renda entre 0 a 3 salários mínimos.Os projetos e obras necessários à implantação das intervenções foram preliminarmenteorça<strong>do</strong>s levan<strong>do</strong>‐se em conta valores pratica<strong>do</strong>s em obras <strong>de</strong> instalação <strong>de</strong> infra estrutura eequipamentos urbanos e comunitários pelos órgãos municipais competentes 16 . Apesar <strong>de</strong> seter a certeza <strong>de</strong> que estes valores serão altera<strong>do</strong>s com a formulação <strong>de</strong> projetos básicos eexecutivos, é importante verificar o montante financeiro a ser gasto para constatar aviabilida<strong>de</strong> e o equilíbrio econômico da operação. As intervenções foram priorizadas em quatrocenários <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são à operação urbana que coinci<strong>de</strong>m com o <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> contrapartidasequivalentes a, aproximadamente, 25%, 50%, 75% e 100% <strong>do</strong> valor médio consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> paraarrecadação com a venda <strong>de</strong> potencial construtivo por meio <strong>de</strong> Outorga Onerosa <strong>do</strong> Direito <strong>de</strong>Construir (OODC).Po<strong>de</strong>‐se dizer que as intervenções contidas <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> primeiro cenário construí<strong>do</strong> são aquelasessenciais para a o aumento da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte da região e requalificação <strong>de</strong> centros ecentralida<strong>de</strong>s. A segunda fase contempla obras necessárias à complementação da estruturaurbana e o aumento da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte para a<strong>de</strong>quar a região à maior venda <strong>de</strong>potencial construtivo. Nesta fase, há expansão <strong>do</strong>s perímetros requalifica<strong>do</strong>s. As obras106


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)referentes à terceira etapa contemplam a conclusão <strong>de</strong> alguns eixos <strong>de</strong> intervenção em umcenário em que se concretiza um a<strong>de</strong>nsamento populacional e construtivo aproxima<strong>do</strong> daconclusão da operação. A última etapa abarca obras para finalização <strong>do</strong> Plano Urbanístico.O plano <strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamento, por sua vez, foi consolida<strong>do</strong> com vistas a <strong>do</strong>tar cada subárea <strong>de</strong>potencial construtivo e <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> populacional compatíveis com a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estruturaurbana existente e com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aumento da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suporte da região,produzida pelas intervenções <strong>do</strong> Plano Urbanístico. Foi organiza<strong>do</strong> com base em trêsclassificações diferenciadas pela <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> construtiva e padrões <strong>de</strong> urbanização que <strong>de</strong>vemser atribuídas às quadras ou partes <strong>de</strong> quadras.A equipe enten<strong>de</strong>u que a proposição <strong>de</strong> uma operação urbana <strong>de</strong>ve trabalhar para quebrar alógica <strong>de</strong> construção lote a lote como condição para promover uma reestruturação qualificadada área. Este é um <strong>de</strong>safio na região central <strong>do</strong> Barreiro on<strong>de</strong> as seqüências <strong>de</strong> lotes, quasesempre, são compostas por diversos proprietários. Sob o raciocínio <strong>do</strong> arquiteto colombianoAugusto Carrillo, funcionário <strong>do</strong> Departamento Nacional <strong>de</strong> Planeación da Colômbia,Montan<strong>do</strong>n e Souza (2007, p: 128) afirmam:É preciso romper o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção da cida<strong>de</strong> prédio por prédio, lote por lote, para se realizar ummanejo <strong>do</strong> solo urbano mais a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> às questões ambientais e à paisagem, que garanta o exercício dafunção social e ecológica da proprieda<strong>de</strong>.A equipe da SMAPU elaborou lógica <strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamento baseada no agrupamento <strong>de</strong> lotes,o que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um avanço na aplicação <strong>do</strong> princípio <strong>de</strong> Carrillo, mesmo quese tenha a consciência <strong>de</strong> que práticas mais eficientes <strong>de</strong>verão ser <strong>de</strong>senvolvidas nestesenti<strong>do</strong>. Os graus <strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamento possuem uma escala <strong>de</strong> potencial construtivoadmiti<strong>do</strong> que varia <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a área <strong>do</strong>s terrenos. Os terrenos que possuem até360m² não estão habilita<strong>do</strong>s a comprar coeficiente <strong>de</strong> aproveitamento. Os índices <strong>de</strong>aproveitamento construtivo aumentam para terrenos com dimensões maiores que 360m²e menores que 2.160m² e é admitida a aplicação <strong>do</strong>s coeficientes <strong>de</strong> maior valor aosterrenos com área superior a 2.160m² 17 .Esta alternativa foi acrescida <strong>de</strong> exigências em busca <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo construtivo quepressupõe a concentração <strong>de</strong> potencial <strong>de</strong> edificabilida<strong>de</strong> em parte <strong>do</strong> terreno com afinalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proporcionar liberação <strong>de</strong> espaço para uso público que possibilite encontro,estar, lazer e ativida<strong>de</strong>s urbanas compatíveis com o centro.A operação <strong>de</strong>fine taxa <strong>de</strong> ocupação 18 , que varia <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o tamanho <strong>do</strong>s terrenosnos quais for realiza<strong>do</strong> o empreendimento. Os beneficiários pela maior utilização <strong>de</strong>potencial construtivo <strong>de</strong>vem cumprir taxa <strong>de</strong> permeabilida<strong>de</strong> vegetada em terrenonatural e construir caixa <strong>de</strong> captação <strong>de</strong> água pluvial, com vistas a melhorar a qualida<strong>de</strong>ambiental e paisagística e conter a sobrecarga <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> drenagem urbana 19 . Aproposta <strong>de</strong> qualificação urbanística é incrementada pela exigência <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong>uma faixa livre <strong>de</strong> uso público interna a to<strong>do</strong>s os terrenos que a<strong>de</strong>rirem à operaçãourbana consorciada, com largura mínima <strong>de</strong> seis metros. Esta faixa busca garantir apermeabilida<strong>de</strong> visual e <strong>de</strong> transito entre os terrenos. Estas <strong>de</strong>vem passeio volta<strong>do</strong> aolivre fluxo <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres e po<strong>de</strong> ter área <strong>de</strong>stinada à instalação <strong>de</strong> mobiliário urbano,acesso <strong>de</strong> veículos às edificações ou ampliação das ativida<strong>de</strong>s econômicas para oisbn: 978-85-98261-08-9107


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)logra<strong>do</strong>uro. Também, as regras da lei <strong>de</strong> uso e ocupação <strong>do</strong> solo referentes à altura nadivisa e à relação entre afastamento lateral e <strong>de</strong> fun<strong>do</strong>s e altura <strong>do</strong>s edifícios po<strong>de</strong>m serflexibilizadas, chegan<strong>do</strong>‐se à construção sobre até 50% da extensão das divisas entre oslotes.A Tabela 1 é parte <strong>do</strong> quadro <strong>do</strong> Relatório <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Impacto <strong>de</strong> Vizinhança da OUC‐EBA, que contém os parâmetros urbanísticos que subsidia o Parecer <strong>de</strong> LicenciamentoUrbanístico <strong>de</strong>sta operação e, portanto, embasa a concepção <strong>do</strong> Projeto <strong>de</strong> Lei que aregulamentará.A) Coeficiente <strong>de</strong>Aproveitamento:B) Área permeável:Tabela 1: Parâmetros Urbanísticos – OUC‐EBAGrau <strong>de</strong> a<strong>de</strong>nsamentoÁrea <strong>do</strong> terreno


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)O Executivo <strong>de</strong>verá concluir o Projeto <strong>de</strong> Lei em regulamentação à OUC‐EBA, <strong>de</strong>talhan<strong>do</strong> aspremissas aprovadas pelo Conselho para a operação, muitas <strong>de</strong>las, parte <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> EIV,trazidas para discussão neste texto.isbn: 978-85-98261-08-94 CONCLUSÕES PRELIMINARES SOBRE DE UM RECOMEÇOÉ inegável o efeito perverso, ou a própria “falta <strong>de</strong> efeito”, que operações urbanas formatadasem Belo Horizonte e São Paulo, casos mais conheci<strong>do</strong>s pela autora, provocaram. As pesquisasem curso, sobretu<strong>do</strong> a partir da análise <strong>do</strong>s trabalhos <strong>de</strong> Fix (2003, 2007) e Cota (2010)<strong>de</strong>monstram a utilização <strong>do</strong> instrumento para benefício <strong>do</strong> setor priva<strong>do</strong> com a exploração <strong>do</strong>espaço urbano. O conhecimento das experiências urbanísticas pelo olhar das autoras<strong>de</strong>monstra a força <strong>do</strong> setor imobiliário em inverter as situações <strong>de</strong> crescimento urbano a seufavor e colocar o po<strong>de</strong>r público para atuar como seu parceiro, fazen<strong>do</strong> concessões e obras quecorroboram muito para os ganhos priva<strong>do</strong>s e pouco para a coletivida<strong>de</strong>.O instrumento provocou, sobretu<strong>do</strong> na capital paulista, on<strong>de</strong> abrangeu áreas <strong>de</strong> maioramplitu<strong>de</strong>, substituição <strong>de</strong>scontrolada <strong>do</strong> teci<strong>do</strong> urbano, geração <strong>de</strong> mais valia fundiária semcorrespon<strong>de</strong>nte divisão das cargas e benefício pela utilização intensiva <strong>do</strong> solo e concentração<strong>de</strong> intervenções em pontos específicos da cida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> o capital priva<strong>do</strong> <strong>de</strong>man<strong>do</strong>uintervenção estatal. As operações foram feitas <strong>de</strong> uma forma exclu<strong>de</strong>nte em que o própriomerca<strong>do</strong> tinha autonomia para negociar com a população <strong>do</strong>s aglomera<strong>do</strong>s urbanos e poucofoi planeja<strong>do</strong> para que estas comunida<strong>de</strong>s permanecessem no perímetro <strong>de</strong> aplicação <strong>do</strong>instrumento. As pesquisas <strong>de</strong> Fix (2003, 2007) relatam a <strong>de</strong>stituição da favela Água Espraiada eo torturante <strong>de</strong>slocamento da população em situação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> social, com ínfimasin<strong>de</strong>nizações, para abrigos e outras favelas.Sem acreditar que as operações urbanas são a “salvação” <strong>do</strong> planejamento e da gestão <strong>do</strong> soloda cida<strong>de</strong>, compartilha‐se da idéia <strong>de</strong> Montan<strong>do</strong>n (2009) <strong>de</strong> que o instrumento não <strong>de</strong>ve sercompletamente refuta<strong>do</strong> pelas experiências mal constituídas. Po<strong>de</strong>‐se encontrar uma viapossível para a construção <strong>de</strong> estratégias para implantação <strong>de</strong> projetos urbanos e <strong>de</strong>“mediação da participação privada nestes projetos, pautan<strong>do</strong>‐se no controle público, nasmelhorias sociais e na equida<strong>de</strong> no <strong>de</strong>senvolvimento urbano” (MONTANDON, 2009, p: 236).A investigação das operações urbanas consorciadas como mecanismos <strong>de</strong> planejamentourbano <strong>de</strong>monstram algumas possibilida<strong>de</strong>s para planejamento e gestão <strong>do</strong> solo em suafunção social: “Nota‐se o alinhamento <strong>do</strong> instrumento operações urbanas a uma estratégia <strong>de</strong>atuação urbanística voltada à obtenção <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s relevantes em áreas <strong>de</strong> transformaçãoprioritária estabelecidas no Plano Diretor e a partir da gestão integrada das intervenções noterritório” (MONTANDON, 2009, p: 12).Pela experiência inicial obtida com a elaboração da Operação Urbana Consorciada EstaçãoBarreiro e Adjacências, foi possível reconhecer que a concepção <strong>de</strong>ste instrumento é umaimbricada articulação entre ferramentas <strong>de</strong> política urbana, vários elementos especiais para<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> parâmetros urbanísticos, reconhecimento profun<strong>do</strong> das <strong>de</strong>ficiências epotencialida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> território para elenco <strong>de</strong> obras pertinentes ao seu <strong>de</strong>senvolvimento eutilização <strong>de</strong> mecanismos para financiar as melhorias no sistema urbano. O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> impacto109


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9<strong>de</strong> vizinhança, sob o formato constituí<strong>do</strong> para esta operação, foi instrumento fundamental paraanálise <strong>do</strong> equilíbrio urbanístico e financeiro da aplicação da OUC neste centro em<strong>de</strong>senvolvimento.Os <strong>de</strong>safios para a concepção das operações urbanas <strong>de</strong> maior porte no município são os maisdiversos, mas na OUC‐EBA pô<strong>de</strong>‐se explorar o instrumento como um “plano diretor localestratégico” promotor <strong>de</strong> intervenções estruturantes, <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>r <strong>de</strong> parâmetrosurbanísticos compatíveis com a realida<strong>de</strong> da região, indutor <strong>de</strong> melhorias sociais e distribui<strong>do</strong>r,mesmo que parcial, <strong>do</strong>s custos <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s da mais valia provocada pelo solo cria<strong>do</strong>. A operaçãoconcebida para a área institui mecanismos para incremento <strong>do</strong> centro urbano com apreocupação <strong>de</strong> trazer população para as áreas on<strong>de</strong> a infra estrutura, já diferenciada, receberámelhorias pelas intervenções a serem implantadas. As premissas aprovadas para esta operaçãoainda serão formalizadas em um projeto <strong>de</strong> lei que lhes dêem condições reais <strong>de</strong>implementação, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> regras claras para a gestão cotidiana <strong>do</strong> instrumento.O que se reflete <strong>do</strong> que “ainda se <strong>de</strong>ve fazer” é, principalmente, uma aplicação mais sistêmica<strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais instrumentos <strong>de</strong> política urbana. A captura da agregação <strong>de</strong> valor à terra urbanaainda é parcial nas áreas <strong>de</strong> operação urbana consorciada. A mensuração <strong>do</strong>s ganhosimobiliários produzi<strong>do</strong>s a partir <strong>do</strong> mecanismo <strong>do</strong> solo cria<strong>do</strong> proporciona a cobrança pelo usointensivo <strong>do</strong> potencial construtivo, mas não são cobra<strong>do</strong>s os valores agrega<strong>do</strong>s à proprieda<strong>de</strong>pelas benfeitorias físicas como se faz no Land Reajustment, sob suas variações vigentes, porexemplo, no Japão e na Colômbia (MONTANDON, 2010, p: 85). A contribuição <strong>de</strong> melhoriapermanece inutilizada nas leis orgânicas municipais. Também não se explorou ainda a geração<strong>de</strong> divisas <strong>de</strong>rivadas da participação na alteração <strong>de</strong> usos (MONTANDON, 2010, p: 123).Os instrumentos <strong>de</strong> política urbana conti<strong>do</strong>s no Estatuto da Cida<strong>de</strong> transpostos para o PlanoDiretor <strong>de</strong> Belo Horizonte adquirem pouca efetivida<strong>de</strong>, pelo menos por enquanto, em suaaplicação na cida<strong>de</strong> e, obviamente, também nas áreas <strong>de</strong> OUC, seja por estarem semregulamentação ou pelo caráter facultativo que possuem.A legislação <strong>do</strong> município coloca regras claras para se consi<strong>de</strong>rar um imóvel como vazio ousubutiliza<strong>do</strong>. O inciso II <strong>do</strong> artigo 74‐D <strong>do</strong> PD estabelece, sinteticamente, que imóvelsubutiliza<strong>do</strong> é aquele que usa menos que 15% <strong>do</strong> potencial construtivo básico admiti<strong>do</strong> pelomacrozoneamento e não possui ativida<strong>de</strong> que necessite da utilização <strong>do</strong> terreno por suanatureza. A aplicação <strong>do</strong>s instrumentos <strong>de</strong> parcelamento, edificação e ocupação compulsórios<strong>de</strong>mora para ganhar efetivida<strong>de</strong> no cumprimento da função social da proprieda<strong>de</strong>, entretanto.Instrumentos como o consórcio urbanístico e o convênio urbanístico <strong>de</strong> interesse socialpossuem um caráter facultativo, limitan<strong>do</strong> a atuação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público. A concessãourbanística, por sua vez, que seria um instrumento <strong>de</strong> caráter mais compulsório comsemelhanças a algumas ações <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> Land Reajustment, <strong>de</strong>ve ser regulamentada para suaimplementação.Enfim, há muitas outras possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> política urbana <strong>de</strong>ntro<strong>do</strong> âmbito das operações urbanas consorciadas que lhes proporcionem maior controle <strong>do</strong> solourbano, repartição <strong>do</strong>s custos <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> uso intensivo da terra evalorização pela implantação <strong>de</strong> obras. Belo Horizonte está recomeçan<strong>do</strong>.110


5 REFERÊNCIASprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)BELO HORIZONTE (MG). Prefeitura. Lei n.º. 7165. 27 ago. 1996: Institui o Plano Diretor <strong>do</strong> município <strong>de</strong> BeloHorizonte. consolidada com as alterações feitas pela Lei n. 8.137, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z. <strong>de</strong> 2000. Belo Horizonte, 2000a.Disponível em: www.cmbh.mg.gov.br. Acessa<strong>do</strong> em 20 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2012.BELO HORIZONTE (MG). Lei n.º. 7166. 27 ago. 1996: Estabelece normas e condições para parcelamento, ocupação euso <strong>do</strong> solo no município <strong>de</strong> Belo Horizonte, consolidada com as alterações feitas pela Lei n. 8.137, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z.<strong>de</strong> 2000. Belo Horizonte, 2000b. Disponível em: www.cmbh.mg.gov.br. Acessa<strong>do</strong> em 20 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2012.BELO HORIZONTE. (MG). Leis nº 7.165 e nº 7.166, ambas <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1996, consolidada com as alteraçõesfeitas pela Lei n. 9.959, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> jul. <strong>de</strong> 2010. Belo Horizonte, 2010.Disponível em: www.cmbh.mg.gov.br.Acessa<strong>do</strong> em 20 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2012.BELO HORIZONTE (MG). Prefeitura Municipal. Plano Diretor <strong>de</strong> Belo Horizonte: lei <strong>de</strong> uso e ocupação <strong>do</strong> solo,estu<strong>do</strong>s básicos. Belo Horizonte: São João, 1995.CALDAS, Maria Fernan<strong>de</strong>s; MENDONÇA, Jupira Gomes <strong>de</strong>; CARMO, Lelio Nogueira <strong>do</strong>. Estu<strong>do</strong>s urbanos: BeloHorizonte ‐ 2008 : transformações recentes na estrutura urbana. 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O PT continuou no executivo municipal com o governo Célio <strong>de</strong> Castro eleito em 1997 peloPMDB com vice petista e reeleito em 2001. Castro licenciou‐se por motivos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, assumin<strong>do</strong> seu vice, Fernan<strong>do</strong>Pimentel que, eleito em 2004, esteve à frente <strong>do</strong> Executivo municipal até 2008.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-92 Des<strong>de</strong> 1989, durante o mandato <strong>do</strong> Prefeito Pimenta da Veiga, o Executivo elaborava estu<strong>do</strong>s para formatar umPlano Diretor para o município. Em 1991, durante a administração <strong>do</strong> Prefeito Eduar<strong>do</strong> Azere<strong>do</strong> foi manda<strong>do</strong> para aCâmara Municipal o Projeto <strong>de</strong> Lei (PL) que contemplava o Plano Diretor, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> como BH 2010. O PL não foiaprova<strong>do</strong>, principalmente, por não se conseguir superar divergências sobre quais seriam as estratégias einstrumentos a serem a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pelo po<strong>de</strong>r público <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a intervir no processo <strong>de</strong> produção e ocupação <strong>do</strong>espaço urbano belorizontino e por não aten<strong>de</strong>r a parâmetros da Lei Orgânica <strong>do</strong> município.3 A capital mineira teve aprovada, na década <strong>de</strong> 1970, sua primeira legislação urbanística, abrangen<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma maisampliada o território municipal. A Lei <strong>de</strong> Uso e Ocupação <strong>do</strong> Solo <strong>de</strong> Belo Horizonte, Lei n° 2.662/76, regulamentou adistribuição das funções urbanas e a forma construtiva das edificações. Foi revisada pela Lei n° 4.034/85, sem,entretanto, alterar a lógica <strong>de</strong> zoneamento funcional da cida<strong>de</strong> (MONTEIRO, 2007).4 A lógica <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instalação <strong>de</strong> usos não resi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a classificação das viasno sistema <strong>de</strong> circulação foi modificada com a promulgação da Lei n° 9.959/10. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instalação <strong>de</strong> usosnão resi<strong>de</strong>nciais é atualmente regida pela classificação <strong>do</strong>s logra<strong>do</strong>uros por permissivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usos em: viapreferencialmente resi<strong>de</strong>ncial – VR; via <strong>de</strong> caráter misto – VM e via preferencialmente não resi<strong>de</strong>ncial – VNR.5 A Secretaria Municipal <strong>de</strong> Política Urbana (SMURBE) foi extinta na reforma administrativa ocorrida em fevereiro <strong>de</strong>2011. As funções <strong>de</strong> planejamento urbano que <strong>de</strong>sempenhava foram transferidas para a Secretaria MunicipalAdjunta <strong>de</strong> Planejamento Urbano (SMAPU), ligada à Secretaria Municipal <strong>de</strong> Desenvolvimento (SMDE).6 Ressalta‐se que havia 81 <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cada setor e seus suplentes. A eleição <strong>de</strong> <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s envolveu um númeromuito maior <strong>de</strong> munícipes em assembléias setoriais e realizadas em cada Região Administrativa. Dos 81 <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>spopulares, havia 9 representantes <strong>de</strong> cada uma das 9 Administrações Regionais em que se subdivi<strong>de</strong> a cida<strong>de</strong>.7 A II Conferência Municipal <strong>de</strong> Política Urbana ocorreu <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2001 a agosto <strong>de</strong> 2002, perío<strong>do</strong>imediatamente posterior à promulgação <strong>do</strong> Estatuto da Cida<strong>de</strong> – julho <strong>de</strong> 2001. Foi feita na gestão <strong>do</strong> prefeitoFernan<strong>do</strong> Pimentel e, apesar <strong>de</strong> contar com a participação <strong>de</strong> 244 <strong>de</strong>lega<strong>do</strong>s, não teve muitos resulta<strong>do</strong>s efetivos. Oevento teve problemas em sua finalização e na legitimação das propostas <strong>de</strong>correntes <strong>do</strong>s <strong>de</strong>bates, sobretu<strong>do</strong>,porque o setor empresarial, preven<strong>do</strong> alterações in<strong>de</strong>sejadas ao merca<strong>do</strong> imobiliário, retirou‐se da Conferência.1128 Artigo 66, incisos I a X, da Lei n° 7.165/96, alterada pela Lei n° 9.959/10.9 Artigo 69, § 2°, incisos I a VIII, e § 3° inciso II, da Lei n° 7.165/96, alterada pela Lei n° 9.959/10.10 O Plano <strong>de</strong> Reabilitação <strong>do</strong> Hipercentro foi uma iniciativa <strong>de</strong> planejamento local para parte da Área Central <strong>de</strong>Belo Horizonte que recebe a classificação <strong>de</strong> Zona Hipercentral – ZHIP pela Lei n° 7.165/96 e suas adjacências. Esteplano foi coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> pela SMURBE e <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> em parceria com a empresa Práxis Consultoria e Projetos,vence<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> processo licitatório. O plano foi financia<strong>do</strong> pelo Ministério da Cida<strong>de</strong> e elabora<strong>do</strong> <strong>de</strong> formaparticipativa. O <strong>do</strong>cumento traz diretrizes para requalificação <strong>de</strong> espaços públicos, alternativas para atração <strong>de</strong>emprego e renda, alterações <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho urbano, remo<strong>de</strong>lação <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> circulação, entre outros projetos.11 O Conselho Municipal <strong>de</strong> Política Urbana (COMPUR) foi cria<strong>do</strong> em 1996 pelo Plano Diretor. Este Conselho éforma<strong>do</strong> por oito membros <strong>do</strong> executivo municipal; seis membros da socieda<strong>de</strong> – representantes <strong>do</strong>s setorestécnico, empresarial e popular; <strong>do</strong>is representantes <strong>do</strong> legislativo municipal e os respectivos suplentes. O COMPURestá liga<strong>do</strong> à SMDE, sen<strong>do</strong> o Secretário <strong>de</strong>ste órgão seu presi<strong>de</strong>nte, e possui a Gerência Executiva <strong>do</strong> COMPUR(GCPU), ligada à SMAPU, como suporte administrativo e técnico.12 O Capítulo XI <strong>do</strong> Plano Diretor trata da instituição <strong>do</strong> Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Impacto <strong>de</strong> Vizinhança.13 A Comissão <strong>de</strong> Interface para Orientação e Acompanhamento <strong>do</strong> Processo <strong>de</strong> Licenciamento <strong>de</strong>Empreendimentos <strong>de</strong> Impacto, vinculada à Gerência <strong>de</strong> Orientação e Licenciamento Integra<strong>do</strong> da SecretariaMunicipal <strong>de</strong> Serviços Urbanos (SMSU), é composta por to<strong>do</strong>s os órgãos municipais que têm responsabilida<strong>de</strong> noprocesso <strong>de</strong> licenciamento para construção <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s empreendimentos. Ela é responsável pela orientação,avaliação e acompanhamento conjunto <strong>do</strong>s expedientes referentes aos licenciamentos, que iniciam com arequisição <strong>do</strong> responsável técnico e termina com a emissão <strong>de</strong> licenças para ocupação e uso <strong>do</strong> empreendimento.14 O EIV tem uma tramitação que segue, sinteticamente, os procedimentos: 1‐ protocolo <strong>do</strong> formulário <strong>de</strong>caracterização <strong>do</strong> empreendimento ou da OUC na GCPU e comunica<strong>do</strong> em jornal <strong>de</strong> ampla divulgação <strong>de</strong>ste ato; 2‐


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9publicação <strong>de</strong> extrato da caracterização <strong>do</strong> empreendimento ou da OUC no Diário Oficial <strong>do</strong> Município (DOM), on<strong>de</strong>também é veiculada a pauta da reunião <strong>do</strong> COMPUR que contém o agendamento da apresentação <strong>do</strong> requerimentocomo matéria a ser apreciada; 3‐ apresentação da caracterização <strong>do</strong> empreendimento ou da OUC em plenária,quan<strong>do</strong> os presentes po<strong>de</strong>m interferir no roteiro <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> que a GCPU passará ao responsável técnico (RT) para<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> EIV; 4‐ elaboração <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> pelo RT e protocolo <strong>do</strong> mesmo para avaliação, acompanha<strong>do</strong> <strong>de</strong>nova publicação em jornal <strong>de</strong> ampla circulação e fornecimento <strong>de</strong> cópia para consulta popular; 5 ‐ avaliaçõessetoriais <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada órgão; 6‐ conclusão <strong>do</strong> trabalho pela Comissão <strong>de</strong> Interface para Orientação eAcompanhamento <strong>do</strong> Processo <strong>de</strong> Licenciamento <strong>de</strong> Empreendimentos <strong>de</strong> Impacto em um parecer conjunto<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Relatório <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Impacto <strong>de</strong> Vizinhança (REIV), o qual contém diretrizes para o projeto emedidas mitiga<strong>do</strong>ras ou compensatórias que o empreendimento ou a OUC <strong>de</strong>ve cumprir; 7‐ publicação <strong>do</strong> REIV e dapauta da reunião <strong>do</strong> COMPUR que trará o mesmo como matéria no DOM; 8‐ aberto prazo <strong>de</strong> recurso quanto aoREIV, que po<strong>de</strong> ser feito por qualquer munícipe e será leva<strong>do</strong> ao COMPUR; 9 – <strong>de</strong>cisões <strong>do</strong>s Conselheiros eformatação <strong>do</strong> Parecer <strong>de</strong> Licenciamento Urbanístico (PLU), publica<strong>do</strong> no DOM. A partir das diretrizes <strong>do</strong> PLU, po<strong>de</strong>secontinuar o licenciamento das construções e ativida<strong>de</strong>s ou, no caso das OUC, à formatação <strong>de</strong> seu Projeto <strong>de</strong> Lei.15A autora estava presente na reunião. As informações relacionadas neste artigo tiveram como fonte a ata da 168°Reunião Ordinária <strong>do</strong> COMPUR no sítio http://portal6.pbh.gov.br/<strong>do</strong>m/iniciaEdicao.<strong>do</strong>?method=DetalheArtigo&pk=1074298, acessa<strong>do</strong> em 14 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2012. As falas <strong>de</strong>monstram a visão <strong>de</strong> proprietários <strong>de</strong> terreno reivindican<strong>do</strong>atitu<strong>de</strong>s para melhoria na área e <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a premissa constitucional <strong>de</strong> que o direito à proprieda<strong>de</strong> está<strong>de</strong>svincula<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua função social, caben<strong>do</strong> ao po<strong>de</strong>r público regular sobre o uso e a ocupação da terra urbana.16 Neste trabalho, gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s valores foi referenciada com base em arquivos da Superintendência <strong>de</strong>Desenvolvimento da Capital (SUDECAP), órgão que, entre outras atribuições, <strong>de</strong>senvolve projetos e executa obras namunicípio.17 A SMAPU havia pensa<strong>do</strong> em uma alternativa mais conserva<strong>do</strong>ra para a aplicação <strong>de</strong> coeficientes. A propostaabrangida neste trabalho foi feita pelo Conselheiro Píer Senesi, também Secretário Municipal <strong>de</strong> Serviços Urbanos, eaprovada na reunião <strong>do</strong> COMPUR, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2012, quan<strong>do</strong> foi aprecia<strong>do</strong> o REIV da OUC‐EBA.11318 Convém salientar que a legislação urbanística <strong>de</strong> Belo Horizonte não prevê limites à taxa <strong>de</strong> ocupação a não serpara as áreas <strong>de</strong> proteção ambiental.19 A LPOUS exige o cumprimento <strong>de</strong> taxa <strong>de</strong> permeabilida<strong>de</strong> para as construções <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o tamanho <strong>do</strong> loteque ocupam, sen<strong>do</strong> para as áreas <strong>de</strong> proteção e preservação ambiental, aplicadas regras mais rígidas. Em geral,<strong>de</strong>ve‐se cumprir 10% <strong>de</strong> permeabilida<strong>de</strong> em terrenos com até 360 m² e 20% <strong>de</strong> permeabilida<strong>de</strong> para terrenos comárea superior. É permitida a impermeabilização total <strong>do</strong> terreno <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se compense a área impermeabilizadapor caixa <strong>de</strong> captação complementarmente à <strong>do</strong>tação <strong>de</strong> área vegetada em jardineira na mesma proporção da taxa<strong>de</strong> permeabilida<strong>de</strong> exigida (BELO HORIZONTE, 1996d, art. 50).20http://portal6.pbh.gov.br/<strong>do</strong>m/iniciaEdicao.<strong>do</strong>?method=DetalheArtigo&pk=1075287, acessa<strong>do</strong> em 14 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong>2012.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)NÚCLEO TEMÁTICO II: Gran<strong>de</strong>s projetos como elementos transforma<strong>do</strong>res da cida<strong>de</strong> e regiãoDesnudamentos: instantâneos <strong>do</strong> alargamento da AvenidaAntonio Carlos em Belo HorizonteNudities: snapshots about the enlargement of the Antônio Carlos avenue in BeloHorizonteLuciana Souza BRAGANÇAMestre em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo pelo NPGAU/<strong>UFMG</strong>; Professora <strong>do</strong> Centro Universitário MetodistaIzabela Hendrix; Sócia <strong>do</strong> escritório GRAMA <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo. lubraganca@gmail.com.isbn: 978-85-98261-08-9Larissa Batista L. TREDEZINIArquiteta e Urbanista; Sócia <strong>do</strong> escritório GRAMA <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo. ltre<strong>de</strong>zzini@gmail.com.Fre<strong>de</strong>rico CANUTODoutor em Poéticas da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> pela FALE/<strong>UFMG</strong>; Professor <strong>do</strong> Centro Universitário MetodistaIzabela Hendrix, participan<strong>do</strong> da agência Observatório <strong>do</strong> Caminhante; Trabalha ocasionalmente naGRAMA <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo. fredcanuto@gmail.com.RESUMOAinda que normalmente se associe as gran<strong>de</strong>s obras estrutura<strong>do</strong>ras relacionadas à mobilida<strong>de</strong> nasgran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s à imagem haussmaniana da Paris <strong>do</strong> século XIX e à produção <strong>de</strong> não‐lugares, da<strong>do</strong> quevidas inteiras são transformadas e a cida<strong>de</strong> ten<strong>de</strong> a se re<strong>de</strong>senhar para tornar‐se cada vez mais produtiva<strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong> capital, por outro la<strong>do</strong>, estes não‐lugares produzi<strong>do</strong>s abrem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seimaginar outros lugares. Em breves momentos tais interrupções da forma da cida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> seu cotidianopossibilitam uma re<strong>de</strong>finição das relações entre publico e priva<strong>do</strong> para além <strong>de</strong> uma complementarida<strong>de</strong>dada por uma espetacularização <strong>do</strong> urbanismo. Assim, o objetivo aqui é discutir a ambivalência <strong>de</strong> taisnão lugares toman<strong>do</strong> como exemplar o alargamento da avenida Antonio Carlos em Belo Horizonte,<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a Copa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> Futebol a ocorrer em 2014.PALAVRAS‐CHAVE: Mobilida<strong>de</strong> – Não‐Lugares – Paisagem114ABSTRACTAlthough the concept of Non‐Places and the Paris of Haussmann in the XIXth century are usually relatedto the structuring major projects related to mobility in large cities, given that entire lives are transformedand the city itself tends to be re<strong>de</strong>signed to become increasingly productive from the viewpoint of capital,moreover, these non‐open locations produced possible to imagine other places. In brief moments, theseinterruptions of the city and its daily life allow a re<strong>de</strong>finition of relations between public and privatesectors beyond a complementary relation given by a spectacle of urbanism. So, this article aims todiscuss these ambiguous Non‐Places, taking the example of the extension and enlargement of AntonioCarlos avenue in Belo Horizonte due the Football World Cup 2014.KEYWORDS: Mobility – Non‐Places – Landscape


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9A Avenida Presi<strong>de</strong>nte Antonio Carlos tem papel central para a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte eregião metropolitana porque é via que faz conexão entre o centro da cida<strong>de</strong>, sua região maisconhecida – a Pampulha – e bairros mais periféricos surgi<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> sua inauguração nosanos 30. Devi<strong>do</strong> a isso, e com a metropolização <strong>de</strong> Belo Horizonte em processo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meta<strong>de</strong><strong>do</strong> século XX, passou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 90 a ser motivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates para uma ampliação <strong>de</strong> sualargura a fim <strong>de</strong> se tornar mais produtiva <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong> capital: valorizan<strong>do</strong>imobiliariamente áreas que até então tinham uma imagem <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>no; fazen<strong>do</strong> circular maisrápi<strong>do</strong> e em maior quantida<strong>de</strong> tanto pessoas como produtos; reorganizan<strong>do</strong> bairros que atéentão se mostravam a margem <strong>de</strong> qualquer relação com a cida<strong>de</strong> metropolitana que BeloHorizonte almeja <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Juscelino Kubistchek ser.Com a realização da copa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> futebol em 2014, toda a discussão acima colocadatornou‐se pressão para que o projeto pu<strong>de</strong>sse acontecer. E para tornar mais intenso tal clamorpelo alargamento, a companhia responsável pelo planejamento e gerenciamento <strong>do</strong> trânsitoem BH, a BHTRANS, fez da avenida uma das linhas mestras <strong>de</strong> seu plano <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> aotorná‐la corre<strong>do</strong>r <strong>de</strong> circulação para o BRT (Bus Rapid Transport). É relevante citar que haviaoutro projeto para o alargamento <strong>do</strong> meio da década <strong>de</strong> 90 com concepções <strong>de</strong> espaçospúblicos incorpora<strong>do</strong>s ao projeto viário que foi rejeita<strong>do</strong> pela BHTRANS e novo projeto foielabora<strong>do</strong> e implanta<strong>do</strong>.Marc Auge em seu livro Não‐Lugares. Introdução a uma Antropologia da Supermo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> jáalertava para o fato da cida<strong>de</strong> contemporânea se caracterizar pela proliferação <strong>de</strong>espacialida<strong>de</strong>s e territórios caracteriza<strong>do</strong>s não pelas relações sociais e engajamento ouproximida<strong>de</strong> mas sim pelo distanciamento. Estes eram os chama<strong>do</strong>s Não‐Lugares. Entretanto,mesmo que tal termo por ele cunha<strong>do</strong> e que usualmente é visto em publicações no campo dasciências sociais e planejamento urbano seja associa<strong>do</strong> a uma negativida<strong>de</strong>, ao ler tal obrapercebe‐se que existe uma possibilida<strong>de</strong> positiva. Reconhecen<strong>do</strong> que tais não‐lugaresproduzem nada mais que experiências <strong>de</strong> distanciamento, o autor justamente pensa tambémtal distanciamento como esforço <strong>de</strong> imaginação pois repele o real. Assim, os não‐lugarespo<strong>de</strong>m ser também lugares outros.Ainda com Auge, em seu recém‐lança<strong>do</strong> Por uma Antropologia da Mobilida<strong>de</strong>, tal raciocínioretorna. Ao tomar o problema da imigração francesa e fazen<strong>do</strong> um paralelo da época em que opais recebeu em gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas vindas <strong>de</strong> colônias e outros lugares – os anos60 e 70 – com a relação que tais movimentos estabeleceram nos dias atuais, é possívelentrever como a noção <strong>de</strong> não‐lugar perdura como recorte critico. Porém, associa a este termoa fronteira, sen<strong>do</strong> esta entendida não como linha divisória, mas como zona – ela própria nãouma passagem, mas um território on<strong>de</strong> ainda está a ser <strong>de</strong>cidi<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e hábitos – oulimiar, termo caro hoje aos estu<strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s com o fenômeno urbano.Esta compreensão <strong>de</strong> Auge a respeito <strong>do</strong> não‐lugar como fronteira que, por sua vez, abre novossenti<strong>do</strong>s a respeito <strong>do</strong>s próprios lugares e situações ali a ocorrer é que interessa ao presenteestu<strong>do</strong>.A partir <strong>do</strong> momento em que fomos contrata<strong>do</strong>s via o escritório GRAMA para fazer pelaprefeitura <strong>de</strong> Belo Horizonte o projeto <strong>de</strong> Tratamento Paisagístico das Áreas Remanescentes àsMargens da Avenida Antônio Carlos, tais possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pensamento sobre este não‐lugar115


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)negativo emergiram através da categoria paisagem. Toman<strong>do</strong> o paisagismo não apenas comoespecialida<strong>de</strong> da disciplina arquitetura e urbanismo interessada na correta organização <strong>do</strong>selementos vegetais entre outros naturais num espaço, foram abertos horizontes <strong>de</strong> significaçãopara a situação a qual fomos chama<strong>do</strong>s a colocar em questão.A primeira questão, recorte mestre para nós, diz respeito à categoria paisagem. Tal como ABALOS emseu reconheci<strong>do</strong> artigo O que é Paisagem <strong>de</strong>ixa claro, esta categoria geográfica só po<strong>de</strong> ser pensadaem sua dimensão arquitetônica se não for tomada como olhar forma<strong>do</strong> a distância e<strong>de</strong>sinteressadamente, mas sim na proximida<strong>de</strong>, comprometida com o conteú<strong>do</strong> sócio‐espacialenvolvi<strong>do</strong> no próprio espaço. Desta forma, a paisagem <strong>de</strong>s<strong>do</strong>brada aos nossos olhos não foi aquelaque partiu apenas <strong>de</strong> um interesse no teci<strong>do</strong> vegetal ou relativo as águas que passam ou não no lugar.Mas, principalmente, a um conhecimento da<strong>do</strong> no espaço, interessa<strong>do</strong> em sua condicionanteseconômicas, políticas, físicas, sociais ten<strong>do</strong> em vista os diferentes agentes.Desta forma, viemos nesse texto apresentar 09 imagens <strong>de</strong>stes não‐lugares a partir <strong>de</strong> um olharpaisagístico interessa<strong>do</strong> não apenas numa negativida<strong>de</strong> ou critica normalmente materialista <strong>de</strong>profundas raízes marxistas – como diversas escolas envolvidas com estu<strong>do</strong>s urbanos intensamentefazem – mas numa positivida<strong>de</strong>: potência para outros territórios, construções <strong>de</strong> fragmentos <strong>de</strong>cida<strong>de</strong> possíveis.isbn: 978-85-98261-08-91 HORTAS DESCOLETIVASFigura 01: Aboboras116Fonte: GRAMA <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo, 2011.Atualmente, a agricultura urbana aparece como parte <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> vida comunitárioque “inocentemente” tenta ser resgata<strong>do</strong>. Uma vida bucólica inserida no cotidiano dametrópole para suavizá‐la. Ainda que diversas sejam as experiências ocorridas e<strong>do</strong>cumentadas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XX, normalmente se atribui a esta tentativa uma imagem<strong>de</strong> <strong>de</strong>scrença.Entretanto, se for procura<strong>do</strong> e analisa<strong>do</strong> globalmente, temos experiências que colocamem questão tal imagem como, por exemplo, as ocorridas nos anos 90, em Cuba. Comorelata<strong>do</strong> pelo jornal News form the Field, publicação distribuída na 27 a Bienal <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong>


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)São Paulo, o governo cubano tem um extenso projeto <strong>de</strong> ajuda a comunida<strong>de</strong>s queformam uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relacionamento envolven<strong>do</strong> a produção <strong>de</strong> hortifruti para um<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> local.Não somente em Cuba, também temos no México práticas <strong>de</strong> agricultura organopônicanos bairros <strong>de</strong> periferia, agregan<strong>do</strong> conhecimentos locais para a segurança alimentar dapopulação local. Ou mesmo no Brasil, em Belo Horizonte, com práticas cotidianas queenvolvem a negociação entre <strong>do</strong>nos <strong>de</strong> lotes vagos e mora<strong>do</strong>res no bairro Urucuia, comorelata<strong>do</strong> pelos artistas Louise Ganz e Breno Silva no projeto Lotes Vagos, até Foz <strong>do</strong>Iguaçu. Ou ainda com a existência <strong>do</strong>s CEVAEs – Centro <strong>de</strong> Vivência Agroecológica, emBelo Horizonte com a participação <strong>de</strong> ONGs como a Re<strong>de</strong>.A questão se tornou a tal ponto importante e <strong>de</strong> abrangência nacional a ponto <strong>do</strong>Ministério <strong>do</strong> Desenvolvimento Social e Combate e Fome ter um programa volta<strong>do</strong> aquestão: Programa <strong>de</strong> Agricultura Urbana.Entretanto tais ações também acontecem nas margens <strong>de</strong>sses movimentos <strong>de</strong>formalização públicos. No entorno da Avenida Presi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos, próximo a um<strong>do</strong>s retornos construí<strong>do</strong>s para os carros e ônibus, tornou‐se visível uma pequena hortaplantada e cuidada por uma senhora resi<strong>de</strong>nte nas proximida<strong>de</strong>s. A margem <strong>de</strong> qualquerprograma ou <strong>de</strong> pertencimento a qualquer comunida<strong>de</strong>, ela cuida da horta e chega adividir suas abóboras com outros mora<strong>do</strong>res próximos. Não há um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> coletivida<strong>de</strong> aqual ela <strong>de</strong>ve se reportar ou um programa que a leve a tal ato. A base para tal relação éuma dimensão <strong>de</strong> afeto construída com seus vizinhos. Pela localização da pequenaplantação, a senhora procura escon<strong>de</strong>r sua pequena obra que se <strong>de</strong>senvolve numbarranco <strong>de</strong> pouco acesso.Se as comunida<strong>de</strong>s produzidas ou requeridas neste programas estatais acabam por setornar armadilhas i<strong>de</strong>ntitárias pois tornam to<strong>do</strong>s figuras visíveis pelos diversos po<strong>de</strong>resque controlam a vida coletiva ou o seu i<strong>de</strong>al, interessante notar como é fora <strong>de</strong>stai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e distante <strong>de</strong> qualquer discussão sobre a alimentação mundial que a senhoraconstrói relações <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sampara<strong>do</strong>s <strong>de</strong>svinculada <strong>de</strong> qualquer “coletivo”. Asenhora diz, não <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> existente ou imposta por <strong>de</strong>mandas externas, mas<strong>de</strong> uma potencial – não ponto <strong>de</strong> partida, mas zona <strong>de</strong> chegada.isbn: 978-85-98261-08-9117


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-92 JARDINS MOVEDIÇOSFigura 02: Jardim externo plastifica<strong>do</strong>No jardim <strong>de</strong> uma casa, a sala <strong>de</strong> visita se move.Fonte: GRAMA <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo, 2011.A casa, no fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> um lote, é uma coleção <strong>de</strong> materiais vin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> diversos <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> material <strong>de</strong>construção: portas metálicas cinzas, janelas sasazaki, tijolos cerâmicos a mostra. Uma bricolagemkitsch. As janelas blin<strong>de</strong>x expõem um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ascensão e pertencimento social distantes <strong>do</strong>contexto on<strong>de</strong> ele realmente habita.Logo a frente, antigo fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> lote exposto pela ampliação da avenida e alça<strong>do</strong> à nova categoria <strong>de</strong>importância, chama atenção um grama<strong>do</strong> e um jardim que, vistos a media distancia, parecem bemcuida<strong>do</strong>s e apara<strong>do</strong>s, com plantas e árvores ver<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>licadas, <strong>de</strong>cora<strong>do</strong>s com puffs e tapetes. Oespaço externo é parte da casa, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>cora<strong>do</strong> como tal qual uma sala <strong>de</strong> visita.Num rápi<strong>do</strong> olhar, tu<strong>do</strong> parece o que realmente é. Aproximan<strong>do</strong>‐se e <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> mais vagaroso, há algomais ali.A vegetação bem cuidada e quase brilhante ganha outros contornos. O grama<strong>do</strong> ver<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais eapara<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma homogênea saiu <strong>de</strong> uma fábrica. As plantas, altas e baixas, samambaias à frente ebananeiras ao fun<strong>do</strong>, brilham. Ao se cheirar, não exalam o<strong>do</strong>r algum. Ao se colocar a mão,plastificações.Campo <strong>de</strong> grama, plantas e flores, to<strong>do</strong>s <strong>de</strong> plástico. Como se estivesse banha<strong>do</strong> no formol, tal espaçonaturaliza<strong>do</strong> não sente o tempo passar. Permanece incólume à ação <strong>do</strong> tempo conservan<strong>do</strong>artificialmente seu frescor.Construí<strong>do</strong> a frente, tal jardim artificial é também um dispositivo <strong>de</strong> captura. Captura <strong>de</strong> metrosquadra<strong>do</strong>s. Captura <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>.118


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Após o re<strong>de</strong>senho e alargamento da via logo à frente da casa, motiva<strong>do</strong>s pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>aumentar o transporte <strong>de</strong> pessoas e merca<strong>do</strong>rias na gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>, foram subtraí<strong>do</strong>s pedaços <strong>de</strong>diversos lotes. Muitos <strong>de</strong>sses terrenos, antes retangulares, tornaram‐se trapezoidais <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a uma<strong>de</strong>sapropriação parcial. Nestes cortes e recortes, portanto, o re<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> quarteirões acabaram, porsua vez, re<strong>de</strong>senhan<strong>do</strong> tamanhos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s. Surgem dimensões e formas imprecisas ediferentes da geometria da cida<strong>de</strong> dita formal dada pelo traço regula<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho urbano.Com tal imprecisão, o <strong>do</strong>no <strong>de</strong>sta proprieda<strong>de</strong> percebe uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aumentar a suacasa. Com plantas e jardins moventes, captura um pedaço a mais, para além e in<strong>do</strong> além, <strong>de</strong>qualquer precisão pretensamente dada por uma cartografia planialtimétrica ou pelo foto aérea<strong>do</strong> googlearth. De tempos em tempos, aumenta seu jardim‐sala <strong>de</strong> visita, <strong>de</strong>slocan<strong>do</strong> suasplantas e grama<strong>do</strong>s planta<strong>do</strong>s na superfície centímetros à frente.Cultiva‐o como aparelho <strong>de</strong> guerra. Se a prefeitura ou governo <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> retirou‐lhe umpedaço <strong>de</strong> terreno – que, aliás, lhe foi da<strong>do</strong> por usucapião, pois o terreno foi invadi<strong>do</strong> e aposmais <strong>de</strong> uma década <strong>de</strong> apropriação, tornou‐se próprio – ele o tem <strong>de</strong> volta em um processorotineiro <strong>de</strong> ocupação.Uma tática <strong>de</strong> guerra para conquistar o território inimigo. Ao invés <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s planos, milhares<strong>de</strong> reais em in<strong>de</strong>nizações, operações urbanas consorciadas ou parcerias público‐privadas que<strong>de</strong>ixam visíveis negócios na mídia, um pequeno <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> centímetros a cada dia, semque ninguém perceba, aumenta e especula, a sua maneira, a forma, o <strong>de</strong>senho e o espaço dacida<strong>de</strong>.3 DA ÁFRICAFigura 03: Viaduto presente na avenida Antonio Carlosisbn: 978-85-98261-08-9119Fonte: GRAMA <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo, 2011.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Benedict An<strong>de</strong>rson em seu livro Comunida<strong>de</strong>s Imaginadas discute a questão da nação naMo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Constrói seu argumento a partir <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> imaginação que vem atrela<strong>do</strong> asnações surgidas a partir <strong>do</strong> século XVII nos países não‐europeus: imagina<strong>do</strong> porque muitastornam‐se parte <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> nações outras que nem mesmo conhecem – e se é que elasexistem. Ou seja, nações, grupos, comunida<strong>de</strong>s são fundadas segun<strong>do</strong> uma noção <strong>de</strong>pertencimento a um outro que po<strong>de</strong>, em última instância, não existir ou existir enquantoproduto imaginário.Ao passar pelos viadutos Senegal e Congo, questões emergem ligadas ao senti<strong>do</strong> e sentimento<strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> que tais nomeações imaginam a respeito <strong>de</strong> si mesmas. Se o po<strong>de</strong>r públicoassim nomeou, sem consulta a população ou qualquer outra entida<strong>de</strong> próxima <strong>do</strong> local, pensasesobre a cooptação que tal simbolismo ou homenagem africana po<strong>de</strong> trazer. Se a escolha foi<strong>de</strong> alguma forma partilhada ou vinda exclusivamente da população local, questiona‐se porquereferenciar a países que explo<strong>de</strong>m em conflitos arma<strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s por uma influência exterior queaté hoje se faz sentir junto a brigas internas que tentam explodir justamente esta unida<strong>de</strong>nacional.Mas tais imagens são tão passageiras como os próprios veículos em alta velocida<strong>de</strong> que pelosviadutos passam. Imagens <strong>de</strong> uma África fragilizada pela história que a explica como colônia <strong>de</strong>exploração européia que até hoje paga com seu sub<strong>de</strong>senvolvimento tal passa<strong>do</strong>.Na verda<strong>de</strong>, pouco se sabe o que é a África. Enigma que ainda carrega imaginações passadas,hoje é lugar cinematográfico <strong>de</strong> campanhas humanitárias empreendidas por astrosinternacionais ou contexto <strong>de</strong> filmes sobre contraban<strong>do</strong> <strong>de</strong> pedras preciosas. A pergunta é oque significa como opera<strong>do</strong>r conceitual o termo “África” para o urbanismo e planejamentourbano.Se a África é conceito que ambiguamente implica unida<strong>de</strong> e fragmentação, ironicamente dizem<strong>do</strong>s viadutos também. Uma parte <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> que serve <strong>de</strong> passagem masreconhecida como lugar.Como ligação, por outro la<strong>do</strong>, o que os viadutos ligam são justamente territorialida<strong>de</strong>s vizinhasque pouco tem a ver exceto o fato <strong>de</strong> serem divididas por uma gran<strong>de</strong> avenida. O viaduto comopassagem o é porque não é um ou outro bairro, não é África pobre, nem África rica, mascompossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s estes lugares ao mesmo tempo que negação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s. Assim sãolimiares ou zonas <strong>de</strong> transição.Senegal e Congo são zonas <strong>de</strong> passagem e assim o são permanentemente, tal como os viadutosque cortam a imagem <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> produtiva da Avenida Presi<strong>de</strong>nte Antônio Carlos ecorroboram para seus ares <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.isbn: 978-85-98261-08-9120


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-94 DO ESCRITÓRIO: APROXIMANDO‐SE DA ÁREAFigura 04: Imagens satélite da avenida Antônio Carlos, 2006.Fonte: Google Earth, 2011.Figura 05: Imagens satélite da avenida Antônio Carlos, 2009.121Fonte: Google Earth, 2011.Figura 06: Imagens satélite da avenida Antônio Carlos, 2011.Fonte: Google Earth, 2011.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Interessante as imagens <strong>do</strong> googlearth ao longo <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is últimos anos da avenida AntônioCarlos, via que liga o centro <strong>de</strong> Belo Horizonte a região da Pampulha, cartão postal mo<strong>de</strong>rnista<strong>de</strong> Belo Horizonte <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 30. Foi possível ver linhas se duplican<strong>do</strong> e triplican<strong>do</strong>, curvastransforman<strong>do</strong>‐se em retas, quadra<strong>do</strong>s <strong>de</strong>saparecen<strong>do</strong> para que a linha cinza <strong>do</strong> asfaltopu<strong>de</strong>sse ser implementada. Era possível ver nomes <strong>de</strong> ruas ali indicadas que não mais existiamno próprio mapeamento.Tal como as imagens <strong>do</strong> livro A Terra vista <strong>do</strong> Céu ou ainda em diversos sites especializa<strong>do</strong>s notema paisagem, à distância a avenida tornava‐se composições. Pinturas on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> verproporções, ritmos, simetrias quebradas, organicismos gera<strong>do</strong>s por um <strong>de</strong>senho que ora seacomoda numa topografia que não é vista por este mecanismo que a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra.Interessante como esta representação <strong>do</strong> real tornou‐se um efeito <strong>do</strong> mesmo: a linha recéminaugurada<strong>do</strong> asfalto que serpenteia por um emaranha<strong>do</strong> <strong>de</strong> quadra<strong>do</strong>s com seu cinza vivazenche os olhos com uma perfeição colorística e formal, dada pelo traça<strong>do</strong> da via. Tal comovendi<strong>do</strong> pelo governo em out<strong>do</strong>ors e imagens em sites institucionais.Num clique, metros mais próximos, com niti<strong>de</strong>z a cida<strong>de</strong> torna‐se visível, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> para trásesse rastro <strong>de</strong> uma possível pintura da paisagem <strong>do</strong> século XXI, a <strong>de</strong>speito <strong>do</strong> que isso foi noséculo XIX. Se à época, os quadros <strong>de</strong> pintores‐cientistas tinham como objetivo não dar umavisão pessoal <strong>do</strong> <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, mas serem utiliza<strong>do</strong>s como meio <strong>de</strong> visualizar terras nuncaantes vistas <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> objetivo e científico; hoje, o googlearth parece substituir qualquersubjetivida<strong>de</strong> por um “choque <strong>do</strong> real”. Agora cada quadra<strong>do</strong> é uma casa, cada linha cinza umavia. Acostuma<strong>do</strong>s estamos a compreen<strong>de</strong>r esta informação como mapa <strong>do</strong> real pois é usual vero mun<strong>do</strong> “<strong>de</strong> cima” como especta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> vista privilegia<strong>do</strong>.Ainda por cima, pelo google street view, caminho foto a foto pelos lugares novos. A topografiaganha textura, assim como casas, ruas e a própria avenida. Numa tentativa <strong>de</strong> reconhecer, olhoe tento lembrar se é isso mesmo que há na avenida pois <strong>de</strong> ônibus nunca <strong>de</strong>i atenção aoentorno. Uma foto parece ser igual a varias outras.A velocida<strong>de</strong> com que se passa por lugares associa<strong>do</strong> a um grau <strong>de</strong> distração da<strong>do</strong> pelaexperiência típica habitual da cida<strong>de</strong>, faz com que o Google street view se torne um méto<strong>do</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>saceleração e distanciamento <strong>do</strong> que preten<strong>de</strong> apresentar uma aproximação que se opera àdistância: mediada. Como uma lente que possibilita um escrutínio maior da realida<strong>de</strong>,preten<strong>de</strong> uma profundida<strong>de</strong> cada vez maior: o que a Google e outros mecanismos <strong>de</strong>visualização querem é que as lentes penetrem cada vez mais fun<strong>do</strong> na intimida<strong>de</strong>. Mas repetiruma mesma imagem várias vezes significa torná‐la <strong>de</strong>sinteressante. Assim apren<strong>de</strong>mos a verpor estes dispositivos: <strong>de</strong>sapren<strong>de</strong>mos a enxergar possibilida<strong>de</strong>s para ver realida<strong>de</strong>s queacabam por cansar o próprio olhar sobre a cida<strong>de</strong>.Tornan<strong>do</strong> pelo google streetview a realida<strong>de</strong> num amontoa<strong>do</strong> <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s que só se interessaprocurar quan<strong>do</strong> necessário é uma imagem <strong>do</strong> lugar procura<strong>do</strong>, a realida<strong>de</strong> torna‐se resulta<strong>do</strong><strong>de</strong> uma percepção unicamente utilitária. Se a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris no século XIX tem comoprotagonista a multidão, força empática para o flanêur, na avenida Antonio Carlos tal sensaçãose torna indiferença e capitalização total da cida<strong>de</strong>.isbn: 978-85-98261-08-9122


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)5 FOREVER ALONEFigura 07: Imagens satélite da avenida Antônio Carlos, 2006.isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: Google Earth, 2011.Figura 08: Forever Alone.123Fonte: GRAMA <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo, 2011.Recortes da<strong>do</strong>s por reformas viárias urbanísticas no teci<strong>do</strong> formal da cida<strong>de</strong> acontecem <strong>de</strong>forma até corriqueira. Desapropriar mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> casas ou <strong>do</strong>nos <strong>de</strong> comércios locais não éproblemático visto que a prefeitura tem até suas maneiras <strong>de</strong> lidar com a questão. No entanto,o que fazer quan<strong>do</strong> no rastro <strong>de</strong> tal movimento <strong>de</strong> apropriação está erguida uma torre <strong>de</strong> mais<strong>de</strong> <strong>de</strong>z pavimentos?Deixa<strong>do</strong> na alça <strong>do</strong> viaduto pelo valor altíssimo que seria o <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>sapropriação o edifícioreina absoluto, solitário, contaminan<strong>do</strong> o fluxo e isento <strong>de</strong> qualquer vestígio físico davizinhança que o circundavaUm edifício que criou seu próprio <strong>de</strong>senho urbanístico. Tem um quarteirão próprio, ilha<strong>do</strong> <strong>do</strong>restante da cida<strong>de</strong>. Uma ilha que <strong>de</strong>sconectada <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> a volta nada tem a fazer senão pensaro pouco <strong>de</strong> contexto que lhe resta. Pintar suas fachadas da cor ver<strong>de</strong> para combinar com o


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)ver<strong>do</strong>r da grama – estratégia paisagística comum dada para os espaços residuais <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>sre<strong>de</strong>senhos.Quem sabe em suas fachadas, tal como nas gramas residuais, não <strong>de</strong>veriam ser plantadasárvores e plantas, imaginan<strong>do</strong> uma paisagem urbana e ambientalmente responsável para oentorno – cria<strong>do</strong> da avenida ou existente <strong>do</strong>s bairros lin<strong>de</strong>iros. Transformar o edifício solitárionuma potencia para um re<strong>de</strong>senho da paisagem sen<strong>do</strong> esta compreendida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a edificaçãoaté o <strong>de</strong>senho urbano.isbn: 978-85-98261-08-96 DOS CORTESFigura 09: Recortes <strong>do</strong>mésticos124Fonte: Google Earth, 2011.Entre os recortes grama<strong>do</strong>s e os <strong>de</strong>scampa<strong>do</strong>s à margem da avenida duplicada <strong>de</strong> pistas equadruplicada <strong>de</strong> veículos insurgem composições arquitetônicas que fariam inveja àsproposições pictóricas <strong>de</strong> Mondrian.Não há um critério único para que estes painéis se apresentem. Em alguns momentos foramresguar<strong>do</strong>s pela estabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> platôs e montanhas <strong>de</strong> terra acima da avenida. Na sua gran<strong>de</strong>maioria são resquícios <strong>de</strong> estabelecimentos comerciais e residências. O que antes era dividi<strong>do</strong>por alvenarias agora conforma um plano com patchworks <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ocupação, nãointencionalmente, mas para resguardar o limite físico <strong>do</strong>s vizinhos não <strong>de</strong>moli<strong>do</strong>s.Os vestígios das ampliações estão lá impressos nas pare<strong>de</strong>s que resistem como um mostruário <strong>de</strong>uma vida urbana <strong>do</strong>méstica que se exterioriza. Aos azulejos das cozinhas e banheiros gozam <strong>de</strong> umaimportância e se colocam com participantes da cida<strong>de</strong>. A eles se sobrepõe os grafites, a publicida<strong>de</strong>informal, as queimaduras. Tornam‐se ruínas.Nas empenas <strong>de</strong>sconstruídas surge um tipo <strong>de</strong> interlocução visual emu<strong>de</strong>ci<strong>do</strong> pelo barulho <strong>do</strong>sveículos em alta velocida<strong>de</strong>, mas nem por isso menos presentes, intercala<strong>do</strong> entre as queimaduras,pichações e grafites, os revestimentos cerâmicos e outros vestígios estão elementos <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)informal oferecen<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s os tipos <strong>de</strong> serviços. Cartomantes, serviços exotéricos, borracharias,presta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> serviços, motores e escapamentos. É ofereci<strong>do</strong>, diga‐se em gran<strong>de</strong> estilo, até o amor.Se aos olhos <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público e <strong>do</strong>s higienistas é poluição visual, aos olhos concentra<strong>do</strong>s <strong>de</strong>motoristas e pe<strong>de</strong>stres imersos na pre<strong>do</strong>minância <strong>do</strong> cinza talvez sejam os únicos elementos <strong>de</strong>comunicação <strong>de</strong> resquícios <strong>de</strong> uma outra vida com o exterior.isbn: 978-85-98261-08-97 DAS ALTURAS E TOPOGRAFIAS: CAMAROTES E ILHASFigura 10: Montanhas <strong>de</strong> Arrimo125Fonte: Google Earth, 2011.No que tange o planejamento viário e a obsessão pelo encurtamento <strong>de</strong> distância para os veículossubverte uma das noções básicas <strong>de</strong> geometria <strong>de</strong>scritiva. A linha reta passa menor distância entre<strong>do</strong>is pontos para um veiculo e a maior distância altimétrica entre <strong>do</strong>is níveis <strong>de</strong> ocupação e vidaurbana.A urgência <strong>de</strong> aumentar as pistas <strong>de</strong> tráfego colocou em segun<strong>do</strong> nível <strong>de</strong> importância oscondicionantes topográficos das localida<strong>de</strong>s em função da mobilida<strong>de</strong> urbana.Os <strong>de</strong>sníveis produzi<strong>do</strong>s pela ampliação não são poucos ou suaves. As ruas que cruzavam a avenidapara fazer contato estão agora nos limites superiores assistin<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu camarote imaginário a cenaurbana da avenida.Quadras inteiras cortadas criaram ilhas remanescentes <strong>de</strong> difícil acesso e conexão. As transposições sefazem pelos viadutos, pelas escadas e rampas. Esses são os novos territórios passiveis <strong>de</strong> ocupação: asconexões. Os patamares das escadas e rampas são agora os locais <strong>de</strong> parada e <strong>de</strong> contemplação <strong>de</strong>uma paisagem pouco bucólica.O resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>stes recortes foi a configuração <strong>de</strong> uma paisagem <strong>de</strong> teatro <strong>de</strong> arena, com terraços<strong>de</strong>scobertos e <strong>de</strong>snu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> proteção sonora, visual e auditiva. Esta <strong>de</strong>sproteção permite que seushabitantes/especta<strong>do</strong>res mirem com “vista privilegiada” áquilo que foi consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> superior a suasrelações e <strong>de</strong>slocamentos naquele espaço.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)O <strong>de</strong>snível antes acomoda<strong>do</strong> pela conformação <strong>de</strong> edificações quadras e pela topografia quasenatural virou filão para a confecção <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> show room <strong>de</strong> contenções e movimentos <strong>de</strong> terra.Gran<strong>de</strong>s superfícies <strong>de</strong> concreto projeta<strong>do</strong>, cortinas atirantadas, gabiões, muros <strong>de</strong> arrimo, talu<strong>de</strong>sescalona<strong>do</strong>s praticamente em pé e muitos outros méto<strong>do</strong>s testa<strong>do</strong>s nas suas condições maiscríticas para que sejam capazes <strong>de</strong> acomodar geotecnicamente novamente maciços <strong>de</strong> terra eedificações.isbn: 978-85-98261-08-98 SEIS ÁRVORESFigura 11: Descampa<strong>do</strong>Fonte: Google Earth, 2011.A rua enquanto experimentação da diversida<strong>de</strong> da vida urbana é um cenário <strong>de</strong> numerosaspossibilida<strong>de</strong>s e práticas. Ao longo <strong>de</strong> um percurso <strong>de</strong> quatro quilômetros em uma mesma avenidacercada por vários bairros é possível que sejam feitas numerosas observações e percepções,arquitetônicas, urbanísticas, antropológicas, sociológicas, psicossociais, econômicas, climáticas eambientais.Procurávamos toda e qualquer informação que dissesse respeito às áreas remanescentes <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>.No entanto, sobressaía‐se um da<strong>do</strong> curioso e traumático <strong>de</strong>ntre os muitos da<strong>do</strong>s e observaçõesvin<strong>do</strong>s daquelas áreas.Em treze áreas distribuídas ao longo <strong>de</strong> quatro quilômetros havia seis árvores. No passeio da avenidaapenas pequenas árvores recém plantadas e ainda tímidas na sua juventu<strong>de</strong>. Seis pontos <strong>de</strong> sombranatural possíveis para ocupação imediata confortável sob o sol inclemente da Avenida. Mais áreasremanescentes <strong>do</strong> que árvores remanescentes.A distribuição <strong>de</strong>ssas seis sombras não é equânime. Numa primeira área remanescentehá três copas fron<strong>do</strong>sas e agradáveis junto ao que sobrou <strong>de</strong> um quarteirão da Rua Fi<strong>de</strong>s.Em outra área fruto <strong>de</strong> uma quadra inteira <strong>de</strong>molida há uma pequena árvore jovem aindaem fase <strong>de</strong> crescimento também junto a Rua Fi<strong>de</strong>s. Na última área agraciada comsombra, junto ao viaduto São Francisco, há mais duas árvores: um eucalipto adulto e umapequena amoreira.126


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A categorização das áreas ver<strong>de</strong>s como resto urbano da área ocupada dificulta seu papelsocial <strong>de</strong> elemento <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> usos e <strong>de</strong> espaço público e principalmente restringeo potencial <strong>de</strong>ssas seis árvores.Se não houve gran<strong>de</strong> problema em <strong>de</strong>sapropriar quadras inteiras e retalhar o teci<strong>do</strong>urbano porque haveria pavor em retirar o único elemento natural que po<strong>de</strong>ria causarmelhor ambiência à toda aquela ari<strong>de</strong>z? Como <strong>de</strong>stemunhas <strong>de</strong>sse fato restam seisárvores imponentes em sua presença improvável.O <strong>de</strong>serto é o ambiente em torno <strong>de</strong> um ser humano, isola<strong>do</strong> das vistas, <strong>do</strong>s sons echeiros da ativida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s homens. Se o conhecimento humano é tão diverso, tampouco aignorância coletiva da natureza é sem limites.O <strong>de</strong>serto da avenida é o inverso <strong>do</strong> <strong>de</strong>serto. Cheio <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> humano.Esse <strong>de</strong>serto é concreta<strong>do</strong> e impermeável, cheios <strong>de</strong> palmeiras, ou grama<strong>do</strong>s que sequersuscitam o <strong>de</strong>sejo da ocupação humana que não <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus caros já que sãomargea<strong>do</strong>s pela austerida<strong>de</strong> da gran<strong>de</strong> via <strong>de</strong> circulação <strong>de</strong> veículos automotores. O<strong>de</strong>sertos urbanos são opções normalmente <strong>de</strong>ntro da ausência <strong>de</strong> opção.Des<strong>de</strong> os anos 70 grupos como Guerrila Gar<strong>de</strong>ning e Green Guerrilas em cida<strong>de</strong>s comoLondres e Nova Iorque tem si<strong>do</strong> foco <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> “invasão ver<strong>de</strong>”. Estes grupos tratam aausência <strong>de</strong> áreas ver<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> combatente propon<strong>do</strong> ações coletivas e participativasque alertam para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> jardins e áreas ver<strong>de</strong>s como algo maior que uma<strong>do</strong>rno ou resto urbano <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> impermeável e ári<strong>do</strong> como as gran<strong>de</strong>smetrópoles tem ocupa<strong>do</strong> seus territórios.A permanência <strong>de</strong> áreas ver<strong>de</strong>s em corre<strong>do</strong>res viários com o objetivo criar melhoresambiências urbanas para além das áreas mortas e mortais <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al mo<strong>de</strong>rno, além <strong>do</strong>congelamento da especulação imobiliária e <strong>do</strong> longo processo <strong>de</strong> execução dasoperações urbanas é causa <strong>de</strong> um conflito interno vela<strong>do</strong>. As soluções e ações são emlongo prazo e dificultadas por questões burocráticas pouco propositivas.Na ausência da sombra e na presença <strong>do</strong> sol a pino, ficou latente a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>disseminar bombas <strong>de</strong> sementes, não <strong>de</strong> sementes <strong>de</strong> girassol como fazem o GuerrilaGar<strong>de</strong>ning , mas <strong>de</strong> guapuruvus, patas <strong>de</strong> vaca, ipês e eritrinas na tentativa <strong>de</strong>transformar a remanescência em novas ambiências, mesmo que ainda muito<strong>de</strong>sertificada. Explodir assim as seis árvores remanescentes em essência, como osfractais, como padrões <strong>de</strong> elementos que são "auto‐similares" em diferentes escalasrepetin<strong>do</strong> um padrão <strong>de</strong> “ver<strong>de</strong>/sombra” equivalentes geométricamente em diversostamanhos.isbn: 978-85-98261-08-9127


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-99 OUTDOORSFigura 12: Bon<strong>de</strong> na avenida Antônio Carlos, 1957.Fonte: www.observa<strong>do</strong>resocias.blogspot.com , 2011.Figura 13: Imagens satélite da avenida Antônio Carlos, 2011.128Fonte: Google Earth, 2011.Interessante como o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Belo Horizonte parece que voltou notempo para ditar um futuro. Os transportes públicos <strong>de</strong> massa à época – bon<strong>de</strong>s – queatravessavam a avenida Afonso Pena, Paraná e no caso aqui em questão, Antônio Carlos,em 1958, voltarão a compor a diretriz <strong>de</strong> intervenção da BHTRANS para a mobilida<strong>de</strong> nacida<strong>de</strong>. Por outro la<strong>do</strong>, vejamos a foto com mais cuida<strong>do</strong>:


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Em 1958 uma parte da cida<strong>de</strong> urbanizada, com postes <strong>de</strong> iluminação em suas margens, euma gran<strong>de</strong> área quase homogeneamente ver<strong>de</strong> sen<strong>do</strong> especulada para ocupações. Oespaço <strong>do</strong> bon<strong>de</strong> não possui faixas <strong>de</strong> segurança, nem rampas <strong>de</strong> acessibilida<strong>de</strong> paraacessar o veículo, e nem parece se mover a uma velocida<strong>de</strong> excessiva. O espaço <strong>de</strong> sua<strong>de</strong>limitação é quase <strong>de</strong> terra e no ar, on<strong>de</strong> passam os cabos <strong>de</strong> energia, não se vê outrasfiações, e nem árvores para sombras.Inóspito. Aberto. Muitos vazios.Hoje, tornou‐se uma via on<strong>de</strong> ônibus e taxis por ali atravessam a velocida<strong>de</strong> muitas vezessuperiores a 60 Km/h. Separação visível, mas nem por isso segura, entre veículos automotorese pe<strong>de</strong>stres da<strong>do</strong>s por gra<strong>de</strong>s laterais e passeios a centímetros mais altos, com largura para,dificilmente, duas pessoas. Acima, árvores recém‐plantadas.. Abaixo, recém‐inaugura<strong>do</strong>s,passeios e asfalto vão sen<strong>do</strong> quebra<strong>do</strong>s novamente para instalação <strong>do</strong> BRT. Os campos vaziosdão hoje lugar a um a<strong>de</strong>nsamento intenso, que intraurbanamente não pára <strong>de</strong> crescer,tornan<strong>do</strong> estes em áreas residuais gramadas sem sombra para ninguém. Apenas marcações <strong>de</strong>rotatórias, <strong>de</strong>svios e retornos.Igualmente inóspito.O IAPI como gran<strong>de</strong> empreendimento e quase monumento regional torna‐se um amontoa<strong>do</strong><strong>de</strong> concreto próximo <strong>de</strong> outros amontoa<strong>do</strong>s – seja a própria via ou edifícios entorno.Entretanto, sua escala que permanece e o <strong>de</strong>staca na paisagem não po<strong>de</strong> ser vista – passamosmuito rápi<strong>do</strong> por ali. Agora pinta<strong>do</strong>s novamente, quem sabe não se tornam enormes out<strong>do</strong>ors<strong>de</strong> uma fábrica <strong>de</strong> tinta, como já o foram <strong>de</strong> uma indústria da construção civil <strong>de</strong> concretonascente nos anos 50.isbn: 978-85-98261-08-912910 CONTENÇÕESFigura 14: Muro ArrimoFonte: GRAMA <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo, 2011.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Do camarote da Rua Fi<strong>de</strong>s avista‐se <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> mais uma amostra <strong>de</strong> soluções técnicaspara conter movimentos <strong>de</strong> terra mais abruptos. Desta distância nada se revela mais. Aoatravessar as pistas duplicadas da avenida e aproximar‐se da alça <strong>de</strong> retorno <strong>do</strong> viaduto,nas colméias <strong>de</strong> concreto, outros <strong>de</strong>talhes vão aparecen<strong>do</strong> além da total ari<strong>de</strong>z <strong>do</strong> talu<strong>de</strong>praticamente <strong>de</strong>snu<strong>do</strong> <strong>de</strong> grama.Duas lonas fazem as vezes <strong>de</strong> pare<strong>de</strong> em <strong>do</strong>is módulos, o que cria um isolamento eindividualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um daqueles módulos, controversas e camufladas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>habitação. Viven<strong>do</strong> e coexistin<strong>do</strong> junto com toda a austerida<strong>de</strong> da margem <strong>de</strong> uma viaarterial.Na 27ª Bienal <strong>de</strong> arte <strong>de</strong> São Paulo, Eliane Robert Moraes publicou um ensaio <strong>de</strong> reflexãosobre o tema da mostra “Como Viver Junto”, título extraí<strong>do</strong> da obra Roland Barthes <strong>de</strong>2003. O “como” foi afã <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> filósofo francês, e por sinal muito utiliza<strong>do</strong> natentativa <strong>de</strong> elucidar as variações e modalida<strong>de</strong>s complexas <strong>de</strong> convivência humana emsuas referências espaciais. “Viver junto implica uma <strong>de</strong>marcação, um lugar, um en<strong>de</strong>reço.Mesmo que este seja flutuante” argumenta a autora ao estabelecer uma relação entre ofilósofo francês com a experiência da convivência em um barco, um lugar sem lugar.A habitação/contenção da Avenida Antônio Carlos abre um questionamento além <strong>do</strong>como: on<strong>de</strong> e porque viver? A pergunta parece mais próxima <strong>do</strong> coexistir junto.A caracterização <strong>do</strong> não lugar <strong>de</strong> Marc Auge é uma possibilida<strong>de</strong>, especialmente na falta<strong>de</strong> contrapartidas e medidas mitiga<strong>do</strong>ras e compensatórias para outras questões urbanasdaquela região. Uma <strong>de</strong>las po<strong>de</strong>ria justamente promover a habitação.Em meio ao discurso que criou aquelas enormes pistas, faixas <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres e ao<strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> usos, vieram áreas “residuais” sem contrapartidas queimpedissem que a aquele elemento ganhasse feições <strong>de</strong> residência nem quelegitimassem dignamente a apropriação e vida <strong>do</strong>méstica daquele lugar. À margem <strong>de</strong>tu<strong>do</strong> isso a vida segue seu curso e encontra seu lugar.isbn: 978-85-98261-08-913011 AGRADECIMENTOSAgra<strong>de</strong>cemos a Fernan<strong>do</strong> Tourinho pela ajuda e participação no projeto como um to<strong>do</strong>.12 REFERÊNCIASABALOS, Iñaki. O que é Paisagem. In: Revista Eletrônica Vitruvius. Ano 05, mai. 2004. Disponível em:http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.049/572/pt. Acessa<strong>do</strong> em 26/12/2010.ANDERSON, Benedict. Comunida<strong>de</strong>s Imaginadas. Trad.: Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras,2008.AUGÉ, Marc. Não‐Lugares. Por uma antropologia da Supermo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. Campinas: Papirus, 1995.AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da Mobilida<strong>de</strong>. Maceió: EDUFAL, UNESP, 2010.KOOLHAAS, Rem. Generic City. In: KOOLHAAS, R.; MAU, B. S,M,L,XL. New York: 010, 1997. p. 1247‐1265.LAGNADO, Lisette, PEDROSA, Adriano (org.). 27ª Bienal <strong>de</strong> São Paulo. Como Viver Junto. São Paulo: Fundação Bienal, 2006.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)MORAES, Eliane Robert. O Corpo Impossível. A Decomposição Humana <strong>de</strong> Lautremont a BAtaille. São Paulo:FAPESP, Iluminuras, 2002.Roland Barthes, Como viver junto trad. Leyla Perrone Moysés, São Paulo, Martins Fontes 2003.SEDLMAYER, S.; GUIMARAES, C.; OTTE, G. Limiares e Passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte:Ed<strong>UFMG</strong>, 2010. p. 12‐26.isbn: 978-85-98261-08-9131


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)NÚCLEO TEMÁTICO II: Gran<strong>de</strong>s projetos como elementos transforma<strong>do</strong>res da cida<strong>de</strong> e regiãoEl Parque Lineal concebi<strong>do</strong> y su interpretación espacial <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lovivi<strong>do</strong>The <strong>de</strong>signed linear park and its interpretation from the living spaceCoppelia H. CUARTASProfesora investiga<strong>do</strong>ra, magister en antropología, Universidad Pontificia Bolivariana, Me<strong>de</strong>llín Colombia.coppelia.herran@upb.edu.coisbn: 978-85-98261-08-9Juan J. C. CALLEProfesor investiga<strong>do</strong>r, magister en Hábitat, Universidad Pontificia Bolivariana, Me<strong>de</strong>llín Colombia.juan.cuervo@upb.edu.coRESÚMEN:Dentro <strong>de</strong> los múltiples proyectos urbano–arquitectónicos que a<strong>de</strong>lanta actualmente la ciudad Me<strong>de</strong>llín,consi<strong>de</strong>ramos para este artículo los Parques Lineales que se extien<strong>de</strong>n a lo largo <strong>de</strong> toda la ciudad, comouna nueva modalidad <strong>de</strong> espacio público. Como casos <strong>de</strong> estudio se escogen los parques lineales LaPresi<strong>de</strong>nta, La Bermejala, La Hueso y Bicentenario ubica<strong>do</strong>s en los cuatro puntos cardinales <strong>de</strong> la ciudadpara compren<strong>de</strong>r mediante una exploración etnográfica y un enfoque principalmente socio espacial quétipo <strong>de</strong> usos, prácticas y apropiaciones sociales se producen en estos lugares <strong>de</strong>spués <strong>de</strong> suimplementación.I<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> coinci<strong>de</strong>ncias entre las interpretaciones que los actores sociales elaboraron frente a estoslugares y las concepciones que tuvo el gobierno local cuan<strong>do</strong> diseñó y construyó estos parques linealespara el uso y el disfrute público, se pudieron i<strong>de</strong>ntificar las múltiples formas en que las personasinterpretan y le dan significa<strong>do</strong> a esta clase <strong>de</strong> intervenciones públicas. Con un énfasis muy marca<strong>do</strong> enla prioridad urbanística que respondía a unas necesida<strong>de</strong>s físicas y estéticas en cada sector en <strong>do</strong>n<strong>de</strong> seencuentran ubica<strong>do</strong>s estos parques, se vio como un aspecto secundario el interés por suplir lasnecesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l usuario real y no i<strong>de</strong>al que hace uso <strong>de</strong> este tipo <strong>de</strong> espacialida<strong>de</strong>s.PALABRAS CLAVES: Parques lineales, espacio público, prácticas socio espaciales, apropiacionesespaciales, imaginarios urbanos.132ABSTRACT:Among the many urban‐architectural projects currently being conducted by the city Me<strong>de</strong>llin for thisarticle we consi<strong>de</strong>r linear parks that extend throughout the city as a new form of public space. As casestudies are chosen linear parks La Presi<strong>de</strong>nta, La Bermejala, La Hueso and Bicentenario located in thefour corners of the city to un<strong>de</strong>rstand through an ethnographic exploration and focus primarily socialspace what kind of customs, practices and social appropriation occur in these places afterimplementation.I<strong>de</strong>ntifying similarities between interpretations those social actors <strong>de</strong>veloped against these places andperceptions when local government was <strong>de</strong>signed and built these linear parks for public use an<strong>de</strong>njoyment, were unable to i<strong>de</strong>ntify the many ways in which people interpret and give meaning to thiskind of public interventions. With a very marked emphasis on the priority urban responding to a physicaland aesthetic needs in each sector where these parks are located, was seen as a secondary interest inmeeting the needs of the real user and not i<strong>de</strong>al that makes use of these specialties.KEYWORDS: park, public space, praxis, urban imaginary.


1 INTRODUCCIÓNprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> los espacios públicos más significativos <strong>de</strong> las ciuda<strong>de</strong>s como son las plazas, lascalles, los parques y su función <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> la ciudad, se dirige la mirada hacia los parques linealescomo obras <strong>de</strong> intervención ambiental hechas recientemente por la Municipalidad en el espaciopúblico, ya que no solo aportan y enriquecen a la calidad ambiental <strong>de</strong> las ciudad <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>llín,sino que a<strong>de</strong>más son espacios en los que interactúan grupos con diversas motivaciones ynecesida<strong>de</strong>s espaciales, coexistien<strong>do</strong> y convivien<strong>do</strong> en una misma superficie <strong>de</strong> carácter urbana.De acuer<strong>do</strong> a la investigación que soporta este texto, se fija la mirada en cuatro intervencionesrealizadas por la Municipalidad en calidad <strong>de</strong> Parques Lineales (PL), para realizar una lectura endichos escenarios con el objetivo <strong>de</strong> interpretar el habitar en relación con lo concebi<strong>do</strong>, lopercibi<strong>do</strong> y lo vivi<strong>do</strong>, mientras se busca someter a discusión y evaluación, las concordanciashalladas entre la visión Estatal y las apropiaciones y significa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> los actores sociales que adiario utilizan sitios.De los catorce parques lineales construi<strong>do</strong>s durante las <strong>do</strong>s últimas administraciones en Me<strong>de</strong>llínse escogieron La Presi<strong>de</strong>nta, La Bermejala, La Hueso y Bicentenario hacien<strong>do</strong> un estudioetnográfico a profundidad, tenien<strong>do</strong> en cuenta que algunos <strong>de</strong> estos parques se encuentraninscritos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> barrios que tienen un carácter más comercial que resi<strong>de</strong>ncial como es el caso<strong>de</strong> La Presi<strong>de</strong>nta y La Hueso, mientras que otros como La Bermejala y Bicentenario tienen unperfil resi<strong>de</strong>ncial complejo con una fuerte historia <strong>de</strong> lucha entre el Esta<strong>do</strong> y los grupos arma<strong>do</strong>silegales, que trae consigo en algunos casos <strong>de</strong>salojos y una superación constante reflejada en susantiguos y actuales pobla<strong>do</strong>res (Figura 1).Figura 1. Mapa <strong>de</strong> la ciudad <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>llín con la ubicación <strong>de</strong> los cuatro PL escogi<strong>do</strong>sisbn: 978-85-98261-08-9133Buscan<strong>do</strong> enten<strong>de</strong>r las distancias y aproximaciones que aparecen entre lo que estos parqueslineales ofrecen y las necesida<strong>de</strong>s que tiene cada comunidad, se toman en consi<strong>de</strong>ración losconceptos emplea<strong>do</strong>s por la teórica urbanística y activista político‐social Jane Jacobs (1973), ysu propuesta para validar el funcionamiento y significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> los parques lineales investiga<strong>do</strong>s.Para este punto Jacobs propone que para que las intervenciones que se hagan en la ciudad nonazcan muertas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su inicio, se <strong>de</strong>be tener en cuenta a partir <strong>de</strong> su concepción, aspectoscomo la ubicación, la <strong>do</strong>tación física apropiada para los intereses <strong>de</strong> la comunidad, lascondiciones <strong>de</strong> seguridad y características referidas al diseño con respecto a un lugar y <strong>de</strong> esaforma, reconocer la dinámica vital o la muerte <strong>de</strong> los lugares.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Los (PL) no sólo conforman la nueva fisionomía en la urbe, sino que hacen parte <strong>de</strong> lanueva modalidad <strong>de</strong> espacio público <strong>de</strong> la ciudad, insertán<strong>do</strong>se en to<strong>do</strong>s los rincones <strong>de</strong>la cotidianidad <strong>de</strong> los vecinos, visitantes o transeúntes. Por ello se tiene en cuenta <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong>l marco <strong>de</strong> esta investigación, las diferentes maneras en que cada comunidad respon<strong>de</strong>con una serie <strong>de</strong> prácticas, costumbres y hábitos según sus particularida<strong>de</strong>s eimaginarios, al tiempo que construyen su propia significación referida a estos parques. Enla misma línea se busca i<strong>de</strong>ntificar las concordancias y diferencias surgidas entre la visiónestatal y los actores sociales en cuanto a las interpretaciones <strong>de</strong> cada parque lineal, paraabrir una discusión sobre la manera en que las nuevas intervenciones espaciales, aportana la construcción <strong>de</strong> ciudad. No sólo se consi<strong>de</strong>ra aquí el fenómeno geo‐espacial sinosocial, político y ético que compromete el uso <strong>de</strong> estos lugares, a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> establecercuáles son las relaciones que resultan entre los actores sociales y estas nuevas realida<strong>de</strong>sespaciales llamadas PL.Concebi<strong>do</strong>s con una misma finalidad, pero usa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> diferente forma según sus propiasparticularida<strong>de</strong>s se buscó conocer la manera en que los diferentes vecinos, visitantes ytranseúntes se apropian <strong>de</strong> estos lugares, ponien<strong>do</strong> en discusión el espacio preconcebi<strong>do</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong> la planificación, por medio <strong>de</strong> las dinámicas sociales presentes en cada lugar. Deacuer<strong>do</strong> a esto, las situaciones que aparecen en la producción <strong>de</strong> esta clase <strong>de</strong> espaciospúblicos, generan una serie <strong>de</strong> apropiaciones que los sujetos individuales y colectivoshacen <strong>de</strong> los mismos con recursos que provienen <strong>de</strong> sus recuer<strong>do</strong>s, necesida<strong>de</strong>s yrepresentaciones sociales, en las cuales no sólo se inscriben huellas sobre el espaciofísico, sino que también disputan un nuevo lugar <strong>de</strong> reconocimiento, frente a las nuevasformas <strong>de</strong> construir espacios públicos en la ciudad.Hacien<strong>do</strong> énfasis en el constructo humano y cultural expresa<strong>do</strong> y recrea<strong>do</strong> en cadaparque lineal por sus habitantes o visitantes que aceptan y/o rechazan estos lugares, seobservó cómo muchas veces los cambios físicos pue<strong>de</strong>n llegan a marginar, integrar,problematizar o reor<strong>de</strong>nar socialmente no sólo los parques lineales, sino también a susactores sociales. Finalmente como posibles lugares genera<strong>do</strong>res <strong>de</strong> relaciones sociales,marcas, recorri<strong>do</strong>s y comunicaciones que buscan promover apropiaciones individuales ycolectivas en el espacio público, se busca encontrar los aciertos y diferencias que laspersonas que resultan <strong>de</strong> esta clase <strong>de</strong> intervenciones espaciales, frente a lasnecesida<strong>de</strong>s que cada comunidad manifiesta.En resumen, este trabajo busca respon<strong>de</strong>r a las siguientes preguntas:a. ¿Cómo se incluyeron las visiones <strong>de</strong> los usuarios en la concepción eintervención <strong>de</strong> los parques lineales como espacios públicos proyecta<strong>do</strong>s para laciudad?b. ¿De qué manera concurren las percepciones <strong>de</strong> los usuarios <strong>de</strong> cada parquelineal, con las concepciones que tenía el gobierno local sobre éstos?En la búsqueda <strong>de</strong>l reconocimiento y el senti<strong>do</strong> que los usuarios le dan a estos lugaresque hacen parte <strong>de</strong> la ciudad, se presenta a continuación algunas <strong>de</strong> las teoríasconsi<strong>de</strong>radas, para explicar los fenómenos y las representaciones socioculturales queresultan <strong>de</strong> las diferentes formas <strong>de</strong> percibir y vivir estos nuevos espacios <strong>de</strong> la ciudad.134


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)2 LA “TRIALÉCTICA DEL ESPACIO” COMO UNIVERSO CONCEPTUAL EN LA INVESTIGACIÓNDE LOS PARQUES LINEALESPara establecer qué relación existe entre las personas y los parques propuestos, se<strong>de</strong>finieron algunos elementos conceptuales que ayudaron a enten<strong>de</strong>r el componentesocial que resulta <strong>de</strong> estas intervenciones espaciales llamadas parques lineales. Hacien<strong>do</strong>una lectura socio‐espacial en los parques selecciona<strong>do</strong>s, se <strong>de</strong>jó <strong>de</strong> la<strong>do</strong> la i<strong>de</strong>apreconcebida <strong>de</strong> que el territorio físico es el único elemento pensa<strong>do</strong> en el plano sobreel cual se traza la cartografía cultural, dan<strong>do</strong> una i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> que el espacio arquitectónicono es solo producto, sino productor <strong>de</strong> lo social. A partir <strong>de</strong> la teoría <strong>de</strong> la trialéctica <strong>de</strong>lespacio planteada por Henry Lefebvre (1974) en The production of the space, se hizo unalectura <strong>de</strong>l espacio físico a partir <strong>de</strong> la conformación trialéctica entre lo concebi<strong>do</strong>, lopercibi<strong>do</strong> y lo vivi<strong>do</strong> que plantean sus autores, cuya resultante es la comprensión <strong>de</strong>lproceso <strong>de</strong> producción <strong>de</strong>l espacio mismo. Esta teoría retomada luego por el geógrafo yplanea<strong>do</strong>r urbano Edward Soja (1996), buscó interpretar las relaciones que se establecena través <strong>de</strong> la espacialidad, asumien<strong>do</strong> el espacio no como un simple contene<strong>do</strong>r, sinocomo escenario <strong>de</strong>l comportamiento humano. Soja lleva a la práctica cada uno <strong>de</strong> loselementos que compone la trialéctica <strong>de</strong> Lefebvre y analiza la categoría <strong>de</strong>l lugar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>la producción social <strong>de</strong>l espacio habita<strong>do</strong> para la búsqueda <strong>de</strong> un saber y unacomprensión práctica <strong>de</strong>l conocimiento, sobre la permeabilidad que tiene el individuosobre éste (SOJA, 1996, 5).Según Lefebvre la trialéctica <strong>de</strong>l espacio propone concebir <strong>de</strong> forma diferente “laespacialidad <strong>de</strong> la vida humana” (SOJA, 1996, 1), ya que su aplicación en el contextoinvestigativo fue pensada para aquellas disciplinas que se encuentran implicadasprofesionalmente con los estudios socio‐espaciales. Por esta razón se consi<strong>de</strong>ra latrialéctica como un referente fundamental en la elaboración <strong>de</strong> esta investigaciónrealizada en algunos <strong>de</strong> los parques lineales, concebi<strong>do</strong>s por el gobierno local <strong>de</strong> laciudad <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>llín.Entendien<strong>do</strong> la trialéctica <strong>de</strong>l espacio como un conjunto <strong>de</strong> prácticas espaciales, espaciosrepresenta<strong>do</strong>s y espacios <strong>de</strong> representación (PIAZZINI, 2004, 154), la referencia central<strong>de</strong> esta marco teórico, que necesariamente surge a partir <strong>de</strong> una creación colectiva, es laespacialidad <strong>de</strong> la vida humana <strong>do</strong>n<strong>de</strong> aparecen una serie <strong>de</strong> consecuencias sociales en larelación hombre‐espacio, otorgan<strong>do</strong> como resulta<strong>do</strong> un “senti<strong>do</strong> práctico a laespacialidad <strong>de</strong> la vida social” (SOJA, 1996, 5). La trialéctica en este senti<strong>do</strong> representa loconcebi<strong>do</strong> como lo pensa<strong>do</strong>, lo percibi<strong>do</strong> como lo físico y el espacio vivi<strong>do</strong> como elrepresenta<strong>do</strong> (SOJA, 1996, 154) en los parques lineales estudia<strong>do</strong>s. Para ampliar mejoreste concepto se recrea la trialéctica <strong>de</strong>l espacio en la siguiente figura (Figura 2).isbn: 978-85-98261-08-9135


Figura 2. La Trialéctica <strong>de</strong>l Espacio. Fuente: personal.programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9De acuer<strong>do</strong> a esta figura, el espacio concebi<strong>do</strong> hace referencia a su finalidad, a los propósitosque se preten<strong>de</strong>n <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cada organización, institución, gobierno local o nacional, en <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se<strong>de</strong>finen las particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l espacio, así como la normatividad. Des<strong>de</strong> la institucionalidad, elespacio concebi<strong>do</strong> generalmente es visto como un soporte material básico que posee unascualida<strong>de</strong>s físicas, climáticas, ambientales junto con materiales funcionales y formales, y elterritorio comprendi<strong>do</strong> como un concepto para enten<strong>de</strong>r los parques como ese lugar <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se<strong>de</strong>finen los procesos y los grupos sociales que lo han veni<strong>do</strong> transforman<strong>do</strong> y hacién<strong>do</strong>lo parte<strong>de</strong> sus aconteceres (ECHEVERRÍA y RINCÓN, 2000, 14). En este numeral el espacio concebi<strong>do</strong>no se <strong>de</strong>sarrolla conceptualmente a profundidad ya que el caso <strong>de</strong> estudio que correspon<strong>de</strong> alos parques lineales <strong>de</strong> la ciudad <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>llín, es <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> por la Municipalidad.En cuanto a la dimensión <strong>de</strong> lo percibi<strong>do</strong> se consi<strong>de</strong>ran to<strong>do</strong>s los aspectos físicos <strong>de</strong>l lugar, como unaespacialidad materializada junto con las activida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>sarrollan los mora<strong>do</strong>res en cada espacio,tenien<strong>do</strong> en cuenta cómo las personas usan, marcan, habitan, y transforman el lugar. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>que es a través <strong>de</strong> los usos y las prácticas <strong>de</strong> las personas que se configura un lugar, se pensó en cómola instauración <strong>de</strong> los PL afectan y transforman a los individuos que lo habitan, constituyén<strong>do</strong>lo comoparte <strong>de</strong> su entorno. El espacio percibi<strong>do</strong> también se relaciona con el concepto <strong>de</strong> territorio pensa<strong>do</strong>como una “producción social <strong>de</strong>l espacio” (ECHEVERRÍA y RINCÓN, 2000, 13), <strong>do</strong>n<strong>de</strong> lo espacial espresenta<strong>do</strong> como producto <strong>de</strong> lo social. De acuer<strong>do</strong> a esto, el territorio <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lo percibi<strong>do</strong>, no sólo<strong>de</strong>fine procesos físicos tangibles <strong>de</strong> tipo cuantitativo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada espacio físico, sino que adquiereun significa<strong>do</strong> cuan<strong>do</strong> se usa espacial, temporal y materialmente. Por esta razón se <strong>de</strong>termina aquíque lo físico y espacial pue<strong>de</strong> influir sobre el aspecto social, no alre<strong>de</strong><strong>do</strong>r sino al interior <strong>de</strong> éste,permitien<strong>do</strong> pensar que lo percibi<strong>do</strong> en estos lugares pue<strong>de</strong> verse como el “…producto social enrelación con otros elementos materiales, entre ellos los hombres, quienes contraen <strong>de</strong>terminadasrelaciones sociales, y dan al espacio una forma, una función y una significación social” (ECHEVERRÍA yRINCÓN, 2000, 13).En el contexto <strong>de</strong> trabajo <strong>de</strong> los PL se busca establecer la relación que existe entre el reor<strong>de</strong>namiento<strong>de</strong> estos espacios y la forma en que las personas se relacionan con ellos. Para esto el espacio físico<strong>do</strong>n<strong>de</strong> se encuentran localiza<strong>do</strong>s estos parques, se revisa como aquel material básico que compren<strong>de</strong>unas cualida<strong>de</strong>s físicas, climáticas y ambientales, acompaña<strong>do</strong> <strong>de</strong> unos materiales que tienen funcióny forma al tiempo que son <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s por los procesos y grupos sociales que transforman el espacio,hacién<strong>do</strong>lo parte <strong>de</strong> sus aconteceres (ECHEVERRÍA y RINCÓN, 2000, 14). De esta forma lascaracterísticas físicas <strong>de</strong> un espacio percibi<strong>do</strong> pue<strong>de</strong>n llegar a trascen<strong>de</strong>r por medio <strong>de</strong> unasapropiaciones, para convertir ese lugar en el sitio <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se gestan i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s y senti<strong>do</strong>s <strong>de</strong>136


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9pertenencia, o como plantea Milton Santos (1996, 28) en “...la casa, el lugar <strong>de</strong> trabajo, puntos <strong>de</strong>encuentro, caminos que unen esos puntos, que son […] pasivos que condicionan la actividad <strong>de</strong> loshombres y rigen la práctica social”.El espacio vivi<strong>do</strong> como último componente <strong>de</strong> la Trialéctica <strong>de</strong>l Espacio, tiene en cuenta lasapropiaciones y representaciones que los sujetos y colectivos manifiestan en el espacio como unlugar carga<strong>do</strong> <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>s por quienes lo practican, i<strong>de</strong>ntifican y habitan, convirtién<strong>do</strong>se en escenarios<strong>do</strong>n<strong>de</strong> se gestan diferentes situaciones cotidianas. El espacio vivi<strong>do</strong> otorga importancia acomponentes históricos, permitien<strong>do</strong> la comprensión <strong>de</strong> valoraciones y significaciones que laspersonas confieren a los lugares practica<strong>do</strong>s, así como a las materialida<strong>de</strong>s existentes en cada lugarconsi<strong>de</strong>radas muchas veces como producto <strong>de</strong> la cultura material que involucra to<strong>do</strong> aquello queocupa un espacio en la memoria y el reconocimiento colectivo.Las prácticas territoriales son también un componente importante <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l espacio vivi<strong>do</strong>, yaque a través <strong>de</strong> éstas se expresan sentimientos, nociones y percepciones que llevan aapropiarse <strong>de</strong>l territorio <strong>de</strong> diferentes formas. Según Echeverría y Rincón (2000, 17), pensar laterritorialidad es pensar en la marca <strong>de</strong> un espacio y un tiempo en el que se genera o se alteraun ambiente (físico, social, cultural o político), <strong>do</strong>n<strong>de</strong> aparecen cambios que implican controles<strong>de</strong> transformación <strong>de</strong>l territorio, adquirien<strong>do</strong> un senti<strong>do</strong> a través <strong>de</strong> lo que la territorialidad leotorga a ese espacio. De esta forma las manifestaciones <strong>de</strong> territorialidad encontradas en elespacio vivi<strong>do</strong> o representa<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ben asociarse en cada espacio con las activida<strong>de</strong>s yrepresentaciones sociales que surgen <strong>de</strong> las formas <strong>de</strong> apropiación y territorialización.Valoran<strong>do</strong> las representaciones sociales como un componente fundamental <strong>de</strong>l espacio vivi<strong>do</strong>,Jo<strong>de</strong>let (1984 en ARAYA 2002, 11), explica cómo las personas conocen la realidad por medio <strong>de</strong>los procesos <strong>de</strong> comunicación y pensamiento social. Para Araya existe un conocimientoespecífico que es <strong>de</strong>terminante en la forma <strong>de</strong> pensar y actuar <strong>de</strong> las personas, aparecien<strong>do</strong> asíun “...conocimiento <strong>de</strong>l senti<strong>do</strong> común” el cual otorga una forma <strong>de</strong> percibir 1 , actuar y razonar<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> un conocimiento social que incluye procesos cognitivos, afectivos y simbólicos en losque se pue<strong>de</strong>n reconocer las conductas que respon<strong>de</strong>n a opiniones, normas, creencias yvalores <strong>de</strong> manera positiva o negativa. Según Araya, la percepción es uno <strong>de</strong> los componentesmás importantes <strong>de</strong>l espacio, clasificán<strong>do</strong>la según circunstancias sociales relacionadas con lacultura y la clase social a la que se pertenece. La manera en que influyen las formas en que seconcibe la realidad <strong>de</strong>l espacio, tiene que ver con la manera como ésta es aprendida yreproducida por los sujetos sociales que transitan, visitan o permanecen en estos lugares. Seplantea entonces que la percepción <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lo vivi<strong>do</strong> pone <strong>de</strong> manifiesto el or<strong>de</strong>n y lasignificación que la sociedad le asigna al ambiente (MELGAREJO, 1994, 49) reflejada en losusos, prácticas y apropiaciones <strong>de</strong> cada individuo.La antropología <strong>de</strong>fine la percepción como una forma <strong>de</strong> conducta que compren<strong>de</strong> el proceso<strong>de</strong> selección y elaboración simbólica <strong>de</strong> la experiencia sensible, la cual encuentra sus límites enlas capacida<strong>de</strong>s biológicas humanas y en el <strong>de</strong>sarrollo que el hombre establece para laproducción <strong>de</strong> símbolos. Según esto, la percepción a través <strong>de</strong> lo vivi<strong>do</strong>, asigna característicascualitativas a objetos o circunstancias que aparecen en el entorno, mediante referentes que seelaboran a partir <strong>de</strong> sistemas culturales e i<strong>de</strong>ológicos construi<strong>do</strong>s y reconstrui<strong>do</strong>s por un gruposocial, permitien<strong>do</strong> generar evi<strong>de</strong>ncias, sobre una realidad <strong>de</strong>terminada (VARGAS M, 1995 enMELGAREJO, 1994, 50). Des<strong>de</strong> este contexto, el espacio vivi<strong>do</strong> entra en el territorio <strong>de</strong>l137


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)imaginario como elemento integral para la construcción <strong>de</strong>l lugar. Al poner en consi<strong>de</strong>ración lahistoria humana y las diversas formas <strong>de</strong> sociedad que se conocen, se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cir que éstas se<strong>de</strong>finen esencialmente por la creación imaginaria, la cual evi<strong>de</strong>ntemente no pue<strong>de</strong> sercatalogada como ficticia, ilusoria o especulativa, sino que son formas creadas por cadasociedad, hacien<strong>do</strong> que exista un mun<strong>do</strong> en el cual cada grupo se inscribe y configura un lugar(CASTORIADIS, 1975, 227)Como concepto clave para la interpretación <strong>de</strong> lo vivi<strong>do</strong> en el trabajo <strong>de</strong> campo, el imaginariose asocia con la producción <strong>de</strong> creencias e imágenes colectivas generadas por los actoressociales <strong>de</strong> cada parque, a partir <strong>de</strong> las i<strong>de</strong>as que se registraron en la memoria <strong>de</strong> la comunidadque interpretó y significó <strong>de</strong> forma diferente cada intervención. Según esto, los espacios <strong>de</strong>representación que aparecen <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lo vivi<strong>do</strong>, se combinan con la forma en que los parqueslineales trabaja<strong>do</strong>s son percibi<strong>do</strong>s e interpreta<strong>do</strong>s. Con ello se tiene en cuenta que es a través<strong>de</strong> los imaginarios, que los individuos construyen creencias compartidas que finalmente sonaceptadas por una sociedad, en la que participan una serie <strong>de</strong> significaciones socialesconstitutivas <strong>de</strong> una i<strong>de</strong>ntidad colectiva. Lo <strong>de</strong>seable, lo imaginable y lo pensable <strong>de</strong> lasociedad actual, se <strong>de</strong>fine por la comunicación que se establece <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> un espacio(CASTORIADIS, 1975, 227). Las formas <strong>de</strong> comunicación creadas por cada grupo,(…) hacen que exista un mun<strong>do</strong> en el cual esta sociedad se inscribe y se da un lugar. Mediante ellas escomo se constituye un sistema <strong>de</strong> normas, <strong>de</strong> instituciones en el senti<strong>do</strong> más amplio <strong>de</strong>l término, <strong>de</strong>valores, <strong>de</strong> orientaciones, <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> la vida, tanto colectivas como individuales. En el núcleo <strong>de</strong>estas formas se encuentran cada vez las significaciones imaginarias sociales, creadas por esta sociedad, yque sus instituciones encarnan (CASTORIADIS, 1990, 195).En la medida en que se logre compren<strong>de</strong>r cómo los actores sociales perciben la importancia <strong>de</strong>esos lugares que habitan, se podrá tal vez contribuir a una comprensión <strong>de</strong>l vínculo que hayentre los parques investiga<strong>do</strong>s y las relaciones <strong>de</strong> tipo social que se producen en los mismos, yaque éstas no sólo funcionan como componente tangible <strong>de</strong>l lugar, sino como condición o límite<strong>de</strong> la acción frente al uso <strong>de</strong> los mismos, al tiempo que se tiene presente la construcciónsociopolítica en la que se elaboran, imaginan y cuestionan las maneras en que se imponen lasnociones <strong>de</strong> espacio público y lugar, influyen<strong>do</strong> innegablemente sobre la cultura, el tiempo, elsitio, sus habitantes y visitantes.isbn: 978-85-98261-08-91383 RUTA METODOLÓGICA DEL TRABAJO EMPÍRICODentro <strong>de</strong> la ruta meto<strong>do</strong>lógica trazada en esta investigación, es importante señalar que latrialéctica <strong>de</strong>l espacio <strong>de</strong>sarrollada también guio la recolección, organización y posterior análisis<strong>de</strong> la información <strong>de</strong> esta exploración. Con la propuesta que plantea la trialéctica, se toma elespacio concebi<strong>do</strong> para revisar to<strong>do</strong>s los aspectos referi<strong>do</strong>s a la planeación <strong>de</strong> estos parques,segui<strong>do</strong> por lo que se percibió en el trabajo <strong>de</strong> campo y por último el análisis e interpretación <strong>de</strong>los datos recopila<strong>do</strong>s, expuesto en el espacio vivi<strong>do</strong> <strong>de</strong> cada parque lineal. De esta forma laprimera parte se enfoca en la planificación <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntifican las entida<strong>de</strong>s encargadas <strong>de</strong> laintervención y transformación <strong>de</strong> estos lugares, conocien<strong>do</strong> las consi<strong>de</strong>raciones tenidas encuenta para la planeación <strong>de</strong> estos PL. La segunda etapa se concentra en la intervención y seestudia a profundidad los cambios espaciales, amueblamiento y redistribución, así como lasconsi<strong>de</strong>raciones para su construcción. Por último se analiza la apropiación <strong>de</strong> los diferentes


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)usuarios en estos parques entrega<strong>do</strong>s por la Municipalidad, buscan<strong>do</strong> establecer quecoinci<strong>de</strong>ncias hay entre las propuestas <strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong> para el uso <strong>de</strong> estos lugares y lasrespuestas que resultan por parte <strong>de</strong> las personas que habitan, recorren, aceptan,apropian o rechazan estos espacios. Para esta última fase correspondiente a laapropiación (o lo vivi<strong>do</strong>), se tuvieron en cuenta unas categorías <strong>de</strong> análisis, para ubicareste mo<strong>de</strong>lo reciente <strong>de</strong> espacio público a partir <strong>de</strong> la naturaleza urbana inscrita en laciudad, seguida por la <strong>do</strong>mesticación <strong>de</strong>l espacio público en la que se aprecian prácticascotidianas exclusivas <strong>de</strong> la vivienda y que son extendidas hacia el espacio público y porúltimo, las percepciones y representaciones sociales que los diferentes usuarios <strong>de</strong> estosparques elaboran con relación al senti<strong>do</strong> y funcionamiento que <strong>de</strong>ben tener esta clase <strong>de</strong>lugares, es en lo que se concentra el interés para soportar este texto.Para enten<strong>de</strong>r qué sucedió socialmente con las transformaciones físicas convertidas enparques lineales, se emplearon una serie <strong>de</strong> variables que contribuyeron a la lecturasocio‐espacial en la que los sujetos evi<strong>de</strong>nciaron sus lógicas, visiones, mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ser yestar tenien<strong>do</strong> en cuenta los siguientes aspectos:Tiempo: con este factor se consi<strong>de</strong>ran los momentos en que se ocupan y se<strong>de</strong>socupan estos parques.Mobiliario: se consi<strong>de</strong>ran <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> esta variable to<strong>do</strong>s objetos y materialida<strong>de</strong>susadas, apropiadas o alteradas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada lugar.Usuarios: se clasifican <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> a la frecuencia <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> los lugares en losestán presentes visitantes, vecinos y transeúntes.Acciones y activida<strong>de</strong>s: se tienen en cuenta a partir <strong>de</strong> los actos que se realizan yla frecuencia con que se <strong>de</strong>sarrollan.Comportamientos: éstos pue<strong>de</strong>n ser puntuales o generales con respecto a unindividuo o grupo (impacto en cuanto al uso, magnitud <strong>de</strong> ocupación y activida<strong>de</strong>n el espacio utiliza<strong>do</strong>).Localización: Para este caso se tiene en cuenta cada parque lineal y su relacióncon el entorno inmediato (proximidad al barrio o a la ciudad).Centralidad externa: se manifiesta en las formas <strong>de</strong> acce<strong>de</strong>r al parque <strong>de</strong>s<strong>de</strong>cualquier parte <strong>de</strong>l barrio.Centralidad interna: está pensa<strong>do</strong> como las líneas indica<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> puntos físicos<strong>do</strong>n<strong>de</strong> confluyen sen<strong>de</strong>ros y espacios dirigi<strong>do</strong>s a las prácticas cotidianas <strong>de</strong> losusuarios.Las categorías <strong>de</strong> análisis mencionadas en párrafos anteriores, se amplían a continuaciónpara explicar lo que se encontró en los parques investiga<strong>do</strong>s y consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s siempre<strong>de</strong>s<strong>de</strong> las tres posturas <strong>de</strong> la trialéctica: el parque concebi<strong>do</strong>, el parque percibi<strong>do</strong> y porúltimo, el parque vivi<strong>do</strong>.isbn: 978-85-98261-08-9139


4 EL PARQUE LINEAL CONCEBIDO COMO NATURALEZA URBANAprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Crea<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> la planeación urbana <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>llín, estos parques pertenecen al Plan <strong>de</strong>Desarrollo 2004‐2007, como parte 2 <strong>de</strong>l espacio público y <strong>de</strong>l medio ambiente. De acuer<strong>do</strong> aeste plan, se proponen una serie <strong>de</strong> estrategias con las normas complementarias al POT,buscan<strong>do</strong> avanzar en la recuperación <strong>de</strong>l río Me<strong>de</strong>llín como espacio público metropolitano, pormedio <strong>de</strong> alternativas que aseguren la calidad <strong>de</strong>l mismo, para el encuentro ciudadanomejoran<strong>do</strong> así las condiciones para la movilidad <strong>de</strong> sus habitantes. Para esto se buscóintervenir en or<strong>de</strong>n <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s, las quebradas en forma <strong>de</strong> parques lineales promovien<strong>do</strong>así la articulación <strong>de</strong> los barrios, con los sistemas <strong>de</strong> movilidad y equipamientos <strong>de</strong> la ciudad 3 .Pensa<strong>do</strong>s para los cuatro puntos cardinales <strong>de</strong> la ciudad 4, <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> al componente urbanoque hace parte <strong>de</strong>l sistema estructurante <strong>de</strong> espacio público <strong>de</strong> la ciudad, la ubicación <strong>de</strong> estaclase <strong>de</strong> parques enmarca una gran diferencia frente a los parques biblioteca 5 , que son centrosculturales inscritos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnas infraestructuras, con amplios espacios ver<strong>de</strong>s públicos,sen<strong>de</strong>ros peatonales y mobiliario ubica<strong>do</strong>s estratégicamente en las zonas más necesitadas <strong>de</strong>Me<strong>de</strong>llín y concebi<strong>do</strong>s por la administración municipal como lugares en los que seimplementan diferentes programas socioculturales y educativos, que le apuntan almejoramiento <strong>de</strong> la calidad <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> los ciudadanos, que habitan las zonas más pobres yvulnerables <strong>de</strong> la ciudad 6. .Previstos para respon<strong>de</strong>r a la necesidad <strong>de</strong> un espacio en particular, hay que recordar que parael caso <strong>de</strong> la Bermejala y La Hueso existieron unos requerimientos enmarca<strong>do</strong>s en lo funcional,mientras que para La Presi<strong>de</strong>nta y Bicentenario hubo un asunto relaciona<strong>do</strong> con locontemplativo, suma<strong>do</strong> a la recuperación ambiental. De acuer<strong>do</strong> a esto, las intervenciones <strong>de</strong>los cuatro parques se enfocaron en recuperar y canalizar las quebradas <strong>de</strong> cada sector, altiempo que sé que se promovió un <strong>de</strong>splazamiento agradable visualmente por medio <strong>de</strong> lacontemplación <strong>de</strong>l paisaje, el paseo y el encuentro cuan<strong>do</strong> las personas cruzan algunos <strong>de</strong>estos parques.Me<strong>de</strong>llín obe<strong>de</strong>ce a la <strong>de</strong> un valle estrecho y urbaniza<strong>do</strong> que exige inventar nuevas formas parahacer crecer el espacio público, <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> con las limitaciones y condiciones topográficas,sien<strong>do</strong> los parques lineales alre<strong>de</strong><strong>do</strong>r <strong>de</strong> las quebradas, otra forma <strong>de</strong> hacer parques en laciudad. Debi<strong>do</strong> a que la ciudad tiene muchas pendientes y fuentes hídricas, Me<strong>de</strong>llín tendrá unmillón <strong>de</strong> metros cuadra<strong>do</strong>s en parques lineales alre<strong>de</strong><strong>do</strong>r y a lo largo <strong>de</strong> sus quebradas y <strong>de</strong>lrío Me<strong>de</strong>llín, como un sistema <strong>de</strong> respuesta nove<strong>do</strong>sa a la que nos obligan las montañas(PÉREZ, 2003,141).Pensa<strong>do</strong>s por el gobierno local como espacios abiertos para diferentes posibilida<strong>de</strong>s, se tieneen cuenta que los parques lineales a partir <strong>de</strong> su diseño, fueron pensa<strong>do</strong>s con unos usosparticulares en cuanto al ocio y esparcimiento se refiere. Tenien<strong>do</strong> en cuenta cómo el gobiernolocal organiza los recursos naturales para crear naturaleza urbana en forma <strong>de</strong> trayectoslineales para recuperar ciertos espacios <strong>de</strong> la ciudad, se ve cómo algunos elementos <strong>de</strong> lanaturaleza como plantas, árboles y quebradas quedan organiza<strong>do</strong>s en forma lineal para eldisfrute público.Vale la pena resaltar en el caso <strong>de</strong> los parques escogi<strong>do</strong>s, que aparte <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar la diferenciatopográfica con que cuenta cada sector en <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se encuentran inscritos, también seisbn: 978-85-98261-08-9140


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)consi<strong>de</strong>raron los antece<strong>de</strong>ntes históricos, las condiciones sociales, políticas y económicas que<strong>de</strong>marcan cada lugar, establecien<strong>do</strong> una diferencia no sólo en sus recorri<strong>do</strong>s, sino por la formaen que son usa<strong>do</strong>s en cada sector <strong>de</strong> la ciudad. Pensan<strong>do</strong> en los cuatro parques linealesescogi<strong>do</strong>s como lugares <strong>de</strong> acceso, circulación y visibilidad, también se consi<strong>de</strong>raron comolugares <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se gestan permanentemente las formas específicas <strong>de</strong> vida social entre<strong>de</strong>sconoci<strong>do</strong>s, que tienen que convivir entre sí. Transitan<strong>do</strong> o habitan<strong>do</strong> temporalmente enestos parques, aparece una realidad que resulta por la interacción social entre conoci<strong>do</strong>s o<strong>de</strong>sconoci<strong>do</strong>s, se realiza <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> un mismo espacio público. Aunque somos seres hechos paravivir en ambientes internos con límites <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s y conoci<strong>do</strong>s, también somos seres socialesque compartimos vivencias y experiencias que necesitan <strong>de</strong>l otro para su propiacomplementación (SARTRE, 1997 en SILVA, CORREA y MAGNABOSCO, 2010, 111). Por estarazón se consi<strong>de</strong>ra pertinente pensar que las transformaciones que surgen en estos parques,aparte <strong>de</strong> estar compuestos por aspectos físicos y materiales dispuestos en un or<strong>de</strong>n<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, también se <strong>de</strong>be pensar en los fenómenos sociales que surgen <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> estosescenarios, como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> las transformaciones espaciales. Los parques lineales escogi<strong>do</strong>sse convierten entonces, en el lugar <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se manifiestan los diferentes usos <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> a losintereses <strong>de</strong> cada parte. No se <strong>de</strong>fine como una simple colección <strong>de</strong> eventos y objetosobservables, sino como esa porción <strong>de</strong> espacio, en <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se produce la simbiosis <strong>de</strong> lossentimientos personales con lo simbólico y lo colectivo (DALIA y ARTIOLI, 2009, 8).De acuer<strong>do</strong> a lo encontra<strong>do</strong> en espacio concebi<strong>do</strong>, estos parques fueron interpreta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>múltiples maneras y por diferentes individuos <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> a sus necesida<strong>de</strong>s particulares,otorgán<strong>do</strong>le a cada lugar nuevos senti<strong>do</strong>s y significa<strong>do</strong>s aparte <strong>de</strong> la naturaleza urbana que seinscribe como soporte material básico que posee unas cualida<strong>de</strong>s físicas, climáticas,ambientales junto con otras materiales funcionales y formales.isbn: 978-85-98261-08-91415 EL PARQUE PERCIBIDO COMO ESPACIO DOMESTICADOTenien<strong>do</strong> en cuenta que el espacio percibi<strong>do</strong> es <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se encuentra presente to<strong>do</strong> lo físico ytangible, se busca reconocer <strong>de</strong> qué forma lo material influye sobre lo social, a partir <strong>de</strong> lo queMilton Santos <strong>de</strong>fine como “un conjunto indisociable, solidario y también contradictorio <strong>de</strong>sistemas <strong>de</strong> objetos y sistemas <strong>de</strong> acciones, […] no <strong>de</strong>ben ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s aisladamente […] yaque […] los sistemas <strong>de</strong> acciones tampoco permiten el conocimiento sin los sistemas <strong>de</strong>objetos” (1999, 51 en SCHNEIDER y PERÉY, 2006, 8). De acuer<strong>do</strong> con esto, se plantea que ladisposición <strong>de</strong> las materialida<strong>de</strong>s presentes en los parques concebi<strong>do</strong>s, a veces influye en lamanera en que éstos son usa<strong>do</strong>s y territorializa<strong>do</strong>s. Des<strong>de</strong> el reconocimiento que se hizo <strong>de</strong> losobjetos que hacen parte <strong>de</strong>l mobiliario <strong>de</strong> estos parques como son las bancas y los sen<strong>de</strong>ros, sepu<strong>do</strong> apreciar <strong>de</strong> qué forma éstos se convierten en dispositivos importantes a la hora <strong>de</strong>permanecer en cada lugar. Por ejemplo las bancas <strong>de</strong> algunos <strong>de</strong> los parques investiga<strong>do</strong>s,a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> ser usadas para sentarse también son empleadas para acostarse, leer, escon<strong>de</strong>r labasura o transformarse en portería <strong>de</strong> futbol, en el momento <strong>de</strong> jugar un parti<strong>do</strong>.Aparte <strong>de</strong> las funciones <strong>de</strong> cada parque, se encuentran otros aspectos relaciona<strong>do</strong>s con laspercepciones sensoriales. Aunque éste no es uno <strong>de</strong> los ejes temáticos <strong>de</strong> esta investigación, síes importante enunciar que la presencia <strong>de</strong> olores, colores, texturas, climas o rui<strong>do</strong>s <strong>de</strong> cada


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)parque también aportan en la producción <strong>de</strong> la vida social <strong>de</strong> cada lugar. Según la antropólogaMartha Ce<strong>de</strong>ño Pérez, las relaciones <strong>de</strong> los seres humanos con el entorno son <strong>de</strong> naturalezapoli sensorial, hacien<strong>do</strong> que to<strong>do</strong> lo que captemos a nuestro alre<strong>de</strong><strong>do</strong>r sea a través <strong>de</strong> lossenti<strong>do</strong>s. De acuer<strong>do</strong> al antropólogo Edward T. Hall, el ser humano cuenta con <strong>do</strong>s tipos <strong>de</strong>receptores que le ayudan a captar to<strong>do</strong> a su alre<strong>de</strong><strong>do</strong>r. Como primeros receptores <strong>de</strong> distanciase encuentran los oí<strong>do</strong>s, la vista y la nariz con los que se percibieron los olores fuertes y<strong>de</strong>sagradables en la quebrada <strong>de</strong> La Bermejala, que compara<strong>do</strong> con La Presi<strong>de</strong>nta, el fuerteolor, no es una característica <strong>de</strong>l lugar. De igual forma los rui<strong>do</strong>s fuertes alre<strong>de</strong><strong>do</strong>r <strong>de</strong> LaBermejala y Bicentenario marcaron una enorme diferencia, compara<strong>do</strong> con el silencio <strong>de</strong> LaPresi<strong>de</strong>nta y La Hueso. En cuanto a los segun<strong>do</strong>s receptores que <strong>de</strong>nomina Hall comoinmediatos, se encuentran la piel y los músculos que captan la temperatura y las texturas osuperficies. Para este caso factores como el clima, la hora y otros aspectos sensibles que seperciben a través <strong>de</strong> la piel, pue<strong>de</strong>n influir al momento <strong>de</strong> estar o rechazar este tipo lugares(HALL, 1972). En el caso <strong>de</strong> La Bermejala y Bicentenario por ejemplo, se experimentó altransitar por sus sen<strong>de</strong>ros, cómo la ausencia <strong>de</strong> árboles incrementaba las altas temperaturasen época <strong>de</strong> verano, producien<strong>do</strong> una fuerte sensación <strong>de</strong> calor a la hora <strong>de</strong> caminar, sobreto<strong>do</strong> al medio día cuan<strong>do</strong> el sol está más fuerte y no hay muchas opciones <strong>de</strong> sombra ninatural, ni artificial para resguardarse.De acuer<strong>do</strong> al profesor José Jairo Montoya, no tener un lugar es como habitar una temporalidad, envez <strong>de</strong> una espacialidad (MONTOYA, 2010, 90). Por <strong>do</strong>n<strong>de</strong> antes permanecíamos hoy simplementevamos <strong>de</strong> paso, sien<strong>do</strong> la estancia prolongada un concepto más efímero to<strong>do</strong>s los días <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>lespacio citadino, que da como resulta<strong>do</strong> una condición <strong>de</strong> extranjeros en nuestro propio territorio. Sehace la salvedad que el término extranjero emplea<strong>do</strong> en este artículo, se relaciona con loscomportamientos que se producen en el espacio público y que solamente respon<strong>de</strong>n a contactosligeros, transacciones móviles y encuentros pasajeros en los cuales cabe más la actitud <strong>de</strong>l sujeto, quela i<strong>de</strong>ntidad <strong>de</strong>l individuo que vive en la ciudad. Partien<strong>do</strong> <strong>de</strong> esta i<strong>de</strong>a se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cir que los usos,prácticas y activida<strong>de</strong>s encontradas sobre to<strong>do</strong> en los parques La Presi<strong>de</strong>nta y Bicentenario, se<strong>de</strong>finieron por el registro <strong>de</strong> permanencias cortas justificadas por los mismos visitantes quereclamaron a través <strong>de</strong> las entrevistas, las limitadas opciones que ofrecían estos parques eran muylimitadas a la hora <strong>de</strong> permanecer en estos lugares, por largo tiempo. Como espacios públicosdispuestos para el encuentro y el ocio pasivo, estos parques lineales presentan <strong>do</strong>s funcionescomplementarias que son la <strong>de</strong> circular para ir a alguna parte, o la <strong>de</strong> pararse para estar y existir en unlugar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l mismo.Percibien<strong>do</strong> en tiempos muy marca<strong>do</strong>s un microcosmos <strong>de</strong> prácticas citadinas, interacciones yacontecimientos <strong>de</strong> los que se <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>n diferentes formas <strong>de</strong> ser y estar, se encuentra un contrasteentre los tránsitos rápi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> las personas que sólo atraviesan estos parques y que reclaman la falta<strong>de</strong> más sitios para <strong>de</strong>scansar, lo que obliga a reducir el tiempo <strong>de</strong> permanencia en éstos. Para este tipo<strong>de</strong> usuarios que cruzan cada lugar para conectarse con otras estancias <strong>de</strong> manera rápida, se le asignóla categoría <strong>de</strong> turistas o extranjeros, junto con los visitantes que en su mayoría permanecían portiempos muy cortos, dan<strong>do</strong> como resulta<strong>do</strong> una situación en la que se habita una temporalidad, envez <strong>de</strong> una espacialidad. Por otro la<strong>do</strong> están los visitantes que a pesar <strong>de</strong> no encontrar muchas bancaso cubiertas que protejan <strong>de</strong> la intemperie, transforman, utilizan y a<strong>de</strong>cúan ciertos espacios <strong>de</strong>lparque, <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> a sus necesida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>finidas en la vida cotidiana y que van cobran<strong>do</strong> significa<strong>do</strong>según los usos encontra<strong>do</strong>s (Figura 3 ).isbn: 978-85-98261-08-9142


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Figura 3. Personas comien<strong>do</strong> en el parque lineal La Presi<strong>de</strong>nta. Nota: las mesas y objetos que se aprecian en la imagen no hacenparte <strong>de</strong>l mobiliario original <strong>de</strong>l parque. Fuente personal, agosto <strong>de</strong> 2010.isbn: 978-85-98261-08-9Se pue<strong>de</strong> concluir que las personas no sólo tienen la capacidad <strong>de</strong> dar senti<strong>do</strong> a los entornos urbanosa partir <strong>de</strong> sus comportamientos, sino que también pue<strong>de</strong>n transformarlos llegan<strong>do</strong> incluso a cambiarsu senti<strong>do</strong> original. Más que optimizar los espacios estéticos <strong>de</strong> la ciudad, se <strong>de</strong>be evi<strong>de</strong>nciar unreconocimiento por parte <strong>de</strong> los sujetos respecto a los lugares que se piensan poner a su disposición,pues “aquél que tiene la sabiduría para la creación <strong>de</strong> intervenciones fantásticas, <strong>de</strong>be tambiénocuparse <strong>de</strong> la elaboración <strong>de</strong> sus significa<strong>do</strong>s. Estos construyen la historia y con ella otra porción <strong>de</strong>otras historias” (SILVA, CORREA y MAGABOSCOSO, 2010, 119).1436 DOMESTICANDO EL PARQUEContinuan<strong>do</strong> con la búsqueda <strong>de</strong> aquellas manifestaciones que reflejaran la<strong>do</strong>mesticación <strong>de</strong>l espacio público, se encontraron algunas prácticas cotidianas en LaBermejala, que <strong>de</strong>jaron ver la forma cómo la casa logra permear el espacio urbano apartir <strong>de</strong> las dinámicas <strong>do</strong>mésticas y las formas <strong>de</strong> significación expresadas por sushabitantes y vecinos, a la hora <strong>de</strong> usar este lugar. Al encontrar activida<strong>de</strong>s como secar laropa al sol, cocinar en los sen<strong>de</strong>ros peatonales o asolear los recién naci<strong>do</strong>s sobre lasbarandas <strong>de</strong> la quebrada canalizada, la extensión <strong>de</strong> la vivienda en el espacio públicoconsolida el PL como su centro y da lugar a lo habitable y lo comprensible, que son <strong>do</strong>sfactores constituyentes <strong>de</strong> lo <strong>do</strong>méstico. Comprendien<strong>do</strong> los significa<strong>do</strong>s e imaginariosque se construyen hacía el interior y exterior <strong>de</strong> la casa y cómo es la relación con elumbral inmediato a la vivienda (correspondiente a lo público), se evi<strong>de</strong>ncia en LaBermejala, un espacio público que para algunos se remite a la utilización <strong>de</strong>lesparcimiento y recreación como expresión tradicional <strong>de</strong> lo público, mientras que paraotros cumple con el senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> abrigo, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se extien<strong>de</strong> la acepción <strong>de</strong> hogar en lo cual,la familiaridad <strong>de</strong> la casa se dilata hacia el exterior, permitien<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ntificarparticularida<strong>de</strong>s íntimas que correspon<strong>de</strong>n a las prácticas <strong>do</strong>mésticas <strong>de</strong> la vivienda, consituaciones que no estaban previstas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l urbanismo y las formas <strong>de</strong> diseñoarquitectónico <strong>de</strong>l espacio público tradicional. De esta forma, los individuos <strong>do</strong>tan elexterior <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>s, cualida<strong>de</strong>s y significaciones privadas que para la Municipalidad nocorrespon<strong>de</strong>n a las estéticas <strong>de</strong>l espacio público.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Según Mauricio Chemás, cuan<strong>do</strong> el entorno se hace próximo a la vivienda, tanto el afueracomo la casa misma se convierten en el micro hábitat <strong>de</strong>l individuo, a través <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong>relación particulares según el contexto que valoran estética, social y culturalmente lascondiciones <strong>de</strong>l macro hábitat que es el vecindario o la misma ciudad (2007, 11). Para esteautor, en lo cotidiano <strong>de</strong> estos territorios aparecen unos límites mucho más flexibles ypermeables que se <strong>de</strong>finen como fronteras <strong>de</strong> unos imaginarios en los cuales las personasconviven <strong>de</strong> manera armónica en el espacio público. Lo que resulta <strong>de</strong> estas apropiaciones <strong>de</strong>lespacio físico, se convierte en lo que él llama la “tercera zona” como nuevo espacio <strong>de</strong>afluencia. Éste proviene <strong>de</strong> la mezcla entre lo público y lo priva<strong>do</strong> que no es la calle ni es lacasa, sino una tercera zona que remplaza lo que antes era un espacio vacío. A esta tercera zonaFernán<strong>de</strong>z (2004, 20) la <strong>de</strong>nomina “casa pública”:(…) sacar la casa al mun<strong>do</strong>, y fundar allá fuera un intercambio <strong>de</strong> perspectivas <strong>do</strong>mésticas, […] implicacrear un espacio comunicativo inédito, que no sea ni casa ni calle, sino otro, semipriva<strong>do</strong> y/o semipúblico,entre cuatro pare<strong>de</strong>s pero con las puertas abiertas. Ni casa ni calle, por lo que se llamó ‘casa pública’.Situación propia <strong>de</strong> muchos sectores populares <strong>de</strong> las ciuda<strong>de</strong>s latinoamericanas (Figuras 4 y5).Figura 4. Secan<strong>do</strong> la ropa sobre el parque. Figura 5. Cocinan<strong>do</strong> en el parque lineal.isbn: 978-85-98261-08-9144Después <strong>de</strong> conocer este tipo <strong>de</strong> prácticas sobre el parque lineal La Bermejala, seconsi<strong>de</strong>ra el espacio público como un territorio en el cual más que su comprensión comoescenario que da lugar a la vida cotidiana, sea comprendi<strong>do</strong> como un territorio en el cualse <strong>de</strong>ja grabada la huella <strong>de</strong> la existencia <strong>de</strong>l ser humano, quien mediante su usocotidiano lo impregna con su esencia y llega a concebirlo como un espacio <strong>de</strong> vida. Bajoesta fundamentación conceptual surgen algunos <strong>de</strong> los planteamientos teóricos másnotables <strong>de</strong> esta investigación; autores como (SOJA, 1996), (ECHEVERRÍA y RINCÓN,2000), (LEFEBVRE, 1996), (MATA, 2005), (SANTOS, 2000) se toman como una baseconceptual fundamental que <strong>de</strong>fine los vínculos que tiene el hombre con el espaciopúblico y la vivienda, como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> la materialización y representación que contienela esencia <strong>de</strong> quien habita. “un pedazo <strong>de</strong>l mismo converti<strong>do</strong> en espacio” (BOLLNOW,1993, 92) exteriorizan<strong>do</strong> su forma <strong>de</strong> habitar. Esta fundamentación ayuda en lacomprensión <strong>de</strong>l espacio público <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la producción social <strong>de</strong>l espacio habita<strong>do</strong>,abordan<strong>do</strong> no sólo lo concebi<strong>do</strong>, sino también lo percibi<strong>do</strong> y lo vivi<strong>do</strong> para la búsqueda<strong>de</strong> un saber y una comprensión más práctica en el conocimiento sobre la apropiación <strong>de</strong>lespacio público. Más allá <strong>de</strong>l espacio percibi<strong>do</strong>, se encontró en la configuración <strong>de</strong>l


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)territorio una serie encuentros, <strong>de</strong>sencuentros, intercambios, asimilaciones,diferenciaciones y exclusiones cuan<strong>do</strong> los diferentes actores sociales participaron <strong>de</strong>forma directa o indirecta, en estos parques lineales. Pensan<strong>do</strong> en la función social que<strong>de</strong>ben cumplir estos espacios a través <strong>de</strong> los servicios y oportunida<strong>de</strong>s que prestan a lasdiferentes comunida<strong>de</strong>s, aparece implícito el tema <strong>de</strong>l diseño pensa<strong>do</strong> para cada lugar.Se propone por lo tanto <strong>de</strong>batir la “<strong>do</strong>mesticación” <strong>de</strong> lo urbano no sólo como unfenómeno geo‐espacial, sino también político, ético y estético que compromete elhabitar; ya que establece una relación <strong>de</strong> <strong>do</strong>minio <strong>de</strong>l ser humano sobre el espacio, conel fin último <strong>de</strong> habitarlo. De acuer<strong>do</strong> a esto se genera la pregunta: ¿conoce laMunicipalidad las prácticas y apropiaciones que gestan día a día los habitantes, en losespacios públicos que proyectan? Es importante aclarar que en este <strong>do</strong>cumento sólo sesomete a discusión los hallazgos <strong>de</strong> los parques lineales enuncia<strong>do</strong>s anteriormente. Enestos lugares a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> dar respuesta a esta pregunta se vincula, discute y evalúa lascorrespon<strong>de</strong>ncias ente la mirada <strong>de</strong>l Esta<strong>do</strong> y las respuestas <strong>de</strong> los actores, que a diarioutilizan estos lugares.isbn: 978-85-98261-08-97 EL PARQUE COMO ESPACIO VIVIDO O REPRESENTADORecordan<strong>do</strong> que en la trialéctica <strong>de</strong>l espacio, lo vivi<strong>do</strong> es sinónimo <strong>de</strong> lo representa<strong>do</strong>, setoman en cuenta para esta última parte <strong>de</strong>l artículo, las apropiaciones y representaciones quelos sujetos y colectivos manifiestan en los PL, como lugares carga<strong>do</strong>s <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>s por quienes lopractican, i<strong>de</strong>ntifican y habitan, convirtién<strong>do</strong>se en escenarios <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se gestan diferentessituaciones cotidianas. El espacio vivi<strong>do</strong> también otorga importancia a componentes históricos<strong>de</strong> cada lugar, permitien<strong>do</strong> la comprensión <strong>de</strong> valoraciones y significaciones que las personasconfieren a los sitios practica<strong>do</strong>s, así como a las materialida<strong>de</strong>s existentes en cada lugar,consi<strong>de</strong>radas como producto <strong>de</strong> la cultura material que involucra to<strong>do</strong> aquello que ocupa unespacio en la memoria y un reconocimiento colectivo.Aunque los parques tradicionales y lineales funcionan como receptáculos para el encuentro y lainteracción, el senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>l PL se encuentra más orienta<strong>do</strong> a promover en términos funcionales, unejercicio <strong>de</strong> conectividad y corta permanencia. Como uno <strong>de</strong> los hallazgos sobre estos espacios <strong>de</strong>representación, se encontró que muchos <strong>de</strong> los usuarios <strong>de</strong>s<strong>de</strong> su propia interpretación, noencuentran un diálogo muy flui<strong>do</strong> entre la infraestructura establecida en estos espacios y la retícula<strong>do</strong>tada <strong>de</strong> grama y árboles que muchos se imaginan, cuan<strong>do</strong> se les menciona la palabra parque lineal.Transformada tanto la forma como la función, muchos sintieron que el cuadra<strong>do</strong> se remplaza por lalínea y el acto <strong>de</strong> estar, por el <strong>de</strong> cruzar.Observan<strong>do</strong> el caso <strong>de</strong>l parque lineal Bicentenario, se encontró que diferentes personas entrevistadaslo <strong>de</strong>finen como un parque a secas, sin la palabra lineal. De acuer<strong>do</strong> a lo que respondieron losinterlocutores, este lugar es apropia<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma diferente por cada individuo o grupo que lo visita conactivida<strong>de</strong>s tan diversas como elevar cometas, montar en patineta, escon<strong>de</strong>rse para <strong>de</strong>sarrollaractivida<strong>de</strong>s ilícitas relacionadas con el consumo <strong>de</strong> alcohol o sustancias alucinógenas, ven<strong>de</strong>r ocomprar comida, comer, hacer <strong>de</strong>porte, acostarse a <strong>do</strong>rmir o jugar con la pantalla <strong>de</strong> agua, hacen <strong>de</strong>este tipo <strong>de</strong> parques lineales, sitios multipropósitos a pesar <strong>de</strong>l poco mobiliario.145


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Como otra forma <strong>de</strong> reconocimiento <strong>de</strong> estos parques para conocer el espacio vivi<strong>do</strong>, muchos<strong>de</strong> los usuarios i<strong>de</strong>ntificaron estos lugares, a partir <strong>de</strong> lo que actualmente consi<strong>de</strong>ran que leshace falta. Examinan<strong>do</strong> lo ausente, los entrevista<strong>do</strong>s elaboraron una lista <strong>de</strong> materialida<strong>de</strong>sque pensaban <strong>de</strong>bían estar presentes para po<strong>de</strong>r configurar cada PL <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> con suimaginario. Reclaman<strong>do</strong> la presencia <strong>de</strong> más mobiliario y disposición <strong>de</strong> diferentes servicios yequipamientos como tiendas, cafés, colegios y merca<strong>do</strong>s o lugares para cambiarse la ropa parapo<strong>de</strong>r disfrutar <strong>de</strong> la pantalla <strong>de</strong> agua (como fue el caso <strong>de</strong> Bicentenario), los interlocutoresconsi<strong>de</strong>raron que estos elementos podían aportar <strong>de</strong> forma positiva, en el funcionamiento <strong>de</strong>los diferentes parques. Es importante señalar en este punto que cuan<strong>do</strong> se inauguró el parquelineal Bicentenario, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lo concebi<strong>do</strong> con relación a la pantalla <strong>de</strong> agua, fue pensada para unuso enteramente contemplativo, aunque con el paso <strong>de</strong>l tiempo se <strong>de</strong>bió ajustar elfuncionamiento <strong>de</strong> esta pantalla con unas instrucciones adicionales <strong>de</strong> uso para los visitantes, alos cuales se les sugiere no utilizar broncea<strong>do</strong>r o protectores solares y no pararse sobre lasrejillas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagüe que hay e el suelo, <strong>de</strong>bi<strong>do</strong> a que muchos <strong>de</strong> sus visitantes la emplean comofuente y ducha, sobre to<strong>do</strong> en los fines <strong>de</strong> semana. (Figura 6)Figura 6. Personas bañán<strong>do</strong>se en la pantalla <strong>de</strong> agua. Foto tomada por estudiantes al medio día en semana.isbn: 978-85-98261-08-9146De esta forma las lógicas <strong>de</strong> apropiación <strong>de</strong> los parques lineales varían según lasrepresentaciones sociales que tengan construidas sus vecinos, habitantes o visitantes, refleja<strong>do</strong>en las diferentes formas <strong>de</strong> habitar el territorio. Por ejemplo los sen<strong>de</strong>ros que <strong>de</strong>terminanestos lugares y su apropiación, no siempre son los que <strong>de</strong>finen el encuentro y las relacionessociales vistas en cada lugar. A pesar <strong>de</strong> no estar acondiciona<strong>do</strong>s para estancias largas, estosparques no <strong>de</strong>jan <strong>de</strong> ser emplea<strong>do</strong>s por los jóvenes que en el día o en la noche no tienenproblema para sentarse, así no haya suficiente mobiliario e incluso, acostarse en el piso <strong>de</strong> cadaparque. En este caso el poco inventario material, no es un impedimento para que se relacionenalgunos vecinos o visitantes, que <strong>de</strong>sdibujan las marcas que recuerdan que estos lugaresfueron concebi<strong>do</strong>s para ser utiliza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> paso. Por esta razón las acciones surgidas en cadaparque lineal como caminar, hablar, comer, conversar, jugar, secar la ropa al aire libre, ven<strong>de</strong>r,comprar, divertirse, observar el paisaje, hacer ejercicio, <strong>de</strong>scansar o tomar el sol fueron entreotras, las experiencias citadinas que sirvieron como testimonio directo en las diferentes formas<strong>de</strong> usar estos lugares, marcan<strong>do</strong> y transforman<strong>do</strong> el senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> cada sitio por cuenta <strong>de</strong> susvecinos o visitantes. Consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como territorios que adquieren su existencia por medio <strong>de</strong>la expresión <strong>de</strong> territorialidad que se manifiesta <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> un conjunto <strong>de</strong> prácticas,


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)expresiones materiales y simbólicas, estos parques se <strong>de</strong>finen por momentos la apropiación ypermanencia <strong>de</strong> un <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> territorio, por un <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> agente social (LOBATOCORREA, 1996, 252, en MONTAÑEZ y DELGADO, 1998, 124).Tenien<strong>do</strong> en cuenta las valoraciones y significaciones que las personas le otorgan a los lugares<strong>de</strong>s<strong>de</strong> su imaginario, se pu<strong>do</strong> observar cómo en el caso <strong>de</strong> La Bermejala aparecen sentimientosrelaciona<strong>do</strong>s con el arraigo, la i<strong>de</strong>ntidad y un senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> pertenencia muy fuerte hacia el barrio<strong>de</strong> Moravia y <strong>de</strong> un mo<strong>do</strong> menos visceral para Laureles y El Estadio que son los barrios <strong>do</strong>n<strong>de</strong>se encuentra ubica<strong>do</strong> el PL La Hueso. Esto se hizo evi<strong>de</strong>nte cuan<strong>do</strong> los habitantes y vecinos <strong>de</strong>Moravia expresaron que cuan<strong>do</strong> salen <strong>de</strong> sus casas no lo hacen al parque lineal, sino a subarrio.Des<strong>de</strong> lo vivi<strong>do</strong>, se ve entonces como ambos parques (La Hueso y Bermejala) a<strong>de</strong>más <strong>de</strong> serentornos físicos y sociales, sirven <strong>de</strong> escenario en los que se gestan diariamente múltiplesexperiencias <strong>de</strong> la vida cotidiana entre los vecinos y transeúntes que reconocen que las calles,aceras, plazoletas, puentes, sen<strong>de</strong>ros peatonales <strong>de</strong> cada parque lineal se convierten enescenarios para el juego, el trabajo, la diversión, la reunión, el encuentro o el conflicto,otorgán<strong>do</strong>le dinamismo y vida a cada lugar.Más que i<strong>de</strong>ntificarse con las intervenciones físicas en el caso <strong>de</strong> La Bermejala, lo hacencon la memoria y el recuer<strong>do</strong>, expresan<strong>do</strong> así el apego al lugar al que ellos consi<strong>de</strong>ranque pertenecen. A pesar <strong>de</strong> que el barrio Moravia <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se encuentra ubica<strong>do</strong> el PL LaBermejala, todavía se presentan situaciones muy criticadas en cuanto a la calidad <strong>de</strong>lhábitat por los altos índices <strong>de</strong> población hacinada, la poca distancia que separa lopriva<strong>do</strong> <strong>de</strong> lo público, el poco espacio público por habitante y un déficit notable encuanto a espacio priva<strong>do</strong> se refiere, aparecen continuamente manifestaciones <strong>de</strong>participación, li<strong>de</strong>razgo y alianzas solidarias entre sus habitantes como es el caso <strong>de</strong> losconvites 7 realiza<strong>do</strong>s en el barrio, que refuerzan los vínculos y reconocimientos <strong>de</strong>lterritorio. Para el caso <strong>de</strong> La Hueso aparece un fenómeno similar, ya que sus vecinos yvisitantes consi<strong>de</strong>ran que la entrega <strong>de</strong> este nuevo lugar lo consi<strong>de</strong>ran más como unaporte para su barrio, que para el resto <strong>de</strong> la ciudad, aunque también hay quejas <strong>de</strong> losmismos usuarios que reclaman la falta <strong>de</strong> más mobiliario y luminarias, que garanticen laseguridad <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>l lugar.Recordan<strong>do</strong> que la extensión y diseño <strong>de</strong> los parques lineales investiga<strong>do</strong>s no solo tienen untrabajo <strong>de</strong> recuperación ambiental <strong>de</strong> las quebradas, sino que hacen las veces <strong>de</strong> conexión através <strong>de</strong> sus sen<strong>de</strong>ros, comunican<strong>do</strong> barrios con barrios, o barrios con el resto <strong>de</strong> la ciudadcomo suce<strong>de</strong> con La Bermejala, La Presi<strong>de</strong>nta y Bicentenario, se pu<strong>do</strong> conocer cómo losmismos sen<strong>de</strong>ros, funcionan diferente <strong>de</strong> día y <strong>de</strong> noche. Con la observación realizadadurante el trabajo <strong>de</strong> campo, se pu<strong>do</strong> vivir <strong>de</strong> cerca la forma cómo muchas personaspercibían la transformación <strong>de</strong> estos parques, cuan<strong>do</strong> llegaba la noche. Convirtién<strong>do</strong>se enuna frontera para el tránsito tranquilo <strong>de</strong> muchas personas, estos parques son acogi<strong>do</strong>s pormuchos solo durante el día. En el caso <strong>de</strong> La Presi<strong>de</strong>nta y Bicentenario por ejemplo, muchos<strong>de</strong> los visitantes que iban en el día sentían temor frente a los comportamientos y actitu<strong>de</strong>s<strong>de</strong> otros individuos y grupos que visitaban estos lugares en la noche, sobre to<strong>do</strong> si estabanmal vesti<strong>do</strong>s, en esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> alicoramiento o consumien<strong>do</strong> algún tipo <strong>de</strong> sustanciasalucinógenas. En cambio cuan<strong>do</strong> se les preguntó qué sensación les transmitía la presencia <strong>de</strong>isbn: 978-85-98261-08-9147


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)niños o ancianos en esta clase <strong>de</strong> lugares, dijeron sentirse tranquilos, acompaña<strong>do</strong>s yseguros <strong>de</strong>bi<strong>do</strong> a que la presencia <strong>de</strong> este tipo <strong>de</strong> personas, sí invitaba a permanecer enestos sitios, <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> a la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> seguridad y bienestar que consi<strong>de</strong>ran los usuarios conrelación a este tipo <strong>de</strong> espacios públicos.isbn: 978-85-98261-08-9Como una conclusión general frente al espacio vivi<strong>do</strong> se consi<strong>de</strong>ra que las percepciones positivas onegativas que resultan en estos parques, no solo están <strong>de</strong>terminadas por la disposición espacial ymaterial <strong>de</strong> los mismos, sino por el tipo <strong>de</strong> personas que lo visitan. Según esto, muchos usuariosdiurnos sienten que estos parques funcionan <strong>de</strong> día como lugares abiertos, mientras que en lanoche se transforman en una frontera oscura que restringe las formas <strong>de</strong> acce<strong>de</strong>r al lugar. Comoespacios solitarios, muchas <strong>de</strong> las personas entrevistadas expresaron que estos PL no ofrecen lascondiciones a<strong>de</strong>cuadas para los tránsitos ni diurnos y nocturnos, ya que por un la<strong>do</strong> los mismossen<strong>de</strong>ros <strong>de</strong> los PL se convierten en barreras que sólo los más osa<strong>do</strong>s se atreven a pasar y por otro,la noche alimenta las sensaciones <strong>de</strong> mie<strong>do</strong> y peligro aumentada con la poca visibilidad <strong>de</strong> loslugares, dan<strong>do</strong> como resulta<strong>do</strong> cualquier posibilidad <strong>de</strong> robo o agresión física. Al preguntar por eltiempo <strong>de</strong> permanencia a las mujeres que visitaban estos parques, la mayoría manifestó que estossitios <strong>de</strong> noche cambian y se transforman en lugares <strong>de</strong> difícil acceso, llegan<strong>do</strong> incluso aconsi<strong>de</strong>rarlos como fronteras que obstaculizan cualquier tránsito u ocupación, por el riesgo <strong>de</strong>sufrir algún tipo <strong>de</strong> agresión física o robo.Como otro aspecto relaciona<strong>do</strong> con las fronteras espaciales percibidas por muchosusuarios, se encuentra la poca iluminación y la disposición espacial que tienen estosparques y que es percibida como espacios que promueven el escondite <strong>de</strong> personas oanimales que pue<strong>de</strong>n en un momento <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>, llegar a agredir a los visitantes ytranseúntes que van o cruzan este tipo <strong>de</strong> parques. De acuer<strong>do</strong> a la respuesta <strong>de</strong> muchosinterlocutores entrevista<strong>do</strong>s, la percepción <strong>de</strong> mie<strong>do</strong> está relacionada con la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> noatravesar estos parques o a permanecer en otros lugares <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> los mismos.Las fronteras espaciales que se i<strong>de</strong>ntifican en estos parques también están <strong>de</strong>finidas porel tiempo que las personas consi<strong>de</strong>ran que se pue<strong>de</strong> permanecer o no, en estos lugares.De acuer<strong>do</strong> a esto la finalización <strong>de</strong>l día es vista por muchos, como una situación que laspersonas asocian con la oportunidad <strong>de</strong> lo ilegal y peligroso. Pensan<strong>do</strong> que la nochepromueve activida<strong>de</strong>s que no se practican <strong>de</strong> día como el consumo <strong>de</strong> alcohol, sustanciasalucinógenas y manifestaciones exageradas <strong>de</strong> afecto en el espacio público, hacen <strong>de</strong>estos lugares, el sitio i<strong>de</strong>al para <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>rse <strong>de</strong> prejuicios o prohibiciones para unos, oen fronteras para los que no quieren presenciar este tipo <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s. De esta forma elespacio y el tiempo se convierten en factores que <strong>de</strong>finen sus vecinos y visitantes, a lahora <strong>de</strong> llegar o permanecer en estos parques lineales. Como dicen Análida Rincón yMaría Clara Echeverría:Uno <strong>de</strong> los ámbitos <strong>do</strong>n<strong>de</strong> se gesta la territorialidad es el <strong>de</strong> la memoria y el imaginario, en el quese fun<strong>de</strong>n inconscientemente los esquemas socioculturales frente a esos espacios (concretos ovirtuales); se construyen imágenes sobre estos; se posibilitan, limitan o guían ciertas percepciones(se ama o se teme) <strong>de</strong>s<strong>de</strong> las que asumen ciertas relaciones con espacios y se ocupan, <strong>de</strong>socupan,habitan o <strong>de</strong>shabitan, se frecuentan o se eva<strong>de</strong>n ciertos lugares (ECHEVERRÍA y RINCÓN, 2000, 41).De acuer<strong>do</strong> a esto, el senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> referencia y la condición <strong>de</strong> permanencia se veinfluenciada por las fronteras que restringen el acceso al lugar, en <strong>do</strong>n<strong>de</strong> el senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>148


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)apropiación está <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> por el imaginario que construyen los diferentes actoressociales <strong>de</strong> cada parque, frente a lo que perciben espacial y socialmente, cuan<strong>do</strong> utilizanalgunos <strong>de</strong> sus tramos, en diferentes horas <strong>de</strong>l día o <strong>de</strong> la noche.Como espacio vivi<strong>do</strong> los parques lineales La Presi<strong>de</strong>nta, La Hueso o Bicentenario pue<strong>de</strong>nser los sen<strong>de</strong>ros que comunican con el resto <strong>de</strong> la ciudad o la frontera que <strong>de</strong>limita,cuan<strong>do</strong> la calidad <strong>de</strong>l disfrute se restringe y emergen sentimientos relaciona<strong>do</strong>s con elmie<strong>do</strong>, frente al uso o permanencia en el lugar. A partir <strong>de</strong> la mirada imaginativa <strong>de</strong> lospropios vecinos y usuarios que construyen fronteras espaciales y temporales en estosparques, se encuentra una variedad <strong>de</strong> percepciones que van <strong>de</strong>s<strong>de</strong> un lugar bonito yagradable, hasta uno peligroso y solitario que las personas se rehúsan a cruzar.isbn: 978-85-98261-08-98 REFLEXIONES FINALESPartien<strong>do</strong> <strong>de</strong> la i<strong>de</strong>a <strong>de</strong> que esta clase <strong>de</strong> espacios públicos son los que hacen posible laciudad, existe una posibilidad <strong>de</strong> que lo que se vaya encontran<strong>do</strong> en el camino es que lamisma urbe, se está configuran<strong>do</strong> como un espacio cada vez más in<strong>de</strong>pendiente y difuso,<strong>do</strong>n<strong>de</strong> los lugares centrales que antes servían <strong>de</strong> punto <strong>de</strong> encuentro, ahora empiezan aquedarse en el recuer<strong>do</strong> y la añoranza <strong>de</strong> muchas personas, que buscan rescatar supropia i<strong>de</strong>ntidad, a partir <strong>de</strong> las diferentes formas <strong>de</strong> ser y estar en la ciudad. Con la i<strong>de</strong>a<strong>de</strong> permanencia en el espacio público cada día más difusa, la ciudad cosmopolita einterconectada se expan<strong>de</strong>, cambian<strong>do</strong> el habitar <strong>de</strong> las casas por edificios, el entornobarrial por unida<strong>de</strong>s resi<strong>de</strong>nciales, los parques cuadra<strong>do</strong>s por lineales y las calles poravenidas y autopistas.Frente a lo percibi<strong>do</strong> se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cir que los parques lineales funcionan como escenarios<strong>de</strong> significa<strong>do</strong> y socialización por medio <strong>de</strong> diferentes expresiones y apropiaciones <strong>de</strong>carácter social, político, económico o cultural. Es importante resaltar que las expresionesrelacionadas con los usos, prácticas y apropiaciones respon<strong>de</strong>n a una serie <strong>de</strong>comportamientos que, aparte <strong>de</strong> relacionarse con los usos y las prácticas <strong>de</strong> cada lugar,también resultaron situaciones que fueron asociadas a los diferentes mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong>apropiarse y otorgarle un senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> pertenencia a cada parque.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> el espacio físico no como una imagen subjetiva <strong>de</strong>l entorno, sino como unconglomera<strong>do</strong> <strong>de</strong> sujetos, acciones y percepciones que hicieron <strong>de</strong> estos espacios unentorno múltiple y varia<strong>do</strong> sobre el que las personas tomaron <strong>de</strong>cisiones espaciales paraestar y/o transitar. Por lo que durante los tránsitos, las esperas, los cruces, los encuentrosy las ocupaciones espaciales se pu<strong>do</strong> compren<strong>de</strong>r que la utilización <strong>de</strong> estos lugares no se<strong>de</strong>terminaba únicamente por los elementos físicos presentes en cada lugar, sino por elsignifica<strong>do</strong> que tanto vecinos como visitantes le otorgaron a cada parque. Pensa<strong>do</strong>s comoaspectos positivos para la ciudad por parte <strong>de</strong>l gobierno local, pero interpreta<strong>do</strong>s comoun riesgo o amenaza por la comunidad, estos PL fueron entendi<strong>do</strong>s muchas veces comoespacios genera<strong>do</strong>res <strong>de</strong> sentimientos negativos en <strong>do</strong>n<strong>de</strong> el mie<strong>do</strong>, la inseguridad y la<strong>de</strong>sconfianza hizo que el espacio transforma<strong>do</strong> para beneficio <strong>de</strong> los ciudadanos, fuerapercibi<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma contraria por sus habitantes y visitantes.149


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A partir <strong>de</strong>l interés que había por conocer los actores sociales presentes en cada parquese pu<strong>do</strong> enten<strong>de</strong>r por medio <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s, usos, trayectorias, qué apropiacionesaparecían <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> a las representaciones sociales <strong>de</strong> cada lugar, las cuales en muchasoportunida<strong>de</strong>s se alejaron <strong>de</strong> lo que el gobierno local tenía concebi<strong>do</strong>, cuan<strong>do</strong> construyóestos parques lineales. Por otro la<strong>do</strong> es importante reconocer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lo concebi<strong>do</strong>, que seatendieron problemas físicos relaciona<strong>do</strong>s al mejoramiento ambiental <strong>de</strong> las quebradas(olores, <strong>de</strong>sechos, vertimientos, contaminación ambiental) y algunos aspectosrelaciona<strong>do</strong>s con el or<strong>de</strong>n social, la movilidad, la localización <strong>de</strong> venteros ambulantes y la<strong>do</strong>tación <strong>de</strong> un espacio público efectivo, respondien<strong>do</strong> en forma positiva a lasnecesida<strong>de</strong>s básicas <strong>de</strong> circulación y conectividad peatonal, así como la recuperaciónparcial <strong>de</strong> las quebradas que quedaron canalizadas para evitar riesgos <strong>de</strong><strong>de</strong>sbordamientos e inundaciones según la infraestructura establecida.Frente a lo vivi<strong>do</strong> se pue<strong>de</strong> concluir que los diferentes tipos <strong>de</strong> usos, apropiaciones y resignificacionesencontra<strong>do</strong>s en cada lugar, superpuso la visión <strong>de</strong> lo concebi<strong>do</strong> por elgobierno local frente a lo vivi<strong>do</strong> por los vecinos, visitantes y transeúntes en cada PL.Pensa<strong>do</strong>s para suplir unas necesida<strong>de</strong>s ambientales, estos parques lejos <strong>de</strong> adherirse aunas políticas abiertas <strong>de</strong> uso, fueron interpreta<strong>do</strong>s muchas veces como una<strong>do</strong>mesticación <strong>de</strong>l espacio para un uso priva<strong>do</strong> y/o público, a partir <strong>de</strong> la experienciacotidiana <strong>de</strong> sus habitantes quienes reflejaron en cada lugar procesos <strong>de</strong> ocupación yapropiación, llegan<strong>do</strong> a convertir cada parque en un referente simbólico <strong>de</strong> aceptación orechazo, condiciona<strong>do</strong> por las percepciones y representaciones sociales <strong>de</strong> sus actoressociales y no necesariamente por lo que sus gestores planearon.Mientras el gobierno local propone nuevas formas <strong>de</strong> ocio y esparcimiento en el espaciopúblico intentan<strong>do</strong> alejar el concepto <strong>de</strong> retícula en la mente <strong>de</strong> sus usuarios, no esposible ocultar la dicotomía que aparece cuan<strong>do</strong> éstos preten<strong>de</strong>n que los parqueslineales sean acogi<strong>do</strong>s y acepta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> la misma forma que los parques tradicionales,tenien<strong>do</strong> en cuenta que las dinámicas sociales son cambiantes. Como espacios públicospensa<strong>do</strong>s para el disfrute y la calidad <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> la ciudadanía, éstos se vuelventerritorios accesibles por muchos sujetos y grupos, pero al mismo tiempo pasivo cuan<strong>do</strong>el gobierno local controla a través <strong>de</strong> la arquitectura y el diseño las formas <strong>de</strong> ocupación,uso y recreación.Frente a lo concebi<strong>do</strong> por parte <strong>de</strong> la administración pública, se evi<strong>de</strong>nciaron normas que nosólo respon<strong>de</strong>n a los soportes espaciales estructuran<strong>do</strong> y comunican<strong>do</strong> diferentes partes <strong>de</strong> laciudad en calidad <strong>de</strong> espacio público, se enfrentan con las “políticas” <strong>de</strong> uso que establecen losactores sociales mediante su participación cotidiana en el espacio público, con las quepotencializan su significa<strong>do</strong> <strong>de</strong> manera diversa y continua. Con esto vale la pena resaltar que elsignifica<strong>do</strong> <strong>de</strong> un espacio pue<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> por el uso y el reconocimiento que losindividuos le otorguen, ya que el diseño arquitectónico, la distribución espacial y el mobiliariopue<strong>de</strong>n estar sujetos a la interpretación que los usuarios le asignen, mediante sus prácticascotidianas. Así las personas no sólo tienen la capacidad <strong>de</strong> dar senti<strong>do</strong> a los entornos urbanos apartir <strong>de</strong> sus comportamientos, sino que también pue<strong>de</strong>n transformarlos llegan<strong>do</strong> incluso acambiar su senti<strong>do</strong> original, aquel que se tiene planea<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la política pública estatal. Conesto se concluye que el espacio público no sólo se planea <strong>de</strong>s<strong>de</strong> la proyección arquitectónica,isbn: 978-85-98261-08-9150


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)sino que <strong>de</strong>be ser pensa<strong>do</strong> como un espacio en el que se evi<strong>de</strong>ncie un reconocimiento porparte <strong>de</strong> los sujetos que la viven y la interpretan, pues “…aquél que tiene la sabiduría para lacreación <strong>de</strong> intervenciones fantásticas, <strong>de</strong>be también ocuparse <strong>de</strong> la elaboración <strong>de</strong> sussignifica<strong>do</strong>s. Estos construyen la historia y con ella otra porción <strong>de</strong> otras historias” (CANALLI enSILVA, CORREA y MAGABOSOCO, 2010, 119).Aunque <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lo concebi<strong>do</strong>, estos parques fueron entrega<strong>do</strong>s como espacios <strong>de</strong>reconocimiento para la interacción y el disfrute social pasivo, muchas <strong>de</strong> las prácticassocioculturales no funcionan <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> su planificación. Esta disociación respecto a lasprácticas socioculturales <strong>de</strong> los mora<strong>do</strong>res y el resulta<strong>do</strong> arquitectónico en los PL (que muchasveces son <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s por diferentes entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>l mismo gobierno local), se pu<strong>do</strong> ver porejemplo en el PL La Bermejala, antece<strong>de</strong> un manifiesto estudio sociocultural (UNALMED, 2004)mientras que el resulta<strong>do</strong> arquitectónico <strong>de</strong>l parque ejecuta<strong>do</strong> por la Empresa <strong>de</strong> DesarrolloUrbano (EDU), pareciera ignorar los hallazgos iniciales.Des<strong>de</strong> la noción urbanística institucional, aunque estos espacios fueron pensa<strong>do</strong>s para usopúblico, pue<strong>de</strong>n volverse lugares <strong>de</strong> inclusión para unos y <strong>de</strong> exclusión para otros cuan<strong>do</strong> sonconcebi<strong>do</strong>s en términos funcionales para usos y usuarios específicos. Des<strong>de</strong> lo concebi<strong>do</strong>, losactores sociales para los que fueron pensa<strong>do</strong>s estos parques, <strong>de</strong>bían cumplir con unascaracterísticas físicas, económicas y sociales como si los intereses específicos por elfuncionamiento y el senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>l lugar, correspondieran a una realidad inexistente <strong>de</strong> lasdinámicas sociales <strong>de</strong> los actores reales como usuarios activos.Pensan<strong>do</strong> en el reconocimiento <strong>de</strong> los espacios tampoco se encontró una concordancia entreconcebi<strong>do</strong> y lo vivi<strong>do</strong> frente al tema <strong>de</strong>l nombre parque lineal. Defini<strong>do</strong>s con este término porel gobierno local, estos parques fueron i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s por la comunidad con nombres tales comocamino, sen<strong>de</strong>ro ecológico o ruta al la<strong>do</strong> <strong>de</strong> la quebrada. Aparecien<strong>do</strong> en muy pocasoportunida<strong>de</strong>s la palabra parque lineal para referenciar estos espacios, cada colectividadreconoció estos espacios <strong>de</strong> forma diferente a la concebida. Asunto que está relaciona<strong>do</strong> con elimaginario <strong>de</strong> las personas al relacionar el PL con simples sen<strong>de</strong>ros peatonales en los cuales lapresencia <strong>de</strong> la quebrada no tiene un significa<strong>do</strong> muy marca<strong>do</strong> <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> al senti<strong>do</strong> que <strong>de</strong>bíatener <strong>de</strong>s<strong>de</strong> lo concebi<strong>do</strong>.Tenien<strong>do</strong> en cuenta que el espacio físico a veces se aleja <strong>de</strong> la planeación que se busca en losproyectos <strong>de</strong> ciudad, se pue<strong>de</strong> pensar que para mejorar la tensión entre la ciudad pensada, laciudad vivida y la apropiada hay que orientarse por quiénes la van a ocupar y con esto orientarpolíticas y reformas institucionales y educativas, sobre las características que se pue<strong>de</strong>n incluirpara las futuras transformaciones que se piensan implementar. Para Borja (2003,118) hacerciudad, es un <strong>de</strong>safío urbano y social que <strong>de</strong>be pensar en centralida<strong>de</strong>s, monumentalida<strong>de</strong>s,movilidad, accesibilidad, en la calidad y visibilidad <strong>de</strong> los barrios, como una fuerza <strong>de</strong>integración <strong>de</strong> los espacios públicos, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> el autoestima <strong>de</strong> sus habitantes y elreconocimiento exterior hagan <strong>de</strong> los espacios, unos entornos físicos y simbólicos que ayu<strong>de</strong>na construir y dar senti<strong>do</strong> a la vida cotidiana <strong>de</strong> la ciudadanía, ya que el espacio público a<strong>de</strong>más<strong>de</strong> constituirse como una materialidad urbana, <strong>de</strong>be respon<strong>de</strong>r a una necesidad <strong>de</strong>l individuocomo parte <strong>de</strong> un colectivo. Su participación incluyente en el diseño, mantenimiento eintervención <strong>de</strong>l espacio público, se convierte en elemento fundamental para su uso efectivo(PINZÓN y ECHEVERRI, 2010,99). De acuer<strong>do</strong> a esto, se plantea un <strong>de</strong>bate en torno a losisbn: 978-85-98261-08-9151


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9criterios <strong>de</strong> diseño que fueron concebi<strong>do</strong>s estos espacios, ya que la planeación misma entra encontradicción con las prácticas sociales que obe<strong>de</strong>cen a otras lógicas <strong>de</strong> acción, como es el caso<strong>de</strong> la apropiación y producción <strong>de</strong>l espacio público <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> estos parques lineales. El i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>una ciudad organizada requiere <strong>de</strong> unos espacios or<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s y controla<strong>do</strong>s, pero en la ciudadreal los actores sociales <strong>de</strong> estos lugares actúan con base a las lógicas <strong>de</strong> sus propiasnecesida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> a los senti<strong>do</strong>s y los imaginarios propios sobrepasan<strong>do</strong> la regulación<strong>de</strong>l gobierno local. De esta forma las diferentes prácticas en estos parques lineales creanresistencias representadas en la apropiación o rechazo <strong>de</strong> los mismos.Se pue<strong>de</strong> <strong>de</strong>cir que el proyecto <strong>de</strong> parques lineales como alternativa para recuperar las fuenteshídricas y promoción <strong>de</strong> la movilidad es una contradicción. Por un la<strong>do</strong> se implementó comoconsecuencia <strong>de</strong> esa transformación espacial que ha veni<strong>do</strong> experimenta<strong>do</strong> la ciudad, pero porotro, se efectuó sin tener en cuenta cada contexto, es <strong>de</strong>cir los diseños fueron lleva<strong>do</strong>s a cabocon muy pocas alternativas <strong>de</strong> uso y recreación <strong>de</strong> acuer<strong>do</strong> a los lugares implementa<strong>do</strong>s,tenien<strong>do</strong> en cuenta la escases <strong>de</strong> parques y espacios públicos <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a la recreación quetiene actualmente la ciudad.Para finalizar este texto, queda la propuesta <strong>de</strong> observar en forma más <strong>de</strong>tallada las distintasconfiguraciones que existen en la ciudad asociadas a los valores, hábitos, costumbres, imaginarios,<strong>de</strong>seos, rituales y rutinas vivi<strong>do</strong>s por sus habitantes, ya que no se trata solamente <strong>de</strong> diseñar yejecutar obras con procedimientos <strong>de</strong>mocráticos, sino enten<strong>de</strong>r las diferentes circunstancias que cadagrupo social necesita cuan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>finen los espacios pensa<strong>do</strong>s y las comunida<strong>de</strong>s que preten<strong>de</strong>n usarel espacio público, ya que a través <strong>de</strong> éste se teje y se relacionan los objetos que conforman lourbano, los pensamientos <strong>de</strong> los habitantes, los sueños o las “utopías quimeras”, como las llama AliciaLindón (2005). El espacio público habla <strong>de</strong> la organización, la función y <strong>de</strong> lo que la ciudad es. Lahumanización (o la <strong>do</strong>mesticación) <strong>de</strong> éste es un construir constante <strong>de</strong>l ser humano, es a lo queHei<strong>de</strong>gger llama “vivir” que es igual a habitar.(...) enten<strong>de</strong>r que el espacio público alcanza senti<strong>do</strong> cuan<strong>do</strong> correspon<strong>de</strong> al recorri<strong>do</strong> natural <strong>de</strong> quien lausa, <strong>de</strong> quien la colma <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s porque lo recorre, y un parque no es un ‘espacio público’ sino locontrario, el espacio <strong>do</strong>n<strong>de</strong> lo público se torna íntimo en la medida en que el anciano, el niño, la parejaque los usan les confieren a esos espacios una propia dimensión (RUIZ, 2005).Por eso lo público en cierta medida, pue<strong>de</strong> hacerse priva<strong>do</strong>.1529 REFERENCIAARAYA Umaña, Sandra. Las representaciones sociales: ejes teóricos para su discusión. 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programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Colombia. ISSN: 1657‐9526 Ed: Universidad <strong>de</strong>l Valle. 2007DALIA, Miriam‐Artioli,Martha. “Las significaciones <strong>de</strong> los espacios en la construcción <strong>de</strong> los mapas cognitivos <strong>de</strong>niños <strong>de</strong>l barrio <strong>de</strong> LA BOCA‐Argentina”. 3‐Educación y enseñanza <strong>de</strong> la geografía. Argentina 2‐Instituto San JuanEvangelista. http://www.egal2009.easyplanners.info/area03/3079_Dalia_Miriam_Mabel.<strong>do</strong>cECHEVERRÍA R., María Clara, Hábitat vs vivienda. Mirada Crítica al viviendismo. Reflexión presentada en elSeminario‐Foro Internacional: la construcción <strong>de</strong>l hábitat popular: Experiencias <strong>de</strong> intervenciones urbanas,arquitectónicas, tecnológicas, y pedagógicas. 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Articulo Toma<strong>do</strong><strong>de</strong>: http://www.ub.es/geocrit/sn/sn‐194‐20.htm 2005(consulta<strong>do</strong> en febrero <strong>de</strong> 2011).153MATA, Rafael, (2005). Integración <strong>de</strong> Espacios Naturales Protegi<strong>do</strong>s en la Or<strong>de</strong>nación <strong>de</strong>l Territorio, Madrid: ED.Fundación F.G.B. Madrid.MELGAREJO VARGAS, Luz María. Sobre el concepto <strong>de</strong> percepción en Revista Alterida<strong>de</strong>s, 1994 Págs. 47‐53.MONTAÑEZ GOMEZ, Gustavo y DELGADOMAHECHA Ovidio. Espacio, territorio y región: conceptos básicos para unproyecto nacional. Universidad Nacional <strong>de</strong> Colombia. Red <strong>de</strong> estudios <strong>de</strong> Espacio y territorio, RET. 2001MONTOYA GÓMEZ, José Jairo. (2010). “Paroxismos <strong>de</strong> las i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, amnesias <strong>de</strong> las memorias. Algunas pistassobre las alterida<strong>de</strong>s”. 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programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Territorio. Buenos Aires: Ed. Ciccus, 2006, v., p. 71‐102.http://www6.ufrgs.br/pgdr/arquivos/462.pdfSOJA, Edward Third space: journeys to Los Angeles and otherreal‐and‐imagined places Oxford. 2. The Trialectics ofSpatiality. BLACWELL PUBLISHING. USA. 1996UNALMED, Mejoramiento integral <strong>de</strong>l Barrio Moravia, Me<strong>de</strong>llín. Departamento administrativo <strong>de</strong> planeación.Facultad <strong>de</strong> Arquitectura‐Escuela <strong>de</strong> Urbanismo.2004 (Documento sin publicar)isbn: 978-85-98261-08-910 NOTAS1Aclaramos que término <strong>de</strong> percepción emplea<strong>do</strong> aquí, no se <strong>de</strong>be confundir con el concepto <strong>de</strong> “espacio percibi<strong>do</strong>”explica<strong>do</strong> en párrafos anteriores, la percepción a la que se alu<strong>de</strong> es <strong>de</strong>finida por la psicología como “el proceso cognitivo <strong>de</strong> laconciencia, el cual está encarga<strong>do</strong> <strong>de</strong> otorgar el reconocimiento, la interpretación y la significación para la elaboración <strong>de</strong>juicios, en torno a las sensaciones obtenidas <strong>de</strong>l ambiente físico y social, en el que intervienen otros procesos psíquicos <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> los que se encuentra el aprendizaje, la memoria y la simbolización” (Melgarejo, 1994, 48).2 POT es un instrumento estableci<strong>do</strong> en 1999 por Acuer<strong>do</strong> Municipal con el cual la administración municipal establece lasreglas y las condiciones con las cuales se pue<strong>de</strong> utilizar el territorio.3 Para ampliar la información remitirse al Plan <strong>de</strong> Desarrollo 2004/2007. Municipio <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>llín. Página 105.4 Para ampliar información sobre la ubicación <strong>de</strong> la ubicación <strong>de</strong> los parques lineales en Me<strong>de</strong>llín, remitirse al cuadro <strong>de</strong> lapágina 58 <strong>de</strong>l POT 2006.5 Según la administración municipal <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>llín, “Los Parques Biblioteca son Centros Culturales para el <strong>de</strong>sarrollo social quefomentan el encuentro ciudadano, las activida<strong>de</strong>s educativas y lúdicas, la construcción <strong>de</strong> colectivos, el acercamiento a losnuevos retos en cultura digital. Y también son espacios para la prestación <strong>de</strong> servicios culturales que permiten la creacióncultural y el fortalecimiento <strong>de</strong> las organizaciones barriales existentes.” (EDU: parques biblioteca, Proyectos 2004‐2007)6 Centro Iberoamericano De Desarrollo Estratégico Urbano CIDEUhttp://www.ci<strong>de</strong>u.org/in<strong>de</strong>x.php?mod=objeto&act=verObjeto&idObjeto=217 (Consulta<strong>do</strong> el 15 <strong>de</strong> Octubre 2011).7 Definición <strong>de</strong> convite: Reunión <strong>de</strong> trabaja<strong>do</strong>res que prestan sus servicios a cambio <strong>de</strong> comida. Toma<strong>do</strong> <strong>de</strong> Diccionario <strong>de</strong> lalengua española‐Vigésima segunda edición. http://buscon.rae.es/draeI/SrvltConsulta?TIPO_BUS=3&LEMA=convite.(Consulta<strong>do</strong> el 12 junio 2011).154


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)NÚCLEO TEMÁTICO II: Gran<strong>de</strong>s projetos como elementos transforma<strong>do</strong>res da cida<strong>de</strong> e regiãoJeceaba, uma cida<strong>de</strong> na encruzilhadaJeceaba, a city at the intersectionReginal<strong>do</strong> Luiz CARDOSOMestre em Ciência Políitica/<strong>UFMG</strong>; Doutoran<strong>do</strong> em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ.bauhaus2@uol.com.br.isbn: 978-85-98261-08-9RESUMOEste artigo busca compreen<strong>de</strong>r o processo <strong>de</strong> ocupação territorial brasileira contemporânea a partir <strong>do</strong>estu<strong>do</strong> da implantação <strong>de</strong> um complexo si<strong>de</strong>rúrgico na cida<strong>de</strong> mineira <strong>de</strong> Jeceaba. Tal análisefundamenta‐se na premissa <strong>de</strong> que o exame da economia política <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> projeto permite‐nosconstatar a forma com que os atores políticos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> nível escalar em que estejam operan<strong>do</strong>− municipal, estadual e/ou fe<strong>de</strong>ral −, tornaram‐se reféns da nova movimentação <strong>do</strong> capital inauguradacom o neoliberalismo, o verda<strong>de</strong>iro nome da globalização. Focamos nossa análise no projeto Jeceabaporque, em se tratan<strong>do</strong> <strong>de</strong> um work in progress, coloca‐nos diante das condições <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> darepresentação <strong>de</strong> tal fenômeno e <strong>de</strong> sua conseqüente problematização.PALAVRAS‐CHAVE: planejamento urbano, globalização, território, <strong>de</strong>senvolvimento regional, indústriasi<strong>de</strong>rúrgicaABSTRACTThis article seeks to un<strong>de</strong>rstand the process of contemporary Brazilian territorial occupation from thestudy of the implantation of a steel complex in the city of Jeceaba, Minas Gerais, Brazil. This analysis isbased on the premise that the examination of the political economy of a large project allows us to verifythe way political actors, regardless the scale level in which they are operating ─ local, state and/orfe<strong>de</strong>ral ─, have become hostages of the new capital movement inaugurated with the neoliberalism, thetrue name of globalization. We focus our analysis on Jeceaba project because, <strong>de</strong>aling with a "work inprogress", it put us in front of the conditions of possibility of the representation of such phenomenonand its consequential problematization.KEYWORDS: globalization, territory, regional <strong>de</strong>velopment, urban planning, steel industry.1551 INTRODUÇÃOMilton Santos, em uma <strong>de</strong> suas últimas entrevistas 1 , disse que, ao olhar o território nacionalbrasileiro, via “um território nacional mas da economia internacional”. Para ele, o esforço <strong>do</strong>snovos mandarins − “o esforço <strong>de</strong> quem manda” − se fazia no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> favorecer o trabalho<strong>do</strong>s atores da economia internacional. “Não apenas as multinacionais estrangeiras, mas todasas gran<strong>de</strong>s firmas estrangeiras ou brasileiras, são elas que trazem para o território uma lógicaglobalizante. (...) Há mais que globalização, há globalitarismo” (SANTOS, 1998). Para Vainer(2007), a história recente <strong>do</strong> planejamento territorial brasileiro po<strong>de</strong>ria ser narrada como umatrajetória continuada <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstituição. De <strong>de</strong>sconstituição política, evi<strong>de</strong>nciada no<strong>de</strong>saparecimento progressivo da questão regional da agenda nacional e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstituiçãooperacional <strong>do</strong>s instrumentos estatais construí<strong>do</strong>s a partir da década <strong>de</strong> 50 <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>.Para o autor, hoje, após a ditadura e a a<strong>de</strong>são total ao neoliberalismo (vi<strong>de</strong> Consenso <strong>de</strong>


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Washington I e II 2 ), “a <strong>de</strong>sconstituição parece atualizar‐se (e realizar‐se) numa espécie <strong>de</strong>conformada aceitação da fragmentação territorial que consagra a acomodação subordinada àsformas contemporâneas da globalização” (Ibid, p.103.). Toman<strong>do</strong> o que Vainer (Ibid, 2007)<strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “vetores <strong>de</strong> fragmentação territorial”, no qual práticas e dinâmicas são resulta<strong>do</strong>s<strong>de</strong> processos <strong>de</strong>cisórios (LAFER, 1987), buscaremos observá‐los no processo <strong>de</strong> implantação <strong>de</strong>uma usina si<strong>de</strong>rúrgica na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jeceaba, MG. A nossa hipótese buscará corroborar apremissa lançada por Vainer <strong>de</strong> que:O exame da economia política <strong>de</strong> cada gran<strong>de</strong> projeto permitiria i<strong>de</strong>ntificar <strong>de</strong> que forma atores políticos eempresas nacionais e internacionais se associam e mobilizam elites locais e regionais, para exercer ocontrole <strong>do</strong> território, constituin<strong>do</strong> uma nova geografia física, econômica e política que <strong>de</strong>compõe oterritório nacional em novos fragmentos “glocaliza<strong>do</strong>s” (VAINER, 2007, p.5).isbn: 978-85-98261-08-92 TERRITORIALIDADESPartamos <strong>de</strong> uma indagação: o que é uma cida<strong>de</strong>? Difícil dizer. Lugar on<strong>de</strong>, inicialmente, oshomens foram compeli<strong>do</strong>s a viver juntos? Solução por <strong>de</strong>mais simplista, voluntariosa e<strong>de</strong>terminista. Da sua origem à sua atual composição, muitas voltas se <strong>de</strong>ram. A antropologianos diz que as primeiras aglomerações ocorreram para que os homens pu<strong>de</strong>ssem honrar osseus mortos. Caça<strong>do</strong>res e coletores viviam para lá e para cá, sem que <strong>de</strong>ssem ou vissem algumsenti<strong>do</strong> nisto. Até que, mesmo por falta <strong>de</strong> um centro qualquer, começaram a <strong>de</strong>positar os seusmortos em um só lugar, ao qual voltavam anualmente para prestar‐lhes homenagens. Voltavampara expiar suas culpas, redimir seus peca<strong>do</strong>s, lembrar outros tempos, repudiar máslembranças... A cida<strong>de</strong> nasce, portanto, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um senti<strong>do</strong> antitético, marcada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seucomeço pelo seu duplo. Lugar para on<strong>de</strong> se vai e lugar para on<strong>de</strong> se esvai, se esfalece, seescapa. Maldita pelas lembranças, sagrada pelas esperanças nela <strong>de</strong>positadas.Contu<strong>do</strong>, não sabemos bem a que ou a quem serve. É evi<strong>de</strong>nte que esse aglomera<strong>do</strong>, perdi<strong>do</strong>nas curvas <strong>do</strong> tempo, teve em seus princípios algumas regras. Se se tornou a norma, seguiu o<strong>de</strong>sejo <strong>do</strong>s homens. Ao se racionalizar (tal finalida<strong>de</strong>), tornou‐se política. Aglomera<strong>do</strong>s, osseres humanos, idiossincráticos que são, conflitam entre si. A política surge neste gap, natentativa <strong>de</strong> fazer, como corretamente <strong>de</strong>nominou Bobbio (1986), com que conflitos nãoterminem em banhos <strong>de</strong> sangue.Territórios são habita<strong>do</strong>s por seres humanos, ou seja, são apropria<strong>do</strong>s e usa<strong>do</strong>s. Se estamos nocampo <strong>do</strong> humano, estamos falan<strong>do</strong> em interesses, únicos, sui generis, no limite,idiossincráticos. Qualquer tentativa <strong>de</strong> or<strong>de</strong>namento <strong>de</strong>ste território esbarra necessariamenteem conflitos, já que qualquer relação entre sujeitos acarreta relação ou relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Opo<strong>de</strong>r, a <strong>de</strong>cisão a ser tomada, só ocorre ao ser exercitada. Para Raffestin (1993, p.144), “oterritório se apóia no espaço, mas não é o espaço, é uma produção a partir <strong>do</strong> espaço. Ora, aprodução, por causa <strong>de</strong> todas as relações que envolve, se inscreve num campo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”. Dito<strong>de</strong> outra forma, o po<strong>de</strong>r é práxis.Esta tentativa <strong>de</strong> or<strong>de</strong>namento <strong>do</strong> território como processo <strong>de</strong> planejamento, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> comLafer (1987), po<strong>de</strong> ser subdividida em três fases: a) a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> planejar, b) o plano em si e, c)a implementação <strong>do</strong> plano. Se o plano em si é etapa notadamente técnica, a <strong>de</strong>cisão e a suaconseqüente implementação são essencialmente políticas. É nessa cal<strong>de</strong>ira que a vida presente156


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)e futura <strong>de</strong> gerações inteiras é forjada. Porém, em uma socieda<strong>de</strong> em que prevalece a luta <strong>de</strong>classes, quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>, já que o conjunto <strong>de</strong> forças é reparti<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sigual, ou naquilo<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> como jogo <strong>de</strong> “soma zero” 3 ? Ou, em outras palavras: como uma questão setransforma em uma questão? Deixemos que o território fale por si mesmo.isbn: 978-85-98261-08-93 JECEABAEu me lembro <strong>do</strong> que o presi<strong>de</strong>nte Roosevelt fez com a Tennessee Valley Autorithy. O papel <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> é planejar, estimular <strong>de</strong>senvolvimento com incentivos e, se necessário, prover fun<strong>do</strong>s emparcerias com o setor priva<strong>do</strong>. (Luiz Inácio Lula da Silva, The Washington Post, 31/11/2002)Se acionarmos a constelação <strong>de</strong> satélites que forma o Sistema <strong>de</strong> Posicionamento Global,vulgarmente conheci<strong>do</strong> como GPS (Global Positioning System), na coor<strong>de</strong>nada 20° 32’07’’ S (latitu<strong>de</strong>) e 43° 58’ 59’’ W (longitu<strong>de</strong>) <strong>de</strong>pararemo‐nos com um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> ponto<strong>do</strong> Extremo Oci<strong>de</strong>nte. As fotografias fornecidas pelos satélites mostram, no entorno <strong>de</strong>tal ponto, um vale ver<strong>de</strong>jante entremea<strong>do</strong> por <strong>do</strong>is pequenos rios – Camapuã eParaopeba – e um pequeno aglomera<strong>do</strong> <strong>de</strong> casas. Tu<strong>do</strong> ali em sua volta é povoa<strong>do</strong> <strong>de</strong>topônimos com nomes estranhos ao mun<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong>, escritos em uma língua extinta.O ponto perdi<strong>do</strong> no planeta aparentemente não tem muita importância. Que lugar seráeste? Um alemão exclamará: “Iêceaba”, um francês indagará: “Geceabá?”. E um japonêsredargüirá não muito distante da pronúncia <strong>do</strong> francês. Na linguagem global, “Djiciaba”.Em tupi‐guarani, quer dizer: “confluência <strong>de</strong> rios”. Jeceaba, município <strong>de</strong> Minas Gerais,Brasil, América <strong>do</strong> Sul. Estamos a apenas 124 km <strong>de</strong> Belo Horizonte, 3ª cida<strong>de</strong> emimportância econômica <strong>do</strong> país, capital <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s três Esta<strong>do</strong>s mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s <strong>do</strong>Brasil. E lá se encontra também uma pequena população <strong>de</strong> 6.500 habitantes, sen<strong>do</strong> que3.400 <strong>de</strong>les estão na área urbana.Jeceaba continuaria a ser uma cida<strong>de</strong> qualquer se não fosse o fato <strong>de</strong> ter alça<strong>do</strong> àsmanchetes econômicas <strong>do</strong> país <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi escolhida para ser o lugar da instalação <strong>de</strong>uma si<strong>de</strong>rúrgica <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte. Trata‐se <strong>de</strong> uma joint venture 4 formada pelo complexofranco‐germânico Vallourec‐Mannesmann − V&M (55% <strong>do</strong> capital) e o japonês Sumitomo(45%). Juntas irão construir uma usina integrada (aciaria e fábrica <strong>de</strong> tubularespetrolíferos) com capacida<strong>de</strong> para produzir anualmente 600.000 toneladas <strong>de</strong> tubos semcostura. Previsto para começar suas operações a partir <strong>de</strong> 2010, com investimentos daor<strong>de</strong>m <strong>de</strong> US$ 1,6 bilhão, tal empreendimento tem povoa<strong>do</strong> continuamente corações ementes da população jeceabense <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a notícia veio à tona. Em algumaspublicações, Jeceaba aparece como sen<strong>do</strong> o símbolo <strong>do</strong> novo ciclo <strong>do</strong> aço em MinasGerais. Em <strong>de</strong>poimentos toma<strong>do</strong>s pela imprensa e por este autor, as expectativas dapopulação resvalam em um misto <strong>de</strong> esperança e me<strong>do</strong>. 5 Esperança no que po<strong>de</strong> ser umalavancamento da cida<strong>de</strong> e região a um suposto e melhor patamar socioeconômico – apalavra‐chave aqui é emprego para to<strong>do</strong>s – e me<strong>do</strong> das consequências que este mesmoboom econômico po<strong>de</strong> trazer. Na verda<strong>de</strong>, uma vez que o que está por vir é <strong>de</strong> difícilrepresentação, o imaginário popular vive a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver o absur<strong>do</strong>, isto é, apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>.157


4 FIAT LUX 6programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Na região, Vale <strong>do</strong> Paraopeba, projeto <strong>de</strong> tal porte não é novida<strong>de</strong>, pois, a cerca <strong>de</strong> 40 km dali,em Ouro Branco, foi instalada no início da década <strong>de</strong> 1980, uma si<strong>de</strong>rúrgica estatal <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>porte, a Aços Minas Gerais S. A. – Açominas, que veio fazer parte mais tar<strong>de</strong>, com a políticagovernamental das privatizações, <strong>do</strong> Grupo Gerdau. Des<strong>de</strong> mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 2007, seguin<strong>do</strong> oaumento extraordinário da <strong>de</strong>manda externa por aço (vi<strong>de</strong> China), a Gerdau encontrava‐se emprocesso <strong>de</strong> expansão da sua capacida<strong>de</strong> produtiva. É quase <strong>de</strong>snecessário dizer que, com acrise econômico‐financeira <strong>de</strong>flagrada em setembro <strong>de</strong> 2008, tal processo foi atropela<strong>do</strong>,sen<strong>do</strong> paralisa<strong>do</strong>.O importante é registrar que a instalação da Açominas na região atendia, na época, a umprojeto governamental <strong>de</strong> incitação <strong>de</strong> novos pólos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento regional, alia<strong>do</strong> à suaproximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fontes importantes <strong>de</strong> recursos naturais, no caso, o minério <strong>de</strong> ferro (hematitae itabirito). De lá para cá, muita coisa mu<strong>do</strong>u. A ditadura fin<strong>do</strong>u‐se, o po<strong>de</strong>r político voltou àsmãos <strong>do</strong>s civis, uma nova Constituição foi elaborada e aprovada. O mo<strong>de</strong>lo econômicoa<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, se era o autoritário‐<strong>de</strong>senvolvimentista‐centraliza<strong>do</strong>r, agora passa por outro,po<strong>de</strong>ríamos dizer, <strong>de</strong> cunho nitidamente neoliberal. Basta ver que, <strong>de</strong> estatal, a empresa citadatornou‐se privada e, acrescente‐se, sem nenhuma discussão mais ampla sobre o que estava oupo<strong>de</strong>ria acontecer em curto, médio e longo prazos 7 , nos níveis político, econômico e social.Em que pese a presença <strong>de</strong> seus rios, Jeceaba não se encontra mais em uma encruzilhada. Aoque tu<strong>do</strong> indica, segue rigorosamente o mo<strong>de</strong>lo vigente. No mun<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong>, Jeceaba foi<strong>de</strong>scoberta como ponto estratégico <strong>de</strong> investimentos pelos global players. Para a elite local,trata‐se <strong>de</strong> um passo enorme no incremento <strong>do</strong>s negócios, talvez até gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais. Emjaneiro <strong>de</strong> 2009, o prefeito <strong>de</strong> Jeceaba, a convite <strong>do</strong> consórcio, foi conhecer, na França e noJapão, as plantas industriais das respectivas si<strong>de</strong>rúrgicas. No site <strong>de</strong> informações da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Jeceaba, ficamos saben<strong>do</strong> que o mesmo teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conversar com Yasuo Imai,vice‐presi<strong>de</strong>nte da Sumitomo Metal Industries “sobre diversos assuntos liga<strong>do</strong>s à instalação daVallourec‐Sumitomo em Jeceaba e <strong>de</strong> sua importância para nossa (sic!) região e para aspróprias empresas diante da crescente <strong>de</strong>manda mundial <strong>de</strong> tubos <strong>de</strong> aço sem costura (OCTG,na sigla em inglês) 8 , que será a produção <strong>de</strong> Jeceaba” 9 . No mais autêntico espírito <strong>de</strong>“paroquialismo mundializa<strong>do</strong>” (VAINER, 2007), ficamos saben<strong>do</strong> ainda que, além <strong>de</strong> ficarmaravilha<strong>do</strong> com o espetáculo das cerejeiras em flor, o Sr. Prefeito espera “que osprocedimentos para a implantação ocorram <strong>de</strong>ntro da maior brevida<strong>de</strong> possível, <strong>de</strong> forma apermitir à população <strong>de</strong> Jeceaba e <strong>do</strong> Alto Paraopeba <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong> acontecimentoem nossa região”. Para o Presi<strong>de</strong>nte da Câmara local, verea<strong>do</strong>r José Ribeiro Maia, o “Zuinho”:“É uma graça <strong>de</strong> Deus a escolha <strong>do</strong> Brasil, <strong>de</strong> Minas Gerais e, principalmente, <strong>de</strong> nossa cida<strong>de</strong>",para a implantação <strong>do</strong> empreendimento. 10Embora, oficialmente, tanto a Sumitomo Metals Industries quanto a Vallourec‐Mannesmannaleguem que a joint‐venture ocorra por motivos estratégicos, não é a primeira vez que as duasfazem uma parceria. Segun<strong>do</strong> a Agência <strong>de</strong> Notícias da Comunida<strong>de</strong> Européia 11 , em <strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> 1999, as duas produtoras <strong>de</strong> tubos <strong>de</strong> aço e mais seis outras foram con<strong>de</strong>nadas a severasmultas, acusadas <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> cartel, e, conseqüentemente, partilha <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>s. CarloMonti, economista italiano, Comissário Europeu (1994‐99) responsável pela competição naComunida<strong>de</strong> Econômica Européia à época, assim resumiu a situação: “trata‐se <strong>de</strong> uma violaçãoisbn: 978-85-98261-08-9158


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)muito grave <strong>do</strong>s princípios da concorrência, que incita a uma sanção verda<strong>de</strong>iramentedissuasiva. É o primeiro caso <strong>de</strong> cartel transfronteiras que trato e <strong>de</strong>ve constituir um exemplo<strong>de</strong> práticas a evitar cuida<strong>do</strong>samente”. O episódio, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> “Clube Europa Japão”, foi fruto<strong>de</strong> uma investigação feita pela Comissão Européia no perío<strong>do</strong> 1990‐95, no qual, ao fim dainvestigação, ficou evi<strong>de</strong>nciada a formação <strong>de</strong> cartel no qual haviam firma<strong>do</strong> um acor<strong>do</strong> <strong>de</strong>respeitar os merca<strong>do</strong>s nacionais <strong>de</strong> cada produtor, isto é, os merca<strong>do</strong>s alemão, britânico,francês, italiano e japonês. O resulta<strong>do</strong> foi uma multa que, no conjunto, somou a quantia <strong>de</strong> 99milhões <strong>de</strong> euros, no qual couberam à Mannesmann e à Sumitomo 13.500.000 euros cada, e àVallourec SA, 8.100.000 euros, quantia menor, ten<strong>do</strong> em conta a sua cooperação noapuramento <strong>do</strong>s fatos pela Comissão. 12 O caminho, para a livre operação na América Latina,estava a um passo <strong>do</strong> começo da sua pavimentação.isbn: 978-85-98261-08-95 GLOBALIZAÇÃOProcuran<strong>do</strong> lançar novas luzes sobre a falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate que há em torno da globalização, osociólogo Zygmunt Bauman (1999) nos adverte que, inexoravelmente, o processo <strong>de</strong>globalização, apesar <strong>de</strong> ser vendi<strong>do</strong> como o aglutina<strong>do</strong>r <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, traz uma contínuapolarização: <strong>de</strong> um la<strong>do</strong> ficam os “globais” (elite extraterritorial) e, <strong>de</strong> outro, os con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s àlocalização, os “locais”. Para ele, a evi<strong>de</strong>nte compressão tempo/espacial da globalização trazem seu bojo problemas estruturais insanáveis. Assim o diz:Ao examinarmos as causas e as conseqüências sociais <strong>de</strong>ssa compressão, ficará evi<strong>de</strong>nte que os processosglobaliza<strong>do</strong>res não têm a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efeitos que se supõe comumente. Os usos <strong>do</strong> tempo e <strong>do</strong> espaço sãoacentuadamente diferencia<strong>do</strong>s. (...) Junto com as dimensões planetárias <strong>do</strong>s negócios, das finanças, <strong>do</strong>comércio e <strong>do</strong> fluxo <strong>de</strong> informação, é coloca<strong>do</strong> em movimento um processo “localiza<strong>do</strong>r”, <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong>espaço. (...) Ser local num mun<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong> é sinal <strong>de</strong> privação e <strong>de</strong>gradação social. Os <strong>de</strong>sconfortos daexistência localizada compõem‐se <strong>do</strong> fato <strong>de</strong> que, com os espaços públicos removi<strong>do</strong>s para além <strong>do</strong>alcance da vida localizada, as localida<strong>de</strong>s estão per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar e negociar senti<strong>do</strong>s e setornam cada vez mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> ações que dão e interpretam senti<strong>do</strong>s, ações que elas nãocontrolam. (Ibid., pp. 6‐7.)E arremata: “Os centros <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s e valor são hoje extraterritoriais eemancipa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> restrições locais – o que não se aplica, porém, à condição humana, à qualesses valores e significa<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vem informar e dar senti<strong>do</strong>” (Ibid, pp. 8‐9).Alan Lipietz, da escola francesa regulacionista, é outro autor que po<strong>de</strong> contribuir com a nossa análise,principalmente através <strong>de</strong> seu instigante texto <strong>de</strong> 1989, excepcional pelo caráter visionário sobre oprocesso que começava a acontecer. Pensan<strong>do</strong> em alternativas para o século vin<strong>do</strong>uro, no qualestamos, Lipietz (1991) <strong>de</strong>nomina este processo – liberal‐produtivismo – como sen<strong>do</strong> uma visão <strong>de</strong>mun<strong>do</strong> (Weltanschaaung) que se instalou sobre as ruínas <strong>do</strong> fordismo em crise, <strong>de</strong> cujo fracasso elatirou o essencial <strong>de</strong> sua força. Ainda que anterior a Bauman, Lipietz nos diz que o liberal‐produtivismoinduz a uma forte polarização social, a uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> dupla velocida<strong>de</strong>. Para ele, o que estava porvir era uma socieda<strong>de</strong> tipo “ampulheta”, com os <strong>de</strong> cima, os <strong>de</strong> baixo e uma erosão no “centro”. Noalto, os vence<strong>do</strong>res; no meio, trabalha<strong>do</strong>res semiqualifica<strong>do</strong>s com estabilida<strong>de</strong> cada vez mais restritae, por fim, embaixo, uma multidão <strong>de</strong> “solicita<strong>do</strong>res <strong>de</strong> emprego”, dividi<strong>do</strong>s entre empregos precáriose <strong>de</strong>semprego. E como <strong>de</strong>nominou este espetacular fenômeno? Processo <strong>de</strong> “latino‐americanização”ou “abrasileiramento” <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. 13159


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Lipietz (1991) tratou ainda das conseqüências políticas <strong>do</strong> fenômeno. Se, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, comoprevia, revoltas coletivas <strong>de</strong>sestabiliza<strong>do</strong>ras não aconteceram <strong>de</strong> maneira generalizada − aindaque o que se viu na Argentina entre 2000‐01 e na França entre outubro e novembro <strong>de</strong> 2005possam conter tal embrião − <strong>de</strong> outro, a generalizada <strong>de</strong>linqüência individual realizou‐se eincrementou‐se. Como parte da solução <strong>do</strong> problema, visualizava que o me<strong>do</strong> da <strong>de</strong>linqüênciafaria por si só a solidarização <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is primeiros terços da socieda<strong>de</strong> e até mesmo parte <strong>do</strong>último terço. De fato, a luta contra a insegurança tornou‐se um argumento político eficaz, jáque po<strong>de</strong> isolar como “estranho”(s) o(s) promotor(es) da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m. Não à toa, o ramo <strong>de</strong>ativida<strong>de</strong> das empresas <strong>de</strong> segurança transformou‐se em um <strong>do</strong>s setores econômicos <strong>de</strong> maiorrentabilida<strong>de</strong>. De quebra, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um quadro <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego estrutural, emprega uma parte<strong>do</strong>s pobres, a fim <strong>de</strong> que <strong>de</strong>fendam os ricos contra os outros pobres. 14isbn: 978-85-98261-08-96 A MODELAGEM DO ESPAÇOQuem consultou o site oficial da Prefeitura <strong>de</strong> Jeceaba em mea<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 2007, logo após a notícia<strong>de</strong> sua escolha como localização <strong>do</strong> novo empreendimento, <strong>de</strong>parou‐se com um inusita<strong>do</strong> sinal<strong>do</strong> advento <strong>do</strong>s novos tempos: uma carta aberta à população nativa, em inglês, sem nenhumatradução para o português. 15 Ficava evi<strong>de</strong>nte que, a partir <strong>de</strong> então, o jogo seria outro, ou queos “localiza<strong>do</strong>s” não precisariam <strong>de</strong> acesso a certos tipos <strong>de</strong> informações.Entretanto, longe <strong>do</strong> GPS e da Internet, ou seja, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> real, o que vemos nacida<strong>de</strong> perplexa? Os equipamentos urbanos têm a precarieda<strong>de</strong> e a funcionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma cida<strong>de</strong> pobre <strong>do</strong> interior. Um hospital público (municipal) com 25 leitos no qual,segun<strong>do</strong> mora<strong>do</strong>res, o atendimento “<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da sorte” e um Centro <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, fecha<strong>do</strong>para reformas. A Ca<strong>de</strong>ia Municipal, <strong>de</strong>sativada, − casos graves são transferi<strong>do</strong>s para EntreRios, município fronteiriço, distante 8 km da localida<strong>de</strong> − vai ser transformada em umanexo <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Municipal, já que sua localização é ao la<strong>do</strong> da mesma. Aindano campo da saú<strong>de</strong> coletiva, há um hospital filantrópico – a Associação Hospitalar <strong>de</strong>Jeceaba – que mantém 21 leitos. Completam esta estrutura, na área urbana, duas escolasmunicipais e uma estadual, duas agências bancárias e um centro comunitário liga<strong>do</strong> àparóquia. A energia elétrica chega ao campo, mas não há esgoto trata<strong>do</strong> e o aterrosanitário está em implantação. Situação que não po<strong>de</strong>ria ser diferente já que cerca <strong>de</strong>90% da receita municipal sai <strong>do</strong> Fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> Participação <strong>do</strong>s Municípios (FPM) e poucomenos <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> da população – aproximadamente três mil pessoas – vive na zonarural. 16Mas surge uma questão primordial: como Jeceaba, cida<strong>de</strong> mediterrânea, aparece comoopção <strong>do</strong> gran<strong>de</strong> capital? Como tal escolha foi operada? A explicação oficiosa pelaescolha <strong>do</strong> local, o seu parâmetro locacional, <strong>de</strong>ve‐se estritamente à sua posiçãoestratégica. Segun<strong>do</strong> Wilson Brumer, diretor no ano <strong>de</strong> 2007 <strong>do</strong> Grupo Estratégico <strong>de</strong>Fomento (GEF) <strong>de</strong> Minas Gerais, as negociações com o governo <strong>de</strong> Minas foram iniciadasem 2006. Segun<strong>do</strong> informação dada pelo mesmo, “não haverá benefício fiscal para oprojeto e o governo comprometeu‐se apenas a investir na infraestrutura viária da cida<strong>de</strong>,que fica próxima à malha ferroviária da concessionária Malha da Re<strong>de</strong> Su<strong>de</strong>ste LogísticaSA (MRS) 17 , e contribuir para o treinamento <strong>de</strong> mão‐<strong>de</strong>‐obra na região”. 18160


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Antes que avancemos, vale a pena conhecermos mais <strong>de</strong> perto o opera<strong>do</strong>r Wilson Brumer,pois o seu papel nesta negociação exemplifica <strong>de</strong> maneira clara a natureza <strong>do</strong>s processos<strong>de</strong>cisórios que dão origem aos atuais gran<strong>de</strong>s projetos <strong>de</strong> investimentos (GPIs). 19 Forma<strong>do</strong>em administração <strong>de</strong> empresas no ano <strong>de</strong> 1975, tornou‐se uma figura emblemática <strong>de</strong> to<strong>do</strong>o processo político‐econômico que o país passa a sofrer a partir da década <strong>de</strong> 1990. 20Participou praticamente <strong>de</strong> todas as gran<strong>de</strong>s negociações que resultaram na privatização<strong>do</strong> complexo mínerometalúrgico brasileiro. A década <strong>de</strong> 90 vai encontrá‐lo no ConselhoAdministrativo da Cia. Vale <strong>do</strong> Rio Doce (1990/92), da Usiminas (1992), da Acesita –Companhia Aços Especiais Itabira (1992/98) 21 , da Açominas (1995/97), da CompanhiaSi<strong>de</strong>rúrgica Tubarão (1996/99), <strong>de</strong>ntre outras <strong>do</strong> setor priva<strong>do</strong> (Aços Villares, ABN‐AmroBank, Unibanco, BHP Billiton e outras menores). Na passagem <strong>do</strong> século, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> presidire conduzir a privatização da Acesita, pô<strong>de</strong> ser encontra<strong>do</strong> presidin<strong>do</strong> o Instituto Brasileiro<strong>de</strong> Si<strong>de</strong>rurgia (IBS). De lá para cá, passou pelos Conselhos da Valepar 22 , Cemig, Light,Localiza, Co<strong>de</strong>mig, GEF e BDMG, até sentar‐se no governo <strong>de</strong> Minas Gerais na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Secretário Estadual <strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico (2003/07). Dali só saiu para se associarao empresário, ex‐presi<strong>de</strong>nte da Fiemg e ex‐presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> BDMG, Bruno Scariolli, e presidira Winbros Participações, Gestão e Empreendimentos, holding que, além <strong>de</strong> fusões eaquisições, especializou‐se em formar parcerias em torno <strong>de</strong> pequenas centraishidrelétricas (PCHs).Voltan<strong>do</strong> ao projeto Jeceaba, ficamos saben<strong>do</strong> que o ex‐presi<strong>de</strong>nte da si<strong>de</strong>rúrgica Acesita,Wilson Brumer travou uma batalha pessoal nos últimos tempos para mostrar àssi<strong>de</strong>rúrgicas mineiras as vantagens <strong>de</strong> investir perto das fontes <strong>de</strong> matérias primas −principalmente o minério <strong>de</strong> ferro − e não perto <strong>do</strong>s portos. “Ontem, ele comemorava maisuma vitória. A Vallourec foi apenas uma das si<strong>de</strong>rúrgicas a anunciar novos investimentosem Minas. A Usiminas anunciou recentemente a expansão da produção na usina <strong>de</strong>Ipatinga”. 23Mas há, também, outros atributos logísticos importantes para uma si<strong>de</strong>rúrgica em Jeceaba:esta fica a 30 quilômetros da mina <strong>de</strong> Pau Branco, explorada pela própria V&M 24 e segun<strong>do</strong>a MRS Logística, 70% <strong>de</strong> toda a carga transportada pela empresa anualmente (113 milhões<strong>de</strong> toneladas) são transportadas pela Ferrovia <strong>do</strong> Aço, que tem seu marco zero nasproximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Jeceaba e vai até Barra Mansa (RJ). 25 Aliás, to<strong>do</strong>s estes <strong>de</strong>talhes nãoficaram <strong>de</strong>spercebi<strong>do</strong>s pelo empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>r. Segun<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento da Vallourec, trata‐se <strong>de</strong>um empreendimento em uma “région qui présente <strong>de</strong>s conditions extrêmementfavorables: a) matières premières, b) énergie, c) main d’oeuvre et d) logistique…”. 26Pelo porto <strong>de</strong> Sepetiba, em Itaguaí, no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, os produtos seriamembarca<strong>do</strong>s para o exterior a custos menores. E, no porto, receberiam o carvão mineralusa<strong>do</strong> no processo <strong>de</strong> fabricação <strong>do</strong> aço (embora a V&M, por exemplo, use o carvãovegetal), também com custos mais baixos. “No Brasil, só temos um insumo importa<strong>do</strong> nafabricação <strong>do</strong> aço, que é o carvão mineral. Procuramos mostrar às empresas que o carvãopo<strong>de</strong> ser transporta<strong>do</strong> por trem <strong>do</strong> litoral até Minas e os vagões voltarem carrega<strong>do</strong>s comaço, produto <strong>de</strong> maior valor agrega<strong>do</strong>”. 27isbn: 978-85-98261-08-9161


7 ESTADO DA ARTEprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A nova Usina integrada representará o esta<strong>do</strong> da arte da tecnologia no setor. Assim, vamos assegurar ànova Usina um avanço tecnológico <strong>de</strong> no mínimo 10 anos à frente <strong>de</strong> suas congêneres erguidas empassa<strong>do</strong> recente tanto na China como na Rússia. (Marco Antonio Castello Branco, Presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> Conselho<strong>de</strong> Administração da V&M <strong>do</strong> Brasil. Discurso proferi<strong>do</strong> na assinatura <strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> Intenções com oGoverno <strong>de</strong> Minas, em 23 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007)É difícil dizer sobre quanto tempo ainda vai perdurar no imaginário popular <strong>de</strong> Jeceaba acerteza triunfal <strong>de</strong> que a implantação da usina foi uma dádiva <strong>do</strong>s céus, um acerto na loteriaglobal <strong>de</strong> alocações <strong>de</strong> capital. Afinal, já é um mito entre os jeceabenses que a localida<strong>de</strong> tenhavenci<strong>do</strong> uma disputa contra cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> nove países (Venezuela, Rússia, Ucrânia, Argélia, ArábiaSaudita, França, Índia, China e Irã), com outras cida<strong>de</strong>s brasileiras candidatas <strong>de</strong> esta<strong>do</strong>slitorâneos como Rio <strong>de</strong> Janeiro e Espírito Santo e outros três municípios <strong>de</strong> Minas Gerais.Contu<strong>do</strong>, a fala <strong>do</strong> presi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> conselho <strong>de</strong> administração da V&M <strong>do</strong> Brasil, Marco AntônioCastelo Branco, aponta para outro lugar: “tínhamos alternativas com custos equivalentes aos<strong>do</strong> Brasil, mas com riscos maiores”. 28 Do momento em que as duas empresas iniciaram osentendimentos para construir e operar uma usina integrada e uma fábrica <strong>de</strong> tubos semcostura, em 2006, até a assinatura <strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> Intenções (Memorandum of Un<strong>de</strong>rstanding)pelo conselho <strong>de</strong> administração das duas companhias, em 28 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2007, o local aindanão estava <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>. 29 De acor<strong>do</strong> com o superinten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Participações da V&M <strong>do</strong> Brasil,Rubens Ferreira Filho, uma empresa <strong>de</strong> consultoria e análise <strong>de</strong> risco foi contratada parai<strong>de</strong>ntificar o melhor local para o empreendimento: “Em princípio, foram i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s <strong>de</strong>zpaíses. Depois, fixou‐se em três e, finalmente, no Brasil. O passo seguinte foi <strong>de</strong>cidir se seria nolitoral ou no interior. Batemos o martelo por Minas Gerais”. 30 Menos <strong>de</strong> um mês <strong>de</strong>pois, 23 <strong>de</strong>abril <strong>de</strong> 2007, o Governa<strong>do</strong>r Aécio Neves recebeu os dirigentes <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is grupos no Palácio daLiberda<strong>de</strong> e anunciou a <strong>de</strong>cisão.Em outra escala, em março <strong>de</strong> 2005, o prefeito recém‐eleito <strong>de</strong> Jeceaba, Júlio César Reis (PT), jáhavia bati<strong>do</strong> às portas da Secretaria Estadual <strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico, pedin<strong>do</strong> ajudapara a criação <strong>de</strong> uma cooperativa <strong>de</strong> <strong>do</strong>ces. Atendi<strong>do</strong> pelo então secretário <strong>de</strong>Desenvolvimento Econômico <strong>de</strong> Minas, Wilson Brumer, este informou ao prefeito sobre oinvestimento que seria feito pelas transnacionais Vallourec e Sumitomo Metals, mas “pediusigilo”. 31 Sigilosamente, a Companhia <strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico <strong>de</strong> Minas Gerais ‐Co<strong>de</strong>mig, empresa <strong>de</strong> capital misto ligada à Secretaria <strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico, já fazialevantamento <strong>de</strong> uma área <strong>de</strong> quase 12 milhões <strong>de</strong> m2 para posterior <strong>de</strong>sapropriação –<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública – e criação <strong>do</strong> distrito industrial para instalação da usina.Assim, mal bati<strong>do</strong> o martelo <strong>do</strong> Protocolo <strong>de</strong> Intenções em Paris, uma semana <strong>de</strong>pois, a toque<strong>de</strong> caixa, Câmara <strong>do</strong>s Verea<strong>do</strong>res e Prefeito Municipal <strong>de</strong> Jeceaba iniciam os trâmites paralegalizar o que “foi uma exigência <strong>do</strong>s investi<strong>do</strong>res, segun<strong>do</strong> o presi<strong>de</strong>nte da Câmara, Sálvio <strong>de</strong>Freitas Maia”. 32 Em 04 <strong>de</strong> abril, tramita na Câmara a Proposição <strong>de</strong> Lei 03/2007, fixan<strong>do</strong> operímetro da zona <strong>de</strong> expansão urbana para uso pre<strong>do</strong>minantemente industrial e suasativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apoio no município <strong>de</strong> Jeceaba (a área que já havia si<strong>do</strong> fixada pela Co<strong>de</strong>mig). Em14 <strong>de</strong> abril, o Governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais, através <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto, <strong>de</strong>clara como <strong>de</strong>utilida<strong>de</strong> pública os imóveis i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s no perímetro <strong>de</strong>scrito para fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação,mediante acor<strong>do</strong> ou judicialmente. Três dias <strong>de</strong>pois, o Executivo Municipal manda à Câmara oProjeto <strong>de</strong> Lei 06/2009 com a exposição <strong>de</strong> motivos sobre incentivos tributários às empresasisbn: 978-85-98261-08-9162


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)que se instalarem no Município, especialmente a que se instalará neste Município (grifo meu).Em 25 <strong>de</strong> abril é aprova<strong>do</strong> pela Comissão <strong>de</strong> Finanças e Orçamento e Tomada <strong>de</strong> Contas daCâmara Municipal o Projeto <strong>de</strong> Lei 06/2009. Finalmente, em 9 <strong>de</strong> maio, a Proposição <strong>de</strong> Lei05/2007, que conce<strong>de</strong> incentivo fiscal às empresas que se instalarem no Município – três anossem Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), valor mínimo <strong>de</strong> Imposto sobre Serviço <strong>de</strong>Qualquer Natureza (ISSQN) permiti<strong>do</strong> por lei (2%) e, após isto, 10 anos <strong>de</strong> 50% <strong>de</strong> IPTU −, éaprovada pela Câmara e sancionada imediatamente pelo prefeito.Seguin<strong>do</strong> o mesmo ritmo, em 7 <strong>de</strong> julho, é lançada a pedra fundamental e iniciada aterraplenagem. 33 De acor<strong>do</strong> com o coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>de</strong> engenharia civil <strong>do</strong> projeto VSB, JoãoMárcio Vieira, “a terraplenagem, acompanhada da drenagem, constitui a principal partedas obras civis <strong>de</strong> infraestrutura necessárias à implantação <strong>de</strong> qualquer empreendimentoque se <strong>de</strong>seja realizar”. A Licença <strong>de</strong> Instalação <strong>do</strong> Distrito Industrial <strong>de</strong> Jeceaba, dadapelo Conselho Estadual <strong>de</strong> Política Ambiental (COPAM), só virá em 8 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2008. 34Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008, já com mais <strong>de</strong> 2.000 operários nas obras, a Fundação JoãoPinheiro, ligada à Secretaria Estadual <strong>de</strong> Planejamento e Gestão, trabalhava em umdiagnóstico que servirá <strong>de</strong> base para o anteprojeto <strong>do</strong> plano diretor da cida<strong>de</strong>. 35Bem, Jeceaba, é um work in progress. Muitíssimos elementos estão em aberto à pesquisae à análise, seja <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>mográfica e morfológica, seja <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m mobiliária eeconômica. Várias po<strong>de</strong>m ser as motivações para que uma <strong>de</strong>terminada empresa sematerialize em um território, este coágulo <strong>de</strong> relações sociais. Em um ponto <strong>de</strong> vistaessencialmente economicista, <strong>de</strong> caráter neoclássico, no merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> capitais, asi<strong>de</strong>rurgia é comumente classificada como uma indústria cíclica. Um mecanismo <strong>de</strong>redução <strong>de</strong> exposição a tais efeitos cíclicos (crises stop‐and‐go) <strong>de</strong> um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>merca<strong>do</strong> é a diversificação geográfica. Isto talvez explique a mobilida<strong>de</strong> espacial dasi<strong>de</strong>rurgia no mun<strong>do</strong> e no Brasil: seja porque empresas com atuação em inúmeros paísesten<strong>de</strong>m a possuir vantagens frente àquelas que operam em um único (ou poucos) países,seja por fatores macroeconômicos (evolução da renda <strong>do</strong>méstica e da taxa <strong>de</strong> câmbio),seja por questões setoriais (no caso <strong>de</strong> crise <strong>de</strong> um importante setor consumi<strong>do</strong>r). Alémdisso, a diversificação geográfica po<strong>de</strong> resultar em outras vantagens tais como diferençasnos custos <strong>de</strong> produção e transporte (PAULA, 2007). No caso da VSB tais vantagens foramclaramente obtidas. É uma explicação necessária mas não suficiente.Uma outra explicação, agora <strong>de</strong> caráter histórico‐estrutural, parece ser mais convincente.Com a marcha neoliberal advinda <strong>de</strong>pois da crise <strong>de</strong> 1973‐74, o chama<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> “cima para baixo” (PERROUX, BOUDEVILLE, 1977) e que eraaltamente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> governo, é substituí<strong>do</strong> pelo chama<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> “baixo paracima” (PIORE/SABEL e SCOTT/STORPER). Agora, o <strong>de</strong>senvolvimento irá e <strong>de</strong>verá ocorrer apartir <strong>de</strong> baixo, <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r local, lastrea<strong>do</strong> <strong>de</strong> vasta polissemia: crescimento endógeno,arranjos produtivos locais (APLs), distritos industriais, clusters etc. Assim, o que erapensa<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma sistêmica passa a ser opera<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma fragmentária, focalizada,alimenta<strong>do</strong> pela globalização, categoria à procura <strong>de</strong> um conceito, mas rica emmitificações como: inclusão, homogeneida<strong>de</strong> e universalização (AMIN/ROBINS, 1994,HERMES, 2001). O termo globalização, aliás, como aponta Chesnais (1994), veio dasbusiness schools americanas e ganhou mun<strong>do</strong> pelas mãos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ólogos como Kenichiisbn: 978-85-98261-08-9163


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Ohmae. Ligar o termo “mundialização” “ao conceito <strong>de</strong> capital significa dar‐se conta <strong>de</strong>que, graças ao seu fortalecimento e às políticas <strong>de</strong> liberalização, o capital recuperou apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar a escolher, em total liberda<strong>de</strong>, quais os países e camadas que têminteresse por ele” (CHESNAIS, 1994, p. 18). O cerne da questão da reestruturação urbanae industrial no capitalismo não é outro <strong>do</strong> que a <strong>de</strong>slocalização em busca <strong>do</strong> lucroamplia<strong>do</strong>, facilida<strong>de</strong>s estatais e trabalho <strong>de</strong>spolitiza<strong>do</strong>. Parece‐me ser esta a lógica maisperceptível no processo <strong>de</strong>tecta<strong>do</strong> em Jeceaba.Em tal circunstância, opera‐se o pós‐fordismo no qual, o que está explícito, é a“<strong>de</strong>scaracterização da cida<strong>de</strong> e a transformação em valor <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> áreas produzidasenquanto valor <strong>de</strong> uso social” (LIMONAD, 2005). Mas, se isto é verda<strong>de</strong>iro, on<strong>de</strong> firma asua legitimida<strong>de</strong>? No controle osmótico das contradições, crian<strong>do</strong> consensos eescamotean<strong>do</strong> antagonismos. Há quem diga que, hoje, o planejamento <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s ou <strong>de</strong>localida<strong>de</strong>s constitui‐se como um movimento participativo, como um conjunto <strong>de</strong> açõesno qual se engajam diversos segmentos da socieda<strong>de</strong>. Convém atentar ao fato <strong>de</strong> que agestão participativa, na maioria das circunstâncias, po<strong>de</strong> ter nenhum efeito na vidaurbana como um to<strong>do</strong>. Po<strong>de</strong> representar, sim, uma disputa <strong>do</strong>s pobres entre si, puxan<strong>do</strong>um pequeno cobertor em uma ninharia <strong>de</strong> recursos que nem sempre beneficiam osmesmos. Ou seja, a gestão participativa po<strong>de</strong> representar um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> controle eexclusão social.Planejam, assim, a participação no planejamento, sem dar chance aos envolvi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> participarconcretamente. Em geral o po<strong>de</strong>r público ten<strong>de</strong> a colocar na agenda <strong>de</strong> discussões questõestáticas e não questões estratégicas. Ou seja, discute‐se questões parciais ou alternativas a<strong>de</strong>terminadas intervenções, mas não: qual cida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>seja? (LIMONAD, I<strong>de</strong>m).A instauração da cida<strong>de</strong>‐empresa constitui, em tu<strong>do</strong> e por tu<strong>do</strong>, uma negação radical dacida<strong>de</strong> enquanto espaço político – enquanto pólis. Na empresa reina o pragmatismo, orealismo, o senti<strong>do</strong> prático, na qual a produtivida<strong>de</strong> é a única lei. Como construir políticae intelectualmente as condições <strong>de</strong> legitimação <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> encolhimento tãoradical <strong>do</strong> espaço público, <strong>de</strong> subordinação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público às exigências <strong>do</strong> capitalinternacional e local? É preciso que reiteremos: pelo consenso, sem o qual não háqualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estratégias vitoriosas. Dito <strong>de</strong> outra maneira: <strong>de</strong>spertan<strong>do</strong> opatriotismo cívico <strong>do</strong>s cidadãos, eternos reféns da crise. Fica assim bem mais fácilpersuadi‐los a se tornarem competitivos. O problema é que o emprego, tal qual foiconheci<strong>do</strong>, não mais será realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à mudança da lógica <strong>do</strong> capital. Porém, este éum problema a ser resolvi<strong>do</strong> mais tar<strong>de</strong>: por enquanto, estamos imanta<strong>do</strong>s, enfeitiça<strong>do</strong>spela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o crescimento <strong>de</strong>sta fábrica consensual fará brotar rios <strong>de</strong>empregos. Basta ver que o atual prefeito, em novembro <strong>de</strong> 2008, foi reconduzi<strong>do</strong> aocargo sem nenhuma campanha eleitoral. 36Por fim, a idéia <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> como máquina <strong>de</strong> crescimento, po<strong>de</strong> ser assim resumida: oscustos referentes às mudanças estruturais, exigidas sob pressão <strong>do</strong> capital internacional,são socializa<strong>do</strong>s e, aparentemente, legitima<strong>do</strong>s através <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r retórico e político,através <strong>do</strong> apelo nostálgico à “comunida<strong>de</strong>” como panacéia para os males sociais,econômicos e urbanos. 37isbn: 978-85-98261-08-9164


8 CONCLUSÃOprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Procuramos mostrar o processo que ocorre em Jeceaba <strong>de</strong>ntro da dialética <strong>do</strong> espaço e <strong>do</strong>lugar, pensan<strong>do</strong> o lugar como um espaço que tem uma porção <strong>de</strong> individualida<strong>de</strong> esingularida<strong>de</strong>. Assim, visualizamos a dimensão concreta e a dimensão simbólica <strong>do</strong> lugar, umlugar em que as intensida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s vínculos permitiam pensar como um to<strong>do</strong>. Ao sofrer umaintervenção brusca e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> impacto, surge um mo<strong>de</strong>lo emascula<strong>do</strong> <strong>do</strong> lugar, sem<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> histórica, abstraí<strong>do</strong> <strong>de</strong> toda historicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um processo histórico. Trata‐se <strong>de</strong> umexcelente capítulo <strong>do</strong> movimento <strong>do</strong> capital, totalmente autônomo da zona civil, não nosescapan<strong>do</strong> que o que se apaga e apazigua, com este dispositivo, é a dimensão política,portanto pública, <strong>do</strong> problema <strong>de</strong> cada um.Traçar cenários é atentar contra esta dialética, naquilo que vai, se esvai, bate e rebate. Permitomeconcluir com Vainer (2007), quan<strong>do</strong> afirma que:(...) o exame da economia política <strong>de</strong> cada gran<strong>de</strong> projeto permitiria i<strong>de</strong>ntificar <strong>de</strong> que forma atorespolíticos e empresas nacionais e internacionais se associam e mobilizam elites locais e regionais, paraexercer o controle <strong>do</strong> território, constituin<strong>do</strong> uma nova geografia física, econômica e política que<strong>de</strong>compõe o território nacional em fragmentos glocaliza<strong>do</strong>s.isbn: 978-85-98261-08-99 REFERÊNCIASAMIN, Ash, ROBINS, Kevin. O retorno às economias regionais? A geografia mítica da acumulação flexível. In: BENKO,G., LIPIETZ, A. As regiões ganha<strong>do</strong>ras: distritos e re<strong>de</strong>s, os novos paradigmas da geografia econômica. Oeiras:Celta Editora, 1994, pp. 77‐101.165ARANTES, P. A. Zero à esquerda. São Paulo: Conrad, 2004.Atas da Câmara Municipal <strong>de</strong> Jeceaba e Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Jeceaba, 2007.BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.BENKO, Georges. Organização econômica <strong>do</strong> território: algumas reflexões sobre a evolução no século XX. In SANTOS,Milton; SOUZA, Maria Adélia A.; SILVEIRA, Maria Laura. (Orgs). Território: globalização e fragmentação. SãoPaulo: HUCITEC, 1996, 3ª ed, pp. 51‐71.BOBBIO, N. O Futuro da <strong>de</strong>mocracia: uma <strong>de</strong>fesa das regras <strong>do</strong> jogo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra, 1986.CHESNAIS, F. A Mundialização <strong>do</strong> capital. São Paulo: Xamã, 1994.Correio da Cida<strong>de</strong>. Vários números.O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas. Vários números.FIORI, J. L. 60 Lições <strong>do</strong>s 90: uma década <strong>de</strong> neoliberalismo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 2001.FOOT‐HARDMAN, Francisco. Maestria na arte da <strong>de</strong>vida obediência. O Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo, Ca<strong>de</strong>rno Aliás, 24 set.2006.Jornal da Comunida<strong>de</strong>/Construin<strong>do</strong> o Futuro. Vários números.LAFER, Celso. O Planejamento no Brasil: observações sobre o Plano <strong>de</strong> Metas (1956‐1961). In LAFER, Betty Mindlin.Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1987, pp. 29‐50.LIMONAD, Ester. Estranho no Paraíso (<strong>de</strong> Barcelona): impressões <strong>de</strong> uma geógrafa e arquiteta brasileira resi<strong>de</strong>nteem Barcelona. Biblio 3W. Revista Bibliográfica <strong>de</strong> Geografía y Ciencias Sociales. Universidad <strong>de</strong> Barcelona. Vol. X,n° 610, 25 <strong>de</strong> octubre <strong>de</strong> 2005. [http//www.ub.es/geocrit/b3w‐610.htm].[ISSN 1138‐9796].


LIPIETZ, A. Audácia: uma alternativa para o século 21. São Paulo: Nobel, 1991.programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)PAULA, Germano M. <strong>de</strong>. Perspectiva da indústria si<strong>de</strong>rúrgica. In Ca<strong>de</strong>rnos BDMG, nº. 15, setembro <strong>de</strong> 2007, pp. 31‐52.PERROUX, F. O Conceito <strong>de</strong> pólo <strong>de</strong> crescimento. In SCHWARTZMAN, Jacques (org.). Economia regional: textosescolhi<strong>do</strong>s. Belo Horizonte: Ce<strong>de</strong>plar, 1977, pp. 145‐156.PIQUET, R. Cida<strong>de</strong>‐empresa: presença na paisagem urbana brasileira. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.RAFFESTIN, Clau<strong>de</strong>. O que é território. In RAFFESTIN, Clau<strong>de</strong>. Por uma geografia <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r. São Paulo: Ática, 1993, pp.143‐163.RIBEIRO, H. T. Políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento regional nos países <strong>do</strong> “Centro” e no Brasil. In Ca<strong>de</strong>rnos IPPUR, Ano XV,Número 2, Ago.‐Dez. 2001/Ano XVI nº. 1, Jan.‐Julho. 2002.SANDRONI, P. Novíssimo dicionário <strong>de</strong> economia. São Paulo: Best Seller, 2004.SANTOS, Milton. O retorno <strong>do</strong> território. In SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A.; SILVEIRA, Maria Laura. (org’s).Território: globalização e fragmentação. São Paulo: HUCITEC, 1996, 3ª ed., p.15‐20.Secretaria <strong>de</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Planejamento e Coor<strong>de</strong>nação Geral/Governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais. Plano Mineiro <strong>de</strong>Desenvolvimento Integra<strong>do</strong> – PMDI, 2000‐2001.VAINER, C. B. Fragmentação e projeto nacional: <strong>de</strong>safios para o planejamento territorial. In Clélio Campolina Diniz(org.). Políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento regional: <strong>de</strong>safios e perspectivas à luz das experiências da União Européia e<strong>do</strong> Brasil. Brasília: Ministério da Integração Nacional, 2007, V. 1, pp. 103‐130.Valor Econômico. Vários números.isbn: 978-85-98261-08-9VMB Notícia: Jornal interno da V&M <strong>do</strong> Brasil. Vários números.16610 NOTAS1 Revista “Caros Amigos”, nº. 17<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1998.2 Cf. Fiori (2001).3 Eis aqui, uma faceta da teoria <strong>do</strong>s jogos. Se x tem po<strong>de</strong>r, é preciso que em algum lugar haja um ou vários y que sejam<strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> tal po<strong>de</strong>r.4 Joint‐venture é uma expressão em inglês que significa “união <strong>de</strong> risco” e <strong>de</strong>signa o processo mediante o qual pessoas, ou, oque é mais freqüente, empresas se associam para o <strong>de</strong>senvolvimento e execução <strong>de</strong> um projeto específico no âmbitoeconômico e/ou financeiro. Uma joint‐venture po<strong>de</strong> ocorrer entre empresas privadas, entre empresas públicas e privadas, eentre empresas públicas e privadas nacionais e estrangeiras. Durante a vigência da joint‐venture, cada empresa participante éresponsável pela totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> projeto. No caso brasileiro, esta modalida<strong>de</strong> foi estimulada especialmente durante os anos 70,envolven<strong>do</strong> empresas privadas nacionais, empresas estatais e empresas estrangeiras. (SANDRONI, 2004, p. 315).5 “A Corrida <strong>do</strong> Aço: novos projetos trazem R$ 15 bilhões a Minas”. Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas, 8 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007. “Jeceaba Queria Docese Ganhou uma Si<strong>de</strong>rúrgica”. Valor Econômico, 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2007. “Jeceaba Desconhece os Efeitos da Crise Econômica”.Gazeta Mercantil, 8 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2009. “Uma Cida<strong>de</strong> Presa em Gaiola <strong>de</strong> Ouro”. Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas, 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2010.6 Locução latina, “Faça‐se a luz!” Palavras com que Deus, segun<strong>do</strong> o livro <strong>do</strong> Gênesis (na tradução latina da Vulgata), criou omun<strong>do</strong>.7 A usina Aços Minas Gerais S.A. − Açominas −, criada e posta em funcionamento pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral em 1985, foi leiloadaem agosto <strong>de</strong> 1993 e adquirida por um consórcio encabeça<strong>do</strong> pela Men<strong>de</strong>s Júnior. Posteriormente, em 1996, por motivos nãomuito claros, passou‐se o controle acionário aos Grupo Gerdau e Nat Steel (Singapura). (V. Piquet, 1998).


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-98 Iniciais para Oil Country Tubular Goods.9 V. Matéria: “Prefeito visita França e Japão”. www.jeceaba.mg.org.br/home.php?l=phl_noticias/act_ver&id=76. Acesso em: 20<strong>de</strong> <strong>de</strong>z. 2009.10 I<strong>de</strong>m.11 V.(http://europa.eu/rapidpressReleasesAction.<strong>do</strong>?reference=IP/99/957&format=PDF&aged=1&language=NL&guiLanguage=en).Acesso em: 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z. 2009.12 As multas foram assim divididas: Mannesmannröhren‐Werke AG, Sumitomo Metal Industries Limited, Nippon SteelCorporation e Kawasaki Steel Corporation multadas em 13,5 milhões euros cada, NKK Corporation em 13 milhões <strong>de</strong> euros,British Steel Limited em 12,6 milhões, Damine SpA em 10,8 milhões e, por fim, Vallourec S.A em 8,1 milhões.(http://europa.eu/rapidpressReleasesAction.<strong>do</strong>?reference=IP/99/957&format=PDF&aged=1&language=NL&guiLanguage=en).Acesso em: 20 <strong>de</strong>z. 2009.13 Paulo Eduar<strong>do</strong> Arantes (2004, p. 47) diz não importar o nome da coisa. Apenas lança o <strong>de</strong>safio: “o tempo dirá se terá si<strong>do</strong>uma <strong>de</strong>masia <strong>de</strong>sarquivar a imagem assusta<strong>do</strong>ra da socieda<strong>de</strong> dual <strong>do</strong>s sub<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s, novamente na berlinda a propósito<strong>de</strong>sses novos “tempos da exclusão”, como se diz a torto e a direito no <strong>de</strong>bate francês”.14 No dia 05 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2009, inauguran<strong>do</strong> a “nova or<strong>de</strong>m” presente em Jeceaba, o cidadão jeceabense Antonino <strong>do</strong>sSantos, 35 anos, foi assassina<strong>do</strong> por <strong>do</strong>is policiais militares (PMs) da recém criada 122ª Companhia da Polícia Militar <strong>de</strong>Jeceaba. Segun<strong>do</strong> testemunhas, a vítima, ao sair <strong>de</strong> uma festa beneficente na principal praça da cida<strong>de</strong>, ao se recusar <strong>de</strong>itar nochão para uma revista, foi balea<strong>do</strong> na virilha e no abdômen, vin<strong>do</strong> a morrer a caminho <strong>do</strong> hospital. É quase <strong>de</strong>snecessário dizerque, como tu<strong>do</strong> em Jeceaba nos últimos tempos, os <strong>do</strong>is policiais acusa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> assassinato são novos na corporação. Um temum ano e meio na PM e o outro, três. (V. “Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas”, 6 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2009, p. 22 e “Correio da Cida<strong>de</strong>”, edição975/2009, 12 <strong>de</strong> setembro, pp. 62 a 67).15 Esta página e seu conteú<strong>do</strong> estavam disponíveis em 21 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007. Posteriormente, o seu conteú<strong>do</strong> foi retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> ar,cujo título era: Seamless Tube Steel in Jeceaba.16 Em 7 <strong>de</strong> fevereiro último, o jornal “Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas” reporta que a situação parece não ter muda<strong>do</strong> <strong>de</strong> fato. Apesar daarrecadação da Prefeitura local ter salta<strong>do</strong> <strong>de</strong> R$ 50 mil mensais para R$ 1,5 milhão, só com a fase <strong>de</strong> implantação da VSB, porfalta <strong>de</strong> projetos (e licitações), a mesma está impedida <strong>de</strong> gastar o dinheiro. (Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas, 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2010).17 A MRS, como ficou conhecida, foi criada em agosto <strong>de</strong> 1996, com o objetivo estratégico <strong>de</strong> assumir a concessão no dia 1º <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro <strong>do</strong> mesmo ano, após a obtenção por cessão <strong>do</strong>s direitos adquiri<strong>do</strong>s pelo Consórcio MRS Logística, através <strong>do</strong> leilão<strong>de</strong> privatização, da Malha Su<strong>de</strong>ste da Re<strong>de</strong> Ferroviária Fe<strong>de</strong>ral S.A.. É formada pela associação da minera<strong>do</strong>ra Vale e dassi<strong>de</strong>rúrgicas CSN, USIMINAS e Gerdau.18 No “Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas” <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2008 há uma nota dizen<strong>do</strong> que até então o BDMG ainda não havia “equaciona<strong>do</strong>” oseu investimento no projeto.19 Francisco Foot‐Hardman (2006), em artigo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> acuida<strong>de</strong> analítica, <strong>de</strong>nomina tais personagens como “homensdispositivo”,configura<strong>do</strong>s pela robótica da socieda<strong>de</strong> global‐financista <strong>do</strong> espetáculo. Para ele, os homens‐dispositivo nãoagem sós, mas também não representam vonta<strong>de</strong>s particulares ou gerais. Por isso se apresentam indistintamente comoemissários. São mestres da obediência <strong>de</strong>vida.20 As informações a seguir encontram‐se em cemig.infoinvest.com.br/modulos/<strong>do</strong>c.asp?arquivo=00245010...<strong>do</strong>c. Acesso em15 fev. 2010.21 Wilson Nélio Brumer assumiu a presidência da Acesita em novembro <strong>de</strong> 1993, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong>‐a em agosto <strong>de</strong> 1998. A si<strong>de</strong>rúrgicaAcesita, ao ser privatizada em 1992, promoveu um amplo processo <strong>de</strong> reestruturação produtiva, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>staca o processo<strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralização <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s. Assim <strong>de</strong>clarou Brumer em pesquisa realizada pelo CORECON‐MG no ano 2000: “o“negócio” é produzir “inox” e, assim, tu<strong>do</strong> o que estava fora <strong>de</strong> foco da empresa foi terceiriza<strong>do</strong> ou transferi<strong>do</strong> para outrem”.Além disso, a Acesita também <strong>de</strong>clarou seu <strong>de</strong>scompromisso em relação aos trabalha<strong>do</strong>res terceiriza<strong>do</strong>s e aos que já haviamsi<strong>do</strong> <strong>de</strong>semprega<strong>do</strong>s logo após sua privatização. E assim afirmou Brumer peremptoriamente: “A empresa tem que criar valor,mas não tem o compromisso <strong>de</strong> criar empregos”. Tanto isso é verda<strong>de</strong> que, <strong>do</strong>s 8.428 trabalha<strong>do</strong>res emprega<strong>do</strong>s em 1991167


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9somente 3.980 aí estavam em 1996, e isso muito antes <strong>de</strong> a empresa concluir o processo <strong>de</strong> reestruturação programa<strong>do</strong>.(Fonte: Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s para o Desenvolvimento –CED/CORECON‐MG).22 A Valepar S. A. é uma empresa formada pelos seguintes associa<strong>do</strong>s: Previ, Bra<strong>de</strong>spar, BNDESpar, Mitsui & Co e o Oportunity.Detém 33,6% <strong>do</strong> capital total e 52,3% <strong>do</strong> capital votante da Cia Vale <strong>do</strong> Rio Doce, atual VALE, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002, o que consolida asua posição <strong>de</strong> controla<strong>do</strong>ra majoritária sobre a mesma. V. www.bra<strong>de</strong>spar.com.br/portugues/composicao_acio_valepar.htm.Acesso em 12 set. 2008.23 “Valor Econômico”, 29 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2007.24 V&M <strong>do</strong> Brasil é o nome <strong>do</strong> consórcio brasileiro firma<strong>do</strong> entre a Vallourec e a Mannesmann em 2000. O consórcio <strong>de</strong>Jeceaba, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à Associação com os japoneses, é <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> VSB – Vallourec & Sumitomo, Tubos <strong>do</strong> Brasil.25 Disponível em: www.mrs.com.br/sala<strong>de</strong>imprensa. Acesso em 12 set. 2008.26 Vallourec: Nouvelle tuberie au Brésil: Vallourec poursuit sa croissance et renforce sa compétitivité,28 março <strong>de</strong> 2007. Paris.Disponível em www.vallourec.fr/fr/news/presentations.asp. Acesso em: 15 mai. 2009.27 Entrevista <strong>do</strong> coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Grupo Estratégico <strong>de</strong> Fomento (GEF), Wilson Brumer. “Agência Minas”, Notícias <strong>do</strong> Governo<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais, 28 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2007.28 “Valor Econômico”, 12 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2009.29 Press release Vallourec, 28 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2007.30 “VSB: Jornal da Comunida<strong>de</strong>/Construin<strong>do</strong> o Futuro”, Ano 1, Edição 1, fevereiro <strong>de</strong> 2008, p.2.31 “Valor Econômico”, 26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2007.32 I<strong>de</strong>m.33 “VMB Notícia”, Jornal interno da V&M <strong>do</strong> Brasil, Ano VII, no. 31, maio/junho <strong>de</strong> 2007, p. 10.16834 “VSB: Jornal da Comunida<strong>de</strong>. Construin<strong>do</strong> o Futuro”, Ano 1, Edição 1, fevereiro <strong>de</strong> 2008, p. 3.35 “Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Minas”, 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008.36 “Gazeta Mercantil”, 8 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2009.37 Não por acaso, um das primeiras benesses da gran<strong>de</strong> empresa em Jeceaba foi criar em fevereiro <strong>de</strong> 2008, com distribuiçãogratuita, a publicação “Jornal da Comunida<strong>de</strong>/Construin<strong>do</strong> o Futuro”. Em papel couchet encorpa<strong>do</strong> e fotos coloridas, vemininterrumpidamente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, relatan<strong>do</strong> a relação osmótica entre a empresa e a comunida<strong>de</strong>.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)NÚCLEO TEMÁTICO II: Gran<strong>de</strong>s projetos como elementos transforma<strong>do</strong>res da cida<strong>de</strong> e regiãoGran<strong>de</strong>s reformas urbanas e seu impacto no direito à cida<strong>de</strong>Great urban reforms and their impact on the right to the cityVyrna Jacomo <strong>de</strong> A. NUNESMestranda em Urbanismo pelo PROURB/UFRJ. vyrna.jacomo@yahoo.com.br.isbn: 978-85-98261-08-9RESUMOA cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro vem sofren<strong>do</strong> gran<strong>de</strong>s transformações em seu teci<strong>do</strong>, impulsionadas pelopo<strong>de</strong>r público, com vista a recepcionar os gran<strong>de</strong>s eventos por vir – a Copa <strong>de</strong> 2014 e os Jogos Olímpicose Paraolímpicos <strong>de</strong> 2016. Contu<strong>do</strong>, para tanto, tem‐se percebi<strong>do</strong>, sob tal camuflagem, um processosilencioso <strong>de</strong> reprodução da exclusão social evi<strong>de</strong>nte na cida<strong>de</strong> – a retomada das remoções <strong>de</strong> favelas,aliada à expulsão da população <strong>de</strong> baixa renda, caracterizada como entrave às transformações e aoprocesso <strong>de</strong> embelezamento vigente. Esta não é uma questão atual, remeten<strong>do</strong> a um histórico <strong>de</strong>políticas habitacionais – nacionais e cariocas – que preconizaram a segregação socioespacial e oisolamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas camadas da socieda<strong>de</strong>. Observan<strong>do</strong> esta questão pelo viés da moradia <strong>de</strong>qualida<strong>de</strong>, este estu<strong>do</strong> tomou como referência a relação entre a produção da habitação e os elementosque <strong>de</strong>vem complementá‐la, permitin<strong>do</strong> o acesso à educação, saú<strong>de</strong>, lazer e cultura, ou seja, o acesso àcida<strong>de</strong>. Analisan<strong>do</strong> e compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> sua importância para o alcance <strong>do</strong> “direito à cida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>monstrasecomo, pelas mãos <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público, <strong>de</strong>senvolveu‐se um padrão habitacional que reproduz as<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais, inviabilizan<strong>do</strong> uma perspectiva <strong>de</strong> ascensão para as camadas <strong>de</strong> baixa rendaatingidas e contribuin<strong>do</strong> para o seu sentimento <strong>de</strong> parte não integrante da cida<strong>de</strong>.PALAVRAS‐CHAVE: equipamentos comunitários, remoções, habitação popular, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social169ABSTRACTThe city of Rio <strong>de</strong> Janeiro has un<strong>de</strong>rgone major transformations in its tissue, driven by the government, inor<strong>de</strong>r to welcome the great events to come – the 2014 World Cup and the Olympic and ParalympicGames in 2016. However, to <strong>do</strong> so, we have seen, un<strong>de</strong>r a certain camouflage, a silent process ofreproduction of social exclusion evi<strong>de</strong>nt in the city – the recovery of removals of “favelas”, combined withthe expulsion of low‐income population, seen as an obstacle to changes and the ongoing beautifyingeffect. This is not a current issue, referring to a history of housing policies – national and local – thatworked with the i<strong>de</strong>a of segregation and isolation of certain sections of society. Viewing this questionfrom the perspective of housing quality, this study took as reference the relationship between theproduction of housing and the elements that must complement it, allowing access to education, health,leisure and culture, in other words, the access to the city. Analyzing and un<strong>de</strong>rstanding its importance toachieve the "right to the city", it <strong>de</strong>monstrates how, by the hands of the government, a housing standardthat reproduces social inequalities has taken place, making impracticable the low‐income affectedpopulation to rise. Moreover, it has increased these people that they are not an integral part of the city.KEYWORDS: community equipments, removals, social housing, social inequality1 INTRODUÇÃOA cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, assim como outras metrópoles latino‐americanas, apresenta umalto índice <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social, ocasiona<strong>do</strong> não só por um <strong>de</strong>sequilíbrio na distribuição <strong>de</strong>renda, mas pelo próprio reflexo <strong>de</strong>ste no espaço urbano. Isto é, expressa na tessitura urbana,


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)esta condição concentra o acesso aos recursos <strong>de</strong> seu espaço (VILLAÇA, 2001) nas mãos <strong>de</strong>uma minoria <strong>de</strong>tentora <strong>do</strong> capital. Este processo por sua vez, tem se intensifica<strong>do</strong> pelas mãos<strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público, uma vez que, com a premissa <strong>de</strong> resolver o déficit habitacional, acaba porlançar uma série <strong>de</strong> políticas exclu<strong>de</strong>ntes, que vêm agravar a segregação socioespacial,limitan<strong>do</strong> o “direito à cida<strong>de</strong>” (LEFEBVRE, 2001).Para a compreensão <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong>ve‐se lançar, inicialmente, um olhar sobre o espaço urbanoque transcenda sua dimensão física para encontrar seu campo simbólico – um “espaço social”(BOURDIEU, 2011). Assim, po<strong>de</strong>‐se compreendê‐lo não só como produto das relações políticas,econômicas e sociais – uma vez que estas se fazem valer no território, configuran<strong>do</strong>‐o <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>a aten<strong>de</strong>r à expectativa daqueles que o habitam –; mas, também, como agente transforma<strong>do</strong>r<strong>de</strong>stas, condicionan<strong>do</strong> a população pelo mo<strong>do</strong> como promove o acesso a seus recursos, ouseja, o acesso à cida<strong>de</strong>. A partir daí, buscan<strong>do</strong>‐se um equilíbrio neste processo, propõe‐se queto<strong>do</strong>s os cidadãos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua classe social, têm direito a atuar neste espaçocomo forma<strong>do</strong>res e transforma<strong>do</strong>res <strong>de</strong> sua própria realida<strong>de</strong>.[...] esses direitos concretos vêm completar os direitos abstratos <strong>do</strong> homem e <strong>do</strong> cidadão [...]:direitos dasida<strong>de</strong>s e <strong>do</strong>s sexos [...], direitos das condições [...], direitos à instrução e à educação, direito ao trabalho, àcultura, ao repouso, à saú<strong>de</strong>, à habitação.(LEFEBVRE, 2001, p. 116).Entretanto, conforme inferi<strong>do</strong>, tal equalização não ocorre, uma vez que há um <strong>do</strong>mínio porparte <strong>do</strong>s “centros <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão” (LEFEBVRE, 2001, p. 113) – as classes no po<strong>de</strong>r –, movi<strong>do</strong>sexclusivamente pelas relações econômicas. Com isto, impõe‐se ao espaço realida<strong>de</strong>spresumidas, a<strong>de</strong>quadas a estas camadas sociais, posicionan<strong>do</strong> o cidadão como mero objeto<strong>de</strong>sta dinâmica pré‐<strong>de</strong>finida e alienan<strong>do</strong>‐o <strong>de</strong> sua participação enquanto sujeito. Comprometese,portanto, o “direito à vida urbana” (LEFEBVRE, 2001, p. 118), isto é, o direito <strong>de</strong> viver acida<strong>de</strong>.Assim, seguin<strong>do</strong>‐se tal raciocínio, apreen<strong>de</strong>‐se uma subjetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> espaço urbano que,segun<strong>do</strong> Bourdieu (2011), traduz‐se pela influência mútua entre físico e simbólico, atuan<strong>do</strong>sobre as oportunida<strong>de</strong>s da população, que sofre seus “efeitos <strong>de</strong> lugar” (BOURDIEU, 2011, p.159) – positivos ou perniciosos. Trazen<strong>do</strong>‐se tal reflexão para o caso carioca, visualiza‐se,inicialmente, uma má distribuição da cida<strong>de</strong>, dada pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> na proprieda<strong>de</strong> da terra epela concentração <strong>de</strong> investimentos em áreas privilegiadas. Por conseguinte, intensifica‐se asegregação socioespacial, reunin<strong>do</strong> as camadas privilegiadas em locais bem equipa<strong>do</strong>s, noscentros, e agrupan<strong>do</strong>, nas bordas da cida<strong>de</strong> – nas periferias e assentamentos informais –, ascamadas mais baixas.Uma vez localizadas em áreas vitimadas pela má aplicação <strong>de</strong> recursos (CASTELLS, 2011), essascamadas <strong>de</strong>sprivilegiadas são privadas <strong>do</strong> acesso à cida<strong>de</strong> e, assim, <strong>de</strong> sua apropriação:Uma asserção geral da teoria da localização e da teoria da interação espacial é a <strong>de</strong> que o preço local <strong>de</strong>um recurso ou proximida<strong>de</strong> é função <strong>de</strong> sua acessibilida<strong>de</strong> e vizinhança para o usuário [...] O <strong>do</strong>míniosobre os recursos [...] é assim função da acessibilida<strong>de</strong> e proximida<strong>de</strong> locacionais. (HARVEY, 1980, p.56).Tem‐se, portanto, um processo cíclico, on<strong>de</strong> o capital <strong>do</strong>mina os interesses da cida<strong>de</strong>, configuran<strong>do</strong>‐a<strong>de</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>sigual, e esta, por sua vez, condiciona uma parcela da população a uma <strong>de</strong>squalificação –análoga àquela que atinge a área em que habita – e ao sub<strong>de</strong>senvolvimento. Em outras palavras, “olugar tem a ver com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> quem é cidadão e quem não é cidadão” (ROLNIK, 2009a).isbn: 978-85-98261-08-9170


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Conforme observa<strong>do</strong>, o po<strong>de</strong>r público, ao longo <strong>do</strong> século XX e início <strong>do</strong> século XXI, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> auma série <strong>de</strong> fatores a serem apresenta<strong>do</strong>s mais adiante, contribuiu para tal prejuízo através <strong>de</strong>suas políticas pontuais e clientelistas (OLIVEIRA, 2001), <strong>de</strong>spreocupadas com a promoção <strong>do</strong>acesso à cida<strong>de</strong>. Determinan<strong>do</strong> a moradia como uma necessida<strong>de</strong> básica que vai além dasimples construção da residência em si (ROLNIK, 2009a), pu<strong>de</strong>ram‐se perceber lacunas não sóno provimento <strong>de</strong> infraestrutura e acesso a equipamentos comunitários 1 – que <strong>de</strong>veriamacompanhar a produção da habitação – mas, também, na própria inserção <strong>de</strong>sta no teci<strong>do</strong>urbano, o que resultou em um agravamento da questão da segregação e da exclusão.Recentemente, corroboran<strong>do</strong> para este quadro, o Rio <strong>de</strong> Janeiro tornou‐se palco <strong>de</strong> uma série<strong>de</strong> transformações. Inúmeras obras <strong>de</strong> infraestrutura foram lançadas, uma vez que a cida<strong>de</strong>sediará os gran<strong>de</strong>s eventos esportivos por vir – a Copa <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> 2014 e as Olimpíadas <strong>de</strong>2016 –, com vista a recepcionar milhares <strong>de</strong> turistas brasileiros e estrangeiros. Entretanto, paraa contemplação <strong>do</strong> espaço carioca com reformulações viárias <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte – incluin<strong>do</strong> aimplantação <strong>de</strong> novas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transporte, como o BRT 2 –, bem como a implantação <strong>de</strong>diversos equipamentos públicos, uma parcela da população teve <strong>de</strong> ser removida <strong>de</strong> suasantigas moradias – formais ou informais.Isto ocorre <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao curto prazo para a execução das intervenções e à manutenção <strong>de</strong> uma<strong>de</strong>ficiente estrutura <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público para garantir aos cidadãos o acesso à habitação. Assim,inúmeros mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong>stes locais, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>‐se favelas e ocupações irregulares, foramapresenta<strong>do</strong>s a duas únicas opções: aceitar uma unida<strong>de</strong> em um conjunto habitacional<strong>de</strong>signa<strong>do</strong> pela prefeitura ou receber uma in<strong>de</strong>nização – sen<strong>do</strong> esta, no caso <strong>de</strong> habitaçãoinformal, irrisória. Então, concorreu‐se para a exclusão, mais uma vez, <strong>de</strong>sta parcela<strong>de</strong>sfavorecida que, obrigada a ir habitar em locais distantes, encontra‐se alijada <strong>do</strong> usufruto<strong>do</strong>s possíveis benefícios que tais transformações po<strong>de</strong>riam ensejar.Diversos autores trataram, em suas obras, da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> no acesso aos benefícios <strong>do</strong> espaçourbano 3 , assim como outros o fizeram em relação à moradia <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> 4 . Assim, visan<strong>do</strong>acrescentar nova perspectiva sobre tais questões, agregan<strong>do</strong> o cenário atual <strong>de</strong> transformaçãointensa <strong>do</strong> espaço urbano, este estu<strong>do</strong> propõe uma convergência <strong>de</strong> tais temas. Enten<strong>de</strong>r‐se‐á,para tanto, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “moradia <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>” a partir da percepção da consolidação <strong>do</strong> acessoà cida<strong>de</strong> – através <strong>do</strong> acesso aos elementos que vão se unir à habitação para consolidar oacesso à cida<strong>de</strong>, tais como educação, saú<strong>de</strong>, lazer e cultura. Assim, preten<strong>de</strong>‐se vislumbrar <strong>de</strong>que mo<strong>do</strong> estes estiveram presentes ao longo da história da habitação, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>melhor como a reprodução <strong>de</strong> seu quadro conduziu ao cenário atual, bem como quaisprejuízos sociais po<strong>de</strong>m resultar <strong>de</strong>sta dinâmica.1712 OS EFEITOS DE LUGAR E A ESTIGMATIZAÇÃO – A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTOConforme sugeri<strong>do</strong>, assim como as relações políticas, econômicas e sociais se refletem noespaço, este, igualmente, as transforma, condicionan<strong>do</strong> aqueles que o habitam. Para umamelhor compreensão <strong>de</strong>sta proprieda<strong>de</strong>, primeiramente, compreen<strong>de</strong>r‐se‐á a existência nomesmo <strong>de</strong> um campo simbólico, ou seja, um “espaço social” – conceito trabalha<strong>do</strong> porBourdieu (2011) – que transcen<strong>de</strong> sua dimensão física.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>‐se a existência <strong>de</strong> uma esfera simbólica na qual se relacionam asdiferentes classes sociais, po<strong>de</strong>‐se perceber o cita<strong>do</strong> espaço social como aquele em que seexpressam os limites <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com seu po<strong>de</strong>r. Este sítiovirtual, por sua vez, vem se refletir no espaço físico, sob a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas classes <strong>de</strong>apropriação da cida<strong>de</strong> e <strong>do</strong>s bens que esta po<strong>de</strong> oferecer. Outrossim, aqueles que<strong>de</strong>sfrutam <strong>de</strong> um amplo acesso à cida<strong>de</strong> se verão habilita<strong>do</strong>s a uma posição <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>espaço social.Dentre tais bens sociais, têm <strong>de</strong>staque, neste estu<strong>do</strong>, aqueles para a promoção <strong>de</strong>educação, saú<strong>de</strong>, lazer e cultura – direitos sociais da população. É importante lembrar quediversos fatores condicionam seu acesso, não se tratan<strong>do</strong> puramente <strong>de</strong> um quantitativo.Tem gran<strong>de</strong> relevância, portanto, a questão da localização, em termos físicos – soman<strong>do</strong>‐sea facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamentos na cida<strong>de</strong>, passan<strong>do</strong> pelo tema da disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>transporte público eficiente – e, também, simbólicos – a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir e vir para alcançarestes locais, bem como o sentimento <strong>de</strong> acolhimento pelos mesmos, a serem vistos aseguir.isbn: 978-85-98261-08-9A participação efetiva na cida<strong>de</strong>Para agenciar a inserção social, não basta construir a habitação e/ou equipamentoscomunitários, mas garantir sua integração, eliminan<strong>do</strong> barreiras físicas e simbólicas <strong>do</strong>teci<strong>do</strong> urbano. Essencialmente, trata‐se <strong>de</strong> promover a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamentos –através <strong>de</strong> transporte público <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, acessibilida<strong>de</strong> e curtas distâncias. Entretanto,existem outros fatores que condicionam a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> circulação da população, tais comoa violência – que, circunda ambientes faveliza<strong>do</strong>s, especialmente – e o sentimento <strong>de</strong>pertencimento ao local – uma vez que se formam “guetos” <strong>de</strong> pobreza, isola<strong>do</strong>s <strong>do</strong> restoda cida<strong>de</strong>.Em adição, retoman<strong>do</strong>‐se a concepção <strong>de</strong> ilhas segregadas, é significativa a estigmatizaçãocausada pelo fato <strong>de</strong> habitar um local carente <strong>de</strong> investimentos pelo po<strong>de</strong>r público. Umavez que tal imagem se reflete mutuamente entre ambiente e mora<strong>do</strong>r, penetra‐se em umciclo <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação, o que vem comprometer a participação na cida<strong>de</strong>, bem como aperspectiva <strong>de</strong> futuro fora <strong>de</strong>stes espaços. Um exemplo expressivo se dá no ambienteescolar on<strong>de</strong>, por conta das condições da população e espaço que o cercam, não sepreconiza a imagem <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> alternativa à já conhecida pelos jovens, bem comonão se incentiva a realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que previnam o furto da infância – da<strong>do</strong> pela jácitada falta <strong>de</strong> perspectiva, além das más condições financeiras.Assim, é importante contornar tal processo, garantin<strong>do</strong> um balanceamento no provimento<strong>do</strong> direito à cida<strong>de</strong>, alia<strong>do</strong> à inclusão social. É imperioso, por conseguinte, interferir nacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a garantir, em diferentes esferas, um acesso igualitário a seus recursos.1723 RIO DE JANEIRO – UM HISTÓRICO DE RUPTURAS E EXCLUSÃOA exclusão social nas metrópoles esteve constantemente atrelada à questão habitacional.Uma vez que, prioritariamente, se abor<strong>do</strong>u a habitação como merca<strong>do</strong>ria, concentrou‐sesua produção nas mãos <strong>de</strong> uma minoria capaz <strong>de</strong> alcançá‐la, “construin<strong>do</strong>‐se” a cida<strong>de</strong>


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)ao seu re<strong>do</strong>r. Deste mo<strong>do</strong>, uma gran<strong>de</strong> parcela populacional se viu cerceada <strong>do</strong> direito àmoradia em sua acepção completa, in<strong>do</strong> habitar, ora as favelas – sem condições <strong>de</strong>salubrida<strong>de</strong> e/ou sem investimentos em infraestrutura e serviços – para garantir aproximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dinâmica social, ora as periferias, distancian<strong>do</strong>‐se fisicamente <strong>do</strong>sequipamentos urbanos.A partir <strong>do</strong> momento em que, a <strong>de</strong>speito <strong>do</strong>s prejuízos a essas classes, esta problemática seconfigura como incômo<strong>do</strong> às elites – forçadas à convivência com a pobreza, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> geral, aameaça <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças, inicialmente e, em seguida, com a violência urbana – propõem‐se estu<strong>do</strong>se, por conseguinte, medidas para a promoção <strong>de</strong> alojamento <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à camada excluída.Sen<strong>do</strong> assim, po<strong>de</strong>‐se inferir que esta questão esteve, ao longo <strong>do</strong> século XX, <strong>de</strong>ntre osprincipais <strong>de</strong>bates acerca <strong>do</strong> espaço urbano, sen<strong>do</strong> retratada por diversos autores 5 .Sugere‐se, então, uma apresentação <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho geral <strong>de</strong> seu cenário, com vista à apreensãoda relação indicada.Originalmente, tratava‐se da questão da salubrida<strong>de</strong>, como menciona<strong>do</strong>, valorizan<strong>do</strong>‐se aopinião <strong>de</strong> médicos e sanitaristas, que propunham uma transformação na cida<strong>de</strong>, favorecen<strong>do</strong>o <strong>de</strong>smonte <strong>de</strong> habitações com “más condições <strong>de</strong> higiene” – nas favelas e cortiços – quedariam lugar às gran<strong>de</strong>s obras <strong>de</strong> “embelezamento” da cida<strong>de</strong> (ABREU, 2008), tais como novasvias <strong>de</strong> circulação e edificações.Porém, em seguida, permanecen<strong>do</strong> a hipótese <strong>de</strong> carência <strong>de</strong> educação e esclarecimento dapopulação (BONDUKI, 2004; VALLADARES, 2005), passa‐se a pensar não só em casas, mastambém em equipamentos comunitários agrega<strong>do</strong>s que, neste caso, trariam a inserção social,embora através da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> capacitação <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res “preguiçosos” para a vida emsocieda<strong>de</strong> (VALLADARES, 2005). Foi apenas com a chegada da influência mo<strong>de</strong>rnista que selançaram iniciativas, tais como os IAPs, passan<strong>do</strong>‐se a crer na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> equipamentospresentes junto à construção da habitação social, em prol <strong>de</strong> uma transformação no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>vida <strong>de</strong> seus usuários (BONDUKI, 2004).Contu<strong>do</strong>, além <strong>de</strong> surgirem em número inexpressivo, frente ao déficit habitacional daépoca – por conta da já explanada falta <strong>de</strong> interesse <strong>do</strong>s <strong>de</strong>tentores <strong>do</strong> capital e da<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> entre posturas <strong>de</strong> diferentes esferas (BONDUKI, 2004) – era possívelperceber um <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong>stes conjuntos para áreas periféricas, dificultan<strong>do</strong> o acessoda população que aí foi residir às <strong>de</strong>mais áreas da cida<strong>de</strong>, nas quais os serviços seencontravam previamente instala<strong>do</strong>s. Já existia, portanto, o gérmen <strong>do</strong> processo que viria aocorrer em seguida – a expressiva expulsão da população <strong>de</strong> baixa renda das áreascentrais.A partir da década <strong>de</strong> 1960, criou‐se uma ruptura na questão social. Passou‐se à realização<strong>de</strong> projetos empobreci<strong>do</strong>s, o que Bonduki (2004) coloca como “um divórcio entrearquitetura e moradia popular, com graves repercussões na qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong> espaço urbano”–no que se <strong>de</strong>staca o provimento <strong>de</strong> serviços –, sobretu<strong>do</strong> nos casos proponentes <strong>de</strong>remoções. Esta i<strong>de</strong>ia se <strong>de</strong>u, <strong>de</strong>ntre outros, pela valorização das terras urbanas centrais –que acarretavam na implantação <strong>de</strong> conjuntos habitacionais distantes, em terrenos maisbaratos, on<strong>de</strong> não havia a infraestrutura necessária (ROLNIK, 2004) –, a falta <strong>de</strong> interessepúblico pela urbanização e a aludida incongruência entre interesses (Figura 1).isbn: 978-85-98261-08-9173


Figura 1: As más condições <strong>do</strong>s conjuntos da época, carentes <strong>de</strong> infraestruturaprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: Autor <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, Panfleto, página 20, 17/02/1964.Optava‐se, assim, pela transferência da questão da habitação e das mazelas das favelas parafora das vistas <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público e das elites, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> estas <strong>de</strong> se configurarem como umincômo<strong>do</strong>. Já nas periferias não planejadas, a população sofria com a reprodução <strong>de</strong> suascarências, enquanto assistiam a reformulações nas áreas <strong>de</strong> sua origem, cujos benefícios nãoos alcançariam (Figura 2).Figura 2: Recorte <strong>de</strong> jornal mostra o cenário da transferência <strong>do</strong> Morro <strong>do</strong> Pasma<strong>do</strong> para conjuntos habitacionais em Bangu174Fonte: Autor <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>, Panfleto, página 18, 17/02/1964.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)No entanto, ao longo da década <strong>de</strong> 1990, após o marco da<strong>do</strong> pela Constituição <strong>de</strong> 1988 (a“Constituição Cidadã”), tem‐se um novo momento na política habitacional (BRASILEIRO, 1999).As propostas, então, buscavam romper com o i<strong>de</strong>al remocionista, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a favelacomo parte da cida<strong>de</strong> e sugerin<strong>do</strong> sua urbanização e incorporação ao teci<strong>do</strong> formal, comonovos bairros. Previa‐se, em conjunto, <strong>do</strong>tá‐los <strong>de</strong> infraestrutura e equipamentos públicos.Assim, estaria garanti<strong>do</strong> o “direito à cida<strong>de</strong>, à habitação, ao acesso a melhores serviçospúblicos e, por <strong>de</strong>corrência, a oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vida urbana digna para to<strong>do</strong>s” (OLIVEIRA,2001, p. 3).Entretanto, muitas <strong>de</strong>stas medidas não tiveram prosseguimento, manten<strong>do</strong>‐se apenas nodiscurso. Além disso, as remoções haviam sofri<strong>do</strong> apenas uma redução, voltan<strong>do</strong> a ser postasem prática, embora <strong>de</strong> maneira camuflada, como será visto a seguir.isbn: 978-85-98261-08-94 UM NOVO DISCURSO, A MESMA PRÁTICAAtualmente, com a elaboração <strong>do</strong> Plano Nacional <strong>de</strong> Habitação (PlanHab), foi retomada aconstrução <strong>de</strong> conjuntos habitacionais em larga escala, no entanto, sob novas diretrizes. Comvista a proporcionar moradia <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> é trazi<strong>do</strong> como inovação, além da questão <strong>do</strong>planejamento em si – não recorrente no setor habitacional (BONDUKI & ROSSETTO, 2008) –, aaplicação <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> “função social da proprieda<strong>de</strong>” 6 , além <strong>do</strong> direito básico à moradiacomo atribuição <strong>de</strong> todas as esferas governamentais.Como principal alternativa, além <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> crédito, este momento apresenta afacilitação no acesso à moradia, o que vem se aliar à gran<strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s habitacionaisem construção, com vista a aten<strong>de</strong>r o público <strong>de</strong> baixa renda. Associadas ao Programa MinhaCasa Minha Vida, orienta<strong>do</strong> pela Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral, diversas construtoras têm investi<strong>do</strong>em terrenos mais baratos, realizan<strong>do</strong> uma construção maciça.Po<strong>de</strong>r‐se‐ia pensar, a princípio, que seria possível equacionar o expressivo déficit habitacional(Tabela 1), <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> divergente das propostas anteriores, já que os terrenos disponíveisseriam mais acessíveis, porém, <strong>de</strong>sta vez, encontravam‐se <strong>de</strong>ntro da cida<strong>de</strong>. Isso porquehaveria um diálogo entre as esferas competentes, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a viabilizar a construção em largaescala. Entretanto, alguns questionamentos surgiram, com o andamento das obras.Tabela 1: Distribuição <strong>do</strong> déficit habitacional por faixas <strong>de</strong> renda no ano <strong>de</strong> 2008175DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DO DÉFICIT HABITACIONAL URBANO, POR FAIXAS DE RENDA MÉDIA FAMILIAR MENSAL, SEGUNDOREGIÃO GEOGRÁFICA (SUDESTE), UNIDADES DA FEDERAÇÃO E REGIÕES METROPOLITANAS (RMs) ‐ BRASIL ‐ 2008ESPECIFICAÇÃOFAIXAS DE RENDA MENSAL FAMILIAR (EM SALÁRIOS MÍNIMOS)Sem renda até 3 mais <strong>de</strong> 3 a 6 mais <strong>de</strong> 6 a 10 mais <strong>de</strong> 10 Total (2)Su<strong>de</strong>ste 8,4 79,1 10,1 1,8 0,6 100,0Minas Gerais 8,3 84,2 6,5 0,7 0,3 100,0RM Belo Horizonte 9,0 83,2 6,5 1,4 ‐ 100,0Espírito Santo 8,6 81,5 8,0 1,2 0,6 100,0Rio <strong>de</strong> Janeiro 8,4 80,5 8,4 1,9 0,8 100,0


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DO DÉFICIT HABITACIONAL URBANO, POR FAIXAS DE RENDA MÉDIA FAMILIAR MENSAL, SEGUNDOREGIÃO GEOGRÁFICA (SUDESTE), UNIDADES DA FEDERAÇÃO E REGIÕES METROPOLITANAS (RMs) ‐ BRASIL ‐ 2008ESPECIFICAÇÃOFAIXAS DE RENDA MENSAL FAMILIAR (EM SALÁRIOS MÍNIMOS)Sem renda até 3 mais <strong>de</strong> 3 a 6 mais <strong>de</strong> 6 a 10 mais <strong>de</strong> 10 Total (2)RM Rio <strong>de</strong> Janeiro 8,5 79,3 9,4 2,0 0,8 100,0São Paulo 8,3 76,2 12,6 2,3 0,6 100,0RM São Paulo 8,7 75,5 13,0 2,2 0,6 100,0Fonte: Fundação João Pinheiro, 2008.Em primeiro lugar, lembra‐se que a oferta <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s aten<strong>de</strong> apenas a uma parcela dapopulação, pois estas são, em sua maioria, <strong>de</strong>stinadas à camada que possui algum capitalpara arcar com os custos das parcelas e taxas cobradas. Enquanto isso, àqueles que nãopossuem renda fixa ou baixa ou nenhuma renda – um número expressivo–, não existemopções (Figura 3). Encontram‐se, <strong>de</strong>ste mo<strong>do</strong>, sem perspectiva, aloja<strong>do</strong>s em favelas eloteamentos irregulares. Sua única oportunida<strong>de</strong> será vista mais adiante, com asremoções.Figura 3: Gráfico com a proporção <strong>do</strong> déficit habitacional por faixas <strong>de</strong> renda176Fonte: Fundação João Pinheiro, 2008.Em segun<strong>do</strong> lugar, o processo <strong>de</strong> escolha <strong>do</strong>s terrenos em conformida<strong>de</strong> com a funçãosocial da proprieda<strong>de</strong> não estaria sen<strong>do</strong> controla<strong>do</strong> pelo governo, segun<strong>do</strong> Rolnik(2009a), o que veio permitir a realização <strong>de</strong> mais construções nas periferias. Repete‐se,portanto, a segregação socioespacial pela via <strong>do</strong> planejamento.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Inclusive, ainda acerca <strong>do</strong> tema da falta <strong>de</strong> investimentos e dimensão <strong>do</strong>s terrenos, além<strong>do</strong>s curtos prazos para a construção, <strong>de</strong>ve‐se <strong>de</strong>stacar um aproveitamento máximo <strong>do</strong>espaço – refleti<strong>do</strong> na alta <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> proposta para cada conjunto, além da sensação <strong>de</strong>pouca privacida<strong>de</strong> – e <strong>de</strong> projetos – traduzi<strong>do</strong> na padronização excessiva das edificações,o que gera uma falta <strong>de</strong> individualida<strong>de</strong> e uma massificação <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res, retornan<strong>do</strong>seà questão da estigmatização.Entretanto, o que se preten<strong>de</strong> salientar aqui é a problemática da falta <strong>de</strong> planejamentoque englobe as diferentes <strong>de</strong>mandas da população, sem se restringir à questãohabitacional. Ressalta‐se, portanto, que, apesar <strong>de</strong> contar com uma unida<strong>de</strong> comprovável qualida<strong>de</strong> para morar, o mo<strong>do</strong> como este espaço se relaciona com o restante dacida<strong>de</strong> encontra‐se comprometi<strong>do</strong>.Isso se <strong>de</strong>ve à pouca disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> equipamentos comunitários junto à moradia.Partin<strong>do</strong>‐se <strong>de</strong> uma visão restrita da garantia aos direitos sociais – tratan<strong>do</strong>‐se apenas <strong>de</strong>habitação – não se hesita em construí‐la isolada da dinâmica da cida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> há umbaixo ou nenhum investimento público. Não se projetam ou não se concretizam os<strong>de</strong>mais elementos – tais como escolas, hospitais, praças, etc. – <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a aten<strong>de</strong>r onovo contingente que se <strong>de</strong>sloca no território. Paralelamente, os equipamentos préexistentessão insuficientes – sem ter recebi<strong>do</strong> as <strong>de</strong>vidas ampliações antes da chegada<strong>de</strong>stes novos grupos.Enfim, conclui‐se que sem os <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>s investimentos e em locais já <strong>de</strong>sprivilegia<strong>do</strong>s, ascamadas mais baixas da população atingidas pelos programas propostos sofrem osefeitos <strong>de</strong> lugar perversos, refletin<strong>do</strong> a <strong>de</strong>gradação e permanecen<strong>do</strong> excluídas.A retomada das remoções – a manutenção da exclusãoA <strong>de</strong>speito <strong>do</strong>s prejuízos gera<strong>do</strong>s pela manutenção <strong>de</strong> um processo segregacionista játrabalha<strong>do</strong> neste artigo e por outros autores, um procedimento atual, concomitante erelaciona<strong>do</strong> a este, atrai, então, atenção <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da injustiça social – aretomada das remoções em prol <strong>do</strong> embelezamento da cida<strong>de</strong>. Repetin<strong>do</strong>‐se o mo<strong>de</strong>lo jásupera<strong>do</strong> <strong>do</strong> início <strong>do</strong> século XX, a cida<strong>de</strong> voltou a se tornar o cenário para novosarranjos viários – além <strong>de</strong> equipamentos comunitários <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte – <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> acontribuir para sua maior visibilida<strong>de</strong>. Sen<strong>do</strong> assim, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s entraves para taisreformas, diversos mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> favelas passaram a ter suas residências eliminadas,sen<strong>do</strong> impeli<strong>do</strong>s para locais mais distantes – mais acessíveis <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista financeiro.A partir daí, uma vez que não se dispunha <strong>de</strong> tempo suficiente, o po<strong>de</strong>r público passou arealocar esse contingente em conjuntos habitacionais já construí<strong>do</strong>s ou em construção –pela lógica atual citada –, na periferia da cida<strong>de</strong>. Muitos acabaram optan<strong>do</strong> por umain<strong>de</strong>nização irrisória, o que inviabilizou a moradia formal em qualquer outro lugar e aoque se suce<strong>de</strong>u apenas uma mudança para alguma comunida<strong>de</strong> mais próxima.To<strong>do</strong> este processo, além <strong>de</strong> traumático por conta <strong>do</strong> curtíssimo prazo para a mudança,falta <strong>de</strong> diálogo com os mora<strong>do</strong>res e falta <strong>de</strong> perspectiva futura, tem ocorri<strong>do</strong> <strong>de</strong> formaina<strong>de</strong>quada, já que separou por gran<strong>de</strong>s distâncias a população <strong>de</strong> seu local <strong>de</strong> origem –bem equipa<strong>do</strong>, próximo aos vizinhos, ao trabalho e à escola.isbn: 978-85-98261-08-9177


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)É essencial ressaltar que a questão da inacessibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> local vem intensificar essequadro. Ou seja, não se trata apenas <strong>do</strong> raio em que se situam os pontos <strong>de</strong> interessepara os mora<strong>do</strong>res – tais como a casa <strong>de</strong> parentes ou equipamentos públicos – mas dadificulda<strong>de</strong> em acessá‐los, que se traduz em um transporte precário e caráter inóspitopara a circulação no meio – seja pela falta <strong>de</strong> escala <strong>do</strong> pe<strong>de</strong>stre, seja pela insegurança(Figura 4).Figura 4: Imagem <strong>de</strong> conjuntos à Av. Brasil, em Realengo, construí<strong>do</strong> pela Caixa Econômica – um entorno aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>isbn: 978-85-98261-08-9178Fonte: Acervo próprio.Figura 5: A implantação <strong>do</strong>s conjuntos em áreas periféricas, vazias e <strong>de</strong>gradadas cria o isolamento pela <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> no teci<strong>do</strong>Fonte: Acervo próprio.Dada a edificação <strong>de</strong> tais barreiras físicas e simbólicas, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com entrevistasrealizadas com os ex‐mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> uma das favelas removidas – Vila das Torres, emMadureira –, e com a pesquisa realizada pelo Observatório das Metrópoles (2011) –tomada como referência – diversas pessoas tiveram <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar seu trabalho e escola,fican<strong>do</strong> <strong>de</strong>semprega<strong>do</strong>s e sem estu<strong>do</strong> por um longo perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> adaptação ao novoespaço <strong>de</strong> moradia. Ou seja, mais uma vez, como ao longo <strong>de</strong> um século que já seimaginava supera<strong>do</strong>, não se projetou uma estrutura para recepcionar este novocontingente, pensan<strong>do</strong>‐se apenas na unida<strong>de</strong> habitacional e <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>‐se oconjunto que permite o acesso à cida<strong>de</strong>.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Além disso, agravan<strong>do</strong> a problemática da localização <strong>de</strong>sprivilegiada, retorna‐se à questãoanteriormente comentada – os “guetos” faveliza<strong>do</strong>s e cerca<strong>do</strong>s pela violência (Figura 5). Limitan<strong>do</strong> oir e vir, bem como trazen<strong>do</strong> uma percepção limitada da cida<strong>de</strong>, tais barreiras simbólicas contribuemainda mais para o isolamento <strong>de</strong>ste contingente. Ou seja, lançan<strong>do</strong> estas camadas em um local quelhes condiciona a uma baixa perspectiva <strong>de</strong> futuro e <strong>de</strong> ascensão, bem como a um limita<strong>do</strong> acesso aosmeios que conduziriam a um quadro mais favorável econômica e socialmente, o po<strong>de</strong>r público temreproduzi<strong>do</strong> sua exclusão social.Vale lembrar, ainda, que perante tal condição, bem como frente à falta <strong>de</strong> investimentosfuturos à implantação <strong>do</strong>s conjuntos, diversos <strong>de</strong>stes começaram a sofrer um processo <strong>de</strong>favelização semelhante ao visto no passa<strong>do</strong> – como no caso da Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus 7 . Deste mo<strong>do</strong>,acabam por ser absorvi<strong>do</strong>s pelo meio – não raramente já composto por diversas comunida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> baixa renda – assumin<strong>do</strong> suas características. Uma vez sofren<strong>do</strong> tal processo, estesconjuntos vêm, portanto, acrescentar nova contribuição para a reprodução das condições damoradia anterior, reproduzin<strong>do</strong>‐se, igualmente, as mazelas sofridas anteriormente àsremoções.isbn: 978-85-98261-08-95 CONCLUSÃOA partir <strong>de</strong>sta análise, pô<strong>de</strong>‐se formular a i<strong>de</strong>ia inicial <strong>de</strong> que, ao longo <strong>do</strong> século XX einício <strong>do</strong> século XXI, não houve uma política habitacional clara que consi<strong>de</strong>rasse aimplantação <strong>de</strong> equipamentos comunitários junto à moradia. O que se verificou foi aexistência <strong>de</strong> propostas pontuais e <strong>de</strong> baixo alcance, atreladas a políticas fragmentadas –possíveis graças à incompatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esferas <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público e entre órgãosenvolvi<strong>do</strong>s. Além disso, <strong>de</strong>ntre os casos em que se elaboraram projetos nos quaisfiguravam os referi<strong>do</strong>s equipamentos, poucos os concretizaram, dadas as divergências <strong>de</strong>interesses.Como resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> tais propostas, construíram‐se unicamente as unida<strong>de</strong>s habitacionaisem si, <strong>de</strong>scoladas <strong>do</strong> entorno e, ainda, prejudicadas pelo difícil acesso, da<strong>do</strong> pelas longasdistâncias e pela insuficiência <strong>do</strong>s transportes. Deste mo<strong>do</strong>, não se promoveu um cenário<strong>de</strong> real inclusão social para aqueles removi<strong>do</strong>s das favelas. Assim, a própria iniciativagovernamental teria conduzi<strong>do</strong> a uma reprodução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais.Sen<strong>do</strong> assim, não se po<strong>de</strong> falar propriamente em “moradia”, já que esta i<strong>de</strong>ia implicariano enraizamento da população à cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vive, o que se daria por meio <strong>de</strong> elementosque garantam sua cidadania – aqueles equipamentos volta<strong>do</strong>s para a oferta <strong>de</strong> educação,saú<strong>de</strong>, cultura e lazer. Inversamente, ocasionou‐se, sucessivamente, a expulsão <strong>do</strong>spobres da cida<strong>de</strong>, envian<strong>do</strong>‐os para periferias – constantes rebarbas sociais.A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> já ter si<strong>do</strong> supera<strong>do</strong> – através <strong>de</strong> diversos estu<strong>do</strong>s acerca <strong>do</strong> tema dahabitação – este quadro permanece em vigência, mas <strong>de</strong> maneira disfarçada, sob odiscurso <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização da cida<strong>de</strong> e garantia da casa própria – o que já foi visto nadécada <strong>de</strong> 1960, mas sob imposição <strong>do</strong> governo autoritarista. Assim, infere‐se queestariam sen<strong>do</strong> infligi<strong>do</strong>s à população <strong>de</strong> baixa renda, neste início <strong>do</strong> século XXI, osmesmos prejuízos sociais que se apresentaram ao longo <strong>do</strong> século XX.179


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Acrescentan<strong>do</strong>‐se as noções <strong>de</strong> direito à cida<strong>de</strong> e efeitos <strong>de</strong> lugar, percebe‐se, portanto, como opo<strong>de</strong>r público tem <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> as reais necessida<strong>de</strong>s da população, limitan<strong>do</strong>‐se a projetoshabitacionais – com, sobretu<strong>do</strong>, um baixo alcance – e promoven<strong>do</strong> seu isolamento social. A <strong>de</strong>speito<strong>de</strong> contar com um espaço salubre e legaliza<strong>do</strong> para moradia, a população continua carecen<strong>do</strong> <strong>de</strong> umasérie <strong>de</strong> elementos ainda exclusivos <strong>de</strong> uma minoria capaz <strong>de</strong> arcar com os custos para acessá‐los.Este quadro torna‐se interessante no perío<strong>do</strong> atual, uma vez que não se <strong>de</strong>sejam fragmentos <strong>de</strong> difícilsolução em meio ao teci<strong>do</strong> urbano. É <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse, portanto, extirpá‐los, “empurran<strong>do</strong>‐os”para além <strong>do</strong> campo visual das elites e turistas que <strong>de</strong>sfrutarão <strong>do</strong>s benefícios produzi<strong>do</strong>s pelo po<strong>de</strong>rpúblico.Ten<strong>do</strong> em vista unicamente a promoção da cida<strong>de</strong> como espaço i<strong>de</strong>al para a recepção <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>seventos por vir, gran<strong>de</strong>s mudanças em curso reproduzem, sucessivamente, as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais.Ou seja, cria‐se um cenário restrito a uma minoria e intensifica‐se a exclusão <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais – as largascamadas <strong>de</strong> baixa renda.isbn: 978-85-98261-08-96 AGRADECIMENTOSA pesquisa que originou este artigo foi financiada pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq). Agra<strong>de</strong>ço a Luciana Andra<strong>de</strong> e a Eliane Bessa pela orientação e apoio.7 REFERÊNCIASABREU, Maurício <strong>de</strong> A. (1987) Evolução Urbana <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: IPP, 2008.ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal <strong>do</strong>s Direitos Humanos. (1948). Disponível em:. Acesso em: fev. <strong>de</strong> 2012.BANGU, a favela planejada. Panfleto, Guanabara, n. 1, pp. 18‐20, 17 <strong>de</strong> fev. 1964.BONDUKI, Nabil G. (1998) Origens da habitação social no Brasil. São Paulo: Estação Liberda<strong>de</strong>, 2004.BONDUKI, Nabil & ROSSETTO, Rossella. O Plano Nacional <strong>de</strong> Habitação e os Recursos para Financiar a autogestão. Proposta,n. 116, pp. 33‐38, 2008.BOURDIEU, Pierre (coord.). (1993) A miséria <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Petrópolis: Vozes, 2011.BRASIL. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa <strong>do</strong> Brasil: promulgada em 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988. Disponível em:. Acesso em: fev. <strong>de</strong> 2012.__________. Lei n. 10.257, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001. Estabelece diretrizes da política urbana. Brasília: Câmara <strong>do</strong>sDeputa<strong>do</strong>s/Coord. <strong>de</strong> Publicações.BRASILEIRO, Alice <strong>de</strong> B. H. Espaços <strong>de</strong> uso comunitário em Programas Habitacionais no Rio <strong>de</strong> Janeiro: entre o discurso e aprática. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em <strong>Arquitetura</strong>). PROARQ/ UFRJ. 2000.BURGOS, Marcelo B. (1998) Dos parques proletários ao Favela‐Bairro: as políticas públicas nas favelas <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. In:ZALUAR, Alba & ALVITO, Marcos (orgs.). Um século <strong>de</strong> favela. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora FGV, 2006.CARVALHO, José Murilo <strong>de</strong>. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.CASTELLS, Manuel. (1983) A Questão Urbana. São Paulo: Paz e Terra, 2011.GONDIM, Linda Maria <strong>de</strong> P. Integração Social nos Conjuntos Habitacionais da COHAB‐GB. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> emCiências). UFRJ. 1976.180


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programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9NÚCLEO TEMÁTICO III: Memórias e Cida<strong>de</strong>sTransportes e transformações no Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong>AssisTransportation and transformations of Rio <strong>de</strong> Janeiro in Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> AssisCinthia TRAGANTEMestranda em História da <strong>Arquitetura</strong> e <strong>do</strong> Urbanismo pelo IAU/USP. cinthiatragante@gmail.comRESUMODurante o século XIX, a cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro passou por diversas mudanças sociais, econômicas,políticas e culturais por conta <strong>de</strong> ocorrências históricas marcantes principalmente no perío<strong>do</strong>oitocentista, como a vinda da família real no início <strong>do</strong> século, o crescimento econômico e astransformações políticas que se manifestaram <strong>de</strong>pois da in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> país, o <strong>de</strong>clínio <strong>do</strong> regimeescravocrata, a ascensão da economia cafeeira e o investimento no transporte e indústrias. Tais fatorescontribuíram para a transformação da configuração urbana e social da cida<strong>de</strong> carioca, emergin<strong>do</strong>, noinício <strong>do</strong> século XX, uma cida<strong>de</strong> bastante diferenciada da que se apresentava no século anterior,particularmente no que se refere aos transportes urbanos. Diversos <strong>de</strong>stes acontecimentos sãoretrata<strong>do</strong>s nas obras <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis, ambientadas nos diferencia<strong>do</strong>s espaços <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro.Este trabalho busca investigar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> transporte urbano na cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro e osimpactos sociais e urbanos durante o século XIX, usan<strong>do</strong>, para isso, a literatura <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis.PALAVRAS‐CHAVE: Rio <strong>de</strong> Janeiro; Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis; Transportes; Século XIX.182ABSTRACTDuring the nineteenth century, the city of Rio <strong>de</strong> Janeiro has passed by several social, economic, political,cultural and historical modifications. Since 1808, when the royal family has arrived in Brasil, the city havebeen radically transformed, with politicians and economic <strong>de</strong>velopments ‐like the in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nce, theincrease of the economy provi<strong>de</strong>d by the coffee, the end of the slave tra<strong>de</strong> and investments in theurbanism of city. Because of all these transformations, the urban factors of Rio <strong>de</strong> Janeiro city in earlytwentieth century were very different of before, particularly in the transportation. These changes havebeen <strong>de</strong>scribed in the literature, especially in the novels of Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis, which had been acclimatedin different contexts of Rio <strong>de</strong> Janeiro. This work investigates the increase of transportation in the city ofRio <strong>de</strong> Janeiro and the social and urban modifications during the nineteenth century, using for this theliterature of Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis.KEYWORDS: Rio <strong>de</strong> Janeiro; Transportation; Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis; Transportation; 19th Century.1 INTRODUÇÃODurante o século XIX a cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, então capital <strong>do</strong> país e com gran<strong>de</strong> importâncianacional, é palco <strong>de</strong> acontecimentos históricos marcantes os quais, em parte, contribuem para que acida<strong>de</strong> passe por várias transformações nas diversas esferas social, urbana, política e econômica.Até então marcada pelo cenário colonial, é a partir <strong>do</strong> século XIX – concentran<strong>do</strong> nele váriosacontecimentos importantes – que a cida<strong>de</strong> começa a tomar formas mais complexas na suaapresentação urbana. A cida<strong>de</strong> carioca anterior ao <strong>de</strong>senvolvimento oitocentista mostrava‐se comoaponta Abreu (1987, p. 35) como uma cida<strong>de</strong> limitada, sobretu<strong>do</strong> pelos morros, pouco expandida,


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)com a população pre<strong>do</strong>minantemente escrava, carente <strong>de</strong> transportes coletivo – o que implicava emhabitações concentradas em um espaço limita<strong>do</strong> – e guiada política e economicamente por umareduzida elite que se diferenciava <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais pela forma <strong>de</strong> morar e não pela localização. Sobre ainicial dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da cida<strong>de</strong>, Bruand (1981, p. 333) afirma que “[...] a cida<strong>de</strong> foiliteralmente espremida entre o mar e a montanha, semeada por to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s <strong>de</strong> morros queconstituíam terríveis obstáculos a um <strong>de</strong>senvolvimento racional!”.Um <strong>do</strong>s primeiros marcos <strong>do</strong> século surge com a reação em busca <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver instituições<strong>de</strong> cultura e melhorar as condições materiais da cida<strong>de</strong> por conta inclusive da chegada dafamília real. Juntamente com a vinda <strong>do</strong>s nobres <strong>de</strong> Portugal, foi trazida gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> suariqueza, incrementan<strong>do</strong> a economia até então <strong>de</strong>senvolvida <strong>de</strong> forma tímida. E a partir davinda da família real, se fez a abertura <strong>do</strong>s portos brasileiros, o que ocasionou a entrada <strong>de</strong>produtos estrangeiros aumentan<strong>do</strong> o comércio nas maiores cida<strong>de</strong>s, em especial o Rio <strong>de</strong>Janeiro. O constante aumento da população também contribuiu para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>comércio.A cida<strong>de</strong> carioca era <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> sujas e malcheirosas ruas e não contava com infraestrutura e, apartir da residência da família real, as condições urbanas da cida<strong>de</strong> recebem maior atenção.Assim, é neste momento queForam feitos diversos tipos <strong>de</strong> investimentos na remo<strong>de</strong>lação da cida<strong>de</strong>, entre os quais um observatórioastronômico e a fundação <strong>do</strong> Jardim Botânico, junto à recém‐criada fábrica <strong>de</strong> pólvora, em uma região<strong>de</strong>sabitada às margens da Lagoa Rodrigo <strong>de</strong> Freitas. Ainda em 1808, surgiram o Banco <strong>do</strong> Brasil, aImpressão Régia, a Real Aca<strong>de</strong>mia <strong>do</strong>s Guardas‐Marinha e a <strong>Escola</strong> Anatômica, Cirúrgica e Médica. Doisanos <strong>de</strong>pois criou‐se a Real Aca<strong>de</strong>mia Militar (ERMAKOFF, 2006, p. 13).isbn: 978-85-98261-08-9O embelezamento da cida<strong>de</strong> segun<strong>do</strong> os padrões europeus coube à Missão Francesa, chegadaem 1816, trazen<strong>do</strong> artistas plásticos, arquiteto e carpinteiros, entre outros ofícios. Foram essesmesmos artistas que mais tar<strong>de</strong>, em 1826 – já com o país in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte – fundaram aAca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Belas‐Artes.O <strong>de</strong>senvolvimento da cida<strong>de</strong> continuou impulsiona<strong>do</strong> pela transformação econômica epolítica guinada a partir da in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> país e da ascensão da cida<strong>de</strong> ao longo <strong>do</strong> século.Esse <strong>de</strong>senvolvimento atraiu, por sua vez “[...] numerosos capitais internacionais, cada vez maisdisponíveis e à procura <strong>de</strong> novas fontes <strong>de</strong> reprodução. Gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>les é utilizada no setor<strong>de</strong> serviços públicos (transportes, esgoto, gás, etc.), via concessões obtidas <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>” (ABREU,1987, p. 35). Neste momento a cida<strong>de</strong> também atrai gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>resnacionais e estrangeiros aumentan<strong>do</strong> progressivamente a população da cida<strong>de</strong>.É no século XIX, com todas estas transformações, que a cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro começa seuprocesso <strong>de</strong> estratificação social marca<strong>do</strong> na forma urbana. Ainda segun<strong>do</strong> Abreu (1987), ofator que mais contribui para tal estratificação social foi o investimento <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong>transportes, fundamental para o seu crescimento visto que a efetiva expansão da cida<strong>de</strong> só épossibilitada a partir <strong>do</strong> momento em que esta conta com o bon<strong>de</strong> <strong>de</strong> burro e o trem a vapor.Os primeiros passos <strong>de</strong> expansão para além <strong>do</strong> núcleo em que se concentrava a cida<strong>de</strong> –entre os Morros <strong>do</strong> Castelo, São Bento, Santo Antônio e Conceição ‐se <strong>de</strong>u a partir <strong>do</strong>momento em que corte se instalou em São Cristóvão. Região até então afastada eseparada <strong>do</strong> centro da cida<strong>de</strong>, esse bairro e seu caminho até o núcleo urbano, recebeu183


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)infraestrutura como instalações <strong>de</strong> iluminação e melhoria da travessia com os aterros nasáreas <strong>de</strong> mangue. Além disso, a construção <strong>de</strong> habitações foi incentivada com a isenção<strong>de</strong> impostos, mas só para aquelas da elite. A partir <strong>de</strong> então, outras melhoriascomeçaram a ocorrer na região entre São Cristóvão e o centro da cida<strong>de</strong> principalmente,<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as necessida<strong>de</strong>s locais, sen<strong>do</strong> essa região chamada então <strong>de</strong> Cida<strong>de</strong> Nova.Mais tar<strong>de</strong>, já impulsionada pela economia promissora <strong>do</strong> cultivo <strong>de</strong> café, osinvestimentos urbanos e a chegada <strong>de</strong> estrangeiros na cida<strong>de</strong> aumentan<strong>do</strong> a população,além <strong>do</strong> funcionamento das primeiras diligências movidas a tração animal (1838) “aexpansão da cida<strong>de</strong> ultrapassa os limites <strong>do</strong> campo <strong>de</strong> Santana e <strong>de</strong> Lapa, Catete, Glória eBotafogo, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, e Cida<strong>de</strong> Nova, Catumbi, Engenho Velho e São Cristóvão, <strong>do</strong> outro”(ERMAKOFF, 2006, p. 74). A procura por estes bairros era, porém, voltada às camadasmais abastadas que tinham po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong>, isto é, podiam usufruir <strong>do</strong> transportemarítimo ou <strong>do</strong> terrestre, enquanto as pessoas menos favorecidas mantinhas suasresidências no centro da cida<strong>de</strong>, mais próximas aos serviços e procura <strong>de</strong> trabalho.A melhoria pública em geral é vista neste contexto com a iluminação à gás instalada emalgumas das ruas <strong>do</strong> centro da cida<strong>de</strong>, em 1854, com a iniciativa <strong>do</strong> Barão <strong>de</strong> Mauá, asquais no fim <strong>do</strong> século serão substituídas pelas lâmpadas elétricas; o telégrafo ligan<strong>do</strong> opaís à Europa em 1874; a coleta <strong>de</strong> lixo instaurada por volta <strong>de</strong> 1854; uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong>esgotos em 1857, livran<strong>do</strong> os escravos <strong>de</strong> carregarem em barricas to<strong>do</strong> o esgotoproduzi<strong>do</strong> e jogarem ao mar; e obras <strong>de</strong> aterro em vários pontos da cida<strong>de</strong> possibilitan<strong>do</strong>a expansão da ocupação. Vale ressaltar que a maioria <strong>de</strong>stas ações se <strong>de</strong>u a partir <strong>do</strong>investimento <strong>do</strong> capital estrangeiro, muitas vezes conjuga<strong>do</strong> ao Estatal.É também com iniciativa estrangeira, com a Botanical Gar<strong>de</strong>n Rail Road, que se inauguraa linha <strong>de</strong> bon<strong>de</strong> sobre trilhos puxa<strong>do</strong>s por animais em 1868, evento coloca<strong>do</strong> por Abreu(1987) como marco divisório entre a cida<strong>de</strong> concentrada e a estratificada socialmente ecom acelerada expansão. Na década <strong>de</strong> 90, inclusive, o bon<strong>de</strong> chegava até Copacabana,bairro praticamente não habita<strong>do</strong> até então. Era o início <strong>de</strong> uma fase em que oinvestimento <strong>do</strong> capital buscava seus lucros a partir da associação entre transporte enovos loteamentos.A contradição <strong>do</strong> investimento urbano na cida<strong>de</strong> aparece no fato <strong>de</strong> que ele costumavamocorrer inicialmente no centro, local em que estava residin<strong>do</strong> a população mais pobre,causan<strong>do</strong> assim a expulsão <strong>de</strong> parte da população mais empobrecida ali resi<strong>de</strong>nte. Istoocasiona, por sua vez, o surgimento <strong>de</strong> cortiços nesta área, já que o <strong>de</strong>slocamento paramoradia no subúrbio era dispendioso. Ainda assim, outro montante populacional menosfavoreci<strong>do</strong> se direciona aos bairros mais longínquos e suburbanos da cida<strong>de</strong> – por conta<strong>do</strong> eleva<strong>do</strong> valor imobiliário nos bairros centrais e mais nobres ‐utilizan<strong>do</strong>‐se, para isso,<strong>do</strong>s trens, transporte que se instaurou liga<strong>do</strong> às camadas mais baixas.“Bon<strong>de</strong>s e trens possibilitaram, assim, a expansão da cida<strong>de</strong> e permitiram a solidificação<strong>de</strong> uma dicotomia núcleo‐periferia que já se esboçava [...] antes <strong>de</strong> 1870” (ABREU, 1987,p. 44). Villaça também caracteriza to<strong>do</strong> este perío<strong>do</strong> aponta<strong>do</strong> como <strong>de</strong> transição naprodução <strong>do</strong> espaço urbano carioca, em que ocorre uma nova estratificação social comuma nascente burguesia e classe média. (VILLAÇA, 2001, p. 160).isbn: 978-85-98261-08-9184


2 LITERATURA COMO FONTE DE PESQUISAprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Este momento peculiar <strong>de</strong> transformações ocorridas no âmbito urbano carioca é bastanterepresenta<strong>do</strong> na literatura, <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis. A relação <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis com a sua cida<strong>de</strong>natal é um fator muitas vezes aponta<strong>do</strong> – pelos seus aspectos positivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição da cida<strong>de</strong> – pelacrítica literária, sen<strong>do</strong> Macha<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s escritores que melhor conseguiu retratar acida<strong>de</strong> e a socieda<strong>de</strong> a que pertencia através <strong>de</strong> seus personagens. “Ao contar suas histórias,Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis escreveu e reescreveu a história <strong>do</strong> Brasil no século XIX.” (CHALHOUB, 2003, p. 17).Carioca nato sem praticamente nunca ter <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> a cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assismorou e vivenciou vários espaços <strong>do</strong> Rio imperial trazen<strong>do</strong>‐os aos seus textos. Como afirma Ribeiro<strong>do</strong> Val:Nos livros que escreveu, Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis, escritor carioca por excelência, fixou <strong>de</strong> maneira admirável sua cida<strong>de</strong>natal. To<strong>do</strong>s os aspectos <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro estão visíveis na obra machadiana. O homem e a socieda<strong>de</strong>, o meio físicoe o ambiente. [...] Pelos seus romances, contos e crônicas po<strong>de</strong>‐se conhecer o que <strong>de</strong> mais característico havia noRio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> seu tempo. (RIBEIRO DO VAL, 1977, p. 19)Assim, a obra <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis constitui uma importante fonte <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ambiente carioca<strong>do</strong> século XIX, visto sua forte relação com a cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro e a abrangência <strong>do</strong>s contextostemporais e espaciais que são observa<strong>do</strong>s e narra<strong>do</strong>s pelo escritor.Embora diversas pesquisas referentes à obra machadiana tratem da sua relação com o Rio <strong>de</strong> Janeiro,este trabalho analisa especialmente a presença <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da cida<strong>de</strong>, no que concerne aostransportes nela existentes, <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro e as relações associadas a estas mudanças, tema poucoaborda<strong>do</strong> na literatura existente.Como literatura, enten<strong>de</strong>‐se que a obra a ser estudada se trata <strong>de</strong> uma representação da cida<strong>de</strong>carioca, isto é, a obra literária, como se sabe, não <strong>de</strong>ve ser utilizada como fonte historiográfica, massim como base para os estu<strong>do</strong>s históricos não fugin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta maneira, <strong>de</strong> seu caráter verossímil. Adiscussão sobre a verossimilhança na ficção, principalmente na prosa, é tema bastante presente naárea da Literatura e é necessário levar isto em conta para a utilização da obra machadiana comoestu<strong>do</strong>.Sabemos to<strong>do</strong>s que um romance (ou um conto, ou uma novela) formula as próprias leis sob as quais se <strong>de</strong>senvolve,leis essas que cumpre ao leitor conhecer e aceitar.[...] Este [o ficcionista] inventa um mun<strong>do</strong> com base naobservação, na memória e na imaginação, que o leitor <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r como tal (MOISES, 1969, p. 90).Moisés (1969) ainda discute a verda<strong>de</strong> ou verossimilhança <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> romance afirman<strong>do</strong> que não se<strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r que a ação reproduzida na obra seja literalmente ocorrências da vida real, já que assimnão se trataria <strong>de</strong> ficção e per<strong>de</strong>ria o caráter artístico da literatura, mas ela se organiza coerentementecomo na realida<strong>de</strong> (MOISÉS, 1969, p. 90).Por outro la<strong>do</strong>, mesmo consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> a não obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> compromisso da ficção com arealida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mos intuir que a literatura retrata valores e acontecimentos que se passam <strong>de</strong> fato<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> plano realOu seja, a literatura busca a realida<strong>de</strong>, interpreta e enuncia verda<strong>de</strong>s sobre a socieda<strong>de</strong>, sem que para isso <strong>de</strong>va sera transparência ou o espelho da ‘matéria’ social que representa e sobre a qual interfere. A Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis, comoJohn Gledson já sugeriu, interessava <strong>de</strong>svendar o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo histórico referi<strong>do</strong>, buscar as suas causas maisprofundas, não necessariamente evi<strong>de</strong>ntes na observação da superfície <strong>do</strong>s acontecimentos. [...] (CHALHOUB,2003. p. 92‐93)isbn: 978-85-98261-08-9185


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Ainda, basean<strong>do</strong>‐se no fato <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis ser um escritor consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> pela crítica<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s parâmetros <strong>do</strong> movimento <strong>do</strong> Realismo, enten<strong>de</strong>‐se que sua literatura tem maisaproximação com o contexto <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro que outros momentos literários distintos. Sobreo Realismo, Alfre<strong>do</strong> Bosi diz que nas obras <strong>de</strong>ste momento, os escritores buscam aimpessoalida<strong>de</strong> diante <strong>do</strong>s objetos e das pessoas assim como procuram <strong>de</strong>monstrar <strong>de</strong> formaobjetiva a verda<strong>de</strong>, ainda que esta se trate <strong>de</strong> representação. (BOSI, 2006, p. 167). O críticoliterário afirma também que “O ponto mais alto e mais equilibra<strong>do</strong> da prosa realista brasileiraacha‐se na ficção <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis.” (I<strong>de</strong>m, p. 174). Desta maneira, Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assisproduziu textos que em gran<strong>de</strong> parte se aproximam da realida<strong>de</strong> vivida na cida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>então ser utilizada como ponto <strong>de</strong> partida e pesquisa – consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>‐a sempre comorepresentação – para a compreensão <strong>do</strong>s aspectos históricos da cida<strong>de</strong> no que concerne àformação e às mudanças da cida<strong>de</strong> no século XIX.Para análise <strong>de</strong> um texto <strong>de</strong> caráter literário enten<strong>de</strong>‐se que a obra a ser estudada se trata <strong>de</strong>uma representação da cida<strong>de</strong> carioca, isto é, a obra literária, como se sabe, não <strong>de</strong>ve serutilizada como fonte historiográfica, mas sim como base para os estu<strong>do</strong>s históricos nãofugin<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta maneira, <strong>de</strong> seu caráter verossímil. Moisés (1969, p. 90) discute a verda<strong>de</strong> ouverossimilhança <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> romance afirman<strong>do</strong> que não se <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r que a açãoreproduzida na obra seja literalmente ocorrências da vida real, já que assim não se trataria <strong>de</strong>ficção e per<strong>de</strong>ria o caráter artístico da literatura, mas ela se organiza coerentemente como narealida<strong>de</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, a obra <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis po<strong>de</strong> ser utilizada como ponto <strong>de</strong> partidae pesquisa para a compreensão <strong>do</strong>s aspectos históricos no que concerne à formação e àsmudanças da cida<strong>de</strong> no século XIX.Nesse senti<strong>do</strong>, este trabalho tem por objetivo a análise e compreensão <strong>de</strong> algumas dastransformações ocorridas na cida<strong>de</strong> durante o século XIX, buscan<strong>do</strong> inclusive compreen<strong>de</strong>rcomo a ambientação é atuante na construção <strong>do</strong> enre<strong>do</strong> <strong>do</strong>s romances machadianos. Para isso,toma‐se como base para os estu<strong>do</strong>s as representações presentes nos romances <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong>Assis, sen<strong>do</strong> eles: Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876), Iaiá Garcia (1878),Memórias Póstumas <strong>de</strong> Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899) e Esaúe Jacó (1904) e Memorial <strong>de</strong> Aires (1908) 1 .A meto<strong>do</strong>logia utilizada pra o trabalho se concentra na leitura minuciosa <strong>do</strong>s romancesmachadianos e na sistematização <strong>do</strong>s espaços <strong>de</strong>scritos e suas características pelo escritor emseus romances. Tais informações, por sua vez, são analisadas em conjunção com ahistoriografia <strong>do</strong> tema, ou seja, sobre arquitetura urbanismo <strong>do</strong> século XIX no Brasil. Destamaneira, po<strong>de</strong>‐se compreen<strong>de</strong>r as transformações socioespaciais que ocorreram no Rio <strong>de</strong>Janeiro neste perío<strong>do</strong> e suas implicações <strong>de</strong>ntro da obra literária.isbn: 978-85-98261-08-91863 MOBILIDADE URBANA E DISTINÇÃO SOCIALComo vimos, há uma forte relação entre o crescimento urbano da cida<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>senvolvimento<strong>do</strong>s sistemas <strong>de</strong> transportes, uma vez que o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> foi um <strong>do</strong>s fatores quecontribuiu para que a população se <strong>de</strong>slocasse para bairros mais afasta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> centro da cida<strong>de</strong>.Durante o século XIX, houve uma intensificação <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> transportes coletivo, com maisbon<strong>de</strong>s por exemplo, assim como a importação <strong>de</strong> veículos individuais.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)As primeiras diligências da cida<strong>de</strong> circundavam os bairros que até então eram mais valoriza<strong>do</strong>s,como São Cristóvão. As gôn<strong>do</strong>las, que eram os primeiros ônibus que surgiam no ano <strong>de</strong> 1838,puxa<strong>do</strong>s à tração animal, também tinham linhas nesse bairro além <strong>de</strong> outros menos habita<strong>do</strong>spela população urbana, como Andaraí, Tijuca e Engenho Velho (ABREU, 1987, p. 37;41). Afamília <strong>de</strong> Bento Santiago, assim como seus amigos, costumavam utilizar os ônibus para se<strong>de</strong>slocar. Seu amigo Escobar o utiliza para ir embora da casa <strong>de</strong> Bento “Escobar <strong>de</strong>spediu‐selogo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> jantar; fui levá‐lo à porta, on<strong>de</strong> esperamos a passagem <strong>de</strong> um ônibus.” (DC,LXXI, p. 883), assim como o pequeno Bentinho, “[...] minha mãe achou o dia quente e nãoconsentiu que eu fosse a pé; entramos no ônibus, à porta <strong>de</strong> casa.” (DC, XXIII, p. 833).A partir das últimas décadas <strong>do</strong> século XIX os sistemas <strong>de</strong> transporte vão influenciar com maiorintensida<strong>de</strong> a expansão da cida<strong>de</strong>. A inauguração da Estrada <strong>de</strong> Ferro Dom Pedro II (Central <strong>do</strong>Brasil), em 1858, possibilita que áreas no subúrbio fossem habitadas, enquanto o bon<strong>de</strong> <strong>de</strong>burro surgi<strong>do</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois facilitava a expansão rumo às zonas norte e sul. A BotanicalGar<strong>de</strong>n Railroad Company foi a pioneira quanto ao funcionamento <strong>do</strong>s bon<strong>de</strong>s com trajetosmais restritos ao centro da cida<strong>de</strong>, expandin<strong>do</strong> as linhas gradualmente a outros bairros no<strong>de</strong>correr <strong>do</strong>s anos.O surgimento <strong>do</strong> bon<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certa forma, propiciou a instalação <strong>de</strong> pessoas em áreas maisdistantes <strong>do</strong> centro, mas que continham o mesmo conforto daquelas freguesias maisrequisitadas pelas camadas abastadas. Assim, cresce a habitação urbana em bairros que atéentão eram toma<strong>do</strong>s apenas por chácaras, mas que começam a ser atendi<strong>do</strong>s pelos bon<strong>de</strong>s etinham terrenos <strong>de</strong> valor mais acessível.A partir <strong>de</strong> então, outras companhias <strong>de</strong> bon<strong>de</strong> começam a surgir na cida<strong>de</strong>, a<strong>de</strong>ntran<strong>do</strong> a váriosbairros como São Cristóvão, Tijuca, Gamboa, Catumbi, Caju, Santo Cristo e Rio Compri<strong>do</strong> e com isso“a novida<strong>de</strong> nos transportes provoca a mo<strong>de</strong>rnização <strong>de</strong>sses bairros” (TRIGO, 2000, p. 197).O bon<strong>de</strong> é <strong>de</strong>scrito nos romances <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis sen<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong> por alguns personagens massomente nos últimos <strong>de</strong> seus romances. Os primeiros romances se passam antes <strong>de</strong>sta gran<strong>de</strong>expansão <strong>do</strong>s bon<strong>de</strong>s na cida<strong>de</strong>, isto é, os enre<strong>do</strong>s datam da década <strong>de</strong> 50 e mea<strong>do</strong>s da 60. Assim,nestes iniciais não existem passagens que mostrem seus personagens se <strong>de</strong>slocan<strong>do</strong> pela cida<strong>de</strong> combon<strong>de</strong>s. À medida que este meio <strong>de</strong> transporte vai se inserin<strong>do</strong> <strong>de</strong> fato na vida urbana, Macha<strong>do</strong> o<strong>de</strong>screve <strong>de</strong> forma mais incisiva em seus enre<strong>do</strong>s. Deste mo<strong>do</strong>, só nos <strong>do</strong>is últimos romances (Esaú eJacó, com o enre<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> 1871 e Memorial <strong>de</strong> Aires, com enre<strong>do</strong> inicia<strong>do</strong> em 1888) é que, <strong>de</strong>fato, o bon<strong>de</strong> faz parte das <strong>de</strong>scrições da cida<strong>de</strong> carioca. Um <strong>do</strong>s personagens a<strong>de</strong>ptos ao uso <strong>do</strong>bon<strong>de</strong> é Nativida<strong>de</strong> (EJ) que o utiliza para ir às compras e inclusive encontra o conselheiro Aires noveículo. Ambos estes personagens pertencem a famílias em boas condições sociais, enfatizan<strong>do</strong> quemeram aqueles que utilizavam o bon<strong>de</strong>.Quan<strong>do</strong>, às duas horas da tar<strong>de</strong> <strong>do</strong> dia seguinte, Nativida<strong>de</strong> se meteu no bon<strong>de</strong>, para ir a não sei que compras naRua <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r, levava a frase consigo. A vista da enseada não a distraiu, nem a gente que passava, nem osinci<strong>de</strong>ntes da rua, nada [...] (EJ, XXXVIII, p. 993).Fidélia tem o mesmo motivo para uso <strong>do</strong> transporte: “Quan<strong>do</strong> cheguei hoje à cida<strong>de</strong>, eram duashoras, e ia a sair <strong>do</strong> bon<strong>de</strong>, chegou‐se a ele a bela Fidélia, com o seu gracioso e austero meio‐luto <strong>de</strong>viúva. Vinha <strong>de</strong> compras, naturalmente. Cumprimentamo‐nos, <strong>de</strong>i‐lhe a mão para subir” (MA,12/09/88, p.,1149).isbn: 978-85-98261-08-9187


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Com a articulação <strong>do</strong>s bon<strong>de</strong>s <strong>de</strong> diversas companhias intensifica‐se, neste momento, aassociação entre as linhas <strong>de</strong> bon<strong>de</strong> e o crescimento da cida<strong>de</strong> guia<strong>do</strong> pelo loteamento.Exemplo disso é a Companhia Ferro‐Carril <strong>de</strong> Vila Isabel, pertencente ao Barão <strong>de</strong> Drummond,que surgiu em 1872 e atendia Vila Isabel, Andaraí, Grajaú, Maracanã, São Francisco Xavier eEngenho Novo. “A associação bon<strong>de</strong>/loteamento é bem exemplificada em Vila Isabel, on<strong>de</strong> obon<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandava o bairro <strong>do</strong> mesmo nome, cria<strong>do</strong> em 1873 pela Companhia Arquitetônica,também da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Drummond, em terrenos outrora pertencentes à família imperial”(ABREU, 1987, p. 44).Já por volta <strong>do</strong>s anos 80, a Companhia <strong>do</strong> Jardim Botânico (ex‐Botanical Gar<strong>de</strong>n RailroadCompany) procura expandir suas linhas até o bairro <strong>de</strong> Copacabana, até então caracteriza<strong>do</strong>como um pitoresco arrabal<strong>de</strong>. Novamente funciona a associação entre transporte eloteamento, pois a chegada <strong>do</strong> bon<strong>de</strong> até lá e as melhorias que foram feitas no bairro para queisso acontecesse aumentou a procura pelos novos loteamentos <strong>do</strong> mesmo.Os trens, no entanto, tiveram papel diverso <strong>do</strong>s bon<strong>de</strong>s. Estes atendiam a áreas suburbanasque eram marcadas pela pre<strong>do</strong>minância <strong>do</strong> ambiente rural. As linhas <strong>de</strong> trem então levaram apopulação urbana até locais como Sapopemba, Cascadura ou Nova Iguaçu. Essas regiõespassaram a ter mais ocupação, assim como as áreas entre diferentes estações, passan<strong>do</strong> entãoa transformar antigos espaços rurais em “pequenos vilarejos, e a atrair pessoas em busca <strong>de</strong>uma moradia barata, resultan<strong>do</strong> daí uma elevação consi<strong>de</strong>rável da <strong>de</strong>manda por transporte e aconsequente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aumentar o número <strong>de</strong> composições e <strong>de</strong> estações” (ABREU,1987, p. 50).Bento Santiago, já moran<strong>do</strong> no Engenho Novo, isto é, quan<strong>do</strong> trens e bon<strong>de</strong>s já faziam parte <strong>do</strong>cotidiano carioca, utiliza o trem para ir até a sua casa, como narra no capítulo <strong>de</strong> entrada <strong>do</strong>romance:Uma noite <strong>de</strong>stas, vin<strong>do</strong> da cida<strong>de</strong> para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central uma rapaz aqui <strong>do</strong>bairro, que eu conheço <strong>de</strong> vista e <strong>de</strong> chapéu. Cumprimentou‐me, sentou‐me ao pé <strong>de</strong> mim, falou da lua e<strong>do</strong>s ministros, e acabou recitan<strong>do</strong>‐me versos. A viagem era curta, e os versos po<strong>de</strong> ser que não fosseminteiramente maus. Suce<strong>de</strong>u, porém, que, como eu estava cansa<strong>do</strong>, fechei os olhos três ou quatro vezes”(DC, I, 809).Em pouco tempo mais estações foram acrescidas e as viagens foram a<strong>de</strong>quadas aos horários <strong>de</strong>entrada e saída <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res em seus empregos enquanto continuava a se expandir asáreas próximas à passagem da linha <strong>de</strong> trem.O processo <strong>de</strong> ocupação <strong>do</strong>s subúrbios tomou, a principio, uma forma tipicamente linear, localizan<strong>do</strong>‐se ascasas ao longo da ferrovia e, com maior concentração, em torno das estações. Aos poucos, entretanto,ruas secundárias, perpendiculares à via férrea, foram sen<strong>do</strong> abertas pelos proprietários <strong>de</strong> terras ou porpequenas companhias lotea<strong>do</strong>ras, dan<strong>do</strong> inicio assim a um processo <strong>de</strong> crescimento radial, que seintensificaria cada vez mais com o passar <strong>do</strong>s anos (ABREU, 1987, p. 50).E assim como ocorreu com os bon<strong>de</strong>s, as linhas <strong>de</strong> trem foram se multiplican<strong>do</strong> no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong>s anos,atingin<strong>do</strong> outros bairros e transportan<strong>do</strong> mais pessoas. Mas já no fim <strong>do</strong> século, bon<strong>de</strong>s e trenspassavam por uma crise <strong>de</strong> superlotação pois o uso se tornava cada vez mais intenso.As viagens a cida<strong>de</strong>s vizinhas, como Petrópolis, quan<strong>do</strong> já tinham acesso por trem, eram feitas poreste meio <strong>de</strong> transporte. O conselheiro Aires assim viaja com a companhia <strong>do</strong> <strong>de</strong>sembarga<strong>do</strong>rCampos.isbn: 978-85-98261-08-9188


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Campos achava gran<strong>de</strong> prazer na viagem que íamos fazen<strong>do</strong> em trem <strong>de</strong> ferro. Eu confessava‐lhe quetivera maior gosto quan<strong>do</strong> ali ia em caleças tiradas a burros, umas atrás das outras, não pelo veículo em si,mas porque ia ven<strong>do</strong>, ao longe, cá embaixo, aparecer a pouco e pouco o mar e a cida<strong>de</strong> com tantosaspectos pinturescos. O trem leva a gente <strong>de</strong> corrida, <strong>de</strong> afogadilho, <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>, até à própria estação <strong>de</strong>Petrópolis. E mais lembrava as paradas, aqui para beber café, ali para beber água na fonte célebre, efinalmente a vista <strong>do</strong> alto da serra, on<strong>de</strong> os elegantes <strong>de</strong> Petrópolis aguardavam a gente e aacompanhavam nos seus carros e cavalos até à cida<strong>de</strong>; alguns <strong>do</strong>s passageiros <strong>de</strong> baixo passavam alimesmo para os carros on<strong>de</strong> as famílias esperavam por eles (MA, Segunda‐Feira, p. 1106).Também em Niterói se intensificou a ida e permanência, constituin<strong>do</strong> local <strong>de</strong> residênciaalternativa, após a inauguração <strong>do</strong> serviço das barcas a vapor entre o Rio e esta cida<strong>de</strong>. Anavegação era feita pela Socieda<strong>de</strong> Navegação <strong>de</strong> Nitheroy e foi implementada para suprir asnecessida<strong>de</strong>s comerciais entre os <strong>do</strong>is locais, mas tornou‐se transporte <strong>de</strong> passeio no <strong>de</strong>correr<strong>do</strong> século, com barcas que saíam <strong>de</strong> hora em hora, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as seis da manhã, até o fim da tar<strong>de</strong>.Mas além <strong>do</strong>s transportes coletivos, havia também o transporte particular, com diversos tipos<strong>de</strong> carros <strong>de</strong> aluguel ou <strong>de</strong> posse das famílias, dissemina<strong>do</strong>s principalmente a partir da chegadada corte portuguesa, em 1808. Dentre estes veículos temos várias passagens nos textos <strong>de</strong>Macha<strong>do</strong>, que discorrem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os mais antigos, como a ca<strong>de</strong>irinha e a sege, até os que naépoca eram os mais atuais e elegantes. Táti (1961) <strong>de</strong>dica um capítulo a esses meios <strong>de</strong>transporte, apontan<strong>do</strong> a ocorrência <strong>de</strong> tais veículos nos textos machadianos.Vale a pena apontar as características <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses veículos para compreen<strong>de</strong>r adiferença, inclusive socioeconômica, envolvida em cada tipo.Havia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos coloniais, a ca<strong>de</strong>irinha, que constituía uma espécie <strong>de</strong> adaptação dare<strong>de</strong> e era utilizada por pessoas mais abastadas, carrega<strong>do</strong>s por seus escravos. Era restrita aosprincipais homens e, durante o XVIII, as mulheres só podiam utilizá‐las quan<strong>do</strong> parte danobreza.É em uma ca<strong>de</strong>irinha que Brás Cubas vê Marcela pela primeira vez, “Vi‐a sair <strong>de</strong> umaca<strong>de</strong>irinha, airosa e vistosa, um corpo esbelto, ondulante, um <strong>de</strong>sgarre, alguma coisa quenunca achara nas mulheres puras” (MP, XIV, p. 533). Também numa ca<strong>de</strong>irinha ocorre a trágicamorte da avó <strong>de</strong> Quincas Borba no episódio que figura também uma sege. Po<strong>de</strong>‐se concluir,neste episódio a nobreza da avó <strong>de</strong> Quincas, o que enfatiza sua riqueza <strong>de</strong>ixada para Rubião.— Foi no Rio <strong>de</strong> Janeiro, começou ele, <strong>de</strong>fronte da Capela Imperial, que era então Real, em dia <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>festa; minha avó saiu, atravessou o adro, para ir ter à ca<strong>de</strong>irinha, que a esperava no Largo <strong>do</strong> Paço. Gentecomo formiga. O povo queria ver entrar as gran<strong>de</strong>s senhoras nas suas ricas traquitanas. No momento emminha avó saía <strong>do</strong> adro para ir à ca<strong>de</strong>irinha, um pouco distante, aconteceu espantar‐se uma das bestas <strong>de</strong>uma sege; a besta disparou, a outra imitou‐a, confusão, tumulto, minha avó caiu, e tanto as mulas como asege passaram‐lhe por cima (QB, VI, p. 646).Facilitan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>slocamento, surgem, mais adiante, os carros movi<strong>do</strong>s à tração animal comconstantes melhorias em termos <strong>de</strong> conforto e velocida<strong>de</strong>, surgin<strong>do</strong> o coche. Segui<strong>do</strong> <strong>de</strong>le,outros veículos vão toman<strong>do</strong> características próprias. A carruagem, por exemplo, constitui, <strong>de</strong>certa forma, um aperfeiçoamento <strong>do</strong> coche, pois, com mudanças em relação a suspensão dacaixa, trazia mais conforto e estabilida<strong>de</strong> além da boleia que era on<strong>de</strong> se sentava o cocheiro, afrente, trazen<strong>do</strong> mais visibilida<strong>de</strong> e precisão <strong>de</strong> conduta a este. De maneira geral, a carruagemera associada às viaturas <strong>de</strong> luxo (MHN).189


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Ter tais veículos eram sinônimo <strong>de</strong> luxo. O pai <strong>de</strong> Brás Cubas, homem <strong>de</strong> posses, fala da compra<strong>de</strong> um coche: “Bebeu o último gole <strong>de</strong> café; repoltreou‐se, e entrou a falar <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong>,da Câmara, da Regência, da restauração, <strong>do</strong> Evaristo, <strong>de</strong> um coche que pretendia comprar, danossa casa <strong>de</strong> Mata‐cavalos...” (MP, XXVI, p. 548). E o Nóbrega, rico homem que queria se casarcom Flora (EJ), tem uma bela carruagem, o que enfatiza sua riqueza “Um <strong>de</strong>les valia mais queto<strong>do</strong>s pela carruagem, — tirada por uma bela parelha <strong>de</strong> cavalos, — capitalista <strong>do</strong> bairro.” (EJ,CII, p. 1074) assim como Dona Úrsula, viúva <strong>do</strong> conselheiro Vale: “Dona Úrsula meteu‐se nacarruagem, logo <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> jantar [...]” (HE, II, p. 281).Também Valeria (IG), possui uma carruagem, <strong>de</strong>ntre seus outros pertences, como a casa <strong>de</strong>veraneio em Santa Teresa e outras <strong>de</strong> aluguel, como a da Tijuca. Sua posição social também éalta, tanto que impe<strong>de</strong> que seu filho se case com Estela, filha <strong>de</strong> um ex‐emprega<strong>do</strong> <strong>de</strong> seumari<strong>do</strong> <strong>de</strong>sembarga<strong>do</strong>r, pois a consi<strong>de</strong>ra inferior à sua posição social e asssim não compátivelcom Jorge. É com a carruagem que os três vão visitar a casa da Tijuca, local on<strong>de</strong> ocorre umacena na história <strong>do</strong> trunca<strong>do</strong> romance <strong>de</strong> Jorge e Estela.Um dia, vagan<strong>do</strong> uma casa <strong>de</strong> Valéria no caminho da Tijuca, <strong>de</strong>terminou‐se a viúva a ir examiná‐la, antes<strong>de</strong> a alugar outra vez. Foi acompanhada <strong>do</strong> filho e <strong>de</strong> Estela. Saíram ce<strong>do</strong>, e a viagem foi alegre para amoça, que pela primeira vez ia aquele arrabal<strong>de</strong>. Quan<strong>do</strong> a carruagem parou, supunha Estela que maltivera tempo <strong>de</strong> sair da Rua <strong>do</strong>s Inváli<strong>do</strong>s (IG, III, p. 411).Semelhante à carruagem era a berlinda, veículo <strong>de</strong> origem alemã. Homens <strong>de</strong> cargosimportantes – o Vice‐Rei e os funcionários mais renoma<strong>do</strong>s – a utilizavam. Seus custos <strong>de</strong>manutenção com os cavalos e o cocheiro eram altos, além <strong>de</strong> ser pouco adaptável as tortuosase curvas ruas das cida<strong>de</strong>s brasileiras.Já o coupé, cita<strong>do</strong> várias vezes por Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis em seus romances era umacarruagem <strong>de</strong> origem francesa que acomodava somente um passageiro. No coupé, ocondutor ia à frente separa<strong>do</strong> <strong>do</strong> passageiro por um vidro. “O carro em voga entre asfamílias abastadas <strong>do</strong> tempo <strong>de</strong> Rubião era o cupê, carruagem fechada <strong>de</strong> quatro rodas,com <strong>do</strong>is assentos, servida por lacaio e cocheiro na almofada, farda<strong>do</strong>s, e puxada pormulas ou cavalos, conforme as condições <strong>do</strong> dia” (TÁTI, 1961, p. 68). Ainda assim, Rubiãoacha‐o pouco elegante para toda a cerimônia em que ele sonhava para seu belíssimocasamentoNaquele dia e nos outros, compôs <strong>de</strong> cabeça as pompas matrimoniais, os coches, — se ainda oshouvesse antigos e ricos, quais ele via grava<strong>do</strong>s nos livros <strong>de</strong> usos passa<strong>do</strong>s. Oh! gran<strong>de</strong>s e soberboscoches! Como ele gostava <strong>de</strong> ir esperar o impera<strong>do</strong>r, nos dias <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> gala, à porta <strong>do</strong> paço dacida<strong>de</strong>, para ver chegar o préstito imperial, especialmente o coche <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong>, vastasproporções, fortes molas, finas e velhas pinturas, quatro ou cinco parelhas guiadas por um cocheirograve e digno! Outros vinham, menores em gran<strong>de</strong>za, mas ainda assim tão gran<strong>de</strong>s que enchiam osolhos. Um <strong>de</strong>sses outros, ou ainda algum menor, podia servir‐lhe às bodas, se toda a socieda<strong>de</strong> nãoestivesse já nivelada pelo vulgar coupé. Mas, enfim, iria <strong>de</strong> coupé; imaginava‐o forra<strong>do</strong>magnificamente, <strong>de</strong> quê? De uma fazenda que não fosse comum, que ele mesmo não distinguia, porora; mas que daria ao veículo o ar que não tinha. Parelha rara. Cocheiro farda<strong>do</strong> <strong>de</strong> ouro. Oh! masum ouro nunca visto (QB, LXXXI, p. 712).Anteriores aos famosos coches e coupés, eram presentes as seges e cabriolés, este últimoteve um perío<strong>do</strong> curto, cain<strong>do</strong> em <strong>de</strong>suso. A sege era mais simples, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> contar comduas ou quatro rodas com cortina na frente. É uma velha sege que a família <strong>de</strong> Bentinhomantém.isbn: 978-85-98261-08-9190


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Em pequeno, lembra‐me que ia assim muita vez com minha mãe às visitas <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>cerimônia, e à missa, se chovia. Era uma velha sege <strong>de</strong> meu pai, que ela conservou o mais quepô<strong>de</strong>. [...]isbn: 978-85-98261-08-9[...] Era uma velha sege obsoleta, <strong>de</strong> duas rodas, estreita e curta, com duas cortinas <strong>de</strong> couro nafrente, que corriam para os la<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> era preciso entrar ou sair. Cada cortina tinha um óculo<strong>de</strong> vidro, por on<strong>de</strong> eu gostava <strong>de</strong> espiar para fora. (DC, LXXXVII, pp. 894/895).Também havia o tílburi que era um “veículo pequeno, sem boléia, com apenas <strong>do</strong>isassentos e duas rodas e puxa<strong>do</strong> por um só animal” (TÁTI, 1961, p. 71). Os tílburisaparecem muitas vezes nos romances machadianos como carros <strong>de</strong> aluguel, quecircundavam as ruas com seus passageiros e ficavam muitas vezes estaciona<strong>do</strong>s no Largo<strong>de</strong> São Francisco à espera <strong>de</strong> quem necessitasse, como Rubião que andava in<strong>de</strong>ciso pelacida<strong>de</strong>: “Pensou em ir ao teatro, mas era tar<strong>de</strong>. Então dirigiu‐se ao Largo <strong>de</strong> SãoFrancisco para meter‐se em um tílburi e ir para Botafogo” (QB, XLV, p. 677), ou Bentoin<strong>do</strong> ao enterro <strong>de</strong> Escobar, “No tílburi em que an<strong>de</strong>i uma ou duas horas, não fizera maisque recordar o tempo <strong>do</strong> <strong>seminário</strong>, as relações <strong>de</strong> Escobar, as nossas simpatias, a nossaamiza<strong>de</strong>, começada [...]” (DC, CXXII, p. 926), ou ainda as indas e vindas <strong>de</strong> Estévão à casa<strong>de</strong> Luís Alves (ML): “Meia‐noite estava a pingar; uma pessoa <strong>de</strong>scia <strong>de</strong> um tílburi e batialheà porta. [...] Mas só lhe respon<strong>de</strong>u o rumor <strong>do</strong>s pés que <strong>de</strong>sciam, e pouco <strong>de</strong>pois o <strong>do</strong>tílburi que rolava surdamente na terra úmida da praia” (ML, XVI,p. 255‐259).Ainda havia o landau que também se caracterizava como carro <strong>de</strong> luxo com dupla capota,e a vitória, que era uma carruagem <strong>de</strong>scoberta com quatro rodas.A família Santos, caracterizada como abastada em to<strong>do</strong> o romance (EJ) tinha toda aelegância para usar os mais luxuosos carros como a vitória, “Um vitória da Santosesperava ali os rapazes, a conselho e por or<strong>de</strong>m da mãe, que buscava todas as ocasiões emeios <strong>de</strong> os fazer andar juntos e familiares” (EJ, XC, p. 1060), ou os landausNo cais pharoux esperavam por eles três carruagens, — <strong>do</strong>is coupés e um landau, com três belasparelhas <strong>de</strong> cavalos. A gente Batista ficou lisonjeada com a fineza da gente Santos, e entrou nolandau. Os gêmeos foram cada um no seu coupé. A primeira carruagem tinha o seu cocheiro e oseu lacaio, farda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> castanho, botões <strong>de</strong> metal branco, em que se podiam ver as armas da casa.Cada uma das outras tinha apenas o cocheiro, com igual libré. E todas três se puseram a andar,estas atrás daquela, os animais baten<strong>do</strong> rijo e compassa<strong>do</strong>, a golpes certos, como se houvessemensaia<strong>do</strong>, por longos dias, aquela recepção. De quan<strong>do</strong> em quan<strong>do</strong>, encontravam outros trens,outras librés, outras parelhas, a mesma beleza e o mesmo luxo. (EJ, LXXIII, p. 1041).191


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Figura 1‐ Mapeamento <strong>do</strong>s espaços cita<strong>do</strong>s nas obras <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis referentes ao <strong>de</strong>slocamento e mobilida<strong>de</strong> urbana.isbn: 978-85-98261-08-9192Fonte: Produção própria sobre a planta da cida<strong>de</strong> (1890), in CZAJKOWSKI (2000).4 CONSIDERAÇÕES FINAISO século XIX, no qual se passam os enre<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s romances analisa<strong>do</strong>s, em relação às alteraçõese <strong>de</strong>senvolvimento da cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, foi um perío<strong>do</strong> em que as mudançaseconômicas e políticas e também alterações na sociabilida<strong>de</strong> e costumes, acarretarammodificações na maneira como se apresentava a organização da cida<strong>de</strong>.Contemporâneo a estas alterações que estavam ocorren<strong>do</strong> a seu re<strong>do</strong>r e bastante observa<strong>do</strong>r,Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis retratava sua socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma muito bem caracterizada entrelaçan<strong>do</strong>aspectos sociais, espaciais e econômicos, inclusive <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> isso através da <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>seus personagens.Especificamente sobre a forma como se apresentam o uso <strong>do</strong>s transportes <strong>de</strong>ntro da literaturamachadiana, a <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>s diferentes tipos <strong>de</strong> transportes utiliza<strong>do</strong>s pelas distintas classessociais que neles aparecem, vai se modifican<strong>do</strong> à medida que o sistema <strong>de</strong> transporte crescena cida<strong>de</strong>. Também é notável, em Macha<strong>do</strong>, que a ambientação faz parte da construção sociale cultural <strong>do</strong>s personagens, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong>, através das características <strong>do</strong>s espaços e <strong>do</strong>s usos <strong>de</strong>


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)diferentes modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transporte, marcos sociais e culturais que buscavam ser cria<strong>do</strong>s pelonarra<strong>do</strong>r. Claramente se vê, através <strong>do</strong>s espaços narra<strong>do</strong>s, que Macha<strong>do</strong> pouco <strong>de</strong>screve apopulação mais empobrecida, dan<strong>do</strong> priorida<strong>de</strong> à <strong>de</strong>scrição da elite e os valores que a faziamsoberana, o que po<strong>de</strong> ser percebi<strong>do</strong> inclusive na <strong>de</strong>marcação pre<strong>do</strong>minante da mobilida<strong>de</strong> aolongo da orla (Figura 1), em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong>s espaços suburbanos para os quais avançavam ostrens, por exemplo. Tratan<strong>do</strong>‐se <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis, essa preferencia pela <strong>de</strong>scrição da elitetalvez possa ser, na verda<strong>de</strong>, uma crítica à socieda<strong>de</strong> que estava se forman<strong>do</strong> na então capitalbrasileira, pautada prioritariamente pelos valores guia<strong>do</strong>s pela aparência – como morar emboa localização, ter posses e mostrar‐se a socieda<strong>de</strong> da melhor maneira possível ‐como muitasvezes retrata<strong>do</strong> ironicamente em suas obras. Os transportes, <strong>de</strong>ntro da obra machadiana,enfatizam tais aspectos, sen<strong>do</strong> nitidamente <strong>de</strong>marca<strong>do</strong>res sociais.Cabe ainda ressaltar que a compreensão das relações da cida<strong>de</strong> com a presença <strong>de</strong> uma fonteque não é unicamente a consagrada pela historiografia, isto é, o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s aspectosrelaciona<strong>do</strong>s ao urbanismo através da literatura, evi<strong>de</strong>ncia a riqueza que po<strong>de</strong> trazer a relação<strong>de</strong> troca entre diferentes objetos <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>.isbn: 978-85-98261-08-95 REFERÊNCIASABREU, Maurício <strong>de</strong>. Evolução Urbana <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. 3 ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro, IPLANRIO, 1987.AGUIAR, Luiz Antonio. Almanaque Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis: vida, obra, curiosida<strong>de</strong>s e bruxarias literárias. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Record, 2008.BOSI, Alfre<strong>do</strong>. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.BRUAND Yves. <strong>Arquitetura</strong> Contemporânea no Brasil. Perspectiva, São Paulo, 1981.CHALHOUB, Sidney. Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis: Historia<strong>do</strong>r. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.COARACY, Vival<strong>do</strong>. Memórias da cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio, 1955.COUTINHO, Afrânio (org.) Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis: Obra Completa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2006.CZAJKOWSKI, Jorge. Do cosmógrafo ao satélite: mapas da cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Centro <strong>de</strong><strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo, 2000.ERMAKOFF, George. Rio <strong>de</strong> Janeiro 1840‐1900 ‐Uma crônica fotográfica. Rio <strong>de</strong> Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial,2006.GUIMARÃES, H.S. & SACCHETTA, V. (orgs.) A olhos vistos: uma iconografia <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis. São Paulo: InstitutoMoreira Salles, 2008.MOISES, Massaud. A Análise Literária. São Paulo: Cultrix, 1969.REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da <strong>Arquitetura</strong> no Brasil. São Paulo, Perspectiva,1978.REIS, Nestor Goulart. Evolução urbana <strong>do</strong> Brasil. São Paulo, Liv Pioneira Ed/EDUSP, 1968.SEVCENKO, Nicolau (Org.). Historia da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.TÁTI, Miécio. O Mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis: o Rio <strong>de</strong> Janeiro na obra <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis. São Paulo: São José,1961.TRANSPORTE URBANO NO BRASIL. In: Museu Virtual <strong>do</strong> Transporte Urbano. Disponível em:http://www.museudantu.org.br/QBrasil.htm. Acesso em 03 fev. 2011.TRIGO, Luciano. O viajante imóvel: Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis e o Rio <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> seu tempo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Record, 2000.193


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9VAL, Valdir Ribeiro <strong>do</strong>. Geografia <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis. Rio <strong>de</strong> Janeiro: São José, 1977.VILLAÇA, Flávio. O espaço intra‐urbano brasileiro. São Paulo: Studio Nobel / FAPESP / Lincoln Institute, 20016 NOTAS1 Para facilitar a compreensão, utilizou‐se, neste trabalho, as referências das citações <strong>do</strong>s romances <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong>Assis com a seguinte sequência: sigla da obra, capítulo, página. Sen<strong>do</strong> as obras utilizadas e suas siglas: Ressurreição(RE), A Mão e a Luva (ML), Helena (HE), Iaiá Garcia (IG), Memórias Póstumas <strong>de</strong> Brás Cubas (MPBC), Quincas Borba(QB), Dom Casmurro (DC), Esaú e Jacó (EJ) e Memorial <strong>de</strong> Aires (MA); e as páginas referentes à edição organizadapor Afrânio Coutinho (2006), indicada nas referências.194


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)NÚCLEO TEMÁTICO III: Memórias e Cida<strong>de</strong>sisbn: 978-85-98261-08-9Suportes <strong>de</strong> memória da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes: aencruzilhada <strong>de</strong> rotas e caminhos luso‐brasileirosMarília Fátima Dutra <strong>de</strong> Ávila CARVALHOMestre em Geografia/<strong>UFMG</strong>; Doutoranda em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo pelo NPGAU/<strong>UFMG</strong>;Professora da <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Design/UEMG. marilia.avilacarvalho@gmail.comFernanda Borges <strong>de</strong> MORAESDoutora em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo pela FAU/USP; Professora <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Urbanismoda <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> <strong>Arquitetura</strong>/<strong>UFMG</strong>; Coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Pós‐graduação em <strong>Arquitetura</strong> eUrbanismo – NPGAU/<strong>UFMG</strong>. fernanda.borges.moraes@gmail.comRESUMOCaminhos e rotas fariam parte <strong>de</strong> um acervo operacional museal? Caminhos e rotas parecem‐nos<strong>do</strong>cumentos vivos (ou fontes <strong>do</strong>cumentais) merece<strong>do</strong>res <strong>de</strong> interesse enquanto objeto <strong>de</strong>preservação, pesquisa e comunicação por parte <strong>de</strong> um museu? Esse artigo se <strong>de</strong>dica a discutirsobre suportes <strong>de</strong> memória da antiga Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes (1714‐1892), seus caminhos erotas <strong>de</strong> abastecimento das regiões minera<strong>do</strong>ras. Julgamos que, na re<strong>de</strong> urbana e <strong>de</strong> estradas daComarca <strong>do</strong> Rio das Mortes há paisagens, caminhos, estruturas edificadas e sítios que merecemfigurar como acervo operacional <strong>de</strong> museus históricos, dinamiza<strong>do</strong>res <strong>de</strong> projetos curatoriaisinterativos e atraentes à visitação ao museu.PALAVRAS‐CHAVE: Museu. Acervo operacional. Suportes <strong>de</strong> memória. Comarca <strong>do</strong> Rio dasMortes.195ABSTRACTPaths and routes would be part of operating a museum collection? Paths and routes appear to beliving <strong>do</strong>cuments (or <strong>do</strong>cumentary sources) as an object of interest worthy of preservation,research and communication on the part of a museum? This article is <strong>de</strong>dicated to discussing thestorage media of the former Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes (1714‐1892), its ways and supply routesof the mining regions. We believe that in the urban network of roads and the County of Rio dasMortes there are landscapes, roads, built structures and sites that <strong>de</strong>serve to rank as operatingmuseums historic collection, curatorial project interactive and attractive to visitors to themuseum.KEYWORDS: Museum. Collection operations. Storage media. Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes.1 INTRODUÇÃOEm março <strong>de</strong> 2012, conversan<strong>do</strong> com professores da <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Design da Universida<strong>de</strong>Estadual <strong>de</strong> Minas Gerais‐UEMG, procurávamos algumas estratégias didáticas paraprovocar o interesse <strong>do</strong>s alunos, nas visitações culturais a museus históricos, previstas nocurso introdutório <strong>de</strong> Museologia. A turma compunha‐se <strong>de</strong> jovens arquitetos e<strong>de</strong>signers gráficos, com interesses diversos. Os primeiros <strong>de</strong>tinham‐se nas edificações <strong>do</strong>smuseus e na paisagem <strong>do</strong> entorno; os graduan<strong>do</strong>s em Design manifestavam especialinteresse por souvenirs comercializa<strong>do</strong>s na lojinha <strong>do</strong> museu, assim como pelos projetosmuseográficos, porque ali se abriria espaço para trabalhos futuros. Já os Naquela


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)ocasião, nos <strong>de</strong>bruçávamos sobre pequenos objetos <strong>do</strong> acervo tradicional <strong>de</strong> museuhistórico (neste caso, objetos, fotografias, textos, ícones, publicações, réplicas, maquetes,etc.). A lojinha explorava uma vertente pragmática, eivada <strong>de</strong> lugares‐comuns já por<strong>de</strong>mais explora<strong>do</strong>s pelo turismo e suas campanhas, sobretu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> valorização <strong>do</strong>patrimônio cultural e da história das cida<strong>de</strong>s, sobretu<strong>do</strong> as <strong>do</strong> “perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> ouro”.No entanto, carecíamos <strong>de</strong> estratégias pedagógicas mais eficientes para a abordagem <strong>do</strong>acervo operacional, aqui entendi<strong>do</strong> como o tratamento museológico <strong>de</strong> paisagens,esculturas, monumentos, equipamentos, estruturas edificadas que são torna<strong>do</strong>s objetosmusealiza<strong>do</strong>s e incorpora<strong>do</strong>s ao acervo. Perguntávamo‐nos: os velhos casarões, quecostumam abrigar os museus visita<strong>do</strong>s, são objetos passíveis <strong>de</strong> musealização? As viasurbanas e os caminhos interurbanos que dão acesso aos museus são objetos museais? Asencruzilhadas on<strong>de</strong> esses caminhos tem encontro com outros po<strong>de</strong>riam ser tratadasmuseologicamente? Entendíamos que sim, tanto os casarões, quanto as vias, oscaminhos e as encruzilhadas po<strong>de</strong>riam fazer parte <strong>do</strong> seu acervo operacional, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> queconvenientemente trata<strong>do</strong>s como suportes <strong>de</strong> memória.Mas a dificulda<strong>de</strong> residia, justamente, em qualificar tais objetos como suportes <strong>de</strong>memória, porque o mun<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno/ contemporâneo <strong>de</strong>struiu muitos trechos daquelesantigos caminhos; hoje em dia os casarões, os caminhos <strong>de</strong> acesso e as encruzilhadasreduziram‐se a fragmentos <strong>de</strong> memória, <strong>de</strong>sconecta<strong>do</strong>s, perdi<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> algumacida<strong>de</strong> colonial mineira, inserida num contexto urbano contemporâneo, numa novaor<strong>de</strong>m econômica, num novo tipo <strong>de</strong> vida social...Como, então, abordar as potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acervos operacionais <strong>de</strong> museus, numcontexto didático‐pedagógico – mais especificamente, no ensino introdutório daMuseologia –, para que os alunos avancem em suas análises, na contramão <strong>do</strong>s lugarescomunscontemporâneos, e agucem a sensibilida<strong>de</strong> para explorar dimensões singulares,que enunciem outras narrativas possíveis?Exploraremos, neste trabalho, em caráter narrativo, duas mitologias gregas: Hécate, a<strong>de</strong>usa das encruzilhadas, e as musas, filhas <strong>de</strong> Mnemósis. Enten<strong>de</strong>mos, nesse contexto,museu como um lugar <strong>de</strong> memória, capaz <strong>de</strong> enunciar, dialogicamente, discussõesintergeracionais, confluências e percepções <strong>de</strong> camadas enunciativas que mostramdiferentes poéticas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mun<strong>do</strong>, com suas permanências mas também emrápida transformação histórica e cultural. 1Caminhos po<strong>de</strong>riam fazer parte <strong>de</strong> um acervo operacional museal? Caminhos e rotaspo<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos vivos (ou fontes <strong>do</strong>cumentais) merece<strong>do</strong>res <strong>de</strong>interesse enquanto objeto <strong>de</strong> preservação, pesquisa e comunicação por parte <strong>de</strong> ummuseu. Mais especificamente com relação aos nossos interesses <strong>de</strong> pesquisa e aosmuseus explora<strong>do</strong>s no curso <strong>de</strong> Museologia, como isso se aplicaria à antiga Comarca <strong>do</strong>Rio das Mortes e seus caminhos e rotas 2 <strong>de</strong> abastecimento das regiões minera<strong>do</strong>ras? Natransformação das cida<strong>de</strong>s da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes, que paisagens, equipamentos,caminhos, sítios, estruturas edificadas merecerem figurar como acervo operacional <strong>de</strong>museus históricos? Esses são os recortes que trataremos, a seguir.isbn: 978-85-98261-08-9196


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANTIGA COMARCA DO RIO DAS MORTES: NOTASPARA PESQUISAS E APLICAÇÕESA Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes 3 foi uma das divisões judiciárias criadas em território mineironas primeiras décadas <strong>do</strong> século XVIII, hoje correspon<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, aproximadamente, àsmacrorregiões da Mata, Sul <strong>de</strong> Minas, Centro‐Oeste <strong>de</strong> Minas e parte da Central <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.Apesar das inúmeras divisões territoriais sofridas, existiu entre 1714 e 1892. Inicialmente umextenso território, sua re<strong>de</strong> urbana <strong>de</strong>stacava‐se, já em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVIII, pela presença<strong>de</strong> inúmeras trilhas, caminhos, rotas, estradas, ao longo <strong>do</strong>s quais a maior parte <strong>do</strong>s núcleosurbanos mineiros se consoli<strong>do</strong>u, dan<strong>do</strong> origem a importantes polos que articulavam rotas <strong>de</strong>abastecimento não só com regiões minera<strong>do</strong>ras, mas também com as <strong>de</strong>mais capitanias.Muitos caminhos <strong>de</strong>sapareceram, outros se tornaram leito das ferrovias, sen<strong>do</strong> que osprincipais constituem, hoje, parte expressiva da re<strong>de</strong> ro<strong>do</strong>viária fe<strong>de</strong>ral e estadual. A maioriadas cida<strong>de</strong>s atuais, na Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes, nasceu <strong>do</strong>s arraiais minera<strong>do</strong>res, junto afortificações, acampamentos militares, ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> registros que coibiam o contraban<strong>do</strong> <strong>de</strong>minerais e gemas, em fazendas, ao longo <strong>do</strong>s seus principais rios, nas encruzilhadas e ao longo<strong>do</strong>s caminhos...As rotas abertas pelos primeiros empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>res se orientavam pelo curso <strong>do</strong>s rios maiscaudalosos, mas também pelas linhas <strong>de</strong> cumeadas e meia‐encostas, no relevo suavementeamorra<strong>do</strong> da região. Cabe ressaltar que há <strong>de</strong>scrições pormenorizadas, em vários <strong>do</strong>cumentoscoevos, que também mencionam cursos d’água menores, em extensão, os quais, no entanto,não figuram nos mapas coloniais, sen<strong>do</strong> este um dificulta<strong>do</strong>r para a pesquisa <strong>do</strong>cumentalcontemporânea.Com o avanço das pesquisas <strong>do</strong>cumentais – no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se localizar os primeiros registros <strong>do</strong>smapas coloniais, em comparação (ou superposição) a mapeamento recente que contenha umregistro preciso da orografia, da hidrografia, <strong>do</strong>s recursos minerais existentes no subsolo –, épossível reconstituir, com alguma precisão, o traça<strong>do</strong> das antigas rotas <strong>de</strong> abastecimento naComarca <strong>do</strong> Rio das Mortes. Vê‐se que há aqui o consórcio <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> cartografia histórica,associada à <strong>do</strong>cumentação <strong>de</strong> base tecnológica, a partir <strong>de</strong> fontes <strong>do</strong>s séculos XX ‐XXI, cotejadasa fontes <strong>do</strong> século XVIII e XIX. Além <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar fontes <strong>de</strong> cartografia histórica é necessáriocotejar a informações urbanísticas, tais como or<strong>de</strong>nações urbanas, emanadas <strong>do</strong> po<strong>de</strong>reclesiástico e <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r cível na Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes. É um tipo <strong>de</strong> pesquisa que julgamosimportante como suporte aos setores <strong>de</strong> pesquisa e <strong>do</strong>cumentação <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> museus.Recontextualizar os museus históricos no teci<strong>do</strong> urbano e na re<strong>de</strong> interurbana <strong>do</strong>s quais seoriginaram não só as edificações antigas que os sediam, mas também seu próprio acervosignifica expandir ser acervo operacional <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a enriquecer a experiência <strong>de</strong> seusvisitantes,no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> enunciar/ revelar novas percepções <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e <strong>do</strong> presente. Umaparte: no caso <strong>do</strong> curso introdutório <strong>de</strong> Museologia e também da disciplina PlanejamentoInterpretativo, perguntas provocativas são extremamente úteis para <strong>de</strong>spertar o olhar <strong>do</strong>aluno, numa visita ao museu, por exemplo: por que a Rua Direita se chama Rua Direita? Quediálogo intergeracional o museu po<strong>de</strong>ria fomentar em torno <strong>de</strong>sse mote? As respostas seriam,na verda<strong>de</strong>, “chaves <strong>de</strong> leitura” para orientar o diálogo: a Rua Direita ligava as fazendas ao adroda igreja principal? Ligava a entrada à saída da vila? Essa rua ficava à direita <strong>de</strong> que? Ou“direita”(directa) era um jeito <strong>de</strong> falar culto que <strong>de</strong>sapareceu com os antigos colonosisbn: 978-85-98261-08-9197


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)portugueses e se corrompeu na tradição oral? Há várias explicações, ou, como queiram, váriasmemórias. Conforme já menciona<strong>do</strong>, enten<strong>de</strong>mos museu como um lugar <strong>de</strong> memória, capaz<strong>de</strong> enunciar, dialogicamente, discussões intergeracionais, confluências e percepções <strong>de</strong> camadasenunciativas que mostram diferentes poéticas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mun<strong>do</strong>, com suas permanências mastambém em rápida transformação histórica e cultural.O ouro encontra<strong>do</strong> nos aluviões implicou o surgimento <strong>de</strong> assentamentos humanos ao longo<strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> água... Mas havia a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se vencer o leito <strong>de</strong> rios, a vau... Os tropeirospercorriam longos trechos margean<strong>do</strong> rios até que encontrassem em canal estreito on<strong>de</strong>pu<strong>de</strong>sse lançar troncos <strong>de</strong> árvores, amarradas la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong>, para atravessar as tropas emsegurança. Caso os rios fossem largos <strong>de</strong>mais, amarravam os animais pelo pescoço com cordase guiavam, a na<strong>do</strong>, o “feixe <strong>de</strong> mulas” por cordames recolhi<strong>do</strong>s em carretilhas, tal comomanuseavam cordas ao mar... As dificulda<strong>de</strong>s eram muito gran<strong>de</strong>s, perdiam‐se vidas, perdiamsecargas, geran<strong>do</strong> a <strong>de</strong>manda por infraestrutura. A Coroa enviou engenheiros militaresportugueses aptos a elaborar cartas, plantas, esboços e projetos <strong>de</strong> pontes e obras náuticas,estradas, fortificações, arruamentos... Esses engenheiros fizeram escola no Brasil, difundiramconceitos novos, ensinaram técnicas, implantaram tecnologias construtivas. Há muito que sepesquisar sobre a contribuição da engenharia militar no Brasil.Há muito que se pesquisar sobre o urbanismo colonial e imperial no Brasil. André GuilhermeDornelles Dângelo (2006) i<strong>de</strong>ntificou, em extensa e minuciosa pesquisa, que houve umatranslação da cultura arquitetônica religiosa, barroca, <strong>de</strong> Portugal para o Brasil colonial. Hámuitas evidências por ele apontadas na cultura arquitetônica em Minas Gerais e seusantece<strong>de</strong>ntes em Portugal e na Europa, expressas na maneira como os arquitetos, mestres‐<strong>de</strong>obrase construtores produziram a arquitetura religiosa em Ouro Preto, Sabará, Mariana, SãoJoão Del Rei, Congonhas etc. Porém ainda é necessário <strong>de</strong>bruçar sobre a história produção <strong>do</strong>urbanismo no Brasil. Teria havi<strong>do</strong> também uma tradição urbanística passada <strong>de</strong> lá para cá?Houve cópias? Houve aprendiza<strong>do</strong> em oficinas? Haveria tratadística publicada em Portugal (ouEuropa) que tivesse si<strong>do</strong> aplicada ao Brasil? Há testemunhos “impressos” em <strong>do</strong>cumentosvivos como pontes, cavas <strong>de</strong> transporte <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>, valos para <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> terras para fins <strong>de</strong>agropecuária, sistemas <strong>de</strong> aquedutos, localização estratégica <strong>de</strong> fortificações em relação adivisas, etc? Tais <strong>do</strong>cumentos expressam a existência <strong>de</strong> planos da Coroa para o Brasil?Têm‐se preciosas fontes <strong>do</strong>cumentais na cartografia histórica. O trabalho <strong>do</strong>s cartógrafosmilitares – como o Capitão (da Or<strong>de</strong>nança) Caetano Luiz <strong>de</strong> Miranda, que em 1804 publica aCarta Geografica <strong>de</strong> Minas Gerais, e outros como José Joaquim da Rocha, responsável poratualizar as divisas das comarcas <strong>de</strong> Minas Gerais – mostram caminhos que evi<strong>de</strong>nciam que aevolução urbana da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes, com se<strong>de</strong> em São João Del Rei, cresceu porpolinucleação, nos termos <strong>de</strong> Jacui, Baependi, Campanha, Barbacena, Queluz (atualConselheiro Lafaiete), Oliveira, São José <strong>do</strong> Rio das Mortes (atual Tira<strong>de</strong>ntes), São Bento <strong>do</strong>Tamanduá (atual Itapecerica).As cida<strong>de</strong>s históricas <strong>de</strong> Minas Gerais surgidas no perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> ouro (São João Del Rei, OuroPreto, Ouro Branco, Mariana, Sabará e Caeté) geraram configurações urbanas semelhantes, nosenti<strong>do</strong> <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> urbanização que tiveram origem na colonização portuguesa, nosarraiais auríferos construí<strong>do</strong>s, a princípio, para que “durassem” o tempo necessário, enquantoa mineração <strong>do</strong> ouro fosse extremamente rentável. A ativida<strong>de</strong> minera<strong>do</strong>ra teve tempo <strong>de</strong> vidaisbn: 978-85-98261-08-9198


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)limita<strong>do</strong>, porque o minério é uma fonte <strong>de</strong> recurso que se esgota nas catas e nas lavras. Uma vezque o ouro <strong>de</strong> aluvião, nas areias e cascalhos, se extinguia, os minera<strong>do</strong>res gananciosos iam‐seembora dali e o arraial caia no <strong>de</strong>clínio. O ouro das minas, no entanto, durou mais tempo e gerouestruturas urbanas mais consolidadas, cujo senti<strong>do</strong> histórico torna‐se nexo explicativo para acompreensão das permanências e das mudanças. As cida<strong>de</strong>s se alteram continuamente, crescem,<strong>de</strong>senvolvem, são vivas e complexas. Se conhecermos a sua história, i<strong>de</strong>ntificaremos que marcoshistóricos ainda se fazem presentes no teci<strong>do</strong> urbano e na configuração <strong>do</strong>s espaços <strong>de</strong> conexãoentre as cida<strong>de</strong>s, então nos tornaremos capazes <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r como as coisas se suce<strong>de</strong>ram ali...Nesse momento ganharemos “sensibilida<strong>de</strong> histórica”, ou seja, seremos capazes <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r que“tanto mais se enten<strong>de</strong> o passa<strong>do</strong> quanto mais se participa <strong>do</strong> presente” (IGLÉSIAS, 1976, p.13).A dinâmica <strong>de</strong> ascensão e queda <strong>do</strong>s arraiais auríferos suscita potencialida<strong>de</strong>s e contradições apesquisar, das quais se aponta: nas cida<strong>de</strong>s históricas mineiras temos muitos museus que se<strong>de</strong>dicam a <strong>do</strong>cumentar e proteger acervos <strong>de</strong> monumentos e objetos raros; mas há museus abertos<strong>de</strong>dica<strong>do</strong>s a proteger estradas, pontes, sítios fortifica<strong>do</strong>s em ruínas, acampamentos militares,vestígios <strong>de</strong> aquedutos/bicames/rodas <strong>de</strong> água, trilhas <strong>de</strong> tropeiros com seus pontos <strong>de</strong> rancharia,barreiros <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se extraía argila para confeccionar tijolos e telhas, etc? Como tratá‐los? Comoeco‐museus? Como museus abertos? Como extensões operacionais <strong>de</strong> acervo tradicional? Comomusealização in situ? Não se trata <strong>de</strong> uma simples requalificação <strong>de</strong> termos, mas sim <strong>de</strong> qualificarmelhor a noção <strong>de</strong> que um museu <strong>de</strong> acervo tradicional po<strong>de</strong>ria ganhar uma ampliação, se associaruma proposta <strong>de</strong> acervo operacional, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o contexto <strong>de</strong> seu entorno como possui<strong>do</strong>r <strong>de</strong>estruturas potentes a serem conservadas e <strong>de</strong>fendidas...Trabalhar a cida<strong>de</strong> e sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> conexões <strong>de</strong> acesso é um ponto que merece ser discuti<strong>do</strong> vistoque ajudará a reforçar o conceito que uma cida<strong>de</strong> não nascia sozinha, mas sim no bojo <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong><strong>de</strong> núcleos, articula<strong>do</strong>s por caminhos (talvez planeja<strong>do</strong>s), planta<strong>do</strong>s no interior brasileiro pelosplanos coloniza<strong>do</strong>res luso‐brasileiros. Conforme Soares (2009), “[...] o mo<strong>do</strong> como se processou aconcentração urbana <strong>de</strong> certas populações fornece pistas valiosas para se compreen<strong>de</strong>r acomplexida<strong>de</strong> atual <strong>de</strong> sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s [...]”.isbn: 978-85-98261-08-91992 EXPANDINDO OS MUSEUS E A NATUREZA DE SEUS ACERVOS...Exploraremos, aqui,em caráter narrativo, duas mitologias gregas: Hécate, a <strong>de</strong>usa das encruzilhadas, eas musas, filhas <strong>de</strong> Mnemósis.2.1 A <strong>de</strong>usa das encruzilhadas... e as musasNa mitologia grega, Hécate era a senhora <strong>de</strong> três mun<strong>do</strong>s: o Céu, a Terra e os Infernos. Tinha trêscorpos e três rostos e concedia aos mortais os nascimentos, conservava a vida e <strong>de</strong>terminava o seutérmino. Benfazeja e apavorante, a <strong>de</strong>usa das encruzilhadas era cultuada em estátuas em sua honra,representadas como uma mulher <strong>de</strong> três cabeças, em capelas erigidas nas encruzilhadas, on<strong>de</strong> eracomum haver também culto a outros <strong>de</strong>uses, como Hermes, que guiava os homens pelos mun<strong>do</strong>ssubterrâneos. A encruzilhada representava, para os gregos, um ponto <strong>de</strong> parada on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>viaescolher para on<strong>de</strong> ir, faziam ali um momento <strong>de</strong> celebração, <strong>de</strong> reflexão, muitas vezes julgavam quefosse necessário um sacrifício para guiar as almas, pois não se sabia ao certo se Hécate faria umaaparição benéfica ou maléfica (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2009).


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Porque trazer aqui ensinamentos simbólicos <strong>de</strong> tradições da Antiguida<strong>de</strong>? Teriam essastradições si<strong>do</strong> transportadas para a América? Teria a Grécia antiga contamina<strong>do</strong> o Brasil? Decerto mo<strong>do</strong> há correspondências ao consi<strong>de</strong>rarmos, por exemplo, que escravos africanostemiam o senhor das encruzilhadas, o protetor <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os caminhos. Várias nações africanasprestam cultos e oferendas nas encruzilhadas, para evitar um <strong>de</strong>stino nefasto.Quanto às musas, essa é outra história: sabemos que museu é templo <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> às musas.Heró<strong>do</strong>to contava que musas nasceram filhas <strong>de</strong> Zeus (pai <strong>do</strong>s <strong>de</strong>uses e <strong>do</strong>s homens) eMnemósine (Memória): Calíope (a musa da Poesia épica), Clio (musa da História), Melpômene(musa <strong>do</strong> Canto), Urania (musa da Astronomia), Terpsícore (musa da Dança), Erato (musa daPoesia lírica), Polímnia (musa da Oratória). Apolo (o <strong>de</strong>us da Música) era o <strong>de</strong>us que maisfreqüentava a casa das musas, os museus, pequenos edifícios construí<strong>do</strong>s ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s templosgregos para guardar objetos <strong>de</strong> recordação. As musas alegravam os homens com música,poesia, dança...(COSTA, 2012). A história das musas também nos contaminou? Certamente,através <strong>de</strong> matriz oci<strong>de</strong>ntal erudita, o museu, tal como o conhecemos hoje, foi cria<strong>do</strong> no séculoXVIII, na Inglaterra, quan<strong>do</strong> se recuperou a mitologia das musas para adicionar certo “glamour”à reinvenção ‘mo<strong>de</strong>rna’ <strong>do</strong> museu.Que conexão há entre a <strong>de</strong>usa da encruzilhada e as musas? Na mitologia grega,nenhuma... Aqui, neste artigo, valemo‐nos das duas narrativas como arsenal parajustificar que há histórias milenares a serem recuperadas nos caminhos, trilhas, atalhos,rotas abertos na Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes <strong>de</strong> mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s XVIII a mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s XIX. Alicirculou muita gente, <strong>de</strong> várias etnias (sobretu<strong>do</strong> no perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> ouro) que, tal como ogregos na Antiguida<strong>de</strong>, tinham a crença <strong>de</strong> que o cruzamento <strong>de</strong> caminhos tinha algo <strong>de</strong>sagra<strong>do</strong>, <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> oculta, <strong>de</strong> transitório, <strong>de</strong> encontros efêmeros, talvez confrontos<strong>de</strong> vida e morte, mudança <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino. Por exemplo, a atual cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Baependi (fundadaem 1692), no dialeto indígena significa muitos caminhos <strong>de</strong>pendura<strong>do</strong>s. No início, haviauma clareira na mata (que talvez fosse uma “coivara” herdada <strong>de</strong> queimadas <strong>do</strong>sindígenas); no alto <strong>de</strong> um morro, on<strong>de</strong> cruzavam vários caminhos, ali as tropas faziampouso, arranchava‐se, faziam‐se acampamentos, observava‐se a planície lá embaixo.Provavelmente as pessoas se <strong>de</strong>tinham com receio <strong>de</strong> emboscadas, se preparavam paraenfrentar a mata cerrada e mais outras tantas léguas, sertão a<strong>de</strong>ntro. Isso é indiciário daimportância simbólica da encruzilhada em Minas Gerais, há muitos séculos.Tradições, patrimônio imaterial, indícios, são suportes <strong>de</strong> memória plausíveis a sei<strong>de</strong>ntificar nos caminhos da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes, mediante pesquisa histórica.Através <strong>de</strong> proposta <strong>de</strong> musealização in situ, po<strong>de</strong>‐se atribuir significa<strong>do</strong>s aos suportes<strong>de</strong> memória i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s nos caminhos, potencializa<strong>do</strong>s por meio <strong>de</strong> exposiçãoitinerante, <strong>de</strong> objetos recolhi<strong>do</strong>s e conserva<strong>do</strong>s pelo museu, conforme propostacuratorial.Como as histórias da encruzilhada po<strong>de</strong>riam tomar lugar no museu? Como conciliarHécate e as filhas <strong>de</strong> Mnemósis? Pensamos que, talvez, seja a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> pensar oscaminhos como lugares <strong>de</strong> memória e buscar <strong>de</strong>svendar suas camadas enunciativas.Mário Chagas e Víktor Chagas [2012], observan<strong>do</strong> as pedras que marcam a paisagem dacida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro apontam que “[...] ao longo <strong>do</strong> tempo, (tomaram) um lugarisbn: 978-85-98261-08-9200


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)proeminente na geografia <strong>de</strong> nossas memórias, nas nossas paisagens subjetivas. Semelas, nós não seríamos os mesmos.” E falam <strong>de</strong> uma “educação pela pedra. As pedras,essas companheiras <strong>de</strong> viagem, po<strong>de</strong>m ser boas educa<strong>do</strong>ras”. Parodian<strong>do</strong> os autores, nãopo<strong>de</strong>ríamos nós, mineiros, na Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes, fazer a “educação pelocaminho”?isbn: 978-85-98261-08-92.2 Caminhos como parte <strong>do</strong> acervo operacional <strong>de</strong> museuCaminhos seriam <strong>do</strong>cumentos vivos (ou fontes <strong>do</strong>cumentais) e os julgamos merece<strong>do</strong>res <strong>de</strong>interesse enquanto objetos <strong>de</strong> preservação, pesquisa e comunicação por parte <strong>de</strong> um museu.Citemos alguns exemplos <strong>de</strong> caminhos. Na Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes, figuram antigasligações entre o caminho Novo e o Caminho Velho. O viajante Antonil, em 1699, faz referênciaao Caminho Novo, que passava por Barbacena, Ressaca e dali tomava duas variantes, uma paraTira<strong>de</strong>ntes, outra para o Rio <strong>de</strong> Janeiro (OLIVEIRA, 2011).O Caminho Velho, segun<strong>do</strong> Geral<strong>do</strong> Guimarães (1986, p.27‐43), partia da Vila <strong>de</strong> São Paulo epercorria o vale <strong>do</strong> Paraíba passan<strong>do</strong>, entre outros pousos, por Mogi, Jacareí,Taubaté,Pindamonhangaba, Guaratinguetá. Nas alturas da Cachoeira Paulista tomava rumo ao norte,atravessan<strong>do</strong> a Mantiqueira na Bocaina <strong>do</strong> Embaú. Daí seguia para Pouso Alto e Baependi.Chegava à Encruzilhada (atual Cruzília) e daí continuava para Ibituruna <strong>do</strong> Rio das Mortes queera transposto no Porto Real da Passagem, já nas paragens <strong>de</strong> São João Del Rei. Mais tar<strong>de</strong> foifeito um atalho <strong>de</strong> Encruzilhada à passagem <strong>do</strong> Rio das Mortes, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> Ibituruna ao largo. DoRio das Mortes o Caminho Velho rumava outra vez para o norte, passan<strong>do</strong> nas proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Lagoa Dourada, possivelmente pelo arraial <strong>de</strong> Catauá; dirigia‐se para nor<strong>de</strong>ste, in<strong>do</strong> a AmaroRibeiro (perto <strong>de</strong> Conselheiro Lafaiete). Daí ganhava a Serra <strong>de</strong> Itatiaia, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> seguia para oRio das Velhas, continuan<strong>do</strong> para o norte, mais ou menos paralelo ao São Francisco até ossertões da Bahia. Na Serra <strong>de</strong> Itatiaia, uma ramificação <strong>do</strong> Caminho tomava o rumo leste para aregião <strong>de</strong> Ouro Preto e Ribeirão <strong>do</strong> Carmo (Mariana), já na bacia <strong>do</strong> Rio Doce. Daí,atravessan<strong>do</strong> a Serra <strong>do</strong> Mar, encontrava o caminho que vinha <strong>de</strong> São Paulo, no vale <strong>do</strong>Paraíba, primeiramente em Taubaté, posteriormente em Guaratinguetá.Havia também <strong>de</strong>scaminhos para fugir <strong>do</strong>s registros e contraban<strong>de</strong>ar ouro em pó, entre VilaRica e Porto Estrela (CARVALHO, 2011).O Caminho Novo tem suas origens em uma picada indígena, quiçá uma trilha pré‐histórica 4 .Empreitada proposta por Garcia Paes, <strong>de</strong>pois prosseguida por Bernar<strong>do</strong> Proença, que calçou aestrada <strong>do</strong> alto da Serra <strong>de</strong> Petrópolis até Magé, pela Estrada velha da Serra da Estrela atéManhumirim. Segun<strong>do</strong> Otávio Dulci (2011), D. João VI man<strong>do</strong>u calçar esta estrada, que eralarga, mas tinha muitos atoleiros, era muito íngreme na subida da Mantiqueira e isso afetava osviajantes; não era carroçável, só se percorria por tropas <strong>de</strong> burros, havia pontes sobre algunsrios, porém os cursos d’água maiores eram atravessa<strong>do</strong>s por balsas. Era uma via importantepara o abastecimento <strong>do</strong>s núcleos minera<strong>do</strong>res, por ali chegavam o sal, teci<strong>do</strong>s e vinhoseuropeus, bacalhaus, chapéus, azeite <strong>do</strong>ce... É importante i<strong>de</strong>ntificar e mapear os “ranchos” <strong>de</strong>tropas, que funcionavam acopla<strong>do</strong>s a vendas, primitivos entrepostos comerciais à beira daestrada, que não tinham boa comida, mas vendiam aos tropeiros, <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> um pouco: queijo,banana, fumo, aguar<strong>de</strong>nte, ferrarias, selarias.201


2.3 Rotas enquanto suportes <strong>de</strong> memória na Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortesprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Na Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes, as rotas diferiam <strong>de</strong> caminhos ou trajetos, uma vez quecontinham relações econômicas explícitas; por exemplo, os sertanistas paulistas, no século XVIIpraticavam rotas <strong>de</strong> apresamento aos índios, ao longo das quais fundavam capelas, não só parareforçar a imagem <strong>de</strong> católicos <strong>de</strong>votos, assim como para instituir, em volta das capelas, umpatrimônio <strong>de</strong> terras para agricultura, mineração e al<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> índios 5 . Fazen<strong>de</strong>iros da Bahiae <strong>do</strong> Alto São Francisco traçavam rotas para conduzir o ga<strong>do</strong> <strong>do</strong>s currais <strong>de</strong> invernada, às margens<strong>do</strong> rio São Francisco até Salva<strong>do</strong>r. Na fase da exploração (e contraban<strong>do</strong>) <strong>do</strong> ouro houve várioscaminhos e <strong>de</strong>scaminhos trilha<strong>do</strong>s pelos minera<strong>do</strong>res, contrabandistas e faisca<strong>do</strong>res.Francisco Eduar<strong>do</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> estuda as Picadas <strong>de</strong> Goiás, que a partir <strong>de</strong> 1739 foram abertas<strong>de</strong> Minas em direção a Goiás, para execução <strong>do</strong>s contratos <strong>de</strong> cobrança <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>rias eescravos. Aponta que as rotas entravam pelo território <strong>de</strong> Minas e Goiás controladas porcidadãos po<strong>de</strong>rosos da Comarca <strong>de</strong> Vila Rica (a exemplo <strong>do</strong> Guarda‐Mór Maximiniano <strong>de</strong>Oliveira Leite, resi<strong>de</strong>nte em Mariana), por um longo perío<strong>do</strong>, uma vez que o acor<strong>do</strong> em relaçãoàs reais divisas entre Minas e Goiás só se fecharia no século XIX. Contratos e acertos para aabertura <strong>de</strong> picadas seguiam instruções contra quilombolas e indígenas. As rotas , na Comarca<strong>do</strong> Rio das Mortes, começavam perto <strong>de</strong> São João Del Rei, direcionavam a noroeste rumo aFormiga, Oliveira, Bambuí, Tamanduá até Paracatu. O sertão, in<strong>do</strong> para Goiás, foi alvo <strong>de</strong>disputa da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes com a Comarca Vila Rica e Carmo, envolven<strong>do</strong> conflitosapoia<strong>do</strong>s por interesses eclesiásticos, controla<strong>do</strong>s pelo Bispo <strong>de</strong> Mariana, que <strong>de</strong>signava oscapelães para administrar a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> capelas. Havia também rotas que ligavam o centro‐oeste àBahia, pelo Rio São Francisco.As picadas <strong>do</strong>s sertões geraram transformações no la<strong>do</strong> oci<strong>de</strong>ntal da Comarca <strong>do</strong> Rio dasMortes, haven<strong>do</strong> ali paisagens, sítios, ruínas <strong>de</strong> estruturas edificadas que precisam sermapeadas e estudadas para incorporar acervo operacional <strong>de</strong> museus históricos, mediantepropostas <strong>de</strong> musealização in situ.isbn: 978-85-98261-08-92023 CONSIDERAÇÕES FINAISAo analisar o passa<strong>do</strong> da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes e tentar cruzar a história <strong>do</strong>sportugueses com os brasileiros, é preciso ter cuida<strong>do</strong> para não cometer anacronismos, eter em mente que os portugueses estavam inteiramente foca<strong>do</strong>s na economia mineral(DULCI, 2001). Portanto, as rotas e os caminhos luso‐brasileiros da Comarca <strong>do</strong> Rio dasMortes foram instrumentos <strong>de</strong> logística precisa e <strong>de</strong>terminada: colonizar, povoar, manterapenas uma única ligação com o exterior pelo litoral brasileiro, e, para o interior, instalaruma re<strong>de</strong> capilar <strong>de</strong> caminhos que se organizavam conforme a partição das terras agrícolase minera<strong>do</strong>ras, avançan<strong>do</strong> e a<strong>de</strong>ntran<strong>do</strong> as fronteiras e posses por sobre as terrasespanholas.A socieda<strong>de</strong> colonial, na se<strong>de</strong> da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes (em São João Del Rei,sobretu<strong>do</strong>), concentrava um gran<strong>de</strong> quadro <strong>de</strong> funcionários da Coroa e da Igreja,responsáveis pelo controle das minas <strong>do</strong> Brasil. Diferin<strong>do</strong> das áreas <strong>de</strong> fronteira daComarca, as vilas e cida<strong>de</strong>s fundadas na parte central da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)seguiram <strong>de</strong> perto o padrão urbano lusitano: “[...] no alto <strong>do</strong> morro há uma pequena praçacentral (que a partir <strong>do</strong> século XIX recebeu um coreto). De um la<strong>do</strong> a igreja, <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>da praça a prefeitura/câmara/ca<strong>de</strong>ia; [...]” o arruamento tentava se manter linear, porémacomodava‐se à topografia (ALBERGARIA, 2012).A ocupação nas fazendas era esparsa, talvez por conta <strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> daterra no Brasil, ainda sob a égi<strong>de</strong> das sesmarias; na Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes hámarcos <strong>de</strong> sesmarias em Chapéu d’Uvas (DULCI, 2011).Os mascates, tropeiros, preferiam arranchar em lugares on<strong>de</strong> houvesse maiorconcentração <strong>de</strong> habitantes, para facilitar as vendas e proteger‐se <strong>de</strong> assaltantes. On<strong>de</strong>havia registros, as tropas “passavam ao largo, <strong>de</strong>svian<strong>do</strong>...” (CARVALHO, 2011). A cultura<strong>do</strong>s tropeiros <strong>de</strong>ixou narrativas na tradição oral, formou vilas, instituiu hábitos.Proteger bens culturais <strong>de</strong> natureza fluida e volátil, imaterial, não é tarefa simples. Hoje,no Brasil, cresce a consciência <strong>de</strong> que há bens <strong>de</strong> natureza imaterial que merecem fazerparte <strong>do</strong> conjunto <strong>de</strong> bens registra<strong>do</strong>s e protegi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> nosso Patrimônio Imaterial 6 .Conforme Ulpiano Menezes (1992), a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não é fruto <strong>do</strong> isolamento <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>sou grupos mas, pelo contrário, <strong>de</strong> sua interação. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da Comarca <strong>do</strong> Rio dasMortes repousa não só na cultura urbana, mas também na interação da cultura barroca,com a cultura tropeira, a cultura minera<strong>do</strong>ra, a cultura lusitana, a cultura cabocla, acultura quilombola... Há, na história da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes, segmentos sociaisque não se <strong>de</strong>ve pensar isoladamente, mas numa totalida<strong>de</strong>.A musealização in situ é capaz <strong>de</strong> atribuir significa<strong>do</strong>s a objetos, sítios, edificações,hábitos culinários, festas, narrativas, fragmentos <strong>de</strong> memória recolhi<strong>do</strong>s nos caminhos,encruzilhadas e rotas da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes, resgatan<strong>do</strong> a importância <strong>de</strong>enten<strong>de</strong>r os sinais <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e a memória da convivência luso‐brasileira, específica daorganização social naquele perío<strong>do</strong> entre 1714 e 1892.Boas propostas e bons projetos curatoriais, conten<strong>do</strong> técnicas <strong>de</strong> musealização in situ,abrirão novos campos <strong>de</strong> trabalho para aqueles que lidam com patrimônio cultural dare<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação da antiga Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes, a exemplo <strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>res,profissionais <strong>do</strong> turismo, ensino, especialistas em museus, especialistas em arquivos,restaura<strong>do</strong>res, técnicos <strong>de</strong> preservação e conservação e técnicos da área governamental.Espera‐se, como aplicações no ensino, fomentar o estímulo <strong>do</strong>s alunos, em cursosintrodutórios da Museologia, exploran<strong>do</strong> didaticamente as potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acervosoperacionais <strong>de</strong> museus, para que, num contexto <strong>de</strong> formação acadêmica, os alunosagucem a sensibilida<strong>de</strong> para o patrimônio imaterial, exploran<strong>do</strong> dimensões singulares <strong>de</strong>fontes <strong>do</strong>cumentais da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes.Espera‐se, também, que se perceba o conjunto <strong>de</strong> caminhos, rotas, encruzilhadas e vias<strong>de</strong> interligação <strong>de</strong> núcleos urbanos da Comarca <strong>do</strong> Rio das Mortes como lugares <strong>de</strong>memória, passíveis <strong>de</strong> receber propostas <strong>de</strong> musealização in situ.isbn: 978-85-98261-08-9203


4 REFERÊNCIASprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)ALBERGARIA, Bruno. Histórias <strong>do</strong> Direito‐ evolução das leis, fatos e pensamentos.2.ed. São Paulo: Atlas, 2012.ALMEIDA‐MORO, Fernanda C., NOVAES, Lour<strong>de</strong>s M.M. <strong>do</strong> Rego. Introdução ao ensino da museologia. Edita<strong>do</strong> por AMICOM‐BR ( Associação <strong>de</strong> Membros <strong>do</strong> International Council of Museums), 1977.ANDRADE, Francisco Eduar<strong>do</strong> <strong>de</strong>. Fronteira e instituição <strong>de</strong> capelas nas Minas, América Portuguesa. Artigo. Revista AmericaLatina em La Historia Economica. N.35. México: jan‐ jun. 2011. Disponível em : . Acesso em 2 jun. 2012.ÁVILA‐CARVALHO, Marília. Museologia I: plano <strong>de</strong> curso para <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> Design‐UEMG. Belo Horizonte: ED/UEMG, 2007.ARAUJO, Patricia Vargas Lopes <strong>de</strong>. 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Um <strong>de</strong>stes ensaios intitula‐se “Acicatriz da tomada: <strong>do</strong>cumentário, ética e imagem‐intensa” (RAMOS, 2008, p.159‐ 226). Este texto é oportuno por tratar dasingularida<strong>de</strong> das imagens, sons e mediações advindas <strong>do</strong> cinema, por sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratar a imagem ficcional e tambéma imagem <strong>do</strong>cumentária. Essa heterogeneida<strong>de</strong> (ficcional ou <strong>do</strong>cumental) nos parece conveniente como recurso didático paracaptar a singularida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s caminhos <strong>de</strong> acesso ao casarão <strong>do</strong> museu (metaforicamente...). Os caminhos são cenários <strong>de</strong>movimento, trânsito <strong>de</strong> pessoas que se movimentam continuamente – a pé ou <strong>de</strong> carro – há to<strong>do</strong> um espaço mutável quecircunda o museu, externamente. O interior <strong>do</strong> museu é o reino da calma, da quietu<strong>de</strong>, <strong>do</strong> silêncio e <strong>do</strong> um passa<strong>do</strong>. É possívelfilmar o la<strong>do</strong> <strong>de</strong> fora <strong>do</strong> museu e trazer a filmagem para <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> museu, on<strong>de</strong> não é permiti<strong>do</strong> filmar, sobretu<strong>do</strong> por razões<strong>de</strong> proteção e integrida<strong>de</strong> da conservação <strong>do</strong> acervo. Portanto, a imagem com mediação da câmera parece‐nos um bomrecurso técnico, aplicável a cursos introdutórios <strong>de</strong> Museologia, passível <strong>de</strong> possibilitar uma relação biunívoca com a mediação<strong>do</strong> museu, <strong>de</strong> tal forma que outra valoração social – a <strong>do</strong> especta<strong>do</strong>r contemporâneo – seja capaz <strong>de</strong> unir o <strong>de</strong>ntro e o fora <strong>do</strong>museu.2 Rotas e caminhos têm significa<strong>do</strong> diferentes. Rotas são itinerários que se percorre para ir <strong>de</strong> um lugar a outro, repetidasvezes, para cumprir <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> objeto comercial, <strong>de</strong> inspeção, econômico, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Caminhos, genericamente, são faixas<strong>de</strong> terreno que se percorre.2053 A Capitania das Minas Gerais foi criada em 1720, <strong>de</strong>smembrada da Capitania <strong>de</strong> São Paulo e Minas <strong>do</strong> Ouro, criada em 1709.Em 1714, foram criadas quatro Comarcas: a Comarca <strong>do</strong> rio das Mortes, cuja se<strong>de</strong> era a Vila <strong>de</strong> São João Del Rei; a Comarca <strong>de</strong>Vila Rica, com a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mesmo nome, também a se<strong>de</strong> da Capitania e residência oficial <strong>de</strong> seu governo; a Comarca <strong>de</strong> Sabarácuja se<strong>de</strong> era a Vila Real <strong>do</strong> Sabará; e a Comarca <strong>do</strong> Serro Frio, com se<strong>de</strong> em Vila <strong>do</strong> Príncipe. O território mineiroexperimentou, em razão <strong>do</strong> <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong> ouro em fins <strong>do</strong> século XVII, um processo <strong>de</strong> ocupação até então inédito naAmérica Portuguesa, com o surgimento <strong>de</strong> inúmeros arraiais. Os núcleos <strong>de</strong> mineração foram importantes pontos para aformação <strong>de</strong> vilas e povoa<strong>do</strong>s, que <strong>de</strong>ram origem a uma complexa re<strong>de</strong> urbana (MORAES, 2006).4 Vale ressaltar os estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> Renato Pinto Venâncio (1999) a esse respeito, basean<strong>do</strong>‐se em estu<strong>do</strong>s arqueológicos como os<strong>de</strong> Maria da Conceição Beltrão. Esse historia<strong>do</strong>r chama a atenção, por exemplo, para a existência <strong>de</strong> indícios arqueológicos <strong>de</strong>que o chama<strong>do</strong> Caminho Novo, ligan<strong>do</strong> Minas ao Rio <strong>de</strong> Janeiro, seria uma rota indígena milenar que, curiosamente,localizada em altitu<strong>de</strong>s elevadas, evitava as <strong>de</strong>nsas florestas e os animais ferozes que as habitavam. Também <strong>de</strong>staca locais, aolongo <strong>do</strong>s caminhos, que vieram a constituir pontos <strong>de</strong> abastecimentos – on<strong>de</strong> as expedições podiam <strong>de</strong>scansar, preparar suasroças, buscar alimentos ou estabelecer postos estratégicos <strong>de</strong> apoio etc. – que possivelmente teriam si<strong>do</strong> objeto <strong>de</strong> ocupaçãoanterior à chegada <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r (MORAES, 2006, nota 189).5 Conforme Andra<strong>de</strong> (2012): “Os <strong>de</strong>scobrimentos paulistas <strong>de</strong> ouro em Cuiabá, Mato Grosso e Goiás, no final da década <strong>de</strong>1710 e na década <strong>de</strong> 1720, acirraram o processo <strong>de</strong> exploração e povoamento <strong>do</strong> sertão. As tradicionais rotas, valen<strong>do</strong>–se <strong>do</strong>scaminhos e veredas indígenas, foram retomadas ou refeitas e atalhos novos são propostos. O interesse <strong>do</strong>s coloniais(sertanistas po<strong>de</strong>rosos, senhores das minas, roceiros, faisca<strong>do</strong>res, jornaleiros pobres e escravos) ao buscarem este novo sertãoera, além <strong>de</strong> encontrar <strong>de</strong>scobertos lucrativos <strong>de</strong> ouro ou mesmo terras para pastoreio e plantio, apropriar–se <strong>do</strong>s ganhos,provenientes <strong>do</strong> comércio legal <strong>de</strong> gêneros e escravos, ou <strong>do</strong> contraban<strong>do</strong>, nas transações das rotas coloniais importantes”.6 O Decreto nº 3551, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2000 institui o Registro <strong>de</strong> Bens Culturais <strong>de</strong> Natureza Imaterial que constituempatrimônio cultural brasileiro e cria o Programa Nacional <strong>do</strong> Patrimônio Imaterial.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9NÚCLEO TEMÁTICO III: Memórias e Cida<strong>de</strong>sPatrimônio + Educação: <strong>de</strong>rruban<strong>do</strong> barreiras e construin<strong>do</strong>novas pontesHeritage + Education: overcoming barriers and bridging the gapsPaula Gomes CURYMestre em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo pelo NPGAU/<strong>UFMG</strong>; Especialista em Projetos Sociais em ÁreasUrbanas FAFICH/<strong>UFMG</strong> . curypaula@hotmail.com.RESUMOEste artigo investiga possibilida<strong>de</strong>s dialógicas entre os campos <strong>do</strong> Patrimônio e da Educação. Em seucaráter propositivo, explora aproximações conceituais entre tais campos assinalan<strong>do</strong> que ações <strong>de</strong>educação patrimonial no Brasil, apesar <strong>de</strong> virem refinan<strong>do</strong> – nas últimas décadas – aspectosrelaciona<strong>do</strong>s à participação <strong>de</strong> uma gama variada <strong>de</strong> atores sociais, são <strong>de</strong>senvolvidas <strong>de</strong> maneirapontual, isolada e <strong>de</strong>sigual [conceitualmente] nos diferentes espaços em que são propícias.Parte‐se, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, <strong>do</strong> entendimento que a noção <strong>de</strong> patrimônio se transformou em <strong>de</strong>corrência dasérie <strong>de</strong> fatores relaciona<strong>do</strong>s à conjuntura forjada nas cida<strong>de</strong>s ao longo <strong>do</strong>s séculos, implican<strong>do</strong> arevisão <strong>de</strong> seus pressupostos e conceitos. A noção contemporânea <strong>de</strong> patrimônio – alcançada maisprecisamente neste último século – foi a que introduziu procedimentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação ereconhecimento abrangentes e, portanto, mais inclusivos da diversida<strong>de</strong> sociocultural. Nota‐se, a partirdaí que, este conceito vem repercutin<strong>do</strong> especialmente na questão <strong>do</strong>s direitos e da cidadania comrelação à re‐produção da cultura, mas que, no entanto, em função da complexida<strong>de</strong> na dinâmica <strong>de</strong>transformação‐preservação <strong>do</strong>s espaços e das práticas na cida<strong>de</strong> contemporânea, vê‐se na necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> amparar estratégias <strong>de</strong> incentivo à valorização. Para isso, a proposta, Patrimônio + Educação, visatrazer à tona interfaces e implicações associativas entre tais campos.PALAVRAS‐CHAVE: Patrimônio, Educação, Cida<strong>de</strong> Contemporânea, Cultura.206ABSTRACTThis article investigates the dialogical possibilities between the Heritage and Education fields.Propositive in its character, explores conceptual approaches between those fields indicating that thenational heritage education projects, besi<strong>de</strong>s being un<strong>de</strong>r a re<strong>de</strong>finition on the aspects of participation ofa various broad group of social actors in the last <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s, are <strong>de</strong>veloped in a ponctual, isolated anduneven manner [conceptually] in different places where they are favorable.Thereby, acknowledges that the notion of heritage has expan<strong>de</strong>d due to a series of factors related to thesituation forged in the cities throughout the centuries. The expan<strong>de</strong>d notion – reached more preciselyover the last century – is the one which introduced comprehensive procedures of heritage i<strong>de</strong>ntificationand recognition and, so, more inclusive of the sociocultural diversity. It can be seen from this that, thisconcept is getting a special repercution on the matters of rights and citizenship with respect to the reproductionof culture. However, due to the complexity in the transformation‐preservation dynamic ofplaces and practices in the contemporary city, it is seen in the need to support strategies to encourage itsappreciation. For this purpose, the proposal, Heritage + Education, aims to bring out the interfaces andassociatives implications between those fields.KEYWORDS: Heritage, Education, Contemporary City, Culture.


1 INTRODUÇÃOprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A cultura, os patrimônios e as cida<strong>de</strong>s são temas que vêm penetran<strong>do</strong> e interceptan<strong>do</strong>muitos assuntos e <strong>de</strong>bates na contemporaneida<strong>de</strong>. Não só o mun<strong>do</strong> se expandiu espaçoterritorialmente,como também se tornou mais conecta<strong>do</strong> em re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação e <strong>de</strong>intercâmbio, fazen<strong>do</strong> com que reflexões sobre as cida<strong>de</strong>s contemporâneas, a cultura eseus patrimônios, alcancem novas dimensões e formatos. Transformações múltiplas nascida<strong>de</strong>s – em com ela da cultura, em variadas escalas <strong>do</strong> tempo e <strong>do</strong> espaço, se acentuame vêm sen<strong>do</strong> influenciadas por processos contemporâneos <strong>de</strong> trocas e intercâmbiosdiversos. Enfim, impactos <strong>de</strong> proporções abrangentes no imaginário urbano,repercutin<strong>do</strong> e revelan<strong>do</strong> o tanto que processos <strong>de</strong> mudança em curso nas cida<strong>de</strong>s esocieda<strong>de</strong>s se encontram interliga<strong>do</strong>s, e até implica<strong>do</strong>s reciprocamente no que tange à(s)memória(s) e laços i<strong>de</strong>ntitários <strong>do</strong>s indivíduos e grupos sociais na relação com os lugarese sua História [materialida<strong>de</strong>s e imaterialida<strong>de</strong>s].A maneira como nossa socieda<strong>de</strong> e o mun<strong>do</strong> se engendraram no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong>s séculos é,sem dúvida, reflexo <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como toda uma vastidão <strong>de</strong> produções e criações urdidasno tempo‐espaço sedimentou‐se a cada tempo presente. As particularida<strong>de</strong>s dasedificações, artefatos, lugares e fatos da História foram, assim, <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s e toma<strong>do</strong>scomo referência, por diferentes grupos sociais, em distintos momentos da história. Falarsobre patrimônios, sobre bens culturais, ten<strong>do</strong> em vista essa dinâmica, relacionan<strong>do</strong>‐aàquilo que os fez e os faz existir no(s) tempo(s), no(s) espaço(s), na(s) memória(s) – ouseja, suas condições e condicionantes <strong>de</strong> existência – é, portanto, consi<strong>de</strong>rar questõesmais amplas que os abarcam, a cultura e sua influência na transformação das cida<strong>de</strong>s eda socieda<strong>de</strong> como um to<strong>do</strong>.A preservação e valorização <strong>de</strong> patrimônios na sua relação com processoscontemporâneos da gestão e planejamento <strong>do</strong>s espaços urbanos no Brasil nos interessamaqui, pois é a partir <strong>de</strong>las que é possível investigar o campo das ações e proposições –tão complexo e ao mesmo tempo difuso e circunstancial – <strong>do</strong> Patrimônio alia<strong>do</strong>s apropostas educativas. Dois campos <strong>do</strong> conhecimento, Patrimônio e Educação – funda<strong>do</strong>sem bases das Ciências Humanas e Sociais das quais compartilham matrizes teóricas –constituem‐se, assim, no foco das discussões propostas neste artigo, ten<strong>do</strong> em vista aspossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> troca na construção <strong>de</strong> suas práticas e nos diálogos conceituais.A educação patrimonial, que nasce das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aproximação entre tais campos,é discutida, à medida que ela avança com uma série <strong>de</strong> questões a serem repensadas.Das primeiras concepções às ações empreendidas no Brasil, a educação patrimonial équestionada em função da transformação que a noção <strong>de</strong> patrimônio alcançou, aointroduzir novos procedimentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong> bensrelaciona<strong>do</strong>s à cultura. Mais abrangentes e inclusivos acerca da diversida<strong>de</strong> sociocultural,o campo da legitimação <strong>do</strong>s patrimônios vem reascen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a questão <strong>do</strong>s direitos e dacidadania, à medida que repercute positivamente em ações <strong>de</strong> educação patrimonial. Noentanto, a complexida<strong>de</strong> na dinâmica da transformação‐preservação <strong>do</strong>s espaços epráticas na cida<strong>de</strong> contemporânea incita, para este campo, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampararestratégias <strong>de</strong> incentivo à valorização.isbn: 978-85-98261-08-9207


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)É, diante <strong>de</strong> novas configurações no conceito e na política <strong>do</strong> campo especializa<strong>do</strong> <strong>do</strong>Patrimônio, e em gran<strong>de</strong> medida, no da Educação (à luz das teorias da educaçãoconstrutivista, liberta<strong>do</strong>ra e humaniza<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> Paulo Freire e segui<strong>do</strong>res), que processosmais amplos <strong>de</strong> cidadania começam a perfazer questões relacionadas ao uso, àapropriação e interação/interpretação <strong>de</strong> bens culturais <strong>de</strong> interesse patrimonial emnossas cida<strong>de</strong>s contemporâneas.A educação patrimonial bem como as possibilida<strong>de</strong>s dialógicas entre os campos que aconforma, <strong>do</strong> Patrimônio e da Educação, são discutidas com mais <strong>de</strong>talhe na sequência, ten<strong>do</strong>em vista as apropriações e contribuições que a cultura e a noção <strong>de</strong> patrimôniocontemporâneos vêm projetan<strong>do</strong> para suas ações.isbn: 978-85-98261-08-92 POSSIBILIDADES DIALÓGICAS ENTRE OS CAMPOS DO PATRIMÔNIO E DA EDUCAÇÃOO conceito <strong>de</strong> patrimônio passou por ressignificações e mudanças bastante intensas no últimoséculo. Amplia<strong>do</strong> para escalas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação mais abrangentes no território, ele não seestagnou pren<strong>de</strong>n<strong>do</strong>‐se a consensos e contextos temporais rígi<strong>do</strong>s. Em suas várias dimensões –política, econômica, social e cultural – e atrela<strong>do</strong> às concepções contemporâneas da cultura, oconceito <strong>de</strong> patrimônio se refina e expan<strong>de</strong> para escalas mais amplas no território, abarcan<strong>do</strong>um universo vasto <strong>de</strong> distintas naturezas e dimensões, ainda mais complexo em suassignificações.É fato que a noção <strong>de</strong> patrimônio se encontra condicionada por “jogos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r” e <strong>de</strong> disputa– o que é comum a qualquer dinâmica <strong>de</strong> convívio em socieda<strong>de</strong> – o que implica sua ampliaçãopela explicitação, assim, <strong>de</strong> um ingrediente essencial a seus processos <strong>de</strong> legitimação: oreconhecimento da diversida<strong>de</strong> sociocultural. Também, este reconhecimento passa porcorrelações com apropriações afetivas, da memória e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, construídas e expressas apartir <strong>de</strong> valores referencia<strong>do</strong>s na relação mais próxima e significativa das pessoas compatrimônios e bens culturais, em seus lugares <strong>de</strong> vivência e <strong>de</strong> memória e história comum.Buscar compreen<strong>de</strong>r esse processo <strong>de</strong> revisão conceitual é, sobretu<strong>do</strong>, reconhecer o fato <strong>de</strong>que as pessoas formulam e reformulam, no fluxo da vida, valores e significa<strong>do</strong>s pauta<strong>do</strong>s nasua relação com/nos lugares e à conjuntura sociocultural que os envolvem, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> ocaráter dinâmico e plural que a cultura e, nela, os patrimônios, as mobiliza e as condiciona.Sem dúvida, pois, que esse processo é um tanto idiossincrático e subjetivo. Todavia, tratá‐locomo possibilida<strong>de</strong> conceitual para ações educativas – que po<strong>de</strong>m evi<strong>de</strong>nciar o valor <strong>do</strong>spatrimônios – indica que as oportunida<strong>de</strong>s que elas promovem têm o potencial <strong>de</strong> orientar,incentivar e, assim, alimentar processos <strong>de</strong> reconhecimento e valorização, tornan<strong>do</strong>‐os, não sómenos forja<strong>do</strong>s, mas, sobretu<strong>do</strong>, mais significativos. As atitu<strong>de</strong>s na i<strong>de</strong>ntificação e valorização<strong>de</strong> bens – tangíveis ou intangíveis – que carregam uma significância cultural e social, tãoalmejadas por gestores <strong>do</strong> patrimônio – e, em certa escala, também pela socieda<strong>de</strong> – sópo<strong>de</strong>rão constituir uma estratégia eficaz, quan<strong>do</strong> for reconheci<strong>do</strong> que é a partir <strong>do</strong> apoio e <strong>do</strong>suporte <strong>de</strong> iniciativas educativas <strong>de</strong> viés mais humaniza<strong>do</strong>r, que elas po<strong>de</strong>m vingar. Ou seja, aeducação patrimonial só fará senti<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> esta fizer senti<strong>do</strong> para as pessoas que <strong>de</strong>laparticipam.208


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Ao consi<strong>de</strong>rar que a questão/conjuntura da Educação, per se, constitui‐se um sistemacomplexo – no qual interagem inúmeras variáveis potencialmente relevantes, e queconformam seu campo <strong>de</strong> práticas, leis e teorias –, as possibilida<strong>de</strong>s dialógicas que seabrem, na forma <strong>de</strong> contribuições entre outros campos <strong>do</strong> saber, são também infinitas.Nesse aspecto, a educação patrimonial – termo originalmente herda<strong>do</strong> da expressãoinglesa Heritage Education – ramifica‐se no território brasileiro, sobretu<strong>do</strong>, pelas ações<strong>de</strong> instituições, como os museus e órgãos <strong>do</strong> patrimônio, trazen<strong>do</strong> não só novasperspectivas para a valorização‐preservação <strong>do</strong>s patrimônios, como também,fomentan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>bate em torno <strong>do</strong>s princípios que pautam a educação, tanto formalquanto em seu senti<strong>do</strong> amplo e abrangente na vida <strong>do</strong>s indivíduos. Assim, inferir que ocampo da Educação tem muda<strong>do</strong> e inova<strong>do</strong> é dizer que não só as teorias gestadas porpensa<strong>do</strong>res proeminentes como Paulo Freire e seus segui<strong>do</strong>res foram reacendidas eretomadas nas práticas focadas no sujeito. Outros campos, e nesse caso, o <strong>do</strong> Patrimônio,<strong>de</strong>ram maior fôlego e impulso aos aspectos transforma<strong>do</strong>res e liberta<strong>do</strong>res que o ato <strong>de</strong>educar implica. Como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Freire,Educar é construir, é libertar o homem <strong>do</strong> <strong>de</strong>terminismo, passan<strong>do</strong> a reconhecer o papel daHistória e on<strong>de</strong> a questão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural, tanto em sua dimensão individual, como emrelação à classe <strong>do</strong>s educan<strong>do</strong>s, é essencial à prática pedagógica (FREIRE, 1994, grifos nossos).Construir, libertar, enfim, transformar as crianças, jovens e adultos para uma vida maisengajada e crítica, social e culturalmente, são premissas que vêm ao encontro daspráticas e das atitu<strong>de</strong>s que reconhecem a importância das relações i<strong>de</strong>ntitárias nosprocessos <strong>de</strong> ensino‐aprendizagem. A “questão da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural” e oreconhecimento <strong>do</strong> papel da História, <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s em Freire (1994), <strong>de</strong>monstram que aeducação é, em si, um processo intrínseco à constituição da “trama cultural” <strong>de</strong> umasocieda<strong>de</strong>.Desse mo<strong>do</strong>, analisar a escola como única e gran<strong>de</strong> instituição responsável pela educação<strong>do</strong>s indivíduos é não só contradizer e reduzir seu caráter abrangente e complexo, comotambém sobrepujar tais instituições da responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assumi‐la sozinha. O mun<strong>do</strong>é bastante vasto e diverso para tamanha restrição impon<strong>de</strong>rada. Freire adverte, aindanesse aspecto, que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens seeducam entre si, mediatiza<strong>do</strong>s pelo mun<strong>do</strong>” (FREIRE,1994)Assim, po<strong>de</strong>‐se apontar que os maiores aprendiza<strong>do</strong>s são aqueles cultiva<strong>do</strong>s na nossaprópria inserção conflituosa e engajada no mun<strong>do</strong>. As circunstâncias com que indivíduosse confrontam cotidianamente (nas cida<strong>de</strong>s, em seu meio familiar, etc) seriam, nosenti<strong>do</strong> <strong>do</strong>s aprendiza<strong>do</strong>s, os maiores guias. Ou seja, os sujeitos, nas suas relaçõesinerentemente conflituosas e <strong>de</strong>safia<strong>do</strong>ras, acumulam – a partir <strong>de</strong>las e “mediatizadaspelo mun<strong>do</strong>”, especialmente na vivência <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s que os patrimônios, em suasproprieda<strong>de</strong>s qualitativas <strong>de</strong> suscitar, <strong>de</strong> provocar, <strong>de</strong> gerar reflexões e atitu<strong>de</strong>s –importantes aprendiza<strong>do</strong>s vincula<strong>do</strong>s à memória, à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, à história e à relação come nos lugares.Como as <strong>de</strong>finições da Educação, assim como as <strong>do</strong> Patrimônio encontram‐se atreladasaos contextos culturais que as moldam e são por elas molda<strong>do</strong>s, isto torna possívelisbn: 978-85-98261-08-9209


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)pensar melhor sobre os impactos e implicações que esta relação, “Patrimônio +Educação”, vem promoven<strong>do</strong> na revisão <strong>de</strong> seus pressupostos.isbn: 978-85-98261-08-9A educação, como estágio preliminar e <strong>de</strong> alicerce para a vida <strong>do</strong>s indivíduos, assume o<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> instruir as pessoas nas diversas áreas <strong>do</strong> conhecimento, apresentan<strong>do</strong>‐lhesconteú<strong>do</strong>s e questionamentos necessários para a compreensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que os ro<strong>de</strong>ia.A forma como esses conteú<strong>do</strong>s – que não são apenas informações, mas, sobretu<strong>do</strong>experimentações <strong>de</strong>stas – são trata<strong>do</strong>s constituiria o mo<strong>de</strong>lo/tipo que orienta suaspráticas. A responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s profissionais, <strong>do</strong>centes e educa<strong>do</strong>res, na condução <strong>do</strong>processo <strong>de</strong> ensino‐aprendizagem <strong>de</strong>ve, também, estar pautada no alcance <strong>do</strong>s objetivose <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s espera<strong>do</strong>s, para que a educação possa, assim, gerar benefícios – quenão estão concentra<strong>do</strong>s nos alunos e, sim, na relação professor‐aluno. É claro que essaquestão não é tão linear e direta quanto parece. Tu<strong>do</strong> que acontece fora <strong>do</strong> ambiente dasescolas é essencial para a compreensão <strong>do</strong> que nelas é discuti<strong>do</strong>.Não há dúvidas que discursos i<strong>de</strong>ológicos têm a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> influenciar pensamentos,reflexões e, consequentemente, <strong>de</strong> contaminar, senão comprometer, a aprendizagem. Aeducação, em muitos aspectos <strong>do</strong> viés <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo “tradicional”, ten<strong>de</strong> a propagar ereforçar i<strong>de</strong>ologias que alu<strong>de</strong>m i<strong>de</strong>alizações com relação aos conteú<strong>do</strong>s. Ou seja, apropagação <strong>de</strong> certo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> progresso e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento em países/nações comoreferencial <strong>de</strong> vida para to<strong>do</strong>s os cidadãos é reflexo <strong>de</strong>ssas tendências, referenciadas emi<strong>de</strong>ologias <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s <strong>do</strong>minantes e hegemônicos.Sen<strong>do</strong> assim, a pertinência e a carga <strong>de</strong> compromisso socialmente impostas à educaçãoformal – não somente com a formação <strong>do</strong>s indivíduos, mas também com o que é capaz<strong>de</strong> (re)produzir no plano das i<strong>de</strong>ologias – confirmam seu caráter duplo <strong>de</strong>responsabilizar‐se legalmente pela inclusão social e pela cidadania <strong>do</strong>s sujeitos, aomesmo tempo em que <strong>de</strong>vem promover posturas críticas e conscientes frente aconteú<strong>do</strong>s permea<strong>do</strong>s por tais i<strong>de</strong>ologias hegemônicas.A postura da educação formal “tradicional”, muitas vezes impositiva <strong>de</strong> valoresconstruí<strong>do</strong>s e consolida<strong>do</strong>s no plano das i<strong>de</strong>ologias hegemônicas, dificulta os alunoselaborar suas visões <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>, uma vez que acabam sen<strong>do</strong> moldadas <strong>de</strong> forma<strong>do</strong>utrinária na transmissão <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s, porque alheia ao contexto cotidiano plural ediverso <strong>de</strong>sses alunos. A visão crítica que contribui para uma postura cidadã perante <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> é um ingrediente pouco ampara<strong>do</strong> nesse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> educação. Por <strong>do</strong>utrinar osindivíduos com conteú<strong>do</strong>s e i<strong>de</strong>ologias, ao invés <strong>de</strong> provocá‐los a tomarem posturas einterpretações críticas diante <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que os ro<strong>de</strong>ia, acaba comprometen<strong>do</strong> ocrescimento intelectual e <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> a uma esfera menos autêntica/ autônoma e,portanto, menos conectada com a própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s alunos.Muitos teóricos e filósofos abordaram essa questão, com a retomada e com o reacen<strong>de</strong>r<strong>do</strong> papel basilar da educação na formação das socieda<strong>de</strong>s, apontan<strong>do</strong> que respeitar ai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s educan<strong>do</strong>s, levan<strong>do</strong> em conta suas experiências vividas, passadas epresentes, é uma tarefa essencial que as escolas, como instituições legalmenteresponsáveis pela educação <strong>do</strong>s indivíduos, não <strong>de</strong>veriam se eximir <strong>de</strong> cumpri‐la. Alémdisso, a socialização <strong>do</strong>s indivíduos no âmbito da escola, <strong>do</strong>s alunos entre si e com os210


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)professores, incentivada nos termos <strong>de</strong> relações abertas e não verticais, é outro aspectoque constitui o quadro <strong>de</strong> princípios <strong>de</strong> uma educação menos paternalista e <strong>do</strong>utrinária,e, portanto, mais humaniza<strong>do</strong>ra, transforma<strong>do</strong>ra e liberta<strong>do</strong>ra.O papel elementar e precípuo das instituições <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>ve ser, portanto, o <strong>de</strong> romper comtais mo<strong>de</strong>los “tradicionais” – e, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, livre <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminismos, na medida em que taismo<strong>de</strong>los têm si<strong>do</strong> aponta<strong>do</strong>s como incapazes <strong>de</strong> exercerem sozinhos os seus <strong>do</strong>is enfoquesfundamentais: a formação social e cultural <strong>do</strong>s alunos. (In)formar e (trans)formar os alunos é,portanto, a dinâmica que as escolas <strong>de</strong>vem, assim, se pautar.No misto <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> e possibilida<strong>de</strong>s, o campo da Educação, em suas contribuições e interfacescom o <strong>do</strong> Patrimônio <strong>de</strong>ve buscar <strong>de</strong>rrubar barreiras disciplinares, aprofundan<strong>do</strong> e refinan<strong>do</strong> ospressupostos para as práticas <strong>de</strong> valorização, reconhecimento e i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> bens culturais e <strong>de</strong>lesampara<strong>do</strong>s por iniciativas educativas apoiadas em mo<strong>de</strong>los que enten<strong>de</strong> a escola,[...] como espaço <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> saberes, geran<strong>do</strong> processos criativos que escapam <strong>do</strong> conhecimento formal como ummo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produzir interferências, expressões e reflexões para além das ativida<strong>de</strong>s pedagógicas. Neste senti<strong>do</strong>, aescola <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser um foco central <strong>de</strong> difusão e formatação <strong>do</strong> conhecimento e passa a atuar como catalisa<strong>do</strong>r <strong>de</strong>saberes produzi<strong>do</strong>s pelas comunida<strong>de</strong>s... (KROEF, 2001, p. 11).No processo <strong>de</strong> ensino‐apredizagem, incorporar apontamentos e experiências levanta<strong>do</strong>s pelosalunos (ou seja, a visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong> que eles têm) aos conteú<strong>do</strong>s programáticos é uma estratégia<strong>de</strong> liberá‐los <strong>do</strong> me<strong>do</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, como aponta Jean‐Noël Luc (1997). Sem dúvida que isso osauxiliaria, assim como aos <strong>do</strong>centes, a romper com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> aprendizagem como simples ato<strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> conhecimento. A abertura <strong>de</strong> tais processos à participação mais horizontalentre aluno e professor, impulsiona o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r. Como sugere o mesmo autor,se o conhecimento <strong>do</strong> qual o aluno lhe interessa se vê necessita<strong>do</strong> <strong>de</strong> socorro a explicações encontradasem realida<strong>de</strong>s mais amplas, se conseguimos passar <strong>do</strong> interesse pelo concreto a explicações abstratas,estaremos fomentan<strong>do</strong> o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r (LUC, 1997, p.39, tradução direta).Em outras palavras, se o conhecimento que os alunos solicitam está relaciona<strong>do</strong> ao meio e àrealida<strong>de</strong> que os circundam, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem não só se potencializa comotambém os motiva a buscar mais. Uma busca que também estaria relacionada a um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>aprofundar nas reflexões sobre a realida<strong>de</strong> em que atuam e na qual po<strong>de</strong>m transformar.Nesse senti<strong>do</strong>, estratégias <strong>de</strong> estímulo a aprendiza<strong>do</strong>s significativos encontrariam espaço naperspectiva <strong>de</strong> projetos/programas <strong>de</strong> educação – no contexto, aqui discuti<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>spatrimônios, da cida<strong>de</strong>, <strong>do</strong> meio ambiente – em propostas <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> que partam <strong>do</strong> meio emque vivem. Propor leituras da realida<strong>de</strong>, <strong>do</strong> cotidiano que se encontra fora <strong>do</strong> espaço físico dassalas <strong>de</strong> aula, nos extra‐muros da escola, têm o potencial <strong>de</strong> estimular os alunos a seaproximarem <strong>de</strong> seu entorno como fonte <strong>de</strong> conhecimento – reduzin<strong>do</strong>, assim, a <strong>do</strong>minância<strong>do</strong>s livros didáticos em tais processos <strong>de</strong> ensino‐aprendizagem. A disciplina Ciências Sociais,nas primeiras fases <strong>do</strong> ensino, e aquelas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>sta, introduzidas a partir <strong>do</strong> segun<strong>do</strong>ciclo, ensejam, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, potenciais ambientes para trabalhos com temáticas relacionadasao campo <strong>do</strong> Patrimônio.As “possibilida<strong>de</strong>s históricas <strong>do</strong> meio, a marca <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, como fonte abundante ediversificada <strong>de</strong> conhecimento” (LUC, 1997, p. 41) instauram nas estratégias da prática <strong>de</strong>ensino articula<strong>do</strong> e relaciona<strong>do</strong> ao meio, um diálogo com o universo <strong>do</strong>s patrimônios. Noisbn: 978-85-98261-08-9211


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)entanto, vale a ressalva <strong>de</strong> que a “aproximação histórica ao meio indica ser mais um processo<strong>de</strong> observação, <strong>do</strong> que um meio particular distante à realida<strong>de</strong> presente” (LUC, 1997, p. 41). Ouseja, o processo <strong>de</strong> observação, uma vez motiva<strong>do</strong> por mecanismos <strong>de</strong> interação einterpretação junto ao meio em que os patrimônios/bens culturais se encontram, tem opotencial <strong>de</strong> exercer nos alunos um senso <strong>do</strong> que a História e a(s) memória(s) são capazes <strong>de</strong><strong>do</strong>cumentar e <strong>de</strong> registrar material e imaterialmente e <strong>de</strong> como esses registros permeiam suasvidas e influenciam suas atitu<strong>de</strong>s.Nessa aproximação, provocativa e, quiçá, também lúdica, com o ambiente cotidiano, ospatrimônios e bens culturais, presentes e <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>res na/da História das cida<strong>de</strong>s, são aciona<strong>do</strong>scomo elementos que participam <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> aprendiza<strong>do</strong> significativo na fase escolar. Porisso, as meto<strong>do</strong>logias <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> ensino‐aprendizagem são tão importantes. Promoverdiálogos com os patrimônios e bens culturais é uma forma <strong>de</strong>, não só potencializar osconhecimentos em relação ao meio, à História, à memória, mas, sobretu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> realizá‐los apartir <strong>de</strong> experimentações sensorial‐cognitivas nos lugares nos quais eles se encontraminseri<strong>do</strong>s.No entanto, promover estes diálogos na dinâmica das cida<strong>de</strong>s contemporâneas – sejammotiva<strong>do</strong>s tanto pelas instituições <strong>de</strong> ensino quanto pelas <strong>do</strong> patrimônio – esbarra emquestões práticas e objetivas. A crescente privatização <strong>do</strong>s espaços pela ocupaçãoespeculativa e segrega<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> solo, seus impactos sobre a dinâmica <strong>do</strong>s espaçospúblicos, a insegurança nos espaços públicos e priva<strong>do</strong>s, a centralida<strong>de</strong> das práticas <strong>de</strong>consumo têm, nesse senti<strong>do</strong>, comprometi<strong>do</strong> essas estratégias <strong>de</strong> ensino‐aprendiza<strong>do</strong> viainteração e interpretação junto aos patrimônios e bens culturais. Os campos da Educaçãoe <strong>do</strong> Patrimônio são, assim, <strong>de</strong>safia<strong>do</strong>s, por essas novas configurações assumidas noplano dinâmico da cultura e das cida<strong>de</strong>s na contemporaneida<strong>de</strong>.Desse mo<strong>do</strong>, nem tanto o meio e os patrimônios, como objetos a serem explora<strong>do</strong>s einterpreta<strong>do</strong>s, mas, sobretu<strong>do</strong>, sua inserção na complexa trama das cida<strong>de</strong>s vem<strong>de</strong>safian<strong>do</strong> estudiosos a referenciar a cida<strong>de</strong> como espaço privilegia<strong>do</strong> <strong>de</strong> aprendizagensmúltiplas. O caráter “<strong>de</strong>sumaniza<strong>do</strong>r”, que acreditam ter nela se agrava<strong>do</strong>, os temmotiva<strong>do</strong> a repensar sobre as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vivência e, assim, <strong>de</strong> interação,interpretação com e no meio e, em especial, com aquilo que vem perduran<strong>do</strong> nosséculos, seus patrimônios. Rabinovich (2004) é bastante contun<strong>de</strong>nte a respeito <strong>de</strong>ssastransformações que recaem sobre as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interações entre os homens nosespaços, e <strong>de</strong>les com as cida<strong>de</strong>s.Basicamente, <strong>de</strong> lugar <strong>do</strong> encontro tornou‐se um lugar da passagem. (...) A acessibilida<strong>de</strong> à rua foireduzida, assim como sua atrativida<strong>de</strong>, dificultan<strong>do</strong> tanto familiarida<strong>de</strong> quanto apropriação,<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao progressivo <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong> espaços semi‐públicos (...). Estas áreas intermediáriasestariam também associadas aos “lugares da mistura” e seu <strong>de</strong>saparecimento parece ocorrerconcomitantemente à segmentação, institucionalização e programação da socieda<strong>de</strong>(RABINOVICH, 2004, p.95).Sem dúvida que as cida<strong>de</strong>s, assim como as socieda<strong>de</strong>s, se complexificaram, e com elas,as possibilida<strong>de</strong>s e oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> diálogo nos e entre os campos da Educação e <strong>do</strong>Patrimônio. No entanto, as revisões e ampliações conceituais são indicativos <strong>de</strong> comoestes campos vêm enfrentan<strong>do</strong> essas mudanças, que se revelam, em última instância, naisbn: 978-85-98261-08-9212


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)dinâmica da cultura e das cida<strong>de</strong>s contemporâneas. Estar atento às suas novasconfigurações e <strong>de</strong>safios, é perceber que práticas educativas, assim como os própriospatrimônios, são substratos abertos e, portanto, mutáveis em nossas vivências, ou seja,susceptíveis às transformações que acontecem <strong>de</strong> maneira mais ampla nessas instâncias(cida<strong>de</strong> e cultura) e no mun<strong>do</strong>. É ainda mais evi<strong>de</strong>nte nos casos <strong>de</strong> vivências em gran<strong>de</strong>scentros urbanos, on<strong>de</strong> as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s neles construídas ten<strong>de</strong>m a ser fortemente“reguladas” e influenciadas por processos socioculturais <strong>do</strong>minantes, em constante eritmo mais acentua<strong>do</strong> <strong>de</strong> transformação.isbn: 978-85-98261-08-93 PATRIMÔNIO + EDUCAÇÃO: DESCONSTRUINDO BARREIRAS PARA EDIFICAR UM NOVOCAMPO.O conceito <strong>de</strong> educação patrimonial, discuti<strong>do</strong> na década <strong>de</strong> 1980 no âmbito <strong>do</strong> “I Semináriosobre o Uso Educacional <strong>de</strong> Museus e Monumentos” no Museu <strong>de</strong> Petrópolis (RJ), e, assimdivulga<strong>do</strong> por meio da publicação <strong>do</strong> “Guia Básico <strong>de</strong> Educação Patrimonial” (1999), foi<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> em um contexto em que a noção <strong>de</strong> patrimônio vinha se refinan<strong>do</strong> para categoriasmais amplas nas escalas <strong>do</strong> território, porém, pouco, abarcan<strong>do</strong> manifestações culturais quenelas se realizavam e se <strong>de</strong>senvolviam.O reconhecimento <strong>de</strong> tais manifestações como bens imateriais a serem salvaguarda<strong>do</strong>s, ouseja, <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s peculiares <strong>de</strong> expressar – <strong>do</strong> ser e estar no mun<strong>do</strong> – só entrou para o rol <strong>do</strong>sbens representativos e significativos na política <strong>de</strong> preservação e valorização <strong>do</strong> país, nasúltimas décadas <strong>do</strong> século XX e início <strong>do</strong> XXI. Des<strong>de</strong> então, a aproximação e atenção <strong>do</strong>sgestores <strong>do</strong> patrimônio para com as pessoas diretamente relacionadas às manifestações <strong>de</strong>significância cultural e social, foi a que, provavelmente, contribuiu para serem ampliadas eaprofundadas as reflexões acerca <strong>do</strong>s pressupostos que guiavam suas práticas <strong>de</strong> preservação.A educação, aí, emergiu como um “ingrediente” que se fazia presente, talvez, sem nem tantodarem conta que ela se construía na sua relação mais próxima e aberta com as pessoas egrupos atrela<strong>do</strong>s aos bens reconheci<strong>do</strong>s ou em vias <strong>de</strong> ser.Diante <strong>de</strong>sses sinais, o salto expressivo na <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> educação patrimonial semanifestou, ten<strong>do</strong> em vista as reflexões e ações que se faziam nos processos <strong>de</strong> significação evalorização das relações i<strong>de</strong>ntitárias <strong>do</strong>s sujeitos para com os bens culturais – muitas vezes ti<strong>do</strong>por eles como patrimônios a serem salvaguarda<strong>do</strong>s – em comunhão com os gestores <strong>do</strong>patrimônio. À medida que se aproximavam das pessoas e comunida<strong>de</strong>s para escutá‐las – e,para assim buscar compreendê‐las em suas peculiarida<strong>de</strong>s e laços <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> – ascomplexida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> contemporâneo, que as sobrepujam, também eram reconhecidas e,por eles em conjunto, examinadas. A aproximação, mais horizontal entre gestores <strong>do</strong>patrimônio e comunida<strong>de</strong>s/grupos sociais, foi, então, o que impulsionou processos maisrecentes <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstrução e, assim, <strong>de</strong>snaturalização <strong>de</strong> conceitos <strong>de</strong> educação patrimonialque reproduz uma i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong>utrinária <strong>do</strong> que <strong>de</strong>ve ser i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>, reconheci<strong>do</strong> e valoriza<strong>do</strong>como bem cultural <strong>de</strong> interesse patrimonial.É possível verificar, por tu<strong>do</strong> isso, que a relação mais próxima e associativa entre o campo <strong>do</strong>Patrimônio e da Educação sugere que é preciso não só expandir o espectro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação ereconhecimento <strong>de</strong> bens culturais para além <strong>de</strong> práticas circunscritas e fechadas a estudar e213


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)vivenciar <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s patrimônios, mas também incluir a gama variada <strong>de</strong> atores e agenteschave no processo <strong>de</strong> ensino‐aprendizagem, formal e informal. Além disso, o mun<strong>do</strong>contemporâneo, em sua complexida<strong>de</strong> infinita <strong>de</strong> tempos cada vez mais dinâmicos etransforma<strong>do</strong>res das materialida<strong>de</strong>s e imaterialida<strong>de</strong>s, trouxe uma série <strong>de</strong> implicações paraesses processos. Procurar enten<strong>de</strong>r tais processos neste contexto é também reconhecer quegrupos atentos e comprometi<strong>do</strong>s com essas mudanças vêm se <strong>de</strong>spertan<strong>do</strong> para a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> explorar e promover oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> vivências e aprendiza<strong>do</strong>s, no conjunto complexo edinâmico que é a relação <strong>do</strong>s indivíduos com e nos lugares, edificações e fatos, e <strong>de</strong>les natotalida<strong>de</strong> das cida<strong>de</strong>s e territórios contemporâneos, provocativa e <strong>de</strong>safia<strong>do</strong>ra (e que tambémpo<strong>de</strong> ser “cegante” se a centralida<strong>de</strong> é direcionada para instâncias da razão/intelecto em<strong>de</strong>trimento da sua combinação com instâncias das sensações e imaginação, aguçadas porexperimentações sensoriais).Programas educativos como o “Ciudad Educa<strong>do</strong>ra” 1 e “La cittá <strong>de</strong>i Bambini” 2 ressaltam taisaspectos na medida em que, em suas propostas, a participação na vida social pública émotivada como mecanismo <strong>de</strong> incentivo às pessoas – habitantes e alunos – a se engajarem,buscan<strong>do</strong>, assim, compreen<strong>de</strong>r as diversas questões que implicam o universo amplo da cultura,<strong>do</strong>s espaços públicos e seus patrimônios nas cida<strong>de</strong>s. “Architecture and Children EnvironmentEducation” 3 particulariza essas questões, ao introduzir, exclusivamente nos ambientesescolares, o tema da <strong>Arquitetura</strong> como esfera <strong>do</strong> conhecimento, que compreen<strong>de</strong> e articula asdiversas temáticas relacionadas às múltiplas vivências no vasto e dinâmico universo dascida<strong>de</strong>s.Por outro la<strong>do</strong>, programas <strong>de</strong> educação patrimonial que ainda se atém a promoverexperiências circunscritas a explorar <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s patrimônios e privilegiar certos grupos, semquestionar sua relação com a dinâmica e a vastidão complexa da cultura nas cida<strong>de</strong>s e nomun<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>m limitar seu conceito a i<strong>de</strong>ias estanques e inertes, ou seja, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ospatrimônios bem como a relação <strong>do</strong>s indivíduos e grupos sociais com eles, como entida<strong>de</strong>s nãomutáveis e forjadas, e, portanto, consolidadas e objetivadas.Muito embora sejam abordadas, nas <strong>de</strong>finições oriundas e pautadas no “Guia Básico <strong>de</strong> EducaçãoPatrimonial” (1999), estratégias <strong>de</strong> incentivo a processos ativos <strong>de</strong> conhecimento, apropriação evalorização <strong>do</strong>s patrimônios, pouco exploram, conceitualmente, aspectos relaciona<strong>do</strong>s àsconjunturas das cida<strong>de</strong>s, e <strong>de</strong> sua complexificação na contemporaneida<strong>de</strong>. Além disso, aoadvertirem que <strong>de</strong>veriam ser permanentes, sistemáticos e contínuos, não fica explícito os locaison<strong>de</strong> tais processos po<strong>de</strong>riam se dar <strong>de</strong>ssa maneira. Nas escolas, por exemplo, em função <strong>de</strong> seustatus pedagógico <strong>de</strong> ensino e aprendizagem e, assim, das ativida<strong>de</strong>s regulares que a eles sãopróprias, a continuida<strong>de</strong> em tais processos encontrar‐se‐á garantida. O caráter sistemático<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ria, portanto, <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> parâmetros legais e <strong>de</strong> diretrizes que respaldassem taisprocessos. Em suma, o conceito <strong>de</strong> educação patrimonial, explicita<strong>do</strong> neste Guia, necessitaria <strong>de</strong>revisões que buscassem apropriar e assumir a complexida<strong>de</strong> que, não só o campo <strong>do</strong> Patrimônioalcançou a partir <strong>de</strong> abordagens mais abrangentes e inclusivas, na escala da cida<strong>de</strong> e das distintasnaturezas que caracterizam os bens culturais na sua diversida<strong>de</strong>, como também o da Educação,pela fundamental contribuição com relação à abertura a processos mais horizontais e, sobretu<strong>do</strong>,mais significativos tanto social quanto culturalmente entre grupos e indivíduos da socieda<strong>de</strong> egestores públicos.isbn: 978-85-98261-08-9214


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Programas <strong>de</strong> educação patrimonial mais recentes, promovi<strong>do</strong>s por órgãos <strong>do</strong> patrimônio emparceria com outros agentes e instituições no país, vêm indican<strong>do</strong> que o conceito vem, emcerta medida, se refinan<strong>do</strong>, assim como as estratégias na gestão <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, em relaçãoàs suas primeiras experiências. Contu<strong>do</strong>, não <strong>de</strong>monstram avançar a ponto <strong>de</strong> propor umareformulação <strong>do</strong>s mecanismos <strong>de</strong> participação <strong>do</strong>s alunos/habitantes nas questões queenvolvem os patrimônios e bens culturais na sua relação com a cida<strong>de</strong> contemporânea, assimcomo uma sistematização <strong>do</strong>s mesmos no formato <strong>de</strong> uma política pública. Ou seja, poucorepercutiram no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> “reverter para a cida<strong>de</strong> em modificações, em melhorias, que nãosó “ficticionalizar” os seus problemas” 4 , como bem ressalta<strong>do</strong> por uma das coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ras <strong>do</strong>programa intitula<strong>do</strong> “Educação para o Patrimônio”, promovi<strong>do</strong> pela Diretoria <strong>de</strong> PatrimônioCultural <strong>de</strong> Belo Horizonte (DIPC/PBH).Além <strong>de</strong>ssas questões, a terminologia – que continua a mesma: “educação patrimonial” –sugere que o uso da palavra patrimônio na forma adjetivada junto ao substantivo educação,po<strong>de</strong> redundar em algumas contradições. O que se quer dizer é que “patrimonial” e“patrimonialida<strong>de</strong>” apresentam‐se como adjetivos categóricos e, portanto, limita<strong>do</strong>res daperspectiva ampla e circunstancial da palavra patrimônio. Igualmente, o substantivo educaçãoapresenta‐se limita<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> associa<strong>do</strong> univocamente a este adjetivo.Como nos lembra, Joël Candau (2011), patrimônio éreconheci<strong>do</strong> como uma relação que envolve mais uma afiliação <strong>do</strong> que filiação, uma materialida<strong>de</strong>que é mais reivindicada que herdada, assim como menos comunitária que conflitiva (id., 2011,grifos nossos).A complexida<strong>de</strong> <strong>do</strong> universo sociocultural que sobrepuja o campo <strong>do</strong> Patrimônio, ao se colocarcomo uma instância que participa da vida das pessoas, <strong>de</strong>veria atuar como media<strong>do</strong>ra <strong>do</strong>sprocessos educativos, e não como educa<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> “filiações” que alunos e indivíduos <strong>de</strong>veriamse apropriar. A mutabilida<strong>de</strong> e a diversida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> das coisas e das idéias influenciamprocessos i<strong>de</strong>ntitários e nos advertem que a materialida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s patrimônios também éapreendida <strong>de</strong> maneira diferenciada e particular pelas pessoas e grupos, e por isso, inerente aocaráter reivindicativo e conflituoso <strong>de</strong> suas vivências e experiências nos lugares – na escala <strong>do</strong>sespaços públicos das cida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> suas edificações e das dinâmicas socioculturais em seusenti<strong>do</strong> amplo.O programa “Educação para ao Patrimônio” da Diretoria <strong>de</strong> Patrimônio Cultural <strong>de</strong> BeloHorizonte (DIPC/PBH) apresentou uma perspectiva mais refinada, apreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> essa dinâmicae o caráter circunstancial da palavra patrimônio, e sugerin<strong>do</strong> não utilizá‐la na forma adjetivadamas, sim, como um substantivo com peso equivalente ao da educação. Educação para opatrimônio é, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, a expressão escolhida para <strong>de</strong>finir o conceito que pauta suaspropostas, on<strong>de</strong> o campo da Educação, entendi<strong>do</strong> como responsável e integra<strong>do</strong> à vida <strong>do</strong>sindivíduos, é coloca<strong>do</strong> como parceiro ao <strong>do</strong> Patrimônio, portanto, essencial aos processos <strong>de</strong>reflexão e experimentação sensorial/perceptivo das qualida<strong>de</strong>s e complexida<strong>de</strong>s quecircundam o universo sociocultural <strong>de</strong> nossas cida<strong>de</strong>s. Ou seja, como oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> osindivíduos exercerem o espírito crítico e <strong>de</strong> juízo, assim como <strong>de</strong> experimentarem, sensorial eintelectualmente, as proprieda<strong>de</strong>s que se constituem na sua História e memória, e que sãoforma<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s – proprieda<strong>de</strong>s estas percebidas, sentidas e vividas na relaçãocom os patrimônios e bens culturais, nos tempos e espaços da cida<strong>de</strong>.isbn: 978-85-98261-08-9215


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Educação para o patrimônio constitui‐se, nesse senti<strong>do</strong>, termo recente e que vem sen<strong>do</strong>utiliza<strong>do</strong>, nos ambientes on<strong>de</strong> as contribuições da Antropologia e Sociologia são marcantes. Oentendimento e a aplicação <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> Educação para o Patrimônio comporiam umexercício <strong>de</strong> incorporar, simultaneamente, o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> acesso e <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>,incondicional e irrestrita, aos alunos/habitantes, e <strong>de</strong>les construírem suas próprias concepçõese apreciações <strong>do</strong> que venham a ser seus patrimônios, individuais e coletivos, a partir dasvivências experimentadas com e neles.isbn: 978-85-98261-08-9Com efeito, o papel da Educação, aliada ao campo <strong>do</strong> Patrimônio – Patrimônio + Educação, temsi<strong>do</strong> o <strong>de</strong> fomentar a trans‐formação <strong>do</strong> sujeito, por meio da sua percepção <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>, <strong>de</strong> seuentorno, pelos senti<strong>do</strong>s e a consequente ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> saberes e reflexão daí advinda. Estimula<strong>do</strong>sa <strong>de</strong>senvolver suas habilida<strong>de</strong>s, nas próprias oportunida<strong>de</strong>s que o ensino formal e informal e avida, em seu senti<strong>do</strong> amplo, possibilitam, os indivíduos exercitam uma série <strong>de</strong> operações <strong>de</strong>articulação <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s e formas que, balizadas pelo pensamento, imaginação, emoção esenti<strong>do</strong>s, produzem e reproduzem imagens que lhes são reconhecíveis. Ou seja, uma vezpresente em sua(s) memória(s) e incorpora<strong>do</strong> às i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, esse substrato (advin<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssasoperações) os auxilia nos processos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação, reconhecimento, e valorização <strong>de</strong> bensque, por um méto<strong>do</strong> quase que “espontâneo”, <strong>de</strong>senvolvem associações em uma dinâmicadialética entre significante‐significa<strong>do</strong>.Assim, a assertiva que diz que “não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber‐se sujeito sem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>memória que articula o conhecimento e o tempo” (CHIOVATTO, 2010) ajuda a pensar aimportância em se consi<strong>de</strong>rar processos <strong>de</strong> construção da memória individual, comoferramenta fundamental para a compreensão e a reflexão sobre a memória coletiva e social. Osindivíduos só po<strong>de</strong>riam, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, compreen<strong>de</strong>r a si mesmos na memória pessoal a partir<strong>do</strong> outro, a memória coletiva e social. Decerto que o mun<strong>do</strong>, na perspectiva da alterida<strong>de</strong>, é asua referência para se constituírem <strong>de</strong> maneira relacional e interativa.Sob o filtro <strong>do</strong>s cinco senti<strong>do</strong>s e não mais só <strong>do</strong> olhar e <strong>do</strong> intelecto, a percepção sensorial eemotiva <strong>do</strong>s sujeitos se agrega à essência das experiências nos e com os lugares – e seusatributos espaciais e imateriais – percebi<strong>do</strong>s como referências substanciais aos seus processoscognitivos e <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, práticas educativas <strong>de</strong>veriam atuar, garantin<strong>do</strong>aos indivíduos, em seus processos <strong>de</strong> aprendiza<strong>do</strong>, experiências que resultem na formação <strong>do</strong>ssubstratos úteis ao exercício <strong>de</strong> seus juízos e raciocínios (CHIOVATTO, 2010). É nacontemporaneida<strong>de</strong>, por sua vez que, os indivíduos consolidam sua(s) i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>(s), a partir<strong>do</strong>s dispositivos da memória, e que, apesar <strong>de</strong> sua natureza efêmera, tem gran<strong>de</strong>spossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se manter viva, no fluxo das transformações, caso o contato com ativida<strong>de</strong>sque aliam a Patrimônio à Educação (e vice‐versa) seja constante e renova<strong>do</strong>.A relação entre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e memória(s) só po<strong>de</strong>rá ganhar senti<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong> um projetoconsistente e substantivo <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s e experiências em interação e interpretação acerca <strong>do</strong>que a História, a Arte, a <strong>Arquitetura</strong>, a Arqueologia, enfim, o que os espaços da cida<strong>de</strong> sãocapazes <strong>de</strong> contar, provocar e propiciar aos indivíduos, por meio <strong>de</strong> vivências e habilida<strong>de</strong>spróprias da percepção, da sensação, da imaginação e <strong>do</strong>s sentimentos, amplian<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ssamaneira, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> suas relações particulares com a cida<strong>de</strong> e comterritórios ainda mais amplos, diversos e dinâmicos na contemporaneida<strong>de</strong>.216


4 CONSIDERAÇÕES FINAISprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Como visto ao longo <strong>do</strong> artigo, as possibilida<strong>de</strong>s dialógicas entre o campo <strong>do</strong> Patrimônio e daEducação são expressivas. No entanto, o avanço conceitual da noção <strong>de</strong> patrimônio nacontemporaneida<strong>de</strong>, assim como o da educação nos aspectos <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo construtivista,portanto mais humaniza<strong>do</strong>r e liberta<strong>do</strong>r, necessitam receber maiores investidas nas suasinterfaces e implicações associativas. O investimento em projetos e programas educativos queexploram diversificadas e comprometidas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> manutenção significativa <strong>do</strong>s bensculturais na cida<strong>de</strong> em estreita relação com a vida social pública que os animam <strong>de</strong>ve ser, nessesenti<strong>do</strong>, a via que alimenta esta relação mais próxima e <strong>de</strong> cooperação entre o campo <strong>do</strong>Patrimônio e da Educação.A caminhada proposta pelo Patrimônio à Educação, e também da Educação ao Patrimônio,<strong>de</strong>monstra, assim, que o propósito final <strong>de</strong> suas ações concentra‐se no estabelecimento dasbases para um “gran<strong>de</strong> projeto” e <strong>de</strong> cidadania.As experiências rasas e rasteiras, que se <strong>de</strong>stacam pela euforia merca<strong>do</strong>lógica que vem abalan<strong>do</strong>o âmbito das interações e interpretação junto aos lugares e bens culturais diversos nacontemporaneida<strong>de</strong>, são indicativas da fugacida<strong>de</strong> e superficialida<strong>de</strong> com que versões “maispalatáveis” são privilegiadas visan<strong>do</strong> aten<strong>de</strong>r a socieda<strong>de</strong> exclusivamente na condição <strong>de</strong>consumi<strong>do</strong>res. Não há dúvidas que isso tem resvala<strong>do</strong> as experiências nos e com lugares ainterações meramente imagéticas e pouco exploratórias das infinitas qualida<strong>de</strong>s e possibilida<strong>de</strong>sneles contidas.As oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> experiências vivas nos lugares e, com as qualida<strong>de</strong>s que o legitimam, veemse,por tu<strong>do</strong> isso, comprometidas por tais dinâmicas e fatores das cida<strong>de</strong>s contemporâneas, quepelo simples fato <strong>de</strong> ocultarem, em muitos casos, os conflitos e contradições inerentes a ela,acabam inibin<strong>do</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> contato e diálogo com os atores‐personagens – as pessoas quehabitam e que participam da história e criações <strong>de</strong>sses lugares.As questões, portanto, relacionadas diretamente ao incentivo a processos mais inclusivos notocante ao acesso e usufruto <strong>do</strong>s/nos espaços, culturais e educativos, públicos e semi‐públicos,são, muitas vezes, mascarada por discursos e também nas legislações, <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> que, naprática, o fomento a tais experiências se limita a certos grupos sociais. A universalização <strong>de</strong>programas educativos relaciona<strong>do</strong>s à cultura em suas variadas instâncias configura‐se, por talrazão, em uma tentativa <strong>de</strong> lidar com os conflitos e contradições – que, em síntese,constituem‐se ao mesmo tempo <strong>de</strong> cunho sociocultural e político.É por meio <strong>do</strong> incentivo a práticas que promovem a interação dinâmica e inclusiva <strong>de</strong> usuáriose habitantes das cida<strong>de</strong>s, às proprieda<strong>de</strong>s <strong>do</strong> lugar, <strong>do</strong>s fatos/eventos e, consequentemente,das pessoas que participam e conformam sua vida social pública, que se acredita po<strong>de</strong>requilibrar tais efeitos inexoráveis da contemporaneida<strong>de</strong>. O fortalecimento <strong>de</strong> sua(s)i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>(s) e memória(s) no âmbito <strong>de</strong> ações e programas educativos alia<strong>do</strong>s e alinha<strong>do</strong>s ànoção contemporânea <strong>de</strong> patrimônio comporia, para além disso, a gran<strong>de</strong> chave <strong>de</strong>ste projetomeritório <strong>de</strong> comunhão <strong>de</strong> esforços entre tais campos. Expressivos reflexos nas sensibilida<strong>de</strong>s<strong>do</strong>s habitantes/alunos, com relação a seu papel como cidadãos cada vez mais conscientes dacomplexida<strong>de</strong> que é viver hoje em cida<strong>de</strong>s cada vez mais interconectadas e, também, <strong>de</strong>siguaise competitivas, po<strong>de</strong>rão ser senti<strong>do</strong>s e crescentemente aguça<strong>do</strong>s a partir daí.217


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A consagração <strong>de</strong>ste “gran<strong>de</strong> projeto”, <strong>do</strong> campo <strong>do</strong> Patrimônio alia<strong>do</strong> reciprocamente ao daEducação (Patrimônio + Educação), <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá, por tu<strong>do</strong> o que foi exposto, <strong>de</strong> como ambosirão lidar com estes <strong>de</strong>safios e tensões, cada vez mais implica<strong>do</strong>s por movimentos <strong>de</strong>correntes<strong>de</strong> uma tendência, a que Bauman (2001) chama <strong>de</strong> “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> líquida”, e como, em facedisso, se associarão <strong>de</strong> maneira cooperativa a alcançar e garantir um objetivo comum, o dacidadania nos processos <strong>de</strong> significação e valorização das relações i<strong>de</strong>ntitárias e da memória<strong>do</strong>s indivíduos na relação com o universo sociocultural <strong>do</strong>s lugares e <strong>de</strong> seus bens.isbn: 978-85-98261-08-9O olhar sobre os patrimônios, sobre o universo <strong>de</strong>scontínuo e pulsante das materialida<strong>de</strong>s e da vida que nos ro<strong>de</strong>ia,é feito a partir <strong>de</strong> uma visão que é antes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, cultural, ou seja, oriunda <strong>do</strong> processo imaterial, <strong>de</strong> imaginar, <strong>de</strong>sentir, <strong>de</strong> guardar na memória, e <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> que converge simultaneamente no ato <strong>de</strong> significar. A imaginação assimcomo a memória são mecanismos que os indivíduos em socieda<strong>de</strong> dispõem para se situar e entrever o mun<strong>do</strong> – emum ato que po<strong>de</strong> alcançar o que Manoel <strong>de</strong> Barros anunciou, o <strong>de</strong> “transver o mun<strong>do</strong>”.2185 REFERÊNCIASACCION EDUCATIVA. La Ciudad <strong>de</strong> los niños. Madrid, Espanha: Accion Educativa, ca. 2000. Disponível em:http://www.accioneducativa‐mrp.org/ Acesso em: 10 ago. 2011.ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DAS CIDADES EDUCADORAS (AIEC) /Ayuntamiento <strong>de</strong> Barcelona. La CiudadEduca<strong>do</strong>ra. Barcelona, Espanha: AIEC, ca. 2004. Disponível em: http://w10.bcn.es/APPS. Acesso em: 15 jul.2011.BAUMAN, Z. Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> Líquida. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 2001.BELO HORIZONTE (MG). Prefeitura. Secretaria Municipal <strong>de</strong> Cultura. Campanha <strong>do</strong> programa Educação para oPatrimônio. Belo Horizonte: Secretaria Municipal <strong>de</strong> Cultura, ca. 2006.BELO HORIZONTE (MG). Prefeitura. Fundação Municipal <strong>de</strong> Cultura. Diretoria <strong>do</strong> Patrimônio Cultural. ProgramaEducação para o Patrimônio – Relatório <strong>do</strong> Projeto paisagens <strong>de</strong> BH: uma <strong>de</strong>scoberta. Belo Horizonte: Diretoria<strong>de</strong> Patrimônio Cultural, Fundação Municipal <strong>de</strong> Cultura, ca. 2008.CANDAU, J. Memória e I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Tradução Maria Letícia Ferreira. – São Paulo: Contexto, 2011.CHIOVATTO, M. Propostas da ação educativa da Pinacoteca <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo, ca. 2010. Disponível emhttp://www.museuparato<strong>do</strong>s.com.br/ Acesso em: 13 out. 2010.CONSELHO NACIONAL DE INVESTIGAÇÕES (CNR). La Cittá <strong>de</strong>i Bambini. Roma, Itália. Roma: CNR, 2001?. Disponívelem: http://www.lacitta<strong>de</strong>ibambini.org Acesso em: 10 ago. 2011.FREIRE, P. Pedagogia <strong>do</strong> oprimi<strong>do</strong>. New York: Her<strong>de</strong>r & Her<strong>de</strong>r, 1970 (manuscrito em português <strong>de</strong> 1968). Publica<strong>do</strong>com Prefácio <strong>de</strong> Ernani Maria Fiori. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Paz e Terra, 218 p., (23 ed., 1994(1970), 184 p.).GOMES, S. Entrevista concedida a Paula Gomes Cury. Belo Horizonte, 14 jul. 2011.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)HORTA, M. L. P.; GRUMBERG, E.; MONTEIRO, A. Q. Guia básico <strong>de</strong> educação patrimonial. Brasília: Instituto <strong>do</strong>Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999.INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS. Política Estadual <strong>do</strong> Patrimônioem Minas Gerais – ICMS Patrimônio Cultural. Belo Horizonte, Minas Gerais: GDF/IEPHA, [2010?]. Disponível em:http://www.iepha.mg.gov.br Acesso em: 21 <strong>de</strong>z. 2010.INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (Brasil). Programa “Casas <strong>do</strong> Patrimônio”.Ceduc/DAF/IPHAN, ca. 2008.LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mun<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno. São Paulo: Ática, (1968)1991.LUC, J.‐N. L'invention du jeune enfant au XIXe siècle. Paris: Belin, 1997.RABINOVICH, E. P. Barra Funda, São Paulo: as transformações na vida das crianças e na cida<strong>de</strong> – um estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso.In; H. Günther, J. Q. Pinheiro & R. S. L. Guzzo (Org.), Psicologia ambiental: enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> as relações <strong>do</strong> homemcom seu ambiente. Campinas, SP: Alínea, 2004. pp. 55‐100TONUCCI, F. et al. L`autonomia di movimento <strong>de</strong>i bambini italiani. Qua<strong>de</strong>rni <strong>de</strong>l progetto “La cittá <strong>de</strong>i Bamibini”, n. 1,Giugno (1988) 2002.isbn: 978-85-98261-08-96 NOTAS1 O programa “Ciudad Educa<strong>do</strong>ra” nasceu como um movimento em Barcelona (Espanha), no início da década <strong>de</strong>1990, com a proposta <strong>de</strong> disseminar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a cida<strong>de</strong> (em suas dinâmicas plurais) possui, tanto quanto po<strong>de</strong>fomentar, continuamente, um “impulso educa<strong>do</strong>r” por toda ela. Motiva<strong>do</strong>, em gran<strong>de</strong> medida, pelas forças einércias da contemporaneida<strong>de</strong> (cujas transformações são avaliadas como sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>s‐educa<strong>do</strong>ras), este movimento<strong>de</strong> teor abrangente e agrega<strong>do</strong>r, propôs o estabelecimento <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> gestão urbana – sobretu<strong>do</strong>, no âmbitodas instituições públicas, com ecos na totalida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong> –, orientada nos princípios que apregoam para aconstrução <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> educa<strong>do</strong>ra.2192 O programa “La Cittá <strong>de</strong>i Bambini”, traduzi<strong>do</strong> <strong>do</strong> italiano como “A Cida<strong>de</strong> das Crianças”, nasceu <strong>de</strong> uma iniciativa<strong>do</strong> governo da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Fano, localizada na região <strong>de</strong> Le Marche, porção centro‐leste da Itália, em maio <strong>de</strong> 1991.Proposto por gestores públicos que <strong>de</strong>fendiam uma nova filosofia <strong>de</strong> gestão da cida<strong>de</strong>, este projeto não visava<strong>de</strong>senhar políticas específicas para crianças e jovens, mas, sobretu<strong>do</strong> tinha motivação política ao neles fomentar aparticipação em um amplo leque <strong>de</strong> políticas públicas que dizem respeito ao funcionamento e dinâmica cotidiana dacida<strong>de</strong>. Apresentava um viés questiona<strong>do</strong>r da realida<strong>de</strong> urbana que, pre<strong>do</strong>minantemente, privilegia as necessida<strong>de</strong>s<strong>do</strong>s cidadãos adultos, fundamentalmente <strong>de</strong> homens e trabalha<strong>do</strong>res. A importância que os carros adquiriram nasocieda<strong>de</strong> contemporânea <strong>de</strong>monstra claramente, segun<strong>do</strong> o grupo cria<strong>do</strong>r <strong>do</strong> projeto, o po<strong>de</strong>r instituí<strong>do</strong> peloadulto trabalha<strong>do</strong>r, condicionan<strong>do</strong> todas as <strong>de</strong>cisões estruturais e funcionais da cida<strong>de</strong>.3 O programa “Architecture and Children Environment Education”, cria<strong>do</strong> pela União Internacional <strong>de</strong> Arquitetos(UIA) e concebi<strong>do</strong> por uma equipe da União Internacional <strong>de</strong> Arquitetos (UIA), representada por <strong>do</strong>is países, Françae Alemanha, tem como proposta versar sobre “partes” da cida<strong>de</strong>, os edifícios, espaços públicos, tanto os intersticiaisquanto os ditos por excelência – as praças, vias públicas, etc. Dessa maneira, propõe a criação <strong>de</strong> uma disciplinaprópria, ao mesmo tempo transversal, para tratar <strong>de</strong>ssas temáticas específicas <strong>do</strong> campo da <strong>Arquitetura</strong> e <strong>do</strong>ambiente construí<strong>do</strong>. A inserção <strong>de</strong>sta disciplina na gra<strong>de</strong> curricular <strong>do</strong> ensino formal (primário esecundário/fundamental e médio) se encontra pautada, em sua proposta central, no incentivo a jovens e crianças ase apropriarem <strong>do</strong>s atributos espaciais e arquitetônicos <strong>do</strong>s lugares na cida<strong>de</strong>., diz respeito a uma política pública aser implementada exclusivamente no âmbito da educação formal, mas que, pelo fato <strong>de</strong> propor a inclusão <strong>de</strong>conteú<strong>do</strong>s da área da <strong>Arquitetura</strong> e seus temas <strong>de</strong> interface, na gra<strong>de</strong> curricular <strong>do</strong> ensino (primário esecundário/fundamental e médio), apresenta‐se igualmente interessante pelas estratégias meto<strong>do</strong>lógicasinova<strong>do</strong>ras no tratamento interdisciplinar <strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s programáticos.4 GOMES, Silvana. Entrevista concedida à Paula Gomes Cury. Belo Horizonte, 14 jul. 2011.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9NÚCLEO TEMÁTICO III: Memórias e Cida<strong>de</strong>sPatrimônio em ruínas: <strong>de</strong>safios para preservaçãoHeritage in ruins: challenges for conservationMaria da Graça Andra<strong>de</strong> DIASMestre em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo pela UFBA; Doutoranda em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo peloNPGAU/<strong>UFMG</strong>. gracadias@hotmail.comRESUMOPropõe‐se nesta pesquisa o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> três monumentos religiosos, atualmente em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>arruinamento, situa<strong>do</strong>s no Recôncavo da Bahia, buscan<strong>do</strong> analisar os aspectos arquitetônicos einvestigar os aspectos simbólicos e <strong>do</strong> imaginário relaciona<strong>do</strong>s a esses patrimônios. Enten<strong>de</strong>‐se que aatribuição <strong>de</strong> valores ao patrimônio cultural através das práticas sociais ultrapassa a esfera objetiva,engloba os símbolos, as relações afetivas com o espaço, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a memória. Para a análise <strong>de</strong>ssesfundamentos segue‐se os passos meto<strong>do</strong>lógicos sugeri<strong>do</strong>s pela teoria das representações sociais através<strong>de</strong> abordagens qualitativa e quantitativa. Objetiva‐se, portanto, contribuir com o estu<strong>do</strong> da dimensãosubjetiva <strong>de</strong>sses patrimônios por consi<strong>de</strong>rar que uma política <strong>de</strong> preservação patrimonial efetiva nãopo<strong>de</strong> ser implementada sem a compreensão da perspectiva das comunida<strong>de</strong>s que moram no seuentorno.PALAVRAS‐CHAVE: monumentos religiosos, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e memória, representações sociais, preservaçãoABSTRACTIt is proposed in this research study of three religious monuments, currently in a state of ruination,located in the Reconcavo of Bahia, seeking to analyze the architectural aspects and investigate thesymbolic and imaginary aspects related to these assets. It is un<strong>de</strong>rstood that the assignment of values tocultural heritage through social practices beyond the objective sphere, encompassing symbols, affectiverelationships with space, i<strong>de</strong>ntity and memory. For these reasons the analysis follows the metho<strong>do</strong>logicalsteps suggested by the theory of social representations through qualitative and quantitative approaches.The objective, therefore, contribute to the study of the subjective dimension of these assets on thegrounds that a policy of effective heritage preservation can not be implemented without un<strong>de</strong>rstandingthe perspective of communities living around it.KEYWORDS: religious monuments, memory and i<strong>de</strong>ntity, social representations, preservation2201 INTRODUÇÂOA região escolhida para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste trabalho, Recôncavo da Bahia, é conhecida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI como a faixa <strong>de</strong> terra formada por mangues, baixios e tabuleiros quecontornam a Baía <strong>de</strong> To<strong>do</strong>s os Santos. Sen<strong>do</strong> o Recôncavo forma<strong>do</strong> por 35 municípios,totalizan<strong>do</strong> uma área <strong>de</strong> 10.400 Km 2 <strong>de</strong> superfície. Sua colonização é resultante da expansão dalavoura <strong>de</strong> cana‐<strong>de</strong>‐açúcar pelos portugueses. O <strong>de</strong>senvolvimento da economia <strong>de</strong>u‐se a partir<strong>do</strong> século XVIII até o início <strong>do</strong> XIX, perío<strong>do</strong> áureo, e nas cida<strong>de</strong>s com ativida<strong>de</strong> portuária houveum maior <strong>de</strong>senvolvimento urbano (AZEVEDO, 1982).No século XVIII, com a expansão urbana e a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica da região estabeleceu‐seuma re<strong>de</strong> que articulava vilas, povoações e cida<strong>de</strong>s. Os fluxos circulavam por vias flúvio‐


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)marítimas e caminhos terrestres, ten<strong>do</strong> nos engenhos e nos pousos suas primeiras formaçõesurbanas. A sucessão <strong>de</strong> construções, povoamentos, engenhos e capelas, ao longo <strong>do</strong>sprimeiros séculos <strong>de</strong> colonização, acompanhava o curso <strong>do</strong>s rios. O Recôncavo da Bahia,conforme SANTOS (1960), formou a primeira re<strong>de</strong> urbana da colônia portuguesa nas Américascom os núcleos <strong>de</strong> povoamento integra<strong>do</strong>s por formações urbanas.Uma igreja ou uma capela constituía o ponto em torno e em função <strong>do</strong> qual se formavampequenos aglomera<strong>do</strong>s humanos, sen<strong>do</strong> assim estabeleci<strong>do</strong>s muitos <strong>do</strong>s núcleos urbanosbrasileiros <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> colonial. Segun<strong>do</strong> MARX (1989) em geral, o processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>uma vila a partir <strong>de</strong> uma capela começava com a <strong>do</strong>ação <strong>de</strong> terras para a sua construção, feitapor um rico proprietário rural ou por vários vizinhos. Para estas capelas serem sacralizadas,<strong>de</strong>veriam aten<strong>de</strong>r às condições impostas pela legislação canônica, principalmente, seremedificadas em locais geograficamente <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s e com área livre em seu entorno para o adroe o passo das procissões. A <strong>de</strong>terminação da localização da capela condicionava oparcelamento <strong>do</strong> solo inicial, on<strong>de</strong> a Igreja controlava e <strong>de</strong>terminava o início da malha urbanada futura vila ou cida<strong>de</strong>. Até o momento da criação <strong>do</strong> município, esse processo <strong>de</strong> expansãoera nortea<strong>do</strong> pela igreja.Com o crescimento da população, uma capela passava para outro patamar e era transformadaem paróquia ou freguesia. Como se<strong>de</strong> paroquial, a antiga capela se transformava em igrejamatriz, e, <strong>de</strong>ssa forma, ia amplian<strong>do</strong> tanto a sua edificação quanto a população à sua volta.Posteriormente, era elevada à categoria <strong>de</strong> vila, com a instituição <strong>de</strong> uma câmara e<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> um solo público. A partir daí, a constituição <strong>do</strong> espaço físico das formaçõesurbanas coloniais ficava <strong>de</strong>terminada, on<strong>de</strong> a igreja matriz se <strong>de</strong>stacava, no centro, e tu<strong>do</strong>irradiava a partir <strong>de</strong>la, tanto o <strong>de</strong>senvolvimento da vida quanto da paisagem <strong>de</strong>sses núcleos(COSTA, 2003).A formação <strong>de</strong> várias cida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Recôncavo da Bahia <strong>de</strong>u‐se, também, a partir <strong>do</strong>estabelecimento da igreja católica. Alguns autores 1 <strong>de</strong>stacaram esta ação no ato coloniza<strong>do</strong>r e,especialmente, como ela se antecipava à Coroa. A <strong>de</strong>finição <strong>do</strong>s espaços nos territórios <strong>de</strong>u‐seatravés da criação <strong>de</strong> freguesias e o agrupamento <strong>de</strong> fiéis junto a povoações ou engenhos comcapelas e, <strong>de</strong> forma mais intensa junto à matriz, on<strong>de</strong> era produzida uma "malha reticularhierárquica que tomava o espaço <strong>de</strong> ocupação e uso antes mesmo <strong>do</strong> estabelecimento <strong>do</strong>recorte político administrativo feito pela Coroa” (ANDRADE, 2009) quan<strong>do</strong> esta, alian<strong>do</strong>‐se como po<strong>de</strong>r eclesiástico, dava origem a novas vilas e estabelecia termos.Com o fim <strong>do</strong> ciclo açucareiro no Recôncavo e a inclusão <strong>do</strong> su<strong>de</strong>ste no processo <strong>de</strong><strong>de</strong>sconcentração industrial, a região passa por transformações socioeconômicas e territoriaislatentes que vão lhe conferir novas dinâmicas estruturais. Atualmente, ainda percebe‐se naregião tanto a relevância da territorialida<strong>de</strong> da cana‐<strong>de</strong>‐açúcar (<strong>do</strong>minante no perío<strong>do</strong>colonial), quanto as suas repercussões e transformações nos perío<strong>do</strong>s que suce<strong>de</strong>ram oapogeu, possibilitan<strong>do</strong> uma análise <strong>do</strong> espaço geográfico e sua dinâmica. A temporalida<strong>de</strong> évisível quan<strong>do</strong> se <strong>de</strong>stacam as modificações sociais e econômicas ocorridas <strong>do</strong> apogeu até a<strong>de</strong>cadência ao longo <strong>do</strong> tempo.Gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong> patrimônio histórico <strong>de</strong> várias cida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Recôncavo da Bahia, representa<strong>do</strong>,principalmente, por igrejas seculares, encontra‐se em esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> arruinamento, as causasisbn: 978-85-98261-08-9221


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)principais vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a expulsão <strong>do</strong>s jesuítas no século XVIII até as gran<strong>de</strong>s transformaçõessocioeconômicas. Atualmente, existe uma nova reconfiguração espacial nesta região on<strong>de</strong> asativida<strong>de</strong>s econômicas se reestruturaram possibilitan<strong>do</strong> o atendimento das <strong>de</strong>mandascontemporâneas da população <strong>de</strong> vários municípios, em especial, naqueles em que háprodução <strong>de</strong> petróleo.Refletir sobre a preservação <strong>de</strong>sses patrimônios históricos significa <strong>de</strong>bruçar‐se sobre a lógicasubjacente aos conceitos e valores conferi<strong>do</strong>s a esses espaços ao longo <strong>do</strong> tempo,consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>‐os como lugares <strong>de</strong> memória. Esse sistema valorativo é coletivamenteconstruí<strong>do</strong>, como as relações com os lugares, as estruturas i<strong>de</strong>ntitárias e a memória, tu<strong>do</strong> issoarticula<strong>do</strong> no imaginário irá fundamentar a elaboração, reprodução e expressão dasrepresentações das comunida<strong>de</strong>s acerca <strong>do</strong> patrimônio.isbn: 978-85-98261-08-92 PATRIMÔNIO EM RUÍNASA concentração <strong>de</strong> significa<strong>do</strong>s simbólicos, sociais e artísticos transforma as ruínas em fontesprivilegiadas para a investigação sociológica <strong>de</strong> suas representações e para a pesquisaarquitetônica da expressão formal. O conceito <strong>de</strong> patrimônio religioso em ruína possui umacomposição múltipla, memorial, cultural e i<strong>de</strong>ntitária, fundamental para qualquer socieda<strong>de</strong>.Contu<strong>do</strong>, ele também é em si próprio, um conceito “em aberto”, inter‐relacional, sujeito a<strong>de</strong>bate, que passa necessariamente pela reflexão, estu<strong>do</strong>, avaliação, reconhecimento,conservação e conscientização <strong>do</strong> seu valor.Esta pesquisa analisará o universo simbólico referente ao patrimônio em ruínas situa<strong>do</strong> em<strong>do</strong>is municípios <strong>do</strong> Recôncavo da Bahia, abaixo relaciona<strong>do</strong>s, subsídios para os estu<strong>do</strong>s acerca<strong>do</strong> homem, <strong>do</strong> seu espaço, das suas mentalida<strong>de</strong>s e da sua cultura:Município <strong>de</strong> São Francisco <strong>do</strong> Con<strong>de</strong>:Distrito <strong>de</strong> Paramirim: Capela <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>do</strong> Vencimento (Sec. XVIII) ‐ Figura 1Distrito <strong>de</strong> Monte Recôncavo: Igreja <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>do</strong> Monte (Sec. XVII) ‐ Figura 2Município <strong>de</strong> Vera Cruz:Distrito <strong>de</strong> Barra Gran<strong>de</strong>: Capela <strong>de</strong> Nossa Senhora da Conceição (Séc. XVII) – Figura 3Figura 1: Capela <strong>de</strong> N. S, <strong>do</strong> VencimentoFigura 2: Igreja <strong>de</strong> N. S. <strong>do</strong> Monte222Fonte: Foto da autora, 2010Fonte: http://imaginarivm‐imaginarivm.blogspot.com.br


Figura 3: Capela <strong>de</strong> N. S. da Conceiçãoprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: Foto da autora, 2009Estes monumentos constituem‐se num <strong>do</strong>s mais importantes lega<strong>do</strong>s históricos e culturais<strong>de</strong>ssas regiões. Sen<strong>do</strong>, efetivamente, referenciais <strong>do</strong> patrimônio brasileiro, da<strong>do</strong> que apreocupação religiosa e os respectivos estabelecimentos se encontram presentes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> asnossas origens, sempre associa<strong>do</strong>s a perío<strong>do</strong>s fundamentais da história política, cultural ouartística <strong>do</strong> país. Estão localiza<strong>do</strong>s em áreas <strong>de</strong>stacadas, locais marca<strong>do</strong>s por singular<strong>de</strong>limitação espacial e são representativos <strong>do</strong> bem patrimonial, reconheci<strong>do</strong>s por órgãosestadual e fe<strong>de</strong>ral.O patrimônio histórico em ruínas transforma‐se em espaço ritualístico que suporta atransformação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s sujeitos por meio <strong>de</strong> processos sociais. A perda da aura,ainda que possa contribuir para a <strong>de</strong>stituição <strong>de</strong>sses bens, segun<strong>do</strong> Fortuna (1994), isto sóacontecerá parcialmente, pois eventualmente até reforçará, a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> funcionarcomo instrumento a serviço <strong>de</strong> estratégicas simbólicas <strong>de</strong> autopromoção e <strong>de</strong> integraçãosocial.Assim, alguns fragmentos que nos são revela<strong>do</strong>s na interação com os monumentos e ascomunida<strong>de</strong>s, possibilitam a compreensão das relações entre o passa<strong>do</strong> e o presente.Quan<strong>do</strong> esses patrimônios se mostram <strong>de</strong>preda<strong>do</strong>s e aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>s assinalam não apenasuma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>struída, mas a cultura arruinada. Quan<strong>do</strong> o passa<strong>do</strong> é um <strong>de</strong>stroço, opresente fica hipoteca<strong>do</strong> e, ainda seguin<strong>do</strong> o pensamento <strong>de</strong> Simmel (2005), po<strong>de</strong>‐sedizer que, para salvar o passa<strong>do</strong> e respeitar o presente, será preciso uma política capaz<strong>de</strong> manter e preservar o nosso patrimônio.Segun<strong>do</strong> Walter Benjamin (1987), a ruína apresenta‐se como alegoria, sen<strong>do</strong> esta, representativa<strong>de</strong> um espaço fragmenta<strong>do</strong> e suscetível a variadas interpretações com resquícios querememoram o que a mesma foi um dia. Complementan<strong>do</strong> esta conceituação, Paraizo afirma:Se a ruína, como alegoria, é algo que sobra <strong>de</strong> um suposto conjunto que <strong>de</strong>sapareceu, é também uma tensão entreo efêmero e o eterno, sempre lembran<strong>do</strong> que o to<strong>do</strong>, <strong>do</strong> qual pretensamente é parte, não se po<strong>de</strong> reconstruir(2006, p:3).223


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)O aspecto incompleto e fragmenta<strong>do</strong> da ruína, a <strong>de</strong>fine. Por isso ela po<strong>de</strong> contar comdiversas leituras, uma vez que aquilo que falta po<strong>de</strong> ser imagina<strong>do</strong>, bem como suatrajetória, da construção até o próprio arruinamento. Além disso, sua proximida<strong>de</strong> com a<strong>de</strong>struição nos remete à fragilida<strong>de</strong> da vida aliada à contraditória sobrevivência <strong>do</strong>monumento – que mesmo em aspecto fragiliza<strong>do</strong>, permanece.isbn: 978-85-98261-08-93 IDENTIDADE E MEMÓRIASegun<strong>do</strong> Françoise Choay (2007) o passa<strong>do</strong> invoca<strong>do</strong>, convoca<strong>do</strong>, <strong>de</strong> certa forma encanta<strong>do</strong>,não é um passa<strong>do</strong> qualquer, ele é localiza<strong>do</strong>, seleciona<strong>do</strong> para fins vitais, na medida em quepo<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma direta, contribuir para manter e preservar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>étnica ou religiosa, nacional, tribal ou familiar, constituin<strong>do</strong>‐se numa garantia das origens.On<strong>de</strong> a essência <strong>do</strong> monumento é estabelecida através <strong>de</strong> sua função antropológica, ou seja, arelação <strong>do</strong> tempo vivi<strong>do</strong> e com sua memória.O monumento constitui‐se tanto como objeto quanto como sujeito <strong>do</strong> imaginário, isto é, aomesmo tempo em que o imaginário elabora imagens e símbolos sobre ele, os seus atributosfísicos tornam‐se elementos para a constituição <strong>do</strong> imaginário. Esses símbolos funcionam comocódigos que permitem a i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> grupo. O imaginário estrutura‐se a partir dasinstituições sociais, da religião, da organização econômica, da estrutura jurídica <strong>do</strong> po<strong>de</strong>rpolítico e também <strong>do</strong> espaço físico, que adquire significação por meio das praticas sociais.Nesse processo, quan<strong>do</strong> o espaço é representa<strong>do</strong> no imaginário, a ele são atribuí<strong>do</strong>s valores.Assim a percepção <strong>de</strong> parte da história da cida<strong>de</strong> em que se localizam os monumentos <strong>de</strong>importância histórico‐arquitetônica, ultrapassa a dimensão física.O espaço adquire significa<strong>do</strong> por meio da experiência, on<strong>de</strong> há interação entre o indivíduo e oambiente, permea<strong>do</strong> pelas relações sociais que possibilitam a estruturação <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong>significa<strong>do</strong>s e senti<strong>do</strong>s culturais (CARLOS, 1996). Passa a ser, então, um lugar com forte cargasubjetiva, liga<strong>do</strong> mais às experiências, ao aspecto afetivo, à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> raízes <strong>do</strong> que aosenti<strong>do</strong> geográfico <strong>do</strong> termo.A apropriação envolve significa<strong>do</strong>s, crenças, concepções, sentimentos, atitu<strong>de</strong>s, opiniões,imagens e senso comum, relativos ao patrimônio, revela<strong>do</strong>s nas práticas sociais eventuais oucotidianas. Freire (1997, p. 57) consi<strong>de</strong>ra que a apropriação acontece quan<strong>do</strong> “os objetos sãoincorpora<strong>do</strong>s ao repertório visual <strong>de</strong> seus habitantes, ligan<strong>do</strong>‐se às suas experiências afetivas,momentos significativos <strong>de</strong> sua vida”. Sen<strong>do</strong> assim, o patrimônio construí<strong>do</strong> é uma porção <strong>do</strong>espaço que, quan<strong>do</strong> experiencia<strong>do</strong> e apropria<strong>do</strong>, po<strong>de</strong> se tornar lugar. Com a apropriação, oindividuo ou grupo social tanto assume <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> lugar como proprieda<strong>de</strong> sua, quantotambém enten<strong>de</strong> que a ele pertence. Esse sentimento <strong>de</strong> pertença não se relaciona apenas àdimensão espacial: pertencer ao lugar significa também pertencer ao grupo. Como colocaHalbwachs (1990, p. 69), “há em cada época uma estreita relação entre os hábitos, o espírito<strong>de</strong> um grupo e os aspectos <strong>do</strong>s lugares on<strong>de</strong> ele vive”. Assim, a apropriação e a sensação <strong>de</strong>pertencimento estão intimamente relacionadas à formação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, seja individual oucoletiva. Por basearem‐se em valores que são construí<strong>do</strong>s social e historicamente, o processo<strong>de</strong> apropriação e, portanto, da estruturação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, são dinâmicos.224


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A <strong>de</strong>claração i<strong>de</strong>ntitária não existe a priori, é sempre múltipla e inacabada, algo que busca seestruturar. Ela é construída em um processo que leva em conta as questões existentes no contextosocial. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um grupo, em da<strong>do</strong> momento, po<strong>de</strong> mais tar<strong>de</strong> ser esquecida, pois outrocontexto e outras relações estão em jogo. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> se estrutura a partir <strong>de</strong> elementos que seinterrelacionam, como os valores culturais vigentes no grupo social e as relações com os lugares e amemória.A memória é um <strong>do</strong>s elementos liga<strong>do</strong>s à experiência que contribui para o processo <strong>de</strong> apropriação,pois permite a compreensão <strong>de</strong> como ocorreu a vivência naquele lugar. Não existe memória semimaginário e não há imaginário sem memória <strong>do</strong>s indivíduos. Com relação à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a memória éum fator fundamental para sua constituição, em função <strong>do</strong> sentimento <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>pertencimento que confere ao individuo ou ao grupo. A memória cria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> para o grupo, com oque é comum a ele. Um <strong>do</strong>s pontos que permite a i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> sujeito com o grupo é um passa<strong>do</strong><strong>de</strong> acontecimentos e experiências em comum, que possa funcionar como elo, que fomente osentimento <strong>de</strong> pertença. Essa memória coletiva tem um caráter dinâmico: quan<strong>do</strong> o grupo muda aolongo <strong>do</strong> tempo, as lembranças também se transformam. Ela só subsiste enquanto o grupo socialexiste; quan<strong>do</strong> seus integrantes morrem, tem fim também a memória coletiva. As lembrançasparticulares só subsistem quan<strong>do</strong> têm o respal<strong>do</strong> das coletivas (POLLAK, 1992; HALBWACHS, 1990).Assim como a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a memória é uma construção social, é um trabalho <strong>de</strong> organização quearticula a lembrança e o esquecimento, sofren<strong>do</strong> transformações constantes. A memória é seletiva,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong>s valores <strong>do</strong> indivíduo, <strong>do</strong> momento histórico e <strong>do</strong>s interesses <strong>do</strong> grupo social, quesempre remetem aos conflitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s (POLLAK, 1989). A memória coletiva éformada para dar senti<strong>do</strong> e estabelecer a maneira <strong>do</strong> individuo se relacionar com o mun<strong>do</strong>.Em relação ao espaço, a memória é coletiva, pois a percepção <strong>do</strong> espaço resulta <strong>do</strong> que o olharapreen<strong>de</strong>, que é trabalha<strong>do</strong> no imaginário a partir <strong>de</strong> valores e conceitos estabeleci<strong>do</strong>s pelo grupo. Olugar funciona como suporte da memória coletiva e da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social. Assim, quan<strong>do</strong> os lugaressão transforma<strong>do</strong>s ou <strong>de</strong>struí<strong>do</strong>s, há o sentimento <strong>de</strong> estranheza e perda das referências i<strong>de</strong>ntitárias.O patrimônio cultural <strong>de</strong>sempenha um papel fundamental na procura ou criação das novas estruturasi<strong>de</strong>ntitárias. Ele ultrapassa o conceito <strong>de</strong> lugar, espaço físico que é apropria<strong>do</strong> por meio daexperiência, para ser um “lugar <strong>de</strong> memória”, que apresenta dimensão material e funcional, masprincipalmente simbólica (NORA, 1993). Esses lugares contêm elementos necessários ao sentimento<strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s indivíduos e grupos sociais e contribuem para a manutenção <strong>do</strong>s valoresi<strong>de</strong>ntitários. Sen<strong>do</strong> assim, ao mesmo tempo em que fornece suporte ao pertencimento, memória ei<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s sujeitos e grupos, o lugar “também é fragmento, resto, ilusão cambaleante em umtempo <strong>de</strong> brevida<strong>de</strong>s, responsável por unir passa<strong>do</strong> e presente” (BRANDIM, 2005, p. 240).isbn: 978-85-98261-08-92254 REPRESENTAÇÕES SOCIAISA teoria das representações sociais, ligada à área <strong>de</strong> Psicologia Social, foi <strong>de</strong>senvolvida inicialmentepor Moscovici em sua obra “Representação social da psicanálise”, em 1961. Enten<strong>de</strong>‐se representaçãosocial como “uma forma <strong>de</strong> conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, ten<strong>do</strong> uma visãoprática e concorren<strong>do</strong> para a construção <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> comum a um conjunto social” (JODELET,2002). São conhecimentos práticos que possibilitam a compreensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e a comunicação


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> grupo social, sen<strong>do</strong> elaboradas pelos sujeitos sobre objetos socialmente valoriza<strong>do</strong>s. Ainvestigação centrada nas representações sociais fundamenta‐se no fato <strong>de</strong> que, consciente ouinconscientemente, elas são utilizadas nos momentos <strong>de</strong>cisórios em relação à cida<strong>de</strong> e que, por meio<strong>de</strong>las, são expressos os valores da socieda<strong>de</strong>, pois elas justificam e racionalizam comportamentosanteriores e guiam atitu<strong>de</strong>s comportamentais (WAGNER, 2003).São as representações sociais que expressam as diversas visões <strong>de</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s indivíduos. Elasapresentam um caráter construtivo, criativo e autônomo, pois possibilitam a interpretação darealida<strong>de</strong>, estan<strong>do</strong> intimamente ligadas às formas <strong>de</strong> expressão e produção <strong>do</strong> espaço pelosujeito (JODELET, 2002). A representação social <strong>do</strong> patrimônio em estu<strong>do</strong> irá traduzir‐se atravésdas percepções diferenciadas, resultantes das experiências das pessoas relativas aomonumento e ao ambiente urbano.Visan<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ntificar a representação social das comunida<strong>de</strong>s em relação aos seus patrimônios,será estabelecida uma premissa para <strong>de</strong>terminar <strong>de</strong> que mo<strong>do</strong> o estu<strong>do</strong> será realiza<strong>do</strong>,<strong>de</strong>linean<strong>do</strong> a representação social pre<strong>do</strong>minante, sem <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong>representações existentes. Sen<strong>do</strong> que o universo da pesquisa <strong>de</strong>verá ser a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> aosobjetivos <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>, <strong>de</strong> forma diversificada e exemplar da população a ser estudada, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>a fornecer as informações necessárias para que se possa analisar o fenômeno. O grupo a serentrevista<strong>do</strong> <strong>de</strong>verá ser composto por pessoas em diversas posições da socieda<strong>de</strong>, queenunciem representações sociais distintas: mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> residências próximas aosmonumentos; comerciantes locais; usuários <strong>do</strong> comércio e <strong>do</strong>s serviços locais; sujeitos sociaisem posições chaves da socieda<strong>de</strong> (jornalistas, historia<strong>do</strong>res, professores, técnicos da prefeitura,representantes sociais e <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s religiosas; órgãos da esfera cultural).Algumas diretrizes <strong>de</strong>verão ser consi<strong>de</strong>radas para <strong>de</strong>finir a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> indivíduos a serementrevista<strong>do</strong>s. De acor<strong>do</strong> com o IBGE (2001), aproximadamente 1% da população <strong>de</strong> um bairropo<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada uma quantida<strong>de</strong> representativa, a variabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse percentual po<strong>de</strong>ráser ampliada ou reduzida em <strong>de</strong>corrência da taxa <strong>de</strong> ocupação da área pesquisada.A utilização da teoria das representações sociais implica na a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> procedimentos <strong>de</strong>pesquisa que privilegiam a fala, o que será obti<strong>do</strong> através da realização <strong>de</strong> entrevistas. Pormeio <strong>de</strong>las, buscar‐se‐á <strong>de</strong>tectar não apenas o conteú<strong>do</strong> manifesto, mas também asoscilações, as hesitações e o contexto, que ajudam a revelar o imaginário <strong>do</strong> indivíduo. Afim <strong>de</strong> capturar a fala <strong>do</strong>s atores sociais, será procedida a pesquisa <strong>de</strong> campo, buscan<strong>do</strong>adquirir informações sobre o problema, retiran<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s da realida<strong>de</strong> social on<strong>de</strong> ofenômeno investiga<strong>do</strong> ocorre.Selecionou‐se a entrevista semi‐estrutrada como instrumento <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> campo, porpossibilitar o resgate <strong>de</strong> informações produtivas. Nesse mo<strong>de</strong>lo, as perguntas são lançadas<strong>de</strong> forma direcionada, permitin<strong>do</strong> ao entrevista<strong>do</strong> flexibilida<strong>de</strong> para discorrer maislongamente sobre os pontos que julgar relevantes, enuncian<strong>do</strong> seu mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> pensar ou <strong>de</strong>agir, seus sentimentos, crenças e valores.Objetiva‐se que, ao final das entrevistas, seja possível i<strong>de</strong>ntificar o sistema <strong>de</strong> valores dasocieda<strong>de</strong> contemporânea local, para que seja possível inferir o que o patrimônio em ruínarepresenta hoje, para os diversos sujeitos sociais.isbn: 978-85-98261-08-9226


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)No tratamento <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, será observada a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mostrar a representação socialpre<strong>do</strong>minante, mas também levar em conta a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representações existentes.Consi<strong>de</strong>ra‐se, também, o fato da pesquisa centrar‐se na fala <strong>do</strong>s indivíduos, expressivas <strong>de</strong>senti<strong>do</strong>s que revelam as representações sociais. Ten<strong>do</strong> isso em vista, julga‐se que autilização da análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> será mais apropriada, por permitir a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> umpadrão com a abordagem quantitativa, bem como o tratamento qualitativo <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s, querevele a diversida<strong>de</strong> das representações sociais.A análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> BARDIN (2004, p. 37), caracteriza‐se como “um conjunto <strong>de</strong>técnicas <strong>de</strong> análise das comunicações visan<strong>do</strong> obter, por procedimentos sistemáticos eobjectivos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> das mensagens, indica<strong>do</strong>res quantitativos ou não”. Com oemprego <strong>de</strong>sta técnica buscar‐se‐á estabelecer parâmetros mais objetivos <strong>de</strong> análise, da<strong>do</strong> ocaráter subjetivo <strong>do</strong> assunto, ressaltan<strong>do</strong> temas mais recorrentes, facilitan<strong>do</strong> sua compreensãoe a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> uma técnica mais rigorosa para que, frente à heterogeneida<strong>de</strong> <strong>do</strong> objeto, não seperca a finalida<strong>de</strong> da pesquisa.isbn: 978-85-98261-08-95 CONSIDERAÇÕES FINAISA noção <strong>de</strong> patrimônio cultural encontra‐se diretamente relacionada à memória e ao senti<strong>do</strong><strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, conforme menciona a Constituição Brasileira <strong>de</strong> 1988, em seu Art. 216. "[...] osbens <strong>de</strong> natureza material e imaterial, toma<strong>do</strong>s individualmente ou em conjunto porta<strong>do</strong>res <strong>de</strong>referência à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, à ação, à memória <strong>do</strong>s diferentes grupos forma<strong>do</strong>res da socieda<strong>de</strong>brasileira." O reconhecimento <strong>do</strong> valor <strong>do</strong>s bens <strong>de</strong> caráter material é obti<strong>do</strong> por meio <strong>do</strong>Decreto <strong>de</strong> Tombamento.O patrimônio cultural está vincula<strong>do</strong>, portanto, à lembrança e à memória — numa categoriabasal na esfera das ações patrimonialistas, uma vez que os bens culturais são preserva<strong>do</strong>s emfunção <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s que <strong>de</strong>spertam e <strong>do</strong>s vínculos que mantêm com as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s culturais.Coaduna‐se com essas reflexões Men<strong>do</strong>nça (2004, p. 32), quan<strong>do</strong> ressalta que “estas memóriasnos fazem indivíduos e comunida<strong>de</strong>, que resgatam uma parcela da nossa cidadania, que nospermitem aspirar a categoria <strong>de</strong> povo civiliza<strong>do</strong> e que nos fazem refletir na nossa caminhadapara o futuro”. Nos recônditos da memória resi<strong>de</strong>m aspectos que a população <strong>de</strong> uma dadalocalida<strong>de</strong> reconhece como elementos próprios da sua história, da tipologia <strong>do</strong> espaço on<strong>de</strong>vive, das paisagens naturais ou construídas.A memória, <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Jaques Le Goff (1997, p. 138) estabelece um "vínculo" entre asgerações humanas e o "tempo histórico que as acompanha". Tal vínculo, além <strong>de</strong> constituir um "eloafetivo" que possibilita aos cidadãos perceberem‐se como "sujeitos da história", plenos <strong>de</strong> direitos e<strong>de</strong>veres, os torna cônscios <strong>do</strong>s embates sociais que envolvem a própria paisagem, os lugares on<strong>de</strong>vivem, os espaços <strong>de</strong> produção e cultura. Sob essa ótica, Le Goff <strong>de</strong>staca que a "i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural <strong>de</strong>um país, esta<strong>do</strong>, cida<strong>de</strong> ou comunida<strong>de</strong> se faz com a memória individual e coletiva"; a partir <strong>do</strong>momento em que a socieda<strong>de</strong> se dispõe a "preservar e divulgar os seus bens culturais" dá‐se início aoprocesso <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> pelo autor como a "construção <strong>do</strong> ethos cultural e <strong>de</strong> sua cidadania". Semdúvida, a cultura apreendida como "formas <strong>de</strong> organização simbólica <strong>do</strong> gênero humano remete aum conjunto <strong>de</strong> valores, formações i<strong>de</strong>ológicas e sistemas <strong>de</strong> significação" que norteiam os "estilos <strong>de</strong>vida das populações humanas no processo <strong>de</strong> assimilação e transformação da natureza".227


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)O patrimônio se configura e se engendra mediante suas relações com a cultura e o meio. Semdúvida, hoje se reconhece que a cultura é construída historicamente, <strong>de</strong> forma dinâmica eininterrupta, alteran<strong>do</strong>‐se e amplian<strong>do</strong> seu cabedal <strong>de</strong> geração em geração, a partir <strong>do</strong> contatocom saberes ou grupos distintos.Desta maneira, o papel <strong>do</strong>s monumentos histórico‐culturais <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas respectivassocieda<strong>de</strong>s, mesmo que muitas vezes minimiza<strong>do</strong>, é essencial para o entendimento daformação e andamento das memórias locais, sejam elas relativas a estratégias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou àscoletivida<strong>de</strong>s. E, ao se enten<strong>de</strong>r mais sobre tais memórias, passa‐se também, a compreen<strong>de</strong>r oposicionamento <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong> frente às influências e fenômenos sociológicos que a mesmavivenciou ao longo <strong>do</strong>s séculos, décadas ou mesmo anos – algo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para aprodução <strong>de</strong> sua história local, bem como, para o planejamento e implantação <strong>de</strong> políticasculturais <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e manejo da cultura e <strong>do</strong> próprio patrimônio histórico‐cultural.Des<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 70 a preservação <strong>de</strong> monumentos históricos passa a associar‐se ao conceito<strong>de</strong> reabilitação (mudança <strong>de</strong> função inicial), reutilização (atribuição <strong>de</strong> novos usos a espaçosque tivessem perdi<strong>do</strong> a função inicial) e revitalização (animação <strong>do</strong>s espaços transforma<strong>do</strong>s).Neste aspecto preten<strong>de</strong>‐se abordar a recuperação <strong>do</strong>s bens patrimoniais <strong>do</strong> Recôncavo daBahia, levan<strong>do</strong> em conta o passa<strong>do</strong> histórico, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a memória das comunida<strong>de</strong>s comesses bens, visan<strong>do</strong> uma perspectiva <strong>de</strong> intervenção no futuro, transforma<strong>do</strong>ra ou não, comrelação às suas funcionalida<strong>de</strong>s originais.isbn: 978-85-98261-08-96 REFERÊNCIAS228ANDRADE, Adriano. A espacialida<strong>de</strong> da re<strong>de</strong> urbana no Recôncavo baiano setecentista à luz da cartografiahistórica. Disponível em: http://www.ufmg.br/re<strong>de</strong><strong>de</strong>museus/crch/andra<strong>de</strong>_a‐espacializacao‐da‐re<strong>de</strong>urbana.pdAcesso em: 20/05/2012AZEVEDO, Paulo Ormin<strong>do</strong>. Inventário <strong>de</strong> Proteção <strong>do</strong> Acervo Cultural da Bahia. Salva<strong>do</strong>r: IPAC/SIC,Recôncavo, Parte II, 1982.BARDIN, Lawrence. Análise <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>. 3 ed. Lisboa: Edições 70, 2004.BRANDIM, Ana Cristina M. <strong>de</strong> S. Fragmentos, restos e passagens: uma análise entre lugar e memória em Teresina. In:VASCONCELOS, Jose Gerar<strong>do</strong>; ADAD, Shara Jane (Org.) Coisas <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>. Fortaleza: UFC, 2005.BRASIL. Constituição Brasileira <strong>de</strong> 1988, promulgada em 05 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988. In: Instituto <strong>do</strong> Patrimônio Históricoe Artístico Nacional (Brasil). Coletâneas <strong>de</strong> leis sobre preservação <strong>do</strong> patrimônio. Rio <strong>de</strong> Janeiro: IPHAN, 2006.CARLOS, Ana Fani A. O lugar no/<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. São Paulo: Hucitec, 1996.CHOAY, Françoise. Alegoria <strong>do</strong> patrimônio. Trad. Luciano V. M. São Paulo: UNESP, 2001.COSTA, Ana L. R. da. A igreja católica e configuração <strong>do</strong>s espaços físicos <strong>do</strong>s núcleos urbanos coloniais brasileiros. In:Ca<strong>de</strong>rnos PPG‐AU/FAUFBA. ano IV. Salva<strong>do</strong>r: EDUFBA, 2007. p. 33‐47.FREIRE, Cristina. Além <strong>do</strong>s mapas: os monumentos no imaginário urbano contemporâneo. São Paulo: SESC‐Annablume, 1997.HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Edições Vértices – Editora Revista <strong>do</strong>s Tribunais Ltda, 1990.IBGE ‐ Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística. Disponível em:http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2001/meto<strong>do</strong>logia/<strong>de</strong>fault.smAcesso em: 25 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2010.


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programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9NÚCLEO TEMÁTICO III: Memórias e Cida<strong>de</strong>sMo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e tradição: A dialética na dinâmica urbana dascida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequeno porteMo<strong>de</strong>rnity and tradicion: The dialetic in the urban dinamic on the townsTamyres Virgínia L. SILVEIRAArquiteta e urbanista. tamyresvls@yahoo.com.br.Josélia Go<strong>do</strong>y PORTUGALMestre em Economia Doméstica/UFV; Professora <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo da UFV.RESUMOO presente trabalho se propõe a fazer uma consi<strong>de</strong>ração sobre a dinâmica urbana das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pequeno porte, que se <strong>de</strong>senvolve na dialética entre mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e tradição. O estu<strong>do</strong> passa pelaabordagem <strong>de</strong> conceitos pós‐mo<strong>de</strong>rnos e pela análise <strong>de</strong>stes na conformação urbana das cida<strong>de</strong>s, numprimeiro momento, da metrópole, enquanto palco <strong>do</strong> nascimento <strong>de</strong>stes, e posteriormente, das cida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequeno porte, num momento em que estes novos valores e princípios conforma<strong>do</strong>res <strong>do</strong>comportamento social, extrapolam os limites das metrópoles e se difun<strong>de</strong>m pelas <strong>de</strong>mais cida<strong>de</strong>s,oferecen<strong>do</strong>‐as (ou impon<strong>do</strong>‐as) novas formas <strong>de</strong> estruturação <strong>do</strong> espaço urbano e um novo perfilcomportamental da socieda<strong>de</strong>.PALAVRAS‐CHAVE: Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, Tradição, Dinâmica urbana, Metrópoles, Cida<strong>de</strong>s.230ABSTRACT:This paper supposed to be a consi<strong>de</strong>ration about the towns’ urban dynamic, what <strong>de</strong>velop it selves in thedialectic between the mo<strong>de</strong>rnity and the tradition. The study pass by the approach of the post mo<strong>de</strong>rnconcepts and by the analysis of its in the urban form, at the first moment, the metropolis’ form, while thebirth’s stage of this concepts, and after, the towns’ form, at the instant what this new values andprinciples what remake the social behavior, extrapolate the metropolis’ limits and diffuse it selves by theother cities, offering to them new forms of urban space’s restructuration and a new society’s behavioralprofile.KEYWORDS: Mo<strong>de</strong>rnity, Tradition, Urban Dynamic, Metropolis, Towns.1 INTRODUÇÃOEvitem dizer que algumas vezes cida<strong>de</strong>s diferentes suce<strong>de</strong>m‐se no mesmo solo e com o mesmo nome,nascem e morrem sem se conhecer, incomunicáveis entre si. Às vezes, os nomes <strong>do</strong>s habitantespermanecem iguais, e o sotaque das vozes, e até mesmo os traços <strong>do</strong>s rostos; mas os <strong>de</strong>uses que vivemcom os nomes e nos solos foram embora sem avisar e em seus lugares acomodaram‐se <strong>de</strong>uses estranhos.(CALVINO, 1990: 31)Calvino (1990) evoca em um trecho <strong>de</strong> sua narrativa “As cida<strong>de</strong>s Invisíveis” as mudanças <strong>de</strong>correntesda inserção <strong>de</strong> novas forças na cida<strong>de</strong>, da relação mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> e tradição na constituição <strong>do</strong> teci<strong>do</strong>urbano. “Fruto da imaginação e trabalho articula<strong>do</strong> <strong>de</strong> muitos homens, a cida<strong>de</strong> é uma obra coletivaque <strong>de</strong>safia a natureza” (ROLNIK, 1995: 7‐8). Sua dinâmica é, então, reflexo <strong>do</strong>s processos queinci<strong>de</strong>m sobre ela, uma vez que estes se fazem através da ação humana.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Na contemporaneida<strong>de</strong> verifica‐se, segun<strong>do</strong> Rolnik (1995), uma velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> circulaçãonas cida<strong>de</strong>s, em ritmo crescente, visto que se inserem em um cenário <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnizaçãoque promove a “redução das barreiras espaciais” (HARVEY, 1996: 173). Assim, os limitesque continham a cida<strong>de</strong> vão se per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> e ela torna‐se inesgotável, fun<strong>de</strong>‐se a al<strong>de</strong>iaglobal, e ocorre gradualmente a “aniquilação <strong>do</strong> espaço através <strong>do</strong> tempo” (MARX apudHARVEY, 1996: 172). Desta forma, a cida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser entendida como um organismofecha<strong>do</strong>, “a totalida<strong>de</strong> não está presente imediatamente neste texto escrito, a cida<strong>de</strong>”(LEFEBVRE, 1991: 48), o que <strong>de</strong>la nasce e o que nela influencia, são processos advin<strong>do</strong>s<strong>de</strong> uma esfera maior, <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s sistemas políticos, religiosos, entre outros. A tendênciaé que a cida<strong>de</strong>, e neste caso estamos nos referin<strong>do</strong> à metrópole, viva intensamente oprocesso <strong>de</strong> globalização.A experiência da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> em sua plenitu<strong>de</strong>, ou seja, na forma como foi vivida nasgran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s no final <strong>do</strong> século XIX e início <strong>do</strong> século XX, é bem <strong>de</strong>scrita por Berman(1986) em seu livro Tu<strong>do</strong> o que é sóli<strong>do</strong> se <strong>de</strong>smancha no ar: a aventura da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,on<strong>de</strong> segun<strong>do</strong> ele:Essa atmosfera – <strong>de</strong> agitação e turbulência, aturdimento psíquico e embriaguez, expansão daspossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> experiência e <strong>de</strong>struição das barreiras morais e <strong>do</strong>s compromissos pessoais,auto‐expansão e auto<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, fantasmas na rua e na alma – é a atmosfera que dá origem asensibilida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna. (BERMAN, 1986: 18)O cenário <strong>de</strong>scrito por Berman (1986) foi uma realida<strong>de</strong> vivida na Europa a partir da“Revolução Industrial”, época em que as transformações ocorriam a uma velocida<strong>de</strong>nunca antes concebida, com gran<strong>de</strong>s avanços científicos e inovações que alteraram ocotidiano das pessoas, as quais se viram aturdidas num momento em que, segun<strong>do</strong> um<strong>do</strong>s personagens <strong>de</strong> Rousseau (1712‐1778) 1 , “<strong>de</strong> todas as coisas que me atraem nenhumatoca meu coração embora todas juntas perturbem meus sentimentos” (ROSSEAU apudBERMAN, 1986: 18). Este momento foi marca<strong>do</strong> por uma ausência <strong>de</strong> referenciais, pelome<strong>do</strong> <strong>do</strong> novo, o não conheci<strong>do</strong> que invadiu a vida das pessoas, oferecen<strong>do</strong>‐lhes novoscaminhos e abalan<strong>do</strong> certezas consolidadas pela cultura e pela tradição.Ao final <strong>do</strong> século XIX, as gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s brasileiras também vão experimentar osprocessos advin<strong>do</strong>s da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. No entanto, a “sensibilida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna” não se fazsentir no Brasil tal qual na Europa, pois, entre nós, os aspectos da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, nestemomento <strong>de</strong> disseminação pelo mun<strong>do</strong>, já não ocorrem <strong>de</strong> forma tão chocante. Contu<strong>do</strong>,é neste momento que cida<strong>de</strong>s como, São Paulo, Rio <strong>de</strong> Janeiro (Figura1), Goiânia e BeloHorizonte vão experimentar em suas configurações urbanas, bem como, em suaarquitetura, as mudanças que já vinham ocorren<strong>do</strong> na Europa, com as reformasurbanísticas inspiradas em Haussman (Paris, 1853‐70) e Cerdá (Barcelona, 1855‐64). Noentanto também entre nós, as cida<strong>de</strong>s ganham uma nova organização, e vãogradualmente se transforman<strong>do</strong> em uma teia complexa <strong>de</strong> relações e lugares. Uma vezinseridas na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, tu<strong>do</strong> lhes é pertinente, conforme argumenta Barki (2006),pois elas aceitam a inserção <strong>de</strong> inúmeras tipologias, e estas, por sua vez, se encaixamnessa gran<strong>de</strong> teia e logo fazem parte da cida<strong>de</strong>.isbn: 978-85-98261-08-9231


Figura 1 ‐ Plano Agache, Rio <strong>de</strong> Janeiroprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: http://www.vivercida<strong>de</strong>s.org.br/Ao longo <strong>do</strong> século XX, a gama <strong>de</strong> informações se esten<strong>de</strong> a ponto <strong>de</strong> tornar‐se umadisseminação <strong>de</strong> imagens, que extrapolam a condição física, são símbolos que marcam acida<strong>de</strong>, como trata Arantes (2008). Neste contexto, a arquitetura segun<strong>do</strong> ele, é reduzida a umjogo <strong>de</strong> formas, e as metrópoles assistem o <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong>sses sistemas simbólicos toman<strong>do</strong> olugar <strong>do</strong>s objetos concretos, numa “dinâmica irrefreável que se <strong>de</strong>senvolve alimentan<strong>do</strong>‐se <strong>de</strong>si mesma” (BARKI, 2006: 205).2322 ENTRE MODERNIDADE E TRADIÇÃO – ALGUNS CONCEITOSO cenário da metrópole contemporânea, po<strong>de</strong>mos dizer, já ultrapassa a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pósmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>2 , um universo turbo acelera<strong>do</strong> <strong>do</strong> ciberespaço e da economia globalizada (BARKI,2006: 205). As socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas que habitam este cenário são, segun<strong>do</strong> Hall (2005),socieda<strong>de</strong>s em mudança constante, rápida e permanente, geran<strong>do</strong> uma mutação também noque diz respeito aos conceitos e valores, refletin<strong>do</strong> assim na cultura e na tradição, moldadas aoperfil da socieda<strong>de</strong>.No entanto, os processos velozes que acometem os gran<strong>de</strong>s centros são senti<strong>do</strong>s maistardiamente e <strong>de</strong> uma forma menos intensa nas cida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> interior. Simmel (1902) jápon<strong>de</strong>rava sobre essa distinção em suas consi<strong>de</strong>rações sobre a metrópole no início <strong>do</strong>século XX. Para o autor, a metrópole apresentava tamanha multiplicida<strong>de</strong> na vidaeconômica, ocupacional e social que não se verificava nas cida<strong>de</strong>s pequenas, pois nestaso “conjunto <strong>de</strong> imagens mentais flui mais lentamente, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> habitual e maisuniforme”, favorecen<strong>do</strong> relações externas gradualmente abolidas nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s(SIMMELL, 1902: 12).Entretanto, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> grau com que as inovações inci<strong>de</strong>m sobre a cida<strong>de</strong>, elas<strong>de</strong>ixam, segun<strong>do</strong> Harvey (1996), suas marcas. O autor <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a existência <strong>de</strong> umpalimpsesto urbano – uma paisagem composta <strong>de</strong> várias formas construídas, sobrepostas


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)umas às outras ao longo <strong>do</strong> tempo – da estrada <strong>de</strong> ferro e <strong>do</strong> navio à vapor, às maisrecentes conquistas tecnológicas, cada grupo <strong>de</strong> inovação <strong>de</strong>ixou sua marca, diferentesmarcas na forma da cida<strong>de</strong>. As camadas se sobrepõem a uma velocida<strong>de</strong> crescente,reflexo <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização cada vez mais avança<strong>do</strong>s, que interferem <strong>de</strong>maneira radical na organização da cida<strong>de</strong>.Mas não se po<strong>de</strong> dizer que o palimpsesto urbano, as transformações ocorridas nascida<strong>de</strong>s, são <strong>de</strong>corrência apenas <strong>do</strong>s processos mo<strong>de</strong>rniza<strong>do</strong>res, uma vez que é possívelperceber outras fontes <strong>de</strong> influência, <strong>de</strong>ntre estas, algo que diferencia cada cida<strong>de</strong>, ouseja, a cultura, enquanto tradição assimilada pela cida<strong>de</strong> e seus habitantes. Nas gran<strong>de</strong>scida<strong>de</strong>s já se torna difícil i<strong>de</strong>ntificar esses aspectos tradicionais que condicionam ocomportamento social perante as novas situações. Temos que esta é uma realida<strong>de</strong> maispróxima das cida<strong>de</strong>s menores aon<strong>de</strong> a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> chegou tardiamente e, não exerceuseus <strong>do</strong>mínios com tanto vigor. Estas, po<strong>de</strong>mos dizer que experimentam a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,num tempo on<strong>de</strong> elas mesmas, e o mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira geral, já vivem em uma condiçãopós‐mo<strong>de</strong>rna.O <strong>do</strong>mínio da globalização se enten<strong>de</strong> e chega às pequenas cida<strong>de</strong>s, chega mesmo aocampo, como nos coloca Lefebvre (1999). As inovações tecnológicas que permitem atroca <strong>de</strong> informação rápida levam às pequenas cida<strong>de</strong>s, a realida<strong>de</strong> vivida nasmetrópoles, pelo menos em partes. A intensa metamorfose da capital é vislumbrada noimaginário das pequenas cida<strong>de</strong>s, fazen<strong>do</strong> com que as pessoas se encantem pelo seumo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida, pelo viver a metrópole, mesmo que hoje já não esperem mais, viver nametrópole, uma vez que são também conscientes <strong>de</strong> seus inúmeros problemas urbanos,problemas estes que já assolam também, salvo as <strong>de</strong>vidas proporções, as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>menor porte.Ocorre então nestas cida<strong>de</strong>s uma perda <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> local, seduzidas pela gama <strong>de</strong> inovaçõesque se colocam perante elas, as relações cultivadas pela cultura e tradição, são ameaçadas pelofulgor das tribos globais, que através <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> comunicação não apenas comercializa, mas“<strong>de</strong>stilam simbolismo, quer dizer, a impressão <strong>de</strong> pertencer a uma espécie comum”(MAFFESSOLI, 2006: 168). Po<strong>de</strong>mos nos questionar até que ponto a globalização inci<strong>de</strong> sobreas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequeno porte, e, se ela as modifica, como modifica? A mentalida<strong>de</strong> das pessoaspermeia pela gran<strong>de</strong> gama <strong>de</strong> informações comuns a este novo cenário, ou estariam elas aindaatreladas a algum tipo <strong>de</strong> tradição conserva<strong>do</strong>ra?isbn: 978-85-98261-08-92333 A DINÂMICA DAS CIDADES DE PEQUENO PORTE – O UNIVERSO TURBO ACELERADO?O espaço urbano, composto por uma simultaneida<strong>de</strong> tamanha, um amplo convívio <strong>de</strong> funções eformas, caminha para um universo <strong>de</strong> marcas e símbolos <strong>do</strong> qual trata Arantes (2008), da submissão<strong>do</strong> concreto à imagem. O centro urbano “supõe e propõe a concentração <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o que existe nomun<strong>do</strong>, na natureza, no cosmos: frutos da terra, produtos da indústria, obras humanas, objetos einstrumentos, atos e situações, signos e símbolos.” (LEFEBVRE, 1999: 46). É a multiplicida<strong>de</strong> da vidametropolitana <strong>de</strong> que Simmel fala (1902), ainda no início <strong>do</strong> século XX, que culmina no “universoturbo acelera<strong>do</strong> <strong>do</strong> ciberespaço e da economia globalizada” <strong>do</strong> fim <strong>do</strong> mesmo século. (BARKI, 2006:205)


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)“O homem urbano, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o mais inteligente <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os primatas, produziu umacida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a dimensão <strong>do</strong> humano se per<strong>de</strong> no cotidiano uniforme, massacrante eartificial” (CARLOS, 2008: 234). O homem se produz como estranho a si mesmo segun<strong>do</strong>Carlos (2008), pois sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>slocada (HALL, 2005), na busca pelas respostas na“caixa preta” que é o processo <strong>de</strong> consolidação <strong>do</strong> urbano. (LEFEBVRE, 1999).Assim temos a realida<strong>de</strong> das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s, on<strong>de</strong> o processo <strong>de</strong> globalização apesar <strong>de</strong>não ser homogêneo, como sabemos, exerce sua prepon<strong>de</strong>rância. A produção <strong>do</strong> espaço,segun<strong>do</strong> uma lógica <strong>do</strong> capital, produziu uma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> imposta pelo fenômeno daglobalização, sobre as formas, funções e agentes sociais, alteran<strong>do</strong>‐os em maior oumenor grau e, no limite, substituin<strong>do</strong>‐os totalmente. (CORRÊA, 1999: 44)Aos gran<strong>de</strong>s centros, o fenômeno atingiu alteran<strong>do</strong> seus contornos, não mais expressosfisicamente, mas dissolvi<strong>do</strong>s pela relação <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> que, <strong>do</strong>ravante se verifica nocenário mundial. A “aniquilação <strong>do</strong> espaço” (MARX apud HARVEY, 1996: 172) inseriu agran<strong>de</strong> metrópole num contexto internacional <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> sua estrutura foimodificada. As metrópoles não só viveram a ampliação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, como o surgimento<strong>de</strong> novas, fato que, nas cida<strong>de</strong>s menores, não se observa com tanta intensida<strong>de</strong>.As pequenas cida<strong>de</strong>s, verda<strong>de</strong>iras fronteiras entre processos rurais e urbanos, queabsorviam pouco os processos cumulativos próprios da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> (DAMIANI, 2006:136), característica própria <strong>do</strong>s países sub<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s, foram então, assimilan<strong>do</strong> oprocesso mais lentamente, <strong>de</strong> forma a sofrer as modificações <strong>de</strong> forma mais residualcomo <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Damiani (2006).“As numerosas pequenas cida<strong>de</strong>s brasileiras fazem parte <strong>do</strong> urbano que se produz comforças <strong>de</strong> dispersão que, conforme Santos constitui um fenômeno urbano assazexpressivo no país, paralelo aquele mais conheci<strong>do</strong> das gran<strong>de</strong>s metrópoles” (ENDLICH,2006: 84). Entretanto, é preciso investigar qual é o real perfil <strong>de</strong>ste urbano, haja vista, aincipiente produção acadêmica sobre o tema. Muitas vezes embasadas em ativida<strong>de</strong>sprimárias, funcionan<strong>do</strong> como centros para a produção agrícola, as pequenas cida<strong>de</strong>spo<strong>de</strong>m ser vistas, num primeiro instante, como uma mescla <strong>de</strong> urbano e rural. Segun<strong>do</strong>Endlich (2006), constituem‐se, assim como os con<strong>do</strong>mínios, as periferias e osloteamentos <strong>de</strong> entorno, como manifestações contraditórias <strong>do</strong> urbano, uma vez queten<strong>de</strong>m a negar as relações promovidas pela vivência <strong>do</strong> urbano, pela diversida<strong>de</strong> social,pela concentração e não pela dispersão, no entanto, po<strong>de</strong>mos buscar entendê‐las comooutra faceta <strong>do</strong> fenômeno urbano, que, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a maneira peculiar pela qual assimilam amo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, produzem um espaço diferente, com suas próprias complexida<strong>de</strong>s.As cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequeno porte ainda vivem uma estreita conexão entre urbano e rural,carregam fortes relações tradicionais, favorecem o que Maffesoli (2006) chama <strong>de</strong>localismo, práticas comuns a “um conjunto que se apoia no parentesco, mas que tambémse apoia em múltiplas relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, <strong>de</strong> clientelismo, ou <strong>de</strong> serviços recíprocos”.(MAFFESOLI, 2006: 227).Estas pequenas cida<strong>de</strong>s, segun<strong>do</strong> Santos (2006), fazem parte <strong>do</strong> urbano que se produzcom forças <strong>de</strong> dispersão que “constitui um fenômeno urbano assaz expressivo no país,paralelo aquele mais conheci<strong>do</strong> das gran<strong>de</strong>s metrópoles” (SANTOS apud ENDLICH, 2006:isbn: 978-85-98261-08-9234


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)84). Entretanto, é preciso investigar qual é o real perfil <strong>de</strong>ste urbano, haja vista, aincipiente produção acadêmica sobre o tema. Muitas vezes embasadas em ativida<strong>de</strong>sprimárias, funcionan<strong>do</strong> como centros para a produção agrícola, as pequenas cida<strong>de</strong>spo<strong>de</strong>m ser vistas, num primeiro instante, como uma mescla <strong>de</strong> urbano e rural.De acor<strong>do</strong>, com Endlich (2006), a partir <strong>do</strong>s anos 70 e 80, a disseminação maciça <strong>do</strong>sequipamentos tecnológicos, implicou em um isolamento social, a cida<strong>de</strong> começa a per<strong>de</strong>r seuspontos <strong>de</strong> encontro, a efervescência da convivência, das manifestações, começa a abrandar. Atelevisão e o telefone substituem o teatro e o cinema, os bancos da praça e a conversa nacalçada. Ocorre, e isso é comum tanto às gran<strong>de</strong>s aglomerações como às cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequenoporte, uma tendência <strong>de</strong> renúncia à vida pública, que, segun<strong>do</strong> Sennett (1998), é entendidacomo um <strong>do</strong>s males da socieda<strong>de</strong>, causada pela impessoalida<strong>de</strong>, alienação e frieza. O cenárioque se molda a partir da inserção <strong>de</strong> inovações na cida<strong>de</strong> faz com que as distâncias e o própriotempo percam a relevância, os novos meios <strong>de</strong> comunicação possibilitam conexões, outrorainimagináveis. Desta forma, rural e urbano não po<strong>de</strong>m mais serem atribuí<strong>do</strong>s a <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>sespaços, como coloca Endlich (2006), estes conceitos passam a não mais respon<strong>de</strong>r por umacondição física somente, mas à oferta da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar em contato com a globalização,<strong>de</strong> fazer parte, ainda que <strong>de</strong> forma branda, <strong>do</strong>s processos mo<strong>de</strong>rniza<strong>do</strong>res.Mas não só a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> modifica a cida<strong>de</strong>, seus contornos são traça<strong>do</strong>s, como já vimosanteriormente, por influências <strong>de</strong> aspectos mais específicos, os códigos e símbolos presentesna cida<strong>de</strong>, cultura e tradição, marcan<strong>do</strong> o palimpsesto urbano. Segun<strong>do</strong> Silva (2010), no casodas pequenas cida<strong>de</strong>s é <strong>de</strong> suma importância analisar a vida cotidiana das mesmas, uma vezque, ao serem vistas <strong>de</strong> forma superficial, ten<strong>de</strong>m a serem julgadas como simples e<strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> dinâmica, se comparadas às metrópoles. Desta forma, a autora argumenta que“a vida cotidiana nas pequenas cida<strong>de</strong>s é marcada pela regularida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos (safras, festasreligiosas, etc.), que é regida pela natureza e pelas tradições, com pouca interferência externa,dan<strong>do</strong> uma impressão <strong>de</strong> estagnação” (SILVA, 2010: 25) como coloca<strong>do</strong> anteriormente,opon<strong>do</strong>‐se a multiplicida<strong>de</strong> da vida na metrópole, já observava Simmel (1902).As dinâmicas nos pequenos centros não são inexistentes, elas ocorrem <strong>de</strong> uma forma diferentese comparadas com as gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s. Os processos mo<strong>de</strong>rniza<strong>do</strong>res encontram dificulda<strong>de</strong>em penetrar profundamente na vida social da cida<strong>de</strong> pequena, uma vez que, <strong>de</strong> fato, oshábitos <strong>de</strong>ssas cida<strong>de</strong>s são marca<strong>do</strong>s pela “pessoalida<strong>de</strong>” (SILVA, 2010), tem‐se um cenárioon<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s se conhecem, no âmbito da vizinhança se vigiam, e assim, as pessoas, sem se darconta, seguem as regras impostas por esta socieda<strong>de</strong> (SILVA, 2010), a inserção da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>po<strong>de</strong> ser renegada caso a mesma atinja tal pessoalida<strong>de</strong>, caso fira a relação <strong>de</strong> confiança entreas pessoas.Mas as modificações <strong>do</strong>s padrões sociais ocorrem sim, na medida em que os símbolos sepermitem alterar <strong>de</strong> alguma forma, e as diferenças que coexistam se re<strong>de</strong>senhem, uma vez quea socieda<strong>de</strong> que habita esta cida<strong>de</strong> não é monolítica culturalmente, ela tem suas diferenças,seja étnica, religiosa, etária, entre outras.Segun<strong>do</strong> Corrêa (CORRÊA apud MEDEIROS, CARVALHO, 2008: 5), os pequenos centros po<strong>de</strong>mexercer cinco possíveis funções: 1) prósperos lugares centrais ocorren<strong>do</strong> em áreas submetidasà industrialização <strong>do</strong> campo; 2) pequenos centros funcionalmente especializa<strong>do</strong>s; 3) pequenasisbn: 978-85-98261-08-9235


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)cida<strong>de</strong>s transformadas em subúrbios‐<strong>do</strong>rmitórios; 4) focos <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>resagrícolas; 5) núcleo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> recursos externos. (CORRÊA apud MEDEIROS, CARVALHO,2008: 5).Pesquisa realizada em trabalho monográfico permitiu observar a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Teixeiras‐MG(Figuras 2 e 3) que vive hoje uma crise <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, acompanhada pela estagnação daativida<strong>de</strong> cultural da cida<strong>de</strong>, que se reflete numa falta <strong>de</strong> dinamismo urbano. Verifica‐se umvazio, como aquele observa<strong>do</strong> por Harvey (1999) na consolidação <strong>do</strong> capitalismo, reflexo damudança <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>, que não mais permite ao habitante daquele lugar reconhecer, comoparte <strong>de</strong> si, o espaço que habita. O palimpsesto urbano, apesar <strong>de</strong> bem <strong>de</strong>linea<strong>do</strong> nas formasda cida<strong>de</strong>, que por sua dinâmica lenta, pouco se modificou em termos físicos nos últimostempos, não é reconheci<strong>do</strong> pelo cidadão teixeirense, promoven<strong>do</strong> um esquecimento dahistória local e da memória coletiva, que dá senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> ser a cida<strong>de</strong>.Observa‐se que a cida<strong>de</strong> ocupou uma posição <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> <strong>do</strong>rmitório, um gran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong>pessoas trabalha ou estuda em Viçosa, cida<strong>de</strong> vizinha, com melhor infraestrutura. Pelaeconomia mais forte e <strong>de</strong>senvolvida, é lá também que se busca por um comércio mais atraentee diversifica<strong>do</strong>. A saú<strong>de</strong> é outra área que recebe apoio nos municípios vizinhos, pelos hospitaismais bem equipa<strong>do</strong>s e profissionais especializa<strong>do</strong>s.Figura 2 – Festa religiosa na praça da matriz, Teixeiras‐MGisbn: 978-85-98261-08-9236Fonte: Arquivo pessoal Aurélio Medina.Figura 3 – Desfile <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> setembro, Teixeiras‐MGFonte: Arquivo pessoal Aurélio Medina.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)No campo cultural não seria diferente. Teixeiras sofre uma carência <strong>de</strong> lugares propícios aolazer e entretenimento, é escassa a oferta <strong>de</strong> programações culturais, como vimosanteriormente, logo, as adjacências <strong>do</strong> município entram novamente como opção a estepúblico.Como já observa<strong>do</strong>, a cida<strong>de</strong> apresenta uma dinâmica lenta. Não há um movimento que atraia apopulação para viver a cida<strong>de</strong>, o que implica no <strong>de</strong>scaso da mesma em relação ao espaço que habita.A população teixeirense não se reconhece em seu espaço e tampouco se sente no <strong>de</strong>ver e direito <strong>de</strong>intervir para uma mudança, o que também foi constata<strong>do</strong> através das entrevistas. O cenário que seconfigura é <strong>de</strong> aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> espaço <strong>de</strong> convívio e troca da população, que acaba por caracterizar acida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato como cida<strong>de</strong>‐<strong>do</strong>rmitório, uma vez que a dinâmica que as ativida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>riampromover na cida<strong>de</strong>, são transferidas à Viçosa e, em partes, a Ponte Nova.Analisan<strong>do</strong> o palimpsesto urbano, percebemos que cultura e tradição foram aos poucosper<strong>de</strong>n<strong>do</strong> espaço, ou melhor, o espaço não mais abriga a manifestações <strong>de</strong> cultura e tradição.No entanto, essa perda se <strong>de</strong>u relativamente tar<strong>de</strong>, uma vez que a inserção <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong>comunicação ocorreu <strong>de</strong> forma tardia no município, <strong>de</strong>sta forma, as gran<strong>de</strong>s mudançasaconteceram nas últimas décadas, mas já num caráter bem intenso.A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> atingiu a cida<strong>de</strong> alteran<strong>do</strong> sim sua dinâmica, mas não por uma mudançadrástica em sua configuração espacial como po<strong>de</strong> ser percebida em cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> maior porte, amo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> em Teixeiras se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> uma forma como ocorreu em muitos locais, como observaCanclini (1999), na forma <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> consumo, o espetáculo da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, rádio, TV,telefones, e hoje, a internet, suprimiram o encontro, a vivência <strong>do</strong> urbano, alteran<strong>do</strong> umadinâmica que não fora, em sua essência, acelerada, mas que experimentou épocas mais ativas.Há uma tendência a dissolução das monoi<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s em nome <strong>de</strong> uma cultural mundial, damundialização <strong>do</strong> comportamento, segun<strong>do</strong> observa Canclini (1999), realida<strong>de</strong> que seconfigura na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Teixeiras, com o esquecimento tradição local, em favor <strong>de</strong> “i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>spartilhadas” (HALL, 2005: 74). Resguardadas as <strong>de</strong>vidas proporções, observa‐se este fenômeno<strong>de</strong>fendi<strong>do</strong> por Hall (2005), produzin<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>res para os mesmos bens, públicos para asmesmas mensagens, uma população que vive <strong>de</strong> buscar referências externas, em renuncia àhistória local, ou na melhor das hipóteses, pelo simples <strong>de</strong>sconhecimento da mesma.Essa busca por referências externas faz com que os costumes e práticas não se baseiem nasexperiências <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, mas sobre as novida<strong>de</strong>s oferecidas a cada momento, contribuin<strong>do</strong>para a crise <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> município.Outro aspecto a ser nota<strong>do</strong> são as relações <strong>de</strong> pessoalida<strong>de</strong> das quais fala Silva (2010), relaçõesintensas que se configuram como resistências a inserção da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> na cida<strong>de</strong>, mas que,no entanto, não são capazes <strong>de</strong> sustentar a tradição local, resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma cultura fragilizada,marcada pela falta <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong>s habitantes para com a cida<strong>de</strong>.Observamos a partir <strong>de</strong>sses apontamentos, que a pequena cida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> agregar mais <strong>de</strong> umafunção acima citada, e po<strong>de</strong>ríamos talvez dividir essas funções em <strong>do</strong>is gran<strong>de</strong>s grupos, centrosativos e centros passivos. Aos ativos, primeira e segunda classificação, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com proposta<strong>de</strong> Corrêa (2008), cabe uma dinâmica pautada em uma função promotora <strong>de</strong> recursos, capaz<strong>de</strong> exercer influência, ainda que pequena, em seu entorno. Ao grupo passivo, referente às trêsisbn: 978-85-98261-08-9237


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)últimas classificações feitas por Corrêa (2008), nota‐se uma apatia, a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seimpor como <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> uma função significativa, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> movimentar a cida<strong>de</strong>,promoven<strong>do</strong> o progresso. Em oposição a isso, ten<strong>de</strong> a ocorrer uma estagnação, proveniente dacarência <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> que Santos (1979) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> enquanto requisito primordial para oacontecimento <strong>do</strong> fenômeno cida<strong>de</strong>.isbn: 978-85-98261-08-94 APONTAMENTOSEnten<strong>de</strong>r as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequeno porte é, sobretu<strong>do</strong>, enten<strong>de</strong>r como se dão as relações sociaisnas mesmas. Como visto ao longo da discussão, estas cida<strong>de</strong>s guardam relações estreitas <strong>de</strong>pessoalida<strong>de</strong>, o relacionar‐se com o outro e com as tradições que imperam na trajetória socialé <strong>de</strong> extrema importância, e condiciona o comportamento das pessoas. Essas característicasdificultam a discussão das dinâmicas das cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequeno como um fenômeno que permitegeneralizações.No entanto, não é menos verda<strong>de</strong> que estas localida<strong>de</strong>s têm se <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> influenciar pelosprocessos mo<strong>de</strong>rniza<strong>do</strong>res, e por mais que sua forma urbana não tenha si<strong>do</strong> alterada pelasinovações, seu palimpsesto sofre com o simples aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> espaço público, em gran<strong>de</strong> parte<strong>de</strong>las. Diferente das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s, que incorporam em seu teci<strong>do</strong>, em sua arquitetura, emsua infraestrutura e em sua própria estrutura social e morfológica, as tendências enecessida<strong>de</strong>s impostas pela situação cultural <strong>de</strong> pós‐mo<strong>de</strong>rnismo, as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequenoporte, em sua gran<strong>de</strong> maioria, não sabem como lidar, pois não estão preparadas, com astransformações culturais advindas <strong>de</strong>sse processo. A consequência mais imediata é que oespaço público vem sen<strong>do</strong> renega<strong>do</strong> <strong>de</strong> numa maneira insustentável para suas realida<strong>de</strong>slocais. Assim, as novas tecnologias que cabem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada casa são exaltadas em<strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> convívio na rua, no que Lefebvre (1999) reconhece como a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, queinforma e surpreen<strong>de</strong> a riqueza da cida<strong>de</strong>, a vida da cida<strong>de</strong>.As alternativas culturais a<strong>do</strong>tadas pelos gran<strong>de</strong>s centros, como os gran<strong>de</strong>s teatros, museus, emesmo os shopping centers, não cabem no cotidiano <strong>de</strong>ssas pequenas cida<strong>de</strong>s, que muitasvezes fracassam ao tentar reproduzi‐las no seu teci<strong>do</strong> urbano. É <strong>de</strong>ssa forma que o gran<strong>de</strong>questionamento quanto ao futuro <strong>de</strong>ssas cida<strong>de</strong>s se formula, pois a elas, muitas vezesmergulhadas sem ação nesse processo global, se imporia uma realida<strong>de</strong> incerta e distante <strong>de</strong>suas tradições. Detentoras <strong>de</strong> relações tradicionais e <strong>de</strong> uma cultura <strong>do</strong> próximo necessitariamlidar com os aspectos trazi<strong>do</strong>s, pela mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma a aliá‐los à construção ourenovação <strong>de</strong> experiências sociais que valorizem, principalmente, os seus espaços públicos.2385 REFERÊNCIASARANTES, Pedro Fiori. O grau zero da <strong>Arquitetura</strong> na Era Financeira. Novos Estu<strong>do</strong>s 80, março <strong>de</strong> 2008. Disponívelem http://www.scielo.br/pdf/nec/n80/a12n80.pdf, acessa<strong>do</strong> 16 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2011.BARKI, José. Viver a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. In: Sobre Urbanismo. Denise Barcellos Pinheiro Macha<strong>do</strong> (org.). Rio <strong>de</strong> Janeiro:Viana & Mosley,2006, p.199‐211.BERMAN, Marshall. Tu<strong>do</strong> o que é sóli<strong>do</strong> se <strong>de</strong>smancha no ar: a aventura da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. São Paulo: Companhia dasLetras, 1986.CALVINO, Ítalo. As cida<strong>de</strong>s invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (Re) Produção <strong>do</strong> Espaço Urbano. São Paulo: Editora da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo,2008.CORRÊA, Roberto Lobato. Globalização e Reestruturação da re<strong>de</strong> urbana – Uma nota sobre as pequenas cida<strong>de</strong>s.Revista Território, ano IV, nº 6, jan./jun. 1999. Disponível emhttp://www.revistaterritorio.com.br/pdf/06_5_correa.pdf, acessa<strong>do</strong> em 01 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2010, p.43‐53.ENDLICH, Ângela Maria. Pensan<strong>do</strong> os papéis e significa<strong>do</strong>s das pequenas cida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Noroeste <strong>do</strong> Paraná. Presi<strong>de</strong>ntePru<strong>de</strong>nte, 2006.HALL, Stuart. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural na pós‐mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. 10ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: DP&A, 2005.HARVEY, David. Condição pós‐mo<strong>de</strong>rna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural. São Paulo: EdiçõesLoyola, 1992._______, David. Espaços urbanos na “Al<strong>de</strong>ia Global”: Refexões sobre a condição urbana no capitalismo no final <strong>do</strong>século XX. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo, Belo Horizonte, nº 4, p. 171‐189, maio 1996.LEFEBVRE, Henri.A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Editora <strong>UFMG</strong>, 1999.__________, Henri. O direito à cida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora Moraes Ltda, 1991.MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: O <strong>de</strong>clínio <strong>do</strong> individualismo nas socieda<strong>de</strong>s pós‐mo<strong>de</strong>rnas/ MichelMaffesoli; apresentação e revisão técnica Luiz Felipe Baêta Néves; tradução Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Menezes;tradução <strong>do</strong> anexo e <strong>do</strong> prefácio Débora <strong>de</strong> Castro Barros. – 4.ed. – Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 2006.MEDEIROS, Dhiego Antonio <strong>de</strong>, CARVALHO, Antonio Alfre<strong>do</strong> Teles <strong>de</strong>. A propósito da “Revanche” das Cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Pequeno Porte na Geografia Urbana Brasileira – Notas Preliminares. In: I Simpósio sobre Pequenas Cida<strong>de</strong>s eDesenvolvimento Local / XVII Semana <strong>de</strong> Geografia. 2008. Disponível emhttp://www.dge.uem.br/semana/eixo1/trabalho_51.pdf, acessa<strong>do</strong> em 26 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2011.ROLNIK, Raquel. Oque é cida<strong>de</strong>. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1995.isbn: 978-85-98261-08-9SANTOS, Milton. O espaço dividi<strong>do</strong>: os <strong>do</strong>is circuitos da economia urbana <strong>do</strong>s países <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Francisco Alves, 1979.239SENNETT, Richard. O Declínio <strong>do</strong> Homem Publico: As tiranias da intimida<strong>de</strong>/ Richard Sennett; tradução Lygia AraujoWatanabe. – São Paulo: Companhia das Letras, 1998.SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental (1902). O fenômeno urbano. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 19676 NOTAS1 Aqui nos referimos a Saint Preux <strong>do</strong> romance A Nova Heloisa publica<strong>do</strong> em França em 1761.2 Pós‐mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> configura‐se como a mudança na sensibilida<strong>de</strong>, uma transformação cultural que rejeita a i<strong>de</strong>ia<strong>de</strong> progresso, rejeita a continuida<strong>de</strong> e a memória histórica, numa, segun<strong>do</strong> Harvey (1992), ruptura da or<strong>de</strong>mtemporal das coisas originan<strong>do</strong> um peculiar tratamento <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)NÚCLEO TEMÁTICO IV: Novo perfil <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> e novos rumos em direção a uma socieda<strong>de</strong> inclusivaO uso das tecnologias digitais no espaço: as telas urbanasThe use of digital technologies in the space: the urban screensLorena MELGAÇOMestre em Cooperação Internacional e Desenvolvimento Urbano pelo Consórcio Mundus Urbano(Université Pierre Mendès France e a Technische Universität Darmstadt); Mestre em <strong>Arquitetura</strong> eUrbanismo pelo NPGAU/ <strong>UFMG</strong>; Doutoranda em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo pelo NPGAU/ <strong>UFMG</strong>;Pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Lagear/<strong>UFMG</strong>. Email: melgaco.lorena@gmail.com.isbn: 978-85-98261-08-9RESUMOEste artigo parte <strong>de</strong> estratégias atuais <strong>de</strong> requalificação <strong>do</strong> espaço <strong>de</strong> Berlim para compreen<strong>de</strong>r a formacomo as chamadas telas urbanas vem se disseminan<strong>do</strong> na capital alemã. Para isso, discute duasabordagens diferentes: as ocupações temporárias <strong>do</strong>s espaços ainda não pressiona<strong>do</strong>s pelo merca<strong>do</strong>imobiliário — com foco no Tempelhof Freiheit — e a requalificação <strong>de</strong> extensas áreas da cida<strong>de</strong>impulsionadas pelo merca<strong>do</strong> imobiliário — com foco no Mediaspree — uma vez que ambas asabordagens exploram, a partir <strong>de</strong> estratégias diferenciadas, a vocação cultural da cida<strong>de</strong>. Da<strong>do</strong> oenfoque tecnológico <strong>de</strong> ambas as iniciativas, discute‐se a questão <strong>do</strong> uso da tecnologia digital no espaçourbano, em especial com as chamadas telas urbanas. Elaboran<strong>do</strong> a partir das discussões realizadas noFórum <strong>de</strong> Inovação <strong>de</strong> telas urbanas, realiza<strong>do</strong> em Berlim em 2011, apresenta‐se uma análise <strong>do</strong> uso<strong>de</strong>stas telas, e em especial, a Nightscreen Gasometer — a maior tela da Europa — para assim, proporuma avaliação crítica <strong>do</strong> uso das tecnologias digitais no espaço público brasileiro.PALAVRAS‐CHAVE: tecnologias digitais, Berlim, Telas Urbanas.240ABSTRACTThis paper <strong>de</strong>parts from current requalification strategies carried out by Berlin’s municipality toun<strong>de</strong>rstand how the so‐called urban screens are being displaced in its territory. In or<strong>de</strong>r to <strong>do</strong> that, itdiscusses two different approaches to urban planning: temporary uses of the spaces on process of beingpressured by real state and incorporated to the land stock — focusing on Tempelhof Freiheit Park — andthe requalification of extensive areas in the city driven by market forces — such as the Mediaspreeproject — once both of them explore, though differently, the cultural drive of the city. Given theirtechnological approach, the use of digital technology in the urban space is brought into question,specially the so‐called urban screens. Elaborating on the discussions held during the InnovationsforumUrbanscreens, which took place in Berlin in 2011, a preliminary analysis of the use of the screens ispresented through the study of the Nightscreen Gasometer — the biggest digital screen in Europe — to,thereby, propose a further critical evaluation of the use of those technologies in our city: Belo Horizonte.KEYWORDS: digital technologies, Berlin, urban screens.1 INTRODUÇÃOEm The rise of the creative class, Richard Florida (2002) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> osplaneja<strong>do</strong>res urbanos pensarem em novos processos <strong>de</strong> estruturação urbana, no que chama<strong>de</strong> ‘cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> talentos’. Esta estruturação se baseia no conceito <strong>do</strong> uso das forças criativaspara o <strong>de</strong>senvolvimento econômico: pessoas com talentos varia<strong>do</strong>s nas áreas <strong>de</strong> ciência epesquisa, engenharia e <strong>de</strong>sign, administração e organização, produção cultural e mídia,


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)responsáveis pela prosperida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma região. O autor apresenta uma gama tão variada <strong>de</strong>profissões que estas abarcam, ao fim, trinta porcento da força <strong>de</strong> trabalho norte‐americana.Em seu prefácio o autor anunciaEste livro <strong>de</strong>screve a emergência <strong>de</strong> uma nova classe social. Se você é um cientista ou engenheiro, umarquiteto ou um <strong>de</strong>signer, um escritor, artista ou músico, ou se você usa a criativida<strong>de</strong> como uma fatorchave <strong>de</strong> seu trabalho em negócios, educação, saú<strong>de</strong>, direito ou qualquer outra profissão, você é ummembro 1 (FLORIDA, 2002:XXVII).Sua teoria tem si<strong>do</strong> criticada por diversos autores (MALANGA, 2004; KRÄTKE, 2010). Um <strong>do</strong>sproblemas que apresenta é o fato <strong>de</strong> que as medidas propostas beneficiam uma elite jáestabelecida pelo mo<strong>de</strong>lo neoliberal e cujos resulta<strong>do</strong>s ten<strong>de</strong>m a produzir gentrificação daregião a partir da melhora socialmente seletiva das qualida<strong>de</strong>s urbanas (KRÄTKE, 2010). Emsegun<strong>do</strong> lugar, tais qualida<strong>de</strong>s espaciais que esta classe mundial (world class) busca não sãonecessariamente semelhantes às <strong>de</strong>mandas locais.Ainda assim, este livro se tornou um bestseller nos anos 2000 e diversos urbanistas em to<strong>do</strong> omun<strong>do</strong> vêm a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> o seu méto<strong>do</strong>, transforman<strong>do</strong> o espaço urbano e fornecen<strong>do</strong> ainfraestrutura necessária para atrair as pessoas que se encaixam neste padrão. São exemplos <strong>de</strong>staabodagem Cincinatti, o esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Iowa e Austin, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s; Winnipeg no Canadá(MALANGA, 2004) assim como Berlim, capital alemã (KRÄTKE, 2004) e objeto <strong>de</strong>ste artigo.Berlim é conhecida por práticas <strong>de</strong> resistência frente a diversas dificulda<strong>de</strong>s econômicas e políticasque a assolaram no século 20, como os movimentos <strong>de</strong> agricultura urbana no Tiergarten após aSegunda Guerra Mundial, ou <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> Polonês, estabeleci<strong>do</strong> no Potsdamerplatz com a queda <strong>do</strong>Muro <strong>de</strong> Berlim (BLUMNER, 2006). A cida<strong>de</strong> também se caracterizou por práticas cotidianas <strong>de</strong>efervescência cultural não associadas à políticas urbanas e culturais, que também datam <strong>do</strong> início<strong>do</strong> século 20. Estas se valeram <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s áreas em vacância <strong>do</strong>s antigos polos industriais em<strong>de</strong>cadência e o <strong>de</strong>sinteresse da indústria imobiliária durante o século passa<strong>do</strong>. Uma das ocupaçõesespontâneas mais significativas é a região <strong>do</strong> RAW‐Tempel (GROTH e CORIJN, 2005; OSWALT,MISSELVITZ e OVERMEYER, 2007) — entre os bairros <strong>de</strong> Friedrichshain e Kreuzberg. Esta região foi,por muito tempo, para diversos indivíduos e grupos “um porto seguro para as subculturas e para o‘temporário’” (GROTH e CORIJN, 2005: 512), caracterizada por bares alternativos e boates famosas,assim como grava<strong>do</strong>ras in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, e especialmente conheci<strong>do</strong>s no cenário <strong>de</strong> músicaeletrônica. A existência <strong>de</strong>stas referências locais foram carros‐chefe para a criação da marca global<strong>de</strong> Berlim como uma metrópole cultural inova<strong>do</strong>ra e selvagem (SCHARENBERG e BADER, 2009).Embora este caráter vibrante tenha torna<strong>do</strong> a cida<strong>de</strong> um pólo <strong>de</strong> atração <strong>de</strong> imigrantes específicos— entre eles, os artistas — Berlim não possui a mesma vocação econômica que a <strong>de</strong> Hamburgo, a<strong>de</strong> Munique ou a <strong>de</strong> Frankfurt (KRÄTKE, 2004). De fato, configura uma das cida<strong>de</strong>s mais pobres daAlemanha com polarização sócio‐econômica crescente e <strong>de</strong>clínio <strong>de</strong> população (GROTH e CORIJN,2005). Diante da reestruturação econômica necessária, o po<strong>de</strong>r público tem a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> diversasestratégias partin<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta vocação artística para criar formas <strong>de</strong> institucionalização da cultura nacida<strong>de</strong>. Estas incluem <strong>do</strong> incentivo institucional às ocupações temporárias (BBSR, 2008; BLUMNER,2006) à gran<strong>de</strong>s projetos <strong>de</strong> requalificação urbana — como o Mediaspree na última década e aatualmente, a região <strong>do</strong> Schöneberg‐Sudkreuz. Todas estas estratégias buscam a reativação <strong>de</strong>áreas aban<strong>do</strong>nadas em Berlim, em diferentes escalas urbanas, mas com o objetivo final <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento econômico 2 .isbn: 978-85-98261-08-9241


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A institucionalização das ocupações temporárias <strong>de</strong> curta ou média duração visa a revitalização<strong>de</strong> regiões da cida<strong>de</strong> não pressionadas pelo merca<strong>do</strong> imobiliário a partir da ação individual oucoletiva. Os administra<strong>do</strong>res locais vêem este tipo <strong>de</strong> ocupação como uma oportunida<strong>de</strong> paraatrair resi<strong>de</strong>ntes e negócios para a cida<strong>de</strong>, que passa a ser percebida como um centro <strong>de</strong>criativida<strong>de</strong>. Esta estratégia toma como parti<strong>do</strong> o pressuposto apresenta<strong>do</strong> por Florida darelação entre a existência <strong>de</strong> uma atmosfera tolerante, <strong>de</strong> pessoas talentosas e da tecnologiapara a produção das cida<strong>de</strong>s criativas, e conseqüentemente economicamente prósperas. Afinal,estratégias <strong>de</strong> usos temporários bem sucedidas exibem o potencial criativo <strong>de</strong> uma capitalcultural como Berlim (BLUMNER, n.d). Esta institucionalização <strong>de</strong>ve, porém, ser cautelosa. EmLiverpool, por exemplo, cida<strong>de</strong> escolhida como a capital europeia da cultura <strong>de</strong> 2008, odiscurso <strong>de</strong> inclusão e diversida<strong>de</strong> cultural — base <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o projeto — foi comprometi<strong>do</strong> peloexcesso <strong>de</strong> regulamentação <strong>de</strong> uso <strong>do</strong> espaço público imposto ao longo <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> <strong>de</strong>preparação. Este fato ressaltou a inconsistência entre o conceito <strong>de</strong> cultura como produto daparticipação popular — explora<strong>do</strong> pelo programa como a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong> — e as políticasque acabaram por regular excessivamente as ativida<strong>de</strong>s culturais no espaço público e levaram,assim, à substituição das manifestações espontâneas pela ‘cultura oficial’ (JONES e WILKS‐HEEG, 2008).Sharon Zukin (1995) também questiona a mudança <strong>de</strong> foco na análise <strong>de</strong> culturas comoaspectos <strong>do</strong> dia‐a‐dia para a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ‘Cultura’ como um coletivo <strong>de</strong> produtos fabrica<strong>do</strong>s <strong>de</strong>acor<strong>do</strong> com as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> patronos que competem para criar conjunto <strong>de</strong> símbolos e aomesmo tempo, o espaço que os exibe. Como consequência, a Cultura — refletida em museus,galerias e arquiteturas famosas — é vista como um motor <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico eurbano e não como uma construção social que influencia e é influenciada pela produção <strong>do</strong>espaço e pelas relações sociais <strong>de</strong> produção. E quan<strong>do</strong> se conforma aos padrões da cultura <strong>de</strong>massa, tais manifestações per<strong>de</strong>m qualquer reflexão estética da socieda<strong>de</strong> e da relaçãohumana com o mun<strong>do</strong>, tornan<strong>do</strong>‐se, assim, inofensivas a quaisquer questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m socialque <strong>de</strong>vam ser tratadas, como aponta Robert Kurz (1999). Assim, passam a servir comomantene<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> status quo e não como um agente <strong>de</strong> transformação social e ainda,legitiman<strong>do</strong>‐se com um discurso inclusivo.O Tempelhof Freiheit, situa<strong>do</strong> nas antigas instalações <strong>do</strong> aeroporto <strong>de</strong> mesmo nome, fecha<strong>do</strong>em 2008, é um importante exemplo da ação governamental para restruturação econômica.Des<strong>de</strong> seu fechamento, a área tem si<strong>do</strong> utilizada pela população como um parque, dada a suaextensa área livre em área central <strong>de</strong> Berlim. Como uma maneira <strong>de</strong> potencializar o uso daregião, o Departamento <strong>de</strong> Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Senatsverwaltung fürStadtentwicklung und Umwelt) criou o Pioneerprojekte, iniciativa na qual indivíduos e ONGspo<strong>de</strong>m propor ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uso temporário para o parque. Mas o plano para o Tempelhof vaialém <strong>do</strong>s usos temporários (que <strong>de</strong> fato, serão permiti<strong>do</strong>s até 2016). Em 2017 o local sediará oIGA 2017 (Internationalle Gartenausstellung, Exibição Internacional <strong>de</strong> Jardins), com o conceito<strong>de</strong> ‘a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amanhã’ e cuja expectativa <strong>de</strong> visitação alcança três milhões <strong>de</strong> visitantes 3 . Esteevento por sua vez, já anuncia o IGA 2020 (Internationalle Bauaustellung, ExibiçãoInternacional <strong>de</strong> Construção) a ser sedia<strong>do</strong> também em Berlim, em 2020. Cria‐se <strong>de</strong>sta formauma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> mega eventos que garante o fluxo <strong>de</strong> investimentos (público e priva<strong>do</strong>) e aatração <strong>de</strong> turistas no cenário internacional por quase uma década.isbn: 978-85-98261-08-9242


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Futuramente, o Tempelhof Freiheit será incorpora<strong>do</strong> novamente ao merca<strong>do</strong> imobiliário com o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> mais um novo empreendimento, que como tantos outros, explora ostemas em voga no planejamento: neste caso, a mobilida<strong>de</strong>. Para isso, prevê a construção <strong>do</strong> e‐THF – Kompetenzzentrum Elektromobilität Tempelhof ( Centro <strong>de</strong> Competência <strong>de</strong>Eletromobilida<strong>de</strong> Tempelhof). Percebe‐se assim uma trajetória <strong>de</strong> re‐inserção <strong>de</strong>sta porção <strong>de</strong>terra no merca<strong>do</strong> imobiliário a partir da lenta institucionalização <strong>do</strong> seu uso, que culminarácom a privatização <strong>de</strong> parte <strong>de</strong> seu espaço e a consequente gentrificação da região.Em outra frente <strong>de</strong> atuação, o projeto Mediaspree vem transforman<strong>do</strong> Berlim em uma cida<strong>de</strong>global <strong>de</strong> mídia (KRÄTKE, 2004). Fruto da negociação entre governo e gran<strong>de</strong>s corporações,Mediaspree vem requalifican<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> parte da região <strong>de</strong> Kreuzberg‐Friedrichshain (fig. 01)<strong>de</strong>s<strong>de</strong> mea<strong>do</strong>s da década passada à revelia da população local. A estratégia <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento urbano que privilegiou a instalação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s empresas ligadas à indústriacultural, hotéis e gran<strong>de</strong>s empreendimentos habitacionais, tem causa<strong>do</strong> gentrificação naregião, <strong>de</strong>smobilização <strong>de</strong> seus habitantes e <strong>de</strong>scaracterização das margens <strong>do</strong> rio, que cobreuma gran<strong>de</strong> área da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Berlim (GROTH e CORIJN, 2005), mesmo com a existência <strong>de</strong>uma frente <strong>de</strong> resistência organizada e mobilizada (fig. 02) — a Mediaspree Versenken (Afundaro Mediaspree) 4 .Figuras 1 e 2: Projeto Mediaspree e convite para a participação da marcha contra o projeto, coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong> pelo Mediaspreeversenken.isbn: 978-85-98261-08-9243Fonte: www.stadtentwicklung.berlin.<strong>de</strong>/planen/stadtentwicklungsplanung/en/wasserlagen/raeume/spreeufer.shtml e www.whoowns‐the‐world.org/wp/wp‐content/uploads/2008/04/plakat_ksg_2008.jpgA imagem criativa e alternativa da região foi explorada pelo po<strong>de</strong>r público como lema <strong>do</strong>Mediaspree, anuncia<strong>do</strong> como um projeto que valoriza as características locais <strong>de</strong>terminadaspelas sub‐culturas e o uso já instituí<strong>do</strong> <strong>do</strong> espaço público. Scharenberg e Ba<strong>de</strong>r (2009)apontam, porém, a prevalência <strong>do</strong> caráter econômico da iniciativa dada a escala daintervenção, público‐alvo <strong>do</strong> projeto — gigantes da indústria cultural — e a manutenção <strong>do</strong>interesse da indústria imobiliária. Esta abordagem privilegia o que Jessup e Sum (apudSCHARENBERG e BADER, 2009) <strong>de</strong>nominam ‘cida<strong>de</strong> empresarial’ (entrepreneurial city), na quala atração das indústrias criativas é vista como a solução para os problemas urbanoscontemporâneos.A ‘cida<strong>de</strong> empresarial’ é o foco <strong>de</strong> ambas as abordagens aqui apresentadas, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> assim,em segun<strong>do</strong> plano, o <strong>de</strong>senvolvimento social e cultural. O conceito <strong>de</strong> cultura que parece ter


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)permea<strong>do</strong> a própria formação <strong>de</strong> Berlim é transforma<strong>do</strong>, e acaba por se aproximar e transitarentre os conceitos <strong>de</strong> cultura <strong>de</strong> elite e cultura <strong>de</strong> massa, obliteran<strong>do</strong> elementos cotidianosque compõem a cultura local. O cenário <strong>de</strong> ocupação temporária e <strong>de</strong>senvolvimentoespontâneo <strong>de</strong> diversas sub‐culturas é enfraqueci<strong>do</strong> ora ce<strong>de</strong>n<strong>do</strong> lugar a projetos que passampelo crivo <strong>de</strong> cura<strong>do</strong>res e processos <strong>de</strong> seleção; ora se enquadran<strong>do</strong> em políticas urbanasassociadas a gran<strong>de</strong>s corporações. O uso temporário <strong>do</strong> Tempelhof atualmente promove umaintegração social e acesso irrestrito ao espaço, ainda público. Mas seu caráter temporário éprecursor da revalorização fundiária e da sua consequente privatização. Já com o Mediaspree,a política <strong>de</strong> clusters criativos acaba por aumentar a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social, ao proporcionampoucas (se não nenhuma) oportunida<strong>de</strong>s e mudanças para resi<strong>de</strong>ntes menos favoreci<strong>do</strong>s, da<strong>do</strong>o aumento <strong>do</strong> custo <strong>de</strong> vida das pessoas (PANOS apud van HEUR, 2009).Por causa <strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong> investimento na indústria da mídia, Berlim é atualmente um <strong>do</strong>s<strong>de</strong>stinos mais procura<strong>do</strong>s pela ‘classe criativa’ (KRÄTKE, 2004). Acompanhan<strong>do</strong> esta tendência,o setor priva<strong>do</strong> vem também exploran<strong>do</strong> as tecnologias digitais a partir <strong>do</strong> uso <strong>de</strong> DOOH(tecnologias digitais em ambientes <strong>de</strong> uso público, no original Digital out‐of‐home media), emespecial nas chamadas telas urbanas (Urban Screens) — displays dispostos no espaço urbano ecujo uso prevê a exibição <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s culturais. A proliferação <strong>de</strong>stas telas está intimamenterelacionada com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Berlim ser uma das cida<strong>de</strong> mundiais da mídia. Se por um la<strong>do</strong>, osdisplays digitais estão cada vez mais presentes no espaço público, e vem, pouco a poucosubstituin<strong>do</strong> a mídia antiga <strong>de</strong> propaganda, por outro, pouco se vê <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s culturaissen<strong>do</strong> difundi<strong>do</strong>s por estes meios.isbn: 978-85-98261-08-92442 O ESPAÇO URBANO E O DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICOA relação entre o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico e a sua influência na produção e na fruição <strong>do</strong>espaço urbano é tema <strong>de</strong> diversos trabalhos (GRAHAM, 2004 e MUMFORD, 1934). Ao longo <strong>do</strong>século 20, alguns acadêmicos assumiram que o <strong>de</strong>senvolvimento das TICs (tecnologias <strong>de</strong>informação e comunicação), das tecnologias <strong>de</strong> transporte e da cultura digital po<strong>de</strong>ria significarum colapso catastrófico para as cida<strong>de</strong>s, isto é, a in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong> homem <strong>do</strong> espaço público,das infraestruturas urbanas, <strong>do</strong>s fluxos <strong>de</strong> transporte e, em última análise, inclusive <strong>do</strong> própriocorpo (GRAHAM, 2004). Outros vislumbraram um planeta sem barreiras, como MarshallMcluhan (1962), que previu que o mun<strong>do</strong> se tornaria uma ‘vila global’ ou, mais recentemente,Thomas Friedman (2005), que argumenta que o mun<strong>do</strong> tenha se torna<strong>do</strong> plano <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao<strong>de</strong>senvolvimento das tecnologias <strong>de</strong> comunicação e transportes.Ambas as colocações se mostram extremas, pois somos ainda mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes dainfraestrutura urbana (SASSEN, 2004) e não vivemos em um mun<strong>do</strong> sem barreiras. De fato,Doreen Massey (2006) argumenta que o <strong>de</strong>senvolvimento das tecnologias não afeta as pessoas<strong>de</strong> maneira uniforme e a diminuição das distâncias <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem a pessoa é e <strong>de</strong> on<strong>de</strong> elaestá. O acesso às tecnologias digitais também obe<strong>de</strong>cem esta mesma lógica.Contu<strong>do</strong>, existe uma mudança clara <strong>de</strong> abordagem quanto ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológiconos últimos séculos, como aponta Andrew Feenberg (2010) e essa mudança é essencial paraenten<strong>de</strong>rmos o <strong>de</strong>senvolvimento das próprias TICs e sua relação com a produção <strong>do</strong> espaço.Socieda<strong>de</strong>s pré‐mo<strong>de</strong>rnas se <strong>de</strong>senvolviam (e se reproduziam) <strong>de</strong> forma mais ou menos estável


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9e apresentavam uma ativida<strong>de</strong> técnica compatível com tal <strong>de</strong>senvolvimento. O<strong>de</strong>senvolvimento técnico era influencia<strong>do</strong> tanto pela experiência e quanto por outrosfenômenos como religião, gênero, gosto e outros. A socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, por outro la<strong>do</strong>,“<strong>de</strong>senvolve uma tecnologia cada vez mais alienada da experiência cotidiana. Este é um efeito<strong>do</strong> capitalismo que restringe o controle <strong>do</strong> <strong>de</strong>sign a uma classe <strong>do</strong>minante pequena e seusservos técnicos. [...] Os novos mestres da tecnologia não estão conti<strong>do</strong>s pelas lições <strong>de</strong>experiência e mudança acelerada até o ponto on<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> está em um constantere<strong>de</strong>moinho” (FEENBERG, 2010: XIX) 5 .Um <strong>do</strong>s exemplos mais contun<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>senvolvimento acelera<strong>do</strong> e uso das tecnologias<strong>de</strong> informação e comunicação no espaço é a Times Square, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s. A praça setornou um cenário‐ve<strong>de</strong>te que exalta o êxito <strong>do</strong> capitalismo contemporâneo ao explorar astecnologias digitais para criar um ambiente que estimula o consumismo e dita o estilo <strong>de</strong> vidada classe internacional, proven<strong>do</strong> um “espaço público para a classe internacional” (public spacefor the world class, NEVARÉZ, 2009:164). Este espaço é privatiza<strong>do</strong> pelas gran<strong>de</strong>s corporaçõesali representadas e <strong>de</strong> fato não contempla espaços para a população local. Diversos níveis <strong>de</strong>controle são estabeleci<strong>do</strong>s para a manutenção <strong>do</strong> status da praça, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong>controle direto, como sistemas complexos <strong>de</strong> vigilância privada a manutenção <strong>de</strong> estratégiassubjetivas <strong>de</strong> códigos sociais <strong>de</strong> pertencimento. Desta forma, a experiência cotidiana <strong>de</strong> quefala Feenberg ce<strong>de</strong> lugar para a prescrição <strong>do</strong> espaço. Além da interdição <strong>de</strong> diversas interaçõesnão previstas, e por isso, não <strong>de</strong>sejadas, tal estratégia po<strong>de</strong> violar direitos e a liberda<strong>de</strong> políticae social <strong>do</strong>s indivíduos — agin<strong>do</strong> como um organismo artificial que interfere com a natureza davida urbana e transforman<strong>do</strong> os espaços em ‘máquinas gigantes <strong>de</strong> venda’ (vending machines,ZUSTIEGE apud STALDER, 2011).A abordagem presente na Times Square e o sucesso mais recente <strong>de</strong> estratégias como aFe<strong>de</strong>ration Square, na Austrália, suscitam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma reflexão crítica — estética,social, política, econômica e social — acerca das condições atuais <strong>de</strong> emprego das TICs noespaço <strong>de</strong> uso público. Da maneira como acontece atualmente, tal emprego ten<strong>de</strong> a reforçar asrelações <strong>de</strong> produção e a perpetuação irrefletida das contradições sociais. A discussão emrelação às telas urbanas — principal estratégia usada em ambas as praças — começa a ganharforça na Europa nos últimos cinco anos, mas pouca discussão se vê em torno das questõessociais a ela pertencentes.O termo urban screens foi cunha<strong>do</strong> durante a primeira conferência sobre o assunto —chamada “Discovering the Potential of urban Screens for Urban Society” — cujo objetivo eraexplorar as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uso cultural da infraestrutura crescente <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s displaysdigitais no espaço público. Buscava‐se afastar da i<strong>de</strong>ia <strong>do</strong> uso das telas para influenciar ocomportamento <strong>de</strong> consumi<strong>do</strong>res rumo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revitalização <strong>do</strong> espaço público egeração <strong>de</strong> engajamento e interação das pessoas (BOUNEGRU, 2009). Em termos técnicos, adiscussão vem avançan<strong>do</strong> muito nos últimos anos. Para Gernot Tscherteu e Martin Tomitch(2011) as telas urbanas são gran<strong>de</strong>s telas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong> espaço construí<strong>do</strong>, mesmo quan<strong>do</strong>acopladas às fachadas <strong>de</strong> edifícios, e por isso se comportam como uma camadacompletamente diferente. Assim, diferenciam‐se das fachadas e das arquiteturas midiáticasque são produzidas <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a intenção <strong>do</strong> arquiteto durante o projeto.245


O Fórum <strong>de</strong> Inovação Urbanscreensprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Em 2011, o Fórum <strong>de</strong> inovação Urbanscreens, que aconteceu em Berlim, focou na inserção enas potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uso <strong>de</strong>stas telas nos espaços <strong>de</strong> uso público <strong>de</strong> Berlim e Bran<strong>de</strong>nburgoem cinco workshops e uma conferência final. Cada workshop teve um tema específico e reuniugrupos diretamente envolvi<strong>do</strong>s em questões relacionadas à infraestrutura, conteú<strong>do</strong>,tecnologia, <strong>de</strong>senvolvimento urbano e Cross‐media marketing 6 . Uma conferência final reuniuos diferentes grupos para que compartilhassem as conclusões <strong>de</strong> cada workshop e criassemconjuntamente uma estratégia para que as telas sejam <strong>de</strong> fato catalisa<strong>do</strong>ras sociais. Estaexperiência <strong>de</strong>spertou diversas potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uso das DOOH propiciadas pelo avanço dastecnologias digitais. Estas vem <strong>de</strong>spertan<strong>do</strong> o interesse <strong>de</strong> diversos atores sociais, <strong>de</strong>ntre elesórgãos <strong>de</strong> governo, acadêmicos, artistas, produtores <strong>de</strong> hardware e software, empresas <strong>de</strong>publicida<strong>de</strong> e seus potenciais clientes e a população. Revelou, porém, diversas contradiçõessociais inerentes à inserção <strong>de</strong>stas telas urbanas no espaço urbano, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> a existência<strong>de</strong> pelo menos <strong>do</strong>is grupos, aparentemente antagônicos, mas que ao fim servem ao mesmopropósito, isto é, alimentam e fortalecem a Indústria Cultural: aqueles que romantizam opotencial da tecnologia <strong>de</strong> produzir bens culturais e/ou <strong>de</strong> veiculá‐los — neste caso, conteú<strong>do</strong>srelaciona<strong>do</strong>s principalmente às artes visuais, interativas ou não — e aqueles que exploram oseu potencial econômico — seja na produção e manutenção da infra‐estrutura ou no seu usocomo veículo <strong>de</strong> marketing. Isto porque ambos contribuem para a proliferação da cultura <strong>de</strong>massa que reforça o consumismo <strong>de</strong> objetos e padrões <strong>de</strong> comportamento sem uma reflexãosocial mais profunda.O primeiro grupo: em prol <strong>do</strong> potencial cultural das DOOHO primeiro grupo é composto <strong>de</strong> artistas, arquitetos e produtores <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>s culturais queacreditam na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> explorar o caráter cultural da tecnologia para fomentar o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>mocrático <strong>do</strong> setor da indústria da mídia, atualmente concentra<strong>do</strong> nasmãos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s corporações. Acredita‐se que o conteú<strong>do</strong> cultural transmiti<strong>do</strong> é muito maisbenéfico para a socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> que as mensagens tradicionalmente veiculadas nestes meios —basicamente propaganda privada — porque, <strong>de</strong> certa forma, ela possibilita um acessocotidiano à cultura. Um olhar mais atento para o tema, porém, aponta o equívoco <strong>de</strong>staperspectiva, sobretu<strong>do</strong> por duas razões: primeiro, gran<strong>de</strong> parte das estratégias exploradasatualmente propõe experiências contemplativas, reforçan<strong>do</strong> o que Henri Lefebvre (1991)<strong>de</strong>nomina lógica <strong>do</strong> visual; e segun<strong>do</strong>, porque nestes casos o conceito <strong>de</strong> cultura se reduzsistematicamente à manifestações artísticas, ignoran<strong>do</strong> outras igualmente importantes noconjunto da produção cultural <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>.Para Vilém Flusser (1989), tal situação reflete o terceiro momento <strong>de</strong> relação <strong>do</strong> homem com asocieda<strong>de</strong>: o funcionário pós‐industrial e seus filhos se tornam programáveis pelas imagens aque são expostos e tem seu criticismo reduzi<strong>do</strong> ao mínimo para operarem (function) <strong>de</strong>maneira pré‐<strong>de</strong>terminada e se tornarem produtores e consumi<strong>do</strong>res <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> vistaestabeleci<strong>do</strong>s por outrem. Desta maneira, acredita‐se que tecnologias digitais predispõem <strong>de</strong>ferramentas que por si só po<strong>de</strong>m solucionar diferentes problemas sociais, porque não se tem aconsciência <strong>do</strong>s processos sociais que <strong>de</strong>finem a produção <strong>do</strong> espaço e <strong>de</strong> que a inserção <strong>de</strong>tecnologia se encaixa neste mesmo cenário.isbn: 978-85-98261-08-9246


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A separação entre produção <strong>do</strong> espaço e o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico é fortalecidapela difusão <strong>do</strong> chama<strong>do</strong> <strong>de</strong>terminismo tecnológico que, segun<strong>do</strong> Feenberg (2010: 08),“se apóia na suposição <strong>de</strong> que as tecnologias tem uma lógica funcional autônoma quepo<strong>de</strong> ser explicada sem referência à socieda<strong>de</strong>” e por isso ignora o po<strong>de</strong>roso impactosocial imediato. “Uma visão <strong>de</strong>terminista da tecnologia é senso comum em negócios egoverno, on<strong>de</strong> se assume com frequência que o progresso técnico é uma força exógenainfluencian<strong>do</strong> a socieda<strong>de</strong> ao invés <strong>de</strong> uma expressão das mudanças na cultura e nosvalores”.Alguns autores tentam escapar <strong>de</strong>sta abordagem <strong>de</strong>terminista, mas ainda ignoram que osconteú<strong>do</strong>s são cria<strong>do</strong>s ainda segun<strong>do</strong> a lógica das relações sociais <strong>de</strong> produção. MirjamStruppek (2006), figura proeminente no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> telas urbanas, reconhece anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se tirar o foco na tecnologia em si e propõe uma produção <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>sorienta<strong>do</strong>s socialmente, mas não questiona os possíveis problemas oriun<strong>do</strong>s dapre<strong>de</strong>terminação que sugere. Embora não seja dita<strong>do</strong> pela tecnologia em si e sim poruma orientação social, acaba por estabelecer o conteú<strong>do</strong> a priori, trabalhan<strong>do</strong> no mesmoregistro heterônomo <strong>de</strong> produção <strong>do</strong> espaço já estabeleci<strong>do</strong> pelo capitalismo 7 .isbn: 978-85-98261-08-9O segun<strong>do</strong> grupo: produtores <strong>de</strong> hardware e software e agentes publicitáriosO segun<strong>do</strong> grupo, composto daqueles que obtêm ganho econômico direto, seja com aprodução <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> ou com a instalação da infraestrutura — em resumo, a indústriada mídia — legitima sua ação com o discurso <strong>de</strong> prover conteú<strong>do</strong> informativo e cultural,mas as telas vem sen<strong>do</strong> usadas em larga escala para estimular o consumo. Tenha comoexemplo a BusTV, recentemente instalada em ônibus <strong>de</strong> oito capitais brasileiras, entreelas, Belo Horizonte. O conteú<strong>do</strong> exibi<strong>do</strong> inclui notícias, temas varia<strong>do</strong>s e tambémpropaganda, como se a última fosse somente mais uma atração, e não o foco principal dainstalação <strong>de</strong>stes equipamentos. Ainda que Jessé Souza (2009: 50) aponte que osindivíduos <strong>de</strong>ssa indústria não representam uma elite propositadamente má, mobilizadapara manter as pessoas em um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida superficial, eles ainda representam osinteresses <strong>de</strong> um grupo, e para isso, recorrem à fabricação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> benssimbólicos que satisfazem às <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> seus clientes em um processo heterônomo(MARCUSE, 1964 e SOUZA, 2009). Neste caso, os próprios canais <strong>de</strong> mídia setransformam em bem simbólico quevaloriza[m] o espaço físico e o social ao adicionar singularida<strong>de</strong>, significa<strong>do</strong> e autenticida<strong>de</strong>, e<strong>de</strong>sta forma, intensifica[m] o status das pessoas que o experimentam. Em estratégias <strong>de</strong>marketing, arquiteturas altamente midiatizadas promovem a construção <strong>de</strong> reputação <strong>de</strong> ambaslocalida<strong>de</strong>s (cida<strong>de</strong>s e bairros) e marcas (STALDER, 2011: 05).Além da arquitetura midiatizada, diversos dispositivos digitais são utiliza<strong>do</strong>s no espaço, eincluem sistemas visuais para postar informações em telas (notícias e informação <strong>de</strong>transporte), troca <strong>de</strong> informação (sistemas <strong>de</strong> quiosque), propagandas (out<strong>do</strong>ors) ou paraincrementar o <strong>de</strong>sign arquitetônico (fachadas midiáticas) assim como servir <strong>de</strong> meio paraarte pública (usualmente <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>de</strong> telas urbanas) em diversas formas (informaçãotextual, imagens estáticas ou dinâmicas, luz) e <strong>de</strong> escala variável” (STALDER, 2011: 04).247


3 O USO DAS TELAS URBANAS NO ESPAÇO DE USO PÚBLICOprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Como conseqüência da ação <strong>de</strong>stes <strong>do</strong>is grupos, tem‐se uma naturalização da presença dasDOOH que acaba por reforçar as relações <strong>de</strong> consumo já instituídas em mídias analógicas eestimulá‐las <strong>de</strong> forma que o valor <strong>de</strong> troca prevaleça sobre o valor <strong>de</strong> uso, no que JohnThackara (2001) chama <strong>de</strong> o dilema da inovação: equipamentos e seus aplicativos sãoproduzi<strong>do</strong>s pelo impulso <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico e não das <strong>de</strong>mandas sociais, e <strong>de</strong>staforma, sua produção é ditada por aqueles que a disponibilizam 8 . Nesse aspecto, existe poucareflexão — uma escassa produção acadêmica que analise criticamente o emprego dastecnologias digitais no espaço — e pouca mobilização pública para que a discussão seja feitapor to<strong>do</strong>s os atores sociais envolvi<strong>do</strong>s.Figura 3: Estratégia <strong>de</strong> Marketing da Coca‐Cola durante o Campeonato Europeu <strong>de</strong> Futebolisbn: 978-85-98261-08-9248Fonte: autora, 2012Diversos usos po<strong>de</strong>m ser atribuí<strong>do</strong>s às gran<strong>de</strong>s telas digitais dispostas no espaço público, comopor exemplo, transmitir informações em relação ao trânsito ou notícias, porém Ursula Stal<strong>de</strong>r(2011: 03) aponta a hegemonia da transmissão <strong>de</strong> propaganda na infraestrutura <strong>de</strong> mídiadigital já instalada no espaço urbano: “Na percepção da indústria <strong>de</strong> marketing, o principalbusiness case para a infraestrutura <strong>de</strong> mídia digital no espaço público se restringe àpropaganda, ou mais precisamente, em como novos canais <strong>de</strong> distribuição usam a propaganda(conteú<strong>do</strong>, mensagens)”. Em Berlim, por exemplo, na ocasião <strong>do</strong> Campeonato europeu <strong>de</strong>Futebol, juntamente com um imenso out<strong>do</strong>or da Coca‐Cola foi instala<strong>do</strong> um gran<strong>de</strong> displaydigital (Fig. 03). Nele po<strong>de</strong>‐se ver fotos enviadas por pessoas pela Internet torcen<strong>do</strong>,hipoteticamente, para a Alemanha. Em meio às fotos <strong>de</strong> pessoas comuns, diversos símbolos daCoca Cola po<strong>de</strong>m ser vistos. Efetivamente, as pessoas param na rua para observar a tela econsciente ou inconscientemente absorvem a mensagem da gigante <strong>do</strong>s refrigerantes.Curiosamente, é difícil manter “atenção seletiva <strong>de</strong> displays” 9 nessa situação. Em menor escala,porém, telas urbanas vem sen<strong>do</strong> utilizadas para <strong>de</strong> fato transmitir conteú<strong>do</strong>s não comerciais.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Para estes usos, pelo menos três tipos <strong>de</strong> relação entre pessoas e displays po<strong>de</strong>m serevi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s: visualização, participação indireta e participação direta 10 . A maior parcela <strong>de</strong>usos não‐comerciais se encaixa na primeira categoria, porque a visualização não requer gastosextra com outros sensores, como o <strong>de</strong> presença, câmeras, entre outros. A Big Screen (fig. 4)por exemplo, localizada em uma praça <strong>de</strong> Nova Iorque, possui uma gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> exibição sempublicida<strong>de</strong>. Um <strong>do</strong>s objetivos da Big Screen é veicular material também produzi<strong>do</strong> pelapopulação, sen<strong>do</strong> a primeira <strong>de</strong>ste tipo nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s.Além disso, algumas telas apresentam conteú<strong>do</strong> com o qual as pessoas presentes contribuemindiretamente em alguma ação pré‐<strong>de</strong>terminada. Como exemplo, tem‐se o projeto Hand fromabove <strong>do</strong> artista Chris O’shea, veicula<strong>do</strong> na BBC Bigscreen <strong>de</strong> Liverpool, Reino Uni<strong>do</strong> (fig. 5).Embora usualmente estas telas se encaixem na primeira categoria, pois transmitem jogos <strong>de</strong>futebol, notícias entre outros, Hand from above possibilitou uma nova camada <strong>de</strong> interação. Aimagem das pessoas presentes na praça era manipulada por uma mão gigante, que vinha ‘<strong>de</strong>cima’. Embora as pessoas tenham se engaja<strong>do</strong> nesta experiência, e ela tenha provoca<strong>do</strong> novasinterações no espaço, Hand from above evi<strong>de</strong>nciou a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação das pessoas coma BBC Bigscreen, uma vez que ela é uma imensa televisão disposta a metros <strong>de</strong> altura <strong>do</strong>observa<strong>do</strong>r.Figura 4, 5 e 6: Estratégias <strong>de</strong> visualização, participação indireta e participação diretaisbn: 978-85-98261-08-9249Fonte: Urban Screens Association, 2010; Wooster Collective, 2010 e Culturebase.org, n.d.A terceira forma <strong>de</strong> interação, aqui chamada <strong>de</strong> participação direta, é a mais rica <strong>de</strong>possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação, pois implica na troca <strong>de</strong> informações em uma forma <strong>de</strong> interaçãoentre pessoas e tecnologia. É importante ressaltar que hardware, software e composiçãourbana <strong>de</strong>vem permitir tal relação. Um exemplo não realiza<strong>do</strong> potencialmente promoveria essarelação. Ru<strong>de</strong> architecture network propôs o Chat stops (Fig. 6), um projeto para evitar o me<strong>do</strong>nos espaço público e promover a comunicação durante o perío<strong>do</strong> tedioso <strong>de</strong> espera <strong>de</strong> umônibus. Questionan<strong>do</strong> a disseminação crescente das câmeras <strong>de</strong> vigilância, o grupo sugere oseu uso para a comunicação entre pessoas em diferentes pontos <strong>de</strong> ônibus.Pressupõe‐se, porém, que esta relação <strong>de</strong> participação direta é pouco possível nas telas urbanas <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>s dimensões, porque neste caso, a escala humana, a relação entre os diferentes senti<strong>do</strong>s, assimcomo escalas <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> não são favorece<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> uma interação mais dura<strong>do</strong>ura. Assim, a euforiaobservada quanto ao uso das telas no espaço urbano como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma comunicaçãoampliada <strong>de</strong>vem ser analisadas com cautela. Por não contemplarem estes pontos levanta<strong>do</strong>s acima,as telas urbanas ainda ten<strong>de</strong>m a promover interações simples que enfraquecem o potencial dialógicodas tecnologias digitais e reforçam o <strong>de</strong>senvolvimento da tecnologia por si. Claus Pias (2005) alertaque “interativida<strong>de</strong> se transforma em uma promessa que, ao brincar com o computa<strong>do</strong>r, qualquerum po<strong>de</strong> produzir algo e então revelar sua criativida<strong>de</strong> difusa” e que, <strong>de</strong> fato, não acontece.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Diversos outros problemas são associa<strong>do</strong>s à disposição <strong>de</strong> telas urbanas nos espaços públicos 11 ,como integração com o espaço, complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong>, interações sociais <strong>de</strong>sejadas,valores da comunida<strong>de</strong> local, usos especifica<strong>do</strong>s e potencialida<strong>de</strong>s, atores envolvi<strong>do</strong>s noprocesso, altos custos <strong>de</strong> manutenção entre outros (HALSKOV, 2009). Desta maneira, diversossão os exemplos <strong>de</strong> infraestruturas instaladas que apresentaram rejeição da população ouimpossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> continuação <strong>de</strong> transmissão. A fachada midiática <strong>do</strong> prédio da Bayern emLeverkusen por exemplo, com mais <strong>de</strong> cem metros quadra<strong>do</strong>s <strong>de</strong> LED instala<strong>do</strong>s, teve que ser<strong>de</strong>molida após a finalização <strong>de</strong> instalação. O prejuízo da empresa não foi revela<strong>do</strong>. O uso dafachada <strong>do</strong> edifício KPN em Rotterdam é hoje regula<strong>do</strong> por reclamações <strong>do</strong>s vizinhos (SCHIECK,2009).Além disso, gran<strong>de</strong> parte da programação apresentada nas DOOH ainda conserva o caráter <strong>de</strong>transmissão <strong>de</strong> informação herda<strong>do</strong> da televisão, <strong>de</strong> natureza analógica. O processo não érepensa<strong>do</strong> para explorar as novas possibilida<strong>de</strong>s trazidas pelo <strong>de</strong>senvolvimento constante datecnologia digital — entre elas a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar canais diversos <strong>de</strong> comunicação em tempopresente, que variam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> linguagem oral à atuação remota. Além disso, a extensão <strong>de</strong>stalógica unidirecional <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> informação no espaço <strong>de</strong> uso público é usa<strong>do</strong> comoestratégia para reforçar o papel simbólico da arquitetura. Este papel, por sua vez contribui coma perpetuação das relações sociais vigentes — exclusivas e exclu<strong>de</strong>ntes.isbn: 978-85-98261-08-9O Nightscreen Gasometer: A maior tela urbana da EuropaInstala<strong>do</strong> na região <strong>do</strong> Schöneberg‐Sudkreuz, o Nightscreen Gasometer ilustra a associação daspolíticas <strong>de</strong> requalificação urbana a<strong>do</strong>tadas pela administração local e a exploração dastecnologias digitais no espaço urbano. O projeto prevê um complexo <strong>de</strong> escritórios eestacionamentos, hotéis, universida<strong>de</strong> privada e, assim como o Mediaspree está sen<strong>do</strong><strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> a revelia da população local. Como contrapartida à restauração <strong>do</strong> gasômetro —patrimônio alemão — a empresa Megaposter a.G. instalou a maior tela urbana da Europa emum contrato temporário <strong>de</strong> uso <strong>do</strong> gasômetro, que já <strong>de</strong>veria ter si<strong>do</strong> encerra<strong>do</strong>. Embora tenhasi<strong>do</strong> anuncia<strong>do</strong> pela Magaposter a.G. como um projeto excitante <strong>de</strong> mídia digital, oNightscreen tem si<strong>do</strong> fortemente critica<strong>do</strong> pelos Berlinenses.Durante o Innovationsforum Urbanscreens, Gerd Henrich, diretor da empresa, afirmou quetelas urbanas são parte da experiência urbana exemplifican<strong>do</strong> com a Times Square e o Picadillycircus, em Londres como ‘imãs <strong>de</strong> turismo’, e assim, reafirman<strong>do</strong> a importância <strong>de</strong>sta investidatambém em Berlim. Gerrit Reitmeyer, da secretaria da região <strong>do</strong> Tempelhof‐Schöneberg,apontou, por sua vez, a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> estratégias como estas serem aceitas pela população, econsequentemente, a permissão <strong>de</strong> instalação das telas está cada vez mais difícil.Contu<strong>do</strong>, Nightscreen foi instalada e ainda opera com algumas restrições, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> fortementerejeitada não só pela população que vive nas re<strong>do</strong>n<strong>de</strong>zas. O maior incômo<strong>do</strong> gera<strong>do</strong> é a poluiçãoluminosa, que para os que moram na região, implica na oscilação luminosa <strong>de</strong>ntro das residências.Para os outros habitantes, a tela causa gran<strong>de</strong> impacto sobre os motoristas, por po<strong>de</strong>r ser vista auma distância muito gran<strong>de</strong>. Alexan<strong>de</strong>r Ziemann, coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r da iniciativa civil bi‐gasometer 12 ,afirma que gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> é composto <strong>de</strong> propagandas e auto‐promoção da própriaempresa. Segun<strong>do</strong> ele “toda a área parece mais clara, mais barata, e mais como um parque <strong>de</strong>diversões, e isso é sempre negativo” (Fig. 07).250


Figura 7: Paródia da Nightscreen, na qual está escrito que ‘publicida<strong>de</strong> torna burro’programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: Glockner’s Manifest, 2009Mesmo que tenha si<strong>do</strong> ocasionalmente usada para transmitir conteú<strong>do</strong>s culturais, comodurante os eventos Media Faca<strong>de</strong> Festival em 2008 e 2010, Nightscreen Gasometer reforça oalto custo das estratégias que usam DOOH no espaço público. Em primeiro lugar, existe ocusto financeiro <strong>de</strong> instalação e manutenção. Mas sobretu<strong>do</strong>, existe um <strong>de</strong>sgaste social coma instalação das telas urbanas, seja pela poluição luminosa, seja pelo conteú<strong>do</strong> exposto, sejapela valorização artificial da região. Estes custos combina<strong>do</strong>s são muito altos para aqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação que estas tecnologias geralmente promovem: efêmeras e com pouca(ou nenhuma) reflexão social. Desta maneira, assim como gran<strong>de</strong> parte das telas urbanasinstaladas nas cida<strong>de</strong>s, o Nightscreen não promove o ambiente propício para o exercício dacidadania no ambiente urbano. Ele po<strong>de</strong> ser visto à distância, permitin<strong>do</strong> que a região sejareconhecida <strong>de</strong> longe, mas não promove uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> local. Do ponto <strong>de</strong> vista urbano, oNightscreen não contribui com a melhora das qualida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> espaço, evi<strong>de</strong>ncian<strong>do</strong> o objetivoprincipal <strong>de</strong>sta iniciativa: o lucro. Desta forma, a Berlim – cida<strong>de</strong> mundial da mídia — pouco apouco se afasta daquela outra Berlim que inspirou a sua mudança.2514 O USO DAS TELAS URBANAS NO CONTEXTO BELO‐HORIZONTINOA avaliação da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Berlim não po<strong>de</strong> ser simplesmente transposta ao cenáriobrasileiro. Ela aponta, porém, para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma análise crítica no Brasil, on<strong>de</strong> aaplicação <strong>de</strong> DOOH vêm crescen<strong>do</strong> rapidamente nos espaços <strong>de</strong> uso público e poucosestu<strong>do</strong>s a respeito estão sen<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong>s. Esta estratégia é vista pelas classes média e altacomo um passo necessário para a sua aproximação das condições <strong>de</strong> vida apreciadas nospaíses <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s, on<strong>de</strong> o nível <strong>de</strong> tecnologização é bem mais avança<strong>do</strong>. Em um país on<strong>de</strong>as pessoas analisam a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida pelo PIB (SOUZA, 2009), a inserção <strong>de</strong> dispositivosque refletem um aparente crescimento econômico e remetem à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> progresso para asclasses <strong>do</strong>minantes reforça as relações sociais <strong>de</strong> produção e acaba por contribuir com oagravamento <strong>do</strong>s problemas socioeconômicos e culturais e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Em uma primeira análise <strong>do</strong> uso das telas urbanas no Brasil, percebe‐se uma reprodução da lógicaformal internacional sem uma reflexão social <strong>do</strong> contexto específico, que implica no uso <strong>de</strong> novosmeios para a disseminação da cultura <strong>de</strong> massa. Tal abordagem contribui para o processo <strong>de</strong>alienação das pessoas quanto ao uso político <strong>do</strong> espaço público, da<strong>do</strong> que gran<strong>de</strong> parte da nossapopulação ainda prescin<strong>de</strong> <strong>do</strong> capital cultural necessário para questionar criticamente a produção edifusão da cultura <strong>de</strong> massa. E, como aponta Souza (2009:39) “[...]toda a nossa orientação na vida etoda justificação <strong>de</strong> nossas ações e comportamentos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> ‘i<strong>de</strong>ias’ contingentes e fortuitas,formuladas por outros, e que comandam nossas <strong>de</strong>cisões e julgamentos tanto mais quanto menostemos consciência <strong>de</strong>las”. Desta maneira, a partir da pesquisa realizada em Berlim, surgem perguntasimportantes que <strong>de</strong>vem ser contextualizadas e po<strong>de</strong>m oferecer indicativos preciosos para o estu<strong>do</strong>das telas urbanas em Belo Horizonte, cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> displays digitais vem aumentan<strong>do</strong>consi<strong>de</strong>ravelmente nos últimos anos.isbn: 978-85-98261-08-95 CONCLUSÃODesta forma, quatro constatações preliminares po<strong>de</strong>m auxiliar nesta pesquisa. Em primeiro lugar,mesmo com o <strong>de</strong>senvolvimento crescente das tecnologias digitais, gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s dispositivosainda enfoca na visualização <strong>de</strong> informação, especialmente para estimular o consumo, mesmo que atecnologia já tenha avança<strong>do</strong> suficientemente para promover um engajamento corporal nãoassocia<strong>do</strong> ao merca<strong>do</strong>. Em segun<strong>do</strong> lugar, quan<strong>do</strong> utilizadas em um contexto interativo, quepressupõe uma comunicação ampliada, as interfaces <strong>de</strong>senvolvidas refletem uma fetichização datecnologia que não questiona a produção <strong>do</strong> espaço; promovem, assim, interações simples eefêmeras, incapazes <strong>de</strong> fomentar questionamentos sociais. De fato, muitas vezes se tornam meio paraa manutenção <strong>do</strong> campo da arquitetura a partir a produção <strong>de</strong> símbolos — arquiteturasextraordinárias, como a Times Square. Em terceiro lugar, a disseminação acrítica da tecnologiaalimenta o mito <strong>de</strong> que o seu emprego é alheio à nossa vonta<strong>de</strong>, e que contra isso nada po<strong>de</strong> serfeito, tanto na sua produção quanto no seu consumo. Este mito encontra eco nos meios institucionaisda socieda<strong>de</strong>, que não sabem como lidar com o crescente número <strong>de</strong> telas no espaço urbano.Finalmente, como a disseminação da tecnologia no espaço urbano está se aceleran<strong>do</strong> no Brasil, <strong>de</strong>vesea<strong>do</strong>tar uma postura crítica que questione a atuação das corporações <strong>de</strong> mídia nas cida<strong>de</strong>sbrasileiras e seu papel na Indústria Cultural.2526 AGRADECIMENTOSEste artigo é resultante da pesquisa <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> “Technospaces; Strategies of Urban Reconfigurationusing Information and Communication Technologies in Berlin” pela Université Pierre Mendès France eorientada pela Prof. Dra. Lauren Andrés. É também base para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> projeto <strong>de</strong>pesquisa <strong>de</strong> Doutora<strong>do</strong> em andamento na <strong>Escola</strong> <strong>de</strong> <strong>Arquitetura</strong> da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> MinasGerais e orientada pela Prof. Dra. Ana Paula Baltazar <strong>do</strong>s Santos. Além das professoras acima citadas,agra<strong>de</strong>ço também a Prof. Dra. Katharine Willis pelas contribuições ao trabalho e consequentemente aeste artigo.


7 REFERÊNCIASprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Andrés, Lauren. Crises, disruptions and temporary uses: new challenges for planning practice and research?, 2010.[email] Message to Lauren Andres (l.andres@bham.ac.uk). Sent 23 February 2011.BBSR. The impact of temporary use of land and buildings on sustainable urban <strong>de</strong>velopment, 2008. Disponívelem:http://www.bbsr.bund.<strong>de</strong>/cln_032/nn_25904/BBSR/EN/RP/ExWoSt/Studies/TemporaryUse/01__Start.html.acesso em: 10 Jul 2011.BLUMNER, Nicole. Planning for the Unplanned: Tools and Techniques for interim use in Germany and the UnitedStates, 2006. Disponível em: www.difu.<strong>de</strong>/system/files/archiv/.../reihen/.../06‐blumner_planning.pdf. Acessoem: 03 Ago 2011.BOUNEGRU, Liliana. Interactive Media Artworks for Public Space. In: MQQUIRE, Scott; MARTIN, Meredith;NIEDERER, Sabine. Urban Screens Rea<strong>de</strong>r. Amsterdam: Institute of Network Culture, p.199‐216, 2009.FEENBERG, Andrew. Ten para<strong>do</strong>xes of Technology. Techné. V. 14, N. 1, 2010. Disponível em:http://www.sfu.ca/~andrewf/para<strong>do</strong>xes.pdf, acesso em: 14 Mar 2012.FLUSSER, Vilém. Images in the New Media (1989). In: FLUSSER, Vilém; STRÖHL, Andreas; EISEL, Erik. Writings.Minnesota: University Of Minnesota Press, 2002. p. 70‐74.FLORIDA, Richard. The rise of the creative class and How It's Transforming Work, Leisure and Everyday Life. BasicBooks, 2002.Friedman, Thomas. The World is Flat. Farrar, Straus and Giroux, 2005GRAHAM, Stephen. Introduction. In: The Cybercities rea<strong>de</strong>r. Londres: Routledge, p. 3‐29, 2004.GROTH, Jacqueline, & CORIJN, Eric. Reclaiming Urbanity: In<strong>de</strong>terminate Spaces, Informal Actors and Urban AgendaSetting. Urban Studies, v. 42, n. 3, p. 503– 526, 2005.HALSKOV, Kim. Designing Engaging Urban Interaction, 2009. Disponível em: http://medialabpra<strong>do</strong>.es/article/diseno_<strong>de</strong>_interaccion_urbana_con_compromiso_social.Acesso em 10 ago 2011.van HEUR, Bas. The Clustering of creative Networks: between myth and reality. Urban Studies. Vol 46, pp. 1531‐1552, 2009.JONES, Paul; WILKS‐HEEG, Stuart. Capitalising Culture: Liverpool 2008. Local Economy. Vol. 19, No. 4, 341–360,November 2004KRÄTKE, S. City of Talents? Berlin's Regional Economy, Socio‐Spatial Fabric and 'worst Practice' Urban Governance.International Journal of Urban and Regional Research. V. 28, N. 3, 511‐29, 2004.KURZ, R. O Fantasma das Belas Artes: Porque já não po<strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> reflectir sobre si mesma na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,1999. Disponível em: http://obeco.planetaclix.pt/rkurz10.htm. Acesso em 10 Mar 2012.LEFEBVRE, Henri. The Production of Space. Oxford: Wiley‐Blackwell, 1991.McLUHAN, Marshall. The Gutenberg Galaxy. Toronto: The University of Toronto Press, 1962.MALANGA, Steven. The curse of the creative class. City Journal, Winter 2004. Disponível em: http://www.cityjournal.org/html/14_1_the_curse.html.Acesso em 05 <strong>de</strong> Junho 2012MARCUSE, Herbert. New forms of Control. In: One‐Dimensional Man: Studies in the I<strong>de</strong>ology of Advanced IndustrialSociety, 1964. Disponível em: http://www.marxists.org/reference/archive/marcuse/works/one‐dimensionalman/in<strong>de</strong>x.htm.Acesso em: 10 Mar 2012.MASSEY, Doreen. Is the World Really Shrinking?. 2006. Disponível em: Open University:www.open2.net/freethinking/oulecture_2006.html, acesso em: 10 Mai 2009.MÜLLER, Jorg et al. Display Blindness: The Effect of Expectations on Attention towards Digital Signage. In: Pervasive2009. International Conference on Pervasive Computing (Pervasive‐09), May 11‐14, Nara, Japan, pp. 1‐8, Vol.5538/2009, Springer, Berlin / Hei<strong>de</strong>lberg, 2009.isbn: 978-85-98261-08-9253


MUMFORD, Lewis. Technics and Civilization. Londres: Routledge, 1934.programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)NEVÁREZ, Julia. Spectacular Mega‐public Space: Art and the Social in Times Square. In: MQQUIRE, Scott; MARTIN,Meredith; NIEDERER, Sabine. Urban Screens Rea<strong>de</strong>r. Amsterdam: Institute of Network Culture, p.163‐178, 2009.PIAS. Claus. Zombies of the Revolution. In: REFRESH! The First International Conference on the Histories of MediaArt, Science and Technology, 2005, Banff, Canadá. Disponível em: . Acessoem: 24 jul. 2010OSWALT, Phillip; MISSELWITZ, Philipp; OVERMEYER, Klaus. Patterns of the Unplanned in FRANK, Karen; STEVENS,Quentin. Possibility and diversity in Urban Life. Nova Iorque: Routledge, 2007, p.: 271‐288.SASSEN, Saskia. Agglomeration in the digital era? In S. Graham, The cybercities rea<strong>de</strong>r. Lon<strong>do</strong>n: Routledge, p. 195‐198.SCHARENBERG, Albert; BADER, Ingo. Berlin’s waterfront site struggle. City, vol. 13, n 2‐3, p.: 325‐335, 2009.SCHIECK, Fatah Gen. (2009). Towards an Integrated architectural Media space. The Urban screen as a socializingPlatform. In: MQQUIRE, Scott; MARTIN, Meredith; NIEDERER, Sabine. Urban Screens Rea<strong>de</strong>r. Amsterdam:Institute of Network Culture, p.121‐134, 2009.SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora <strong>UFMG</strong>, 2009.STALDER, Ursula. Digital Out‐of‐Home Media: Towards a Better Un<strong>de</strong>rstanding of Means and Effects of Digital Mediain Public Space, 2011. Disponível em:http://blog.hslu.ch/outofhomedisplays/files/2010/11/Stal<strong>de</strong>r_2010_Pervasive‐Advertising_Preversion.pdf.isbn: 978-85-98261-08-9THACKARA, John. The Design Challenge of Pervasive Computing. Interactions, Nova Iorque, p. 46‐53. Maio/jun.2001. Disponível em: . Acesso em: 29 Jun 2011.TSCHERTEU, Gernot; TOMITSCH, Martin. Designing Urban Media Environments as Cultural Spaces. CHI 2011, May 7–12, 2011, Vancouver, BC, Canada. Disponível em:http://largedisplaysinurbanlife.cpsc.ucalgary.ca/PDF/tscherteu_final.pdf. Acesso em 10 jun 2012.ZUKIN, Sharon. The cultures of the cities. Oxford: Willey‐Blackwell Publishing, 1995.2548 NOTAS1 Tradução da autora. No original: This book <strong>de</strong>scribes the emergence of a social class, If you are a scientist orengineer, an architect or <strong>de</strong>signer, a writer, artist or musician, or if you use your creativity as a key factor in yourwork in business, education, health care, law or some other profession, you are a member.2 A cada dia, cinquenta hectares <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas são inventoriadas na Alemanha (BLUMNER, 2006)3 http://www.tempelhoferfreiheit.<strong>de</strong>/ueber‐die‐tempelhofer‐freiheit/parklandschaft/iga‐2017/4 As informações po<strong>de</strong>m ser acessadas no site <strong>do</strong> grupo: http://www.ms‐versenken.org/5 No original: the mo<strong>de</strong>rn world <strong>de</strong>velops a technology increasingly alienated from everyday experience. This is aneffect of capitalism that restricts control of <strong>de</strong>sign to a small <strong>do</strong>minant class and its technical servants. [...] The newmasters of technology are not restrained by the lessons of experience and accelerate change to a point wheresociety is in constant turmoil.6 Estratégias multidisciplinares para comercialização e difusão das telas urbanas.7 Embora seja importante mencionar que durante o simpósio Remediating Urban Space, no qual estava presente,Struppek mencionou a sua <strong>de</strong>scrença no potencial social das telas urbanas quan<strong>do</strong> se leva em consi<strong>de</strong>ração to<strong>do</strong> o


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9custo involvi<strong>do</strong> e os benefícios <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> seu emprego.8 Este argumento está sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> em pesquisas <strong>do</strong> Lagear que tem como enfoque o <strong>de</strong>senvolvimento dastecnologias digitais e seu potencial <strong>de</strong> transformação social. BALTAZAR DOS SANTOS, A. P.; et. al. Towards sociallyengaging and transformative urban interactive interfaces (no prelo). In: ARTECH 2012 ‐ 6th International Conferenceon Digital Arts, 2012, Algarve. Algarve: Universida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Algarve, 2012.9 A atenção seletiva <strong>de</strong> displays (display blindness) é semelhante à atenção seletiva aos banners que aparecem nosnavega<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Internet. Como tem‐se a expectativa <strong>de</strong> o conteú<strong>do</strong> ser <strong>de</strong>sinteressante, ignora‐se o display.(MÜLLER et al 2009).10 Estas três categorias preliminares foram estabelecidas juntamente com Susa Pop na ocasião da preparação <strong>do</strong>Innovationsforum Urbanscreens, em Berlim em 2011.11 A maior parte <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s tem como enfoque experiências europeias e norte‐americanas, uma vez que não só ainstalação é mais frequente como também os estu<strong>do</strong>s nestes lugares são mais constantes.12 As ativida<strong>de</strong>s da iniciativa po<strong>de</strong>m ser encontradas em http://www.bi‐gasometer.<strong>de</strong>/. As informações foramadquiridas com o Sr. Ziemann em entrevista realizada em 2011 para a dissertação <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> da autora.255


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)NÚCLEO TEMÁTICO IV: Novo perfil <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> e novos rumos em direção a uma socieda<strong>de</strong> inclusivaQuan<strong>do</strong> Rousseau visitou Alphaville: status, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> euma certa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>When Rousseau visited Alphaville: status, inequality and a certain i<strong>de</strong>a of communityLucas Veloso <strong>de</strong> MENEZESMestre em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo pelo NPGAU/ <strong>UFMG</strong>; Doutoran<strong>do</strong> em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo peloNPGAU/ <strong>UFMG</strong>. lucasveloso@uol.com.br.isbn: 978-85-98261-08-9RESUMOEste artigo propõe reflexão sobre a opção das pessoas em residir em con<strong>do</strong>mínios. Partin<strong>do</strong> da análise<strong>de</strong> questões ligadas à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> status, distinção e vida em comunida<strong>de</strong>, analisa os novos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong>con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s no Brasil e, em especial os Con<strong>do</strong>mínios Alphaville <strong>de</strong> São Paulo e <strong>de</strong> BeloHorizonte. Utiliza elementos <strong>de</strong> análise da organização espacial <strong>do</strong>s con<strong>do</strong>mínios, da solução formal dascasas e mesmo <strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s sinais exteriores <strong>de</strong> riqueza, especialmente <strong>do</strong>s automóveis, para ainstalação <strong>de</strong> uma “comunida<strong>de</strong>” voluntariamente segregada.PALAVRAS‐CHAVE: Status, Con<strong>do</strong>mínio, subúrbio, segregação, comunida<strong>de</strong>ABSTRACTThis paper proposes a reflection on one of the issues surrounding the choice of people living incon<strong>do</strong>minium. Based on the analysis of issues related to the i<strong>de</strong>a of status, distinction and communitylife, discusses the new mo<strong>de</strong>ls of Gated Communities in Brazil and in particular the charges Alphaville SãoPaulo and Belo Horizonte. Uses elements of analysis of the spatial organization of the con<strong>do</strong>miniums, theformal solution of houses and even the so‐called external signs of wealth, especially through the cars, theinstallation of a "community" voluntarily segregated.KEYWORDS: Status, con<strong>do</strong>minium, suburbs, segregation, community2561 INTRODUÇÃOMas a filosofia hoje me auxiliaA viver indiferente assimNesta prontidão sem fimVou fingin<strong>do</strong> que sou ricoPra ninguém zombar <strong>de</strong> mimNão me incomo<strong>do</strong> que você me digaQue a socieda<strong>de</strong> é minha inimigaPois cantan<strong>do</strong> neste mun<strong>do</strong>Vivo escravo <strong>do</strong> meu samba, muito embora vagabun<strong>do</strong>Quanto a você da aristocraciaQue tem dinheiro, mas não compra alegriaHá <strong>de</strong> viver eternamente sen<strong>do</strong> escrava <strong>de</strong>ssa genteQue cultiva hipocrisiaNoel Rosa ‐ Filosofia 1


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Seres humanos são animais sociais. Vivem, trabalham e convivem em grupos ou comunida<strong>de</strong>s,que criam características chaves e até mesmo regras para sua eficiência, produtivida<strong>de</strong> esobrevivência, entre as quais se incluem lealda<strong>de</strong>, cooperação, i<strong>de</strong>ntificação, sanções poreventual não cooperação e preferências. Entretanto, um ser humano tem e necessita <strong>de</strong>individualida<strong>de</strong>s que, especialmente nas socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas, po<strong>de</strong>m fazê‐lo membro <strong>de</strong>múltiplos grupos sociais, numa re<strong>de</strong> social humana vasta e complexa. Estes grupos <strong>de</strong>mandama criação <strong>de</strong> uma estrutura hierarquizada. Matsumoto (2007, p.414) enfatiza que as socieda<strong>de</strong>sou grupos altamente hierarquiza<strong>do</strong>s — e, em geral, baixos em igualitarismo — ten<strong>de</strong>m aenfatizar o po<strong>de</strong>r e diferenças <strong>de</strong> status entre seus membros, enquanto as socieda<strong>de</strong>s ougrupos com baixa hierarquização — e, em geral, <strong>de</strong> alto igualitarismo — por sua vez, ten<strong>de</strong>m aminimizar algumas diferenças e a distribuir recursos <strong>de</strong> forma mais equilibrada.Enquanto “ente” social, o ser humano, vive uma dicotomia que é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver emum grupo — ou comunida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> que procura o equilíbrio e parida<strong>de</strong> entre seus membros,ao mesmo tempo em que busca uma afirmação <strong>de</strong> sua própria individualida<strong>de</strong>. Nesteaspecto, procura afirmar a sua unicida<strong>de</strong> por meio <strong>de</strong> atos e, principalmente, símbolos que<strong>de</strong>vem ser manifestadamente exterioriza<strong>do</strong>s. Lembra Tocqueville (1868, p. 223) que, emsocieda<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> há maior <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, as disparida<strong>de</strong>s individuais não atraem pouca — eaté nenhuma — atenção, enquanto naquelas em que pre<strong>do</strong>mina o igualitarismo e equilíbrio,a menor variação ou diferenciação é percebida. Assim, membros <strong>de</strong> grupos sociais aomesmo tempo em que procuram a unida<strong>de</strong>, o equilíbrio e a igualda<strong>de</strong> <strong>do</strong> conjunto,individualmente, buscam sua diferenciação que, num contrassenso, produz <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s.Sobre as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s entre seres humanos, Rousseau (1755, p.1) distingue‐as como <strong>de</strong><strong>do</strong>is tipos: física e social. Enquanto o <strong>de</strong>sequilíbrio físico tem sua origem em fatores naturais— ida<strong>de</strong>, saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ficiências, inteligência — o <strong>de</strong>sequilíbrio social ou político consiste emprivilégios <strong>de</strong> alguns homens em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outros, como ser mais rico ou maispo<strong>de</strong>roso.Uma posição social hierarquicamente superior ou favorável numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>nomina‐se,em geral, como status 2 . A obtenção <strong>de</strong> status se tornou, ao longo <strong>do</strong> tempo, <strong>de</strong> extremaimportância para algumas pessoas que, lembra Tie<strong>de</strong>ns (2000, p.560), <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>m gran<strong>de</strong>parte <strong>de</strong> seu tempo e energia para aten<strong>de</strong>r às expectativas <strong>de</strong> sua posição hierárquica —esperadas e auto impostas — e para subir para uma posição mais elevada ou para evitar ser<strong>de</strong>movi<strong>do</strong> para posições inferiores.Nesta busca por diferenciação, a exteriorização é elemento chave na tentativa <strong>de</strong> obtenção<strong>de</strong> um reconhecimento, preferencialmente entre seus pares, <strong>de</strong> uma distinção pessoal.Nesta “jornada”, procuram‐se símbolos que i<strong>de</strong>ntifiquem, no senso comum, <strong>de</strong> forma clarauma diferenciação ou novo nível hierárquico <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>tentor.O filósofo e aristocrata francês La Rochefoucauld (1613‐1680), que viveu durante gran<strong>de</strong>parte <strong>de</strong> sua vida sob o reina<strong>do</strong> <strong>de</strong> Luis XIV (reinou entre 1643 e 1715) — um regime em quese estabeleceram alguns <strong>do</strong>s parâmetros <strong>de</strong> luxo e <strong>de</strong> valorizações pessoais exacerba<strong>do</strong>s —tinha uma visão crítica sobre a socieda<strong>de</strong>, escreven<strong>do</strong> que “o mun<strong>do</strong> recompensa com maisfrequência os sinais <strong>de</strong> mérito <strong>do</strong> que o próprio mérito” (LA ROCHEFOUCAULD, 1982 [1665],p.58).isbn: 978-85-98261-08-9257


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Dentre os símbolos, adquirem maior significância, aqueles que, embora <strong>de</strong> primeiranecessida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong> uso comum, possam ser “impregna<strong>do</strong>s” <strong>de</strong> elementos ou características queo distinguem <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais. Entre estes símbolos comuns que, invariavelmente sãomagnifica<strong>do</strong>s, está a residência. Um casebre, um barraco <strong>de</strong> favela e um palácio têm a mesmafunção precípua, a <strong>de</strong> abrigo, entretanto, sua forma, dimensão e acabamento estabelecerão a“posição” hierárquica ou status <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>tentor e principalmente como fator <strong>de</strong> estima erealização, conforme lembra Veblen (1994, 1994, p.20) 3 :Então, assim que a posse <strong>do</strong> imóvel se torna a base popular da estima, por isso, se torna também umrequisito para o tipo <strong>de</strong> complacência que chamamos <strong>de</strong> autorrespeito. Em uma comunida<strong>de</strong> qualqueron<strong>de</strong> os bens são possuí<strong>do</strong>s separadamente, é necessário, para sua própria paz <strong>de</strong> espírito, que umindivíduo tenha a posse <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> bens que os outros com quem ele está acostuma<strong>do</strong> a seagrupar e é extremamente gratificante possuir algo mais <strong>do</strong> que outros. Mas tão rápi<strong>do</strong> como uma pessoafaz novas aquisições, e se habitua ao novo padrão resultante da riqueza, o novo padrão imediatamente<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> proporcionar maior satisfação <strong>do</strong> que, no início, este padrão trazia. A tendência, em qualquercaso, está constantemente a fazer <strong>do</strong> atual padrão pecuniário o ponto <strong>de</strong> partida para um novo aumentoda riqueza, e este, por sua vez, dará origem a um novo padrão <strong>de</strong> suficiência e uma nova classificação daprópria riqueza, em comparação com a <strong>de</strong> seus vizinhos. No que se refere a presente questão, o fimpretendi<strong>do</strong> pelo acúmulo é a classificação elevada em comparação com o resto da comunida<strong>de</strong>, sobaspecto <strong>de</strong> força pecuniária.As Figuras 01, 02, 03 e 04 enfatizam algumas das questões levantadas por Veblen,especialmente naquelas relacionadas ao <strong>de</strong>staque na comparação com sua comunida<strong>de</strong> que oproprietário <strong>de</strong>sta edificação preten<strong>de</strong>ria.Figura 01 – “Castelo” no Con<strong>do</strong>mínio Resi<strong>de</strong>ncial Tamboré 1 — parte <strong>do</strong>complexo <strong>de</strong> con<strong>do</strong>mínios <strong>de</strong> Alphaville — Barueri, próximo a SãoPaulo.Figura 02 – Réplica da estátua da Liberda<strong>de</strong> ‐“Castelo” no Con<strong>do</strong>mínio Resi<strong>de</strong>ncial Tamboré 1isbn: 978-85-98261-08-9258Fonte: FOTO DO AUTOR, 2009. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2009.Figura 03 – Con<strong>do</strong>mínio Alphaville, Lagoa <strong>do</strong>s InglesesFigura 04 – Vênus <strong>de</strong> Milo, AlphavilleA utilização <strong>de</strong> réplicas <strong>de</strong> obras famosas é uma recorrência em São Paulo e Belo Horizonte. Nos <strong>do</strong>is casos as réplicas sãocolocadas em <strong>de</strong>staque junto à entrada principal da casa. Ao visitante já se <strong>de</strong>monstra <strong>de</strong> início a distinção e “cultura” <strong>de</strong> seuanfitrião. Observa‐se que, embora estas obras sejam colocadas junto à entrada, sua colocação em uma lateral po<strong>de</strong>ria ser


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)interpretada como a relativização <strong>de</strong> sua importância, pois elas são parte <strong>de</strong> um bem ainda mais importante: a casa. Emborahaja, nos <strong>do</strong>is exemplos, uma tentativa <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao original, ambas “traem” o original, na “Liberda<strong>de</strong> Paulistana” asdimensões e proporções estão bastante diferentes <strong>de</strong> sua original, enquanto na “Vênus Belorizontina” além das dimensões, aestátua “per<strong>de</strong>u” a parte inferior das pernas e manto.isbn: 978-85-98261-08-9Fonte: FOTO DO AUTOR, 2007. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2007.Sobre os incentivos à aquisição e acumulação <strong>de</strong> bens, complementa ainda Veblen (1994, p.21):O que acaba <strong>de</strong> ser dito não <strong>de</strong>ve ser toma<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> que não existam outros incentivos para a aquisiçãoe acumulação <strong>do</strong> que este <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> se exce<strong>de</strong>r em níveis pecuniários e assim conquistar a estima e a inveja <strong>do</strong>spares. O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> acrescentar conforto e segurança está presente e é a motivação em cada etapa <strong>do</strong> processo<strong>de</strong> acumulação em uma comunida<strong>de</strong> industrial mo<strong>de</strong>rna, embora o nível <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s, nestes aspectos seja,por sua vez, enormemente afeta<strong>do</strong> pelo hábito da emulação pecuniária. Em gran<strong>de</strong> extensão, esta emulaçãomolda os méto<strong>do</strong>s e seleciona os objetos <strong>de</strong> gastos no conforto e digno sustento pessoal.Esta postura acumulativa, ao mesmo tempo em que molda atos e <strong>de</strong>cisões individuais, em últimainstância, cria “comunida<strong>de</strong>s” que não têm a conotação <strong>de</strong> convencional <strong>de</strong> parceria e cooperação,<strong>de</strong>sgastan<strong>do</strong> e tornan<strong>do</strong> vulnerável o senso comum e os elos que conformariam uma comunida<strong>de</strong>.Tönnies (2005, p.18) consi<strong>de</strong>ra que este ato está <strong>de</strong> tal forma <strong>de</strong>sgasta<strong>do</strong> que o verda<strong>de</strong>iro laço seresume à família em seu núcleo familiar mais íntimo, produzin<strong>do</strong>, na comunida<strong>de</strong>, o que qualificacomo “[...] uma guerra com irrestrita liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s para <strong>de</strong>struírem e subjugarem uns aosoutros, ou estarem cientes da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maior vantagem, para concluírem acor<strong>do</strong>s efomentar novos laços”.Esta “guerra” mencionada por Tönnies, que po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>terminar a <strong>de</strong>terioração <strong>de</strong> umacomunida<strong>de</strong>, em certo contrassenso, acaba por reforçá‐la, pois será importante individualmente,visto que resulta em repetição — ainda que em processos <strong>de</strong> exacerbação — <strong>de</strong> símbolos <strong>de</strong> status,propician<strong>do</strong> um sentimento <strong>de</strong> pertencimento. Mas, lembra Moura (2003) este pertencimento nãosignifica uma efetiva participação:É claro que toda região moral tem seus limites <strong>de</strong> pertencimento, e é possível estar lá sem participar. No caso<strong>do</strong>s locais habita<strong>do</strong>s e frequenta<strong>do</strong>s por membros das camadas médias urbanas brasileiras, vemos que o contatocom pessoas que ocupam lugares diferencia<strong>do</strong>s em nossa escala hierárquica tem si<strong>do</strong>, historicamente, bastanteintenso, ainda que governa<strong>do</strong> por regras <strong>de</strong> conduta específicas (MOURA, 2003, p.43).Será esta busca por pertencimento que, ao mesmo tempo, procura uma clarificação <strong>de</strong> suadistinção e status nesta comunida<strong>de</strong>, regerá as relações interpessoais nos con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>sbrasileiros. E esta <strong>de</strong>signação “con<strong>do</strong>mínio fecha<strong>do</strong>” torna‐se, com o passar <strong>do</strong>s tempos, cada vez259


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)mais a<strong>de</strong>quada. São “comunida<strong>de</strong>s” que cada vez mais dispõem <strong>de</strong> dispositivos <strong>de</strong> segurança comomuros, acesso restrito a estranhos, sistemas priva<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vigilância, câmeras, etc., fechan<strong>do</strong>‐se,paulatinamente, a relações ou conexões urbanas ou selecionan<strong>do</strong>‐as. Por outro la<strong>do</strong>, estefechamento <strong>do</strong> Con<strong>do</strong>mínio às relações urbanas mais diretas, reproduz‐se nas relações internasentre os condôminos. As casas são isoladas, os afastamentos frontais das residências estão maiores.No Con<strong>do</strong>mínio Alphaville Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses, por exemplo, a legislação interna exige um recuofrontal mínimo <strong>de</strong> 5 metros; não existe passeio, os mora<strong>do</strong>res utilizam‐se inclusive artifíciospara evitar a circulação <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres <strong>de</strong>fronte a sua residência (FIG. 05); a entrada <strong>de</strong> veículosé <strong>do</strong>minante na fachada e a entrada social da casa é relegada a “papel” secundário, quan<strong>do</strong>,como em muitos casos, é feita através <strong>do</strong> acesso <strong>de</strong> veículos (FIG. 06).isbn: 978-85-98261-08-9Figura 05 – Alphaville, São Paulo — Resi<strong>de</strong>ncial 9. O uso<strong>de</strong> cercas vivas dificulta, e tenta impedir, o transito <strong>de</strong>pe<strong>de</strong>stres.Figura 06 ‐ Alphaville, São Paulo — Resi<strong>de</strong>ncial 9. Na fachadaprincipal existe apenas acesso para veículos. A entrada socialestá localizada no fun<strong>do</strong>, à direita.260Fonte: FOTO DO AUTOR, 2009. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2009.Os con<strong>do</strong>mínios fecha<strong>do</strong>s brasileiros, paulatinamente tornam‐se o que se po<strong>de</strong>ria qualificar <strong>de</strong>uma maneira como anti‐comunida<strong>de</strong>s. Entretanto, embora percam, em sua essência, alguns<strong>do</strong>s parâmetros que, historicamente, ocorriam na criação <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s, mantém outros,especialmente aqueles liga<strong>do</strong>s à reunião <strong>de</strong> semelhantes, para a aquisição ou confirmação <strong>de</strong>status. Neste aspecto, os con<strong>do</strong>mínios se tornam, para seus mora<strong>do</strong>res, um parâmetro que é,simultaneamente, uma inequívoca confirmação <strong>de</strong> status e ascensão social e a materialização<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al, ou seja, uma utopia.2 SUBÚRBIO: A SEGREGAÇÃO COMO SINÔNIMOO subúrbio, em sua origem, tinha uma conotação <strong>de</strong> privilégio, um refúgio <strong>do</strong> caosurbano no campo, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a poucos e associa<strong>do</strong> a privilégios. O oficial romano, quan<strong>do</strong>construía sua casa suburbana introduzia, no campo, várias comodida<strong>de</strong>s da via urbana,procurava agregar a isto um sinal inequívoco <strong>de</strong> sua distinção.Morar em subúrbio, ao longo da história, assumiu duas conotações diferentes que eramao mesmo tempo divergentes e convergentes. Divergentes quanto ao extrato social —nobre versus pobre — e convergentes, ambas as situações sociais têm princípiossegrega<strong>do</strong>res.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A casa no subúrbio percorreu uma trajetória que a levou a significações que iam danobreza à população com menor po<strong>de</strong>r aquisitivo. O caráter <strong>de</strong> enobrece<strong>do</strong>r ou <strong>de</strong>“excluí<strong>do</strong>” era da<strong>do</strong> pelo extrato social que a utilizava, a aparência da casa, suavizinhança — ou ausência —, os símbolos da socieda<strong>de</strong>. Este percurso foifrequentemente marca<strong>do</strong> por um caráter segrega<strong>do</strong>r. Tal processo po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong> autosegregação, quan<strong>do</strong> os aristocratas queriam isolar‐se e mostrar sua distinção em relaçãoa seus pares ou, em sua contrapartida, o subúrbio era visto como um local distante daregião central da cida<strong>de</strong>, para on<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriam ser <strong>de</strong>slocadas a população com menorpo<strong>de</strong>r aquisitivo, a mão‐<strong>de</strong>‐obra menos qualificada e as camadas sociais consi<strong>de</strong>radaspárias, ou seja, uma segregação imposta pelas classes <strong>de</strong>tentoras <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r na socieda<strong>de</strong>.isbn: 978-85-98261-08-9Numa fase inicial estabeleceram‐se os parâmetros das primeiras habitações em subúrbio — aVilla Suburbana romana, na qual altos dignitários romanos construíam, em regiões próximas acida<strong>de</strong>s romanas, residências no campo com to<strong>do</strong> conforto <strong>de</strong> uma habitação urbana — on<strong>de</strong>pre<strong>do</strong>minava o princípio da nobreza e distinção correlaciona<strong>do</strong>s à posse <strong>de</strong>sta villa e da autosegregação. Na ida<strong>de</strong> média — perío<strong>do</strong> no qual se estabeleceu e consoli<strong>do</strong>u a conotação <strong>de</strong>subúrbio como o local fora das muralhas — reforçou‐se o entendimento <strong>de</strong> subúrbio comolocal das classes da base da pirâmi<strong>de</strong> social e, complementarmente, símbolo <strong>de</strong> sua segregação<strong>do</strong> restante da cida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sua socieda<strong>de</strong>.Estabeleci<strong>do</strong>s estes parâmetros, nos séculos seguintes, a visão <strong>do</strong> subúrbio iria se alternarentre o seu enfoque como local <strong>de</strong> enobrecimento <strong>de</strong> seus mora<strong>do</strong>res ou <strong>de</strong> marginalida<strong>de</strong>social. O enfoque seria <strong>de</strong> vinculação enobrece<strong>do</strong>ra no Renascimento, com a retomada dasconstruções <strong>de</strong> villas — inicialmente na Itália e, posteriormente, na Inglaterra — na qualapenas as pessoas com maior po<strong>de</strong>r aquisitivo po<strong>de</strong>riam morar nestes locais, pois <strong>de</strong>pendiam<strong>de</strong> meios <strong>de</strong> transporte priva<strong>do</strong> para <strong>de</strong>slocar‐se. Em geral, estas habitações estavam situadasem pontos isola<strong>do</strong>s, um pouco afastadas <strong>do</strong> núcleo urbano. Sua contraparte era o local <strong>de</strong><strong>de</strong>stinação das populações <strong>de</strong> menor po<strong>de</strong>r aquisitivo, como ocorreu em Paris durante asreformas <strong>de</strong> Haussmann (1852‐1870). Comumente, tendiam a se localizar próximos às cida<strong>de</strong>s,em suas franjas. Podia haver pre<strong>do</strong>mínio <strong>de</strong> uma ou <strong>de</strong> outra tendência ou mesmosimultâneas: enquanto na Paris Haussmanina parte da população foi removida para ossubúrbios, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s construía‐se o subúrbio <strong>de</strong> classe‐média alta <strong>de</strong> Riversi<strong>de</strong>(1863) 4 .2613 A ASCENSÃO SOCIAL E SEUS SÍMBOLOSSímbolos <strong>de</strong> uma ascensão social estão, em geral, correlaciona<strong>do</strong>s a bens <strong>do</strong>mésticos,inician<strong>do</strong>‐se na construção da residência e chegan<strong>do</strong> aos utensílios <strong>de</strong> uso diário e, a partir <strong>do</strong>século XX, ao automóvel.O que torna um objeto um artigo <strong>de</strong> luxo e que, ao <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> sua posse possa ser associadauma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> distinção? Goody (2006, p.344) relata que suas raízes po<strong>de</strong>m ser encontradas naFrança, por volta <strong>do</strong> ano 1700, quan<strong>do</strong> o Rei Luis XIV insistia que os nobres passassem a morarem Versalhes. Impõe‐se, nesta corte, o hábito <strong>de</strong> mudanças periódicas da moda <strong>de</strong> vestuário.Quan<strong>do</strong> a seda se torna uma referência da moda, sua importação se torna restrita à nobreza. Aposse e uso <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> teci<strong>do</strong> conferiam, a seu usuário, imediata conotação nobiliárquica.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Os objetos, mesmo os <strong>de</strong> uso diário, como vestuário, passam a adquirir conotaçõessubjetivas: distinção e exclusivida<strong>de</strong>. A legitimação e a transformação <strong>de</strong>stes objetos éum processo cultural que, lembra Bourdieu (1984, p.99), é um caso particular <strong>de</strong>competição entre bens raros e práticas. Por outro la<strong>do</strong>, em sua relação com estes objetos<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, lembra Gombrich (2000, p.245), o ser humano é mais maleável em questões<strong>de</strong> gosto <strong>do</strong> que gostaria <strong>de</strong> admitir.A residência, ao longo da história, esteve suscetível a modificações e influências<strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> gostos e <strong>de</strong> símbolos. Freyre (2002, p.903) lembra que, “<strong>de</strong>pois dachegada <strong>do</strong> Príncipe Regente, foi a casa urbana, o sobra<strong>do</strong> burguês, que sofreu aeuropeização mais rápida e nem sempre no melhor senti<strong>do</strong>”. Complementan<strong>do</strong> arespeito da casa suburbana, em geral sítios, que esta europeização foi mais lenta. Asmodificações nas residências ten<strong>de</strong>m, inicialmente, a ocorrer primeiro na fachada, que é,no contexto da busca <strong>de</strong> significação e <strong>de</strong> um status, uma exteriorização <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r oustatus <strong>de</strong> seu proprietário. Lembra Holston:Com uma divisão seletivamente porosa, assim, a fachada constitui uma zona liminar <strong>de</strong> troca entre<strong>do</strong>mínios que separa. Não apenas serve à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fixar limites, mas também estimula nossofascínio pela liminarida<strong>de</strong>, uma vez que seus lugares <strong>de</strong> passagem são, em geral, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s a atrair aatenção <strong>do</strong> público. As aberturas se fazem ressaltar por meio <strong>de</strong> ornamentos como vigas trabalhadas,entablamentos, esquadrias e balaustradas; pelas placas <strong>do</strong>s lugares comerciais e outros emblemas queproclamem o status da família para o público. Como uma zona liminar, a fachada das ruas é, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, apare<strong>de</strong> exterior <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio priva<strong>do</strong> e, <strong>de</strong> outro, a pare<strong>de</strong> interior <strong>do</strong> âmbito público. (HOLSTON, 1993,p.125)Assim como a residência, o automóvel sempre foi liga<strong>do</strong> à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ascensão social (FIG. 07).Sheller e Urry (2004, p. 203) afirmam que é o item <strong>de</strong> maior importância para consumoindividual <strong>de</strong>pois da casa. A este item, uma série <strong>de</strong> valores é associada, como velocida<strong>de</strong>,segurança, <strong>de</strong>sejo sexual (FIG. 08), carreira <strong>de</strong> sucesso (FIG. 09), liberda<strong>de</strong>, família, geran<strong>do</strong> umcaráter específico e sensação <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação, masculinida<strong>de</strong> (FIG. 10) e po<strong>de</strong>r (FREUND;MARTIN, 1993, p.38).isbn: 978-85-98261-08-9262Figura 07 – Propaganda <strong>do</strong> Cadillac LaSalle, 1929, apropaganda associa sucesso e sofisticação a um automóvel.Figura 08 – Propaganda <strong>do</strong> Chevrolet Chevelle 1966: “Não éextravagante, importa<strong>do</strong> ou engorda (SIC), mas um homemcomo você vai gostar <strong>de</strong>le” para completar no final <strong>do</strong>texto: “para levá‐lo diretamente ao ponto”.Fonte: VINTAGE ADVERTISING (1), 2009 Fonte: VINTAGE ADVERTISING (2), 2009


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Figura 09 – Propaganda <strong>do</strong> DeSoto, década <strong>de</strong>1930. Seu “garoto‐propaganda” é o ator <strong>de</strong>filmes <strong>de</strong> ação Tyrone Power, um <strong>do</strong>s maispopulares e <strong>de</strong> maior sucesso na época.Figura 10 – Propaganda <strong>do</strong> Oldsmobile Torona<strong>do</strong>, final da década <strong>de</strong>1960. Este carro competia em uma categoria <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>automobilístico norte‐americano conheci<strong>do</strong> como Muscle cars —automóveis esportivos, motores <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> cilindrada e potência e comaspecto agressivo — a propaganda procura o público específico: “Umru<strong>de</strong> individualista encontra um ru<strong>de</strong> individualista”Fonte: VINTAGE ADVERTISING (4), 2009 Fonte: VINTAGE ADVERTISING (3), 2009Des<strong>de</strong> a chegada <strong>do</strong>s primeiros automóveis no Brasil o ato <strong>de</strong> possuir um veículo estava liga<strong>do</strong>a um símbolo <strong>de</strong> status. Numa primeira etapa havia o fato <strong>de</strong> ser um objeto importa<strong>do</strong> e caro.A implantação da indústria automobilística no Brasil, a partir da década <strong>de</strong> 1950, permitiu queuma parte da classe‐média tivesse acesso à sua compra. Entretanto, apenas a partir da década<strong>de</strong> 1990, com a redução da inflação e maiores prazos para financiamento, ampliou‐se umpouco mais a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compra <strong>de</strong> um carro por uma faixa maior da classe média. Aindahoje, o acesso a um veículo, especialmente um veículo novo, ainda está bastante restrito.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>‐se, por exemplo, o preço <strong>de</strong> um veículo popular, como o Fiat Uno Mille, que, emjunho <strong>de</strong> 2012 custa cerca <strong>de</strong> R$ 23.000,00, equivalia a quase 37 vezes o valor <strong>do</strong> saláriomínimo 5 .Mas, não é em carros populares que se fixa um mora<strong>do</strong>r <strong>de</strong> con<strong>do</strong>mínio. A busca é por marcasque, aos olhos <strong>de</strong> seus pares, aliam, <strong>de</strong> maneira imediata, status, prestígio e riqueza a seuproprietário. Merce<strong>de</strong>s‐Benz, BMW, Jaguar e outras, em geral importadas, são os “objetos <strong>de</strong><strong>de</strong>sejo”. Estas marcas, tradicionais símbolos <strong>de</strong> status, adquiriram um novo concorrente, emuma faixa distinta em relação às tradicionais marcas <strong>de</strong> status: as SUV (Sport Utility Vehicle).Estas foram, ao longo da década <strong>de</strong> 1990 até mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s anos 2000, o gran<strong>de</strong> sucesso <strong>de</strong>vendas na indústria automobilística norte‐americana. São gran<strong>de</strong>s automóveis, com motoresmuito potentes e estilo agressivo. As SUV tornaram‐se o segmento <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> mais rápi<strong>do</strong>crescimento na história da indústria automobilística. Para seus proprietários passam umaimagem <strong>de</strong> segurança e fácil manuseio e, em más condições meteorológicas, ofereceriammenores riscos que os tradicionais carros <strong>de</strong> passageiros. Inicialmente <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à família,torna‐se paulatinamente, um veículo mais luxuoso e <strong>de</strong>nota<strong>do</strong>r <strong>de</strong> status.263


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A SUV Cadillac Escala<strong>de</strong> (FIG. 11), por exemplo, tem custo que po<strong>de</strong> chegar, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong><strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo, a U$ 85.000 6 , alian<strong>do</strong> luxo a um veículo concebi<strong>do</strong>, inicialmente, comoutilitário familiar. Este carro conseguiu um sucesso junto à classe média norte‐americana— e, atualmente, é um fenômeno similar no Brasil (FIG. 12) — por aliar luxo, conforto estatus a uma clara <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r — associada à sua forma e dimensões. Estesveículos, mais altos que os <strong>de</strong>mais, têm uma carroceria com aspecto agressivo. É amaterialização automotiva <strong>do</strong>s princípios <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, status e diferenciação aborda<strong>do</strong>s porMatsumoto (2007).isbn: 978-85-98261-08-9Figura 11 – Propaganda Cadillac Escala<strong>de</strong> 2009.Figura 12 – Alphaville São Paulo, Resi<strong>de</strong>ncial 9, SUV.Fonte: CADILLAC, 2009. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2009.Uma morfologia para a distinçãoA análise <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> Alphaville Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses apresenta vários <strong>do</strong>sestereótipos observa<strong>do</strong>s em outros con<strong>do</strong>mínios brasileiros e nos subúrbios norteamericanos,especialmente aqueles que são vincula<strong>do</strong>s à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> status social,simbolicamente expresso em componentes <strong>de</strong> paisagem, arquitetura das edificações,artefatos, mobiliário urbano e utilitário, ornamentos, enfim, <strong>do</strong>s elementos gerais <strong>de</strong>utilização cotidiana <strong>do</strong> espaço con<strong>do</strong>minial. A busca por distinção mostra‐se presente emvários aspectos morfológicos <strong>do</strong> con<strong>do</strong>mínio em análise, conforme observa<strong>do</strong> e relata<strong>do</strong>em relação aos ornamentos, na seção introdutória neste capítulo (Figuras 01, 02, 03 e04)Nas páginas que se seguem, é realizada uma análise sistemática da morfologia <strong>do</strong> con<strong>do</strong>míniosob a perspectiva <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s que conferem distinção e segregação, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>‐se nasevidências apresentadas, constatações em relação a <strong>do</strong>is elementos‐chave: <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, aospadrões urbanos (aqui <strong>de</strong>talha<strong>do</strong>s, entre outros aspectos, no que diz respeito à conformação<strong>do</strong>s arruamentos, ao controle <strong>de</strong> acesso a mora<strong>do</strong>res e visitantes, ao isolamento e cercamento<strong>de</strong> áreas por muros, ao afastamento das unida<strong>de</strong>s resi<strong>de</strong>nciais, a existência ou não <strong>de</strong> calçadas,a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> uso <strong>do</strong> espaço con<strong>do</strong>minial) e, <strong>de</strong> outro la<strong>do</strong>, aos padrões arquitetônicos(observan<strong>do</strong>‐se, nesse caso, o dimensionamento das casas; conformação das áreas <strong>de</strong>stinadasa garagens, acessos <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres e lazer).Inicialmente, constata‐se a existência <strong>de</strong> padrões arruamentos sem conexão ou continuida<strong>de</strong>, com amalha viária externa (FIG. 13, 14, 15) em Alphaville Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses.264


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Figura 13 – Alphaville, Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses, sistemaviário sem conexão. Na imagem observa‐se as viasinternas <strong>do</strong> Resi<strong>de</strong>ncial 1 (1), a avenida Wimble<strong>do</strong>nque faz o acesso ao Con<strong>do</strong>mínio Península <strong>do</strong>sPássaros (2) e Residência 3 (3).Figura 14 – Vista <strong>do</strong> <strong>de</strong>snível entre o resi<strong>de</strong>ncial 3 e aavenida Wimble<strong>do</strong>n e também entre o resi<strong>de</strong>ncial 1 e amesma avenida. Em razão <strong>de</strong>sta altura eventual via <strong>de</strong>ligação teria <strong>de</strong>clivida<strong>de</strong> acima <strong>do</strong> permiti<strong>do</strong> pelalegislação urbana.Fonte: FOTO DO AUTOR, 2008. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2008.Na organização <strong>do</strong> sistema viário (FIG. 15), foi cria<strong>do</strong> um sistema <strong>de</strong> ilhas, isto é, cadaresi<strong>de</strong>ncial (itens 1 a 5) é provi<strong>do</strong> <strong>de</strong> um único acesso, controla<strong>do</strong> por portaria. Noentorno <strong>do</strong> con<strong>do</strong>mínio foram construídas avenidas (7 e 8) com duas faixas <strong>de</strong> rolagemem cada senti<strong>do</strong>, com largura que permitiria, em caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> ou expansão, aextensão para uma terceira faixa. Desta forma, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interconexão entre osresi<strong>de</strong>nciais torna‐se <strong>de</strong>snecessária, além <strong>de</strong> tornar difícil a argumentação para aremoção <strong>do</strong>s muros para a ligação entre os sistemas viários <strong>do</strong>s resi<strong>de</strong>nciais. Por outrola<strong>do</strong>, a existência <strong>de</strong> lotes, no que po<strong>de</strong>ria constituir‐se a passagem <strong>de</strong> uma conexão,dificulta tal implementação, como os trechos assinala<strong>do</strong>s na Figura 15 e também naFigura 13. Po<strong>de</strong>r‐se‐ia argumentar que em alguns trechos como os <strong>do</strong>s resi<strong>de</strong>nciais 2 e 4em sua porção superior po<strong>de</strong>ria ser criada uma conexão. Entretanto, neste local localizasea BR‐040 (9) – no trecho <strong>de</strong> ligação Belo Horizonte‐Ouro Preto, e para a ligação segurao empreen<strong>de</strong><strong>do</strong>r criou um trevo (não visualiza<strong>do</strong> nesta planta) e uma passagemsubterrânea (11), tipo trincheira. Quan<strong>do</strong> se observa os <strong>de</strong>sníveis entre a pista <strong>de</strong>rolagem das avenidas externas e os resi<strong>de</strong>nciais (FIG. 292), constata‐se a impossibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> abertura <strong>de</strong> vias <strong>de</strong> conexão. Utilizan<strong>do</strong>‐se a altura <strong>do</strong> muro externo, cerca <strong>de</strong> 2,80 m,po<strong>de</strong>‐se estimar os <strong>de</strong>sníveis que, em h1, o <strong>de</strong>snível seria <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong> 4 metros,enquanto em h2 seria em torno <strong>de</strong> 3 m, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>‐se ainda que entre as duas pistas<strong>de</strong> rolagem da avenida, também existe um <strong>de</strong>snível, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> se presumir que haveria<strong>de</strong>snível entre os <strong>do</strong>is resi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> pouco mais <strong>de</strong> 7 metros. Feitas estas observações,constata‐se que a <strong>de</strong>clivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma eventual via seria acentuada, acima <strong>do</strong>s valorespermiti<strong>do</strong>s por Lei. A esta dificulda<strong>de</strong> que, por si só obstaculizaria e até inviabilizaria aabertura <strong>de</strong> vias <strong>de</strong> ligação, adiciona‐se a opção <strong>de</strong> assentamento <strong>do</strong> sistema viárioprincipal — avenida Wimble<strong>do</strong>n — e os resi<strong>de</strong>nciais e suas vias: esta via foi localizada emuma cumiada <strong>de</strong> morro (FIG. 13), em cota mais alta que as vias <strong>do</strong>s resi<strong>de</strong>nciais 1 e 3. Oque significaria uma rampa ainda maior para esta eventual via transpor.265


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Figura 15 ‐ Alphaville, Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses, planta geral (<strong>de</strong>talhe). Po<strong>de</strong>‐se observar os cinco resi<strong>de</strong>nciais, numera<strong>do</strong>ssequencialmente, e o acesso para o sexto resi<strong>de</strong>ncial, Península <strong>do</strong>s Pássaros. Os <strong>do</strong>is eixos viários <strong>de</strong> acesso aos resi<strong>de</strong>nciais sãoas avenidas Princesa Diana (7) e Wimble<strong>do</strong>n (8) que conectam a região à BR‐040 (9). Na parte superior aparece indicada a áreareservada para a implantação <strong>de</strong> indústrias (10). Eventuais conexões entre os sistemas viários como os assinala<strong>do</strong>s nosresi<strong>de</strong>nciais 1 e 3, são difíceis em razão da existência <strong>de</strong> lotes no que po<strong>de</strong>ria ser a extensão <strong>de</strong> suas ruas internas.Fonte: ALPHAVILLE URBANISMO S.A., 1997O acesso é rigidamente controla<strong>do</strong> 7 . Só po<strong>de</strong>m entrar pessoas cadastradas (mora<strong>do</strong>res) ou seusconvida<strong>do</strong>s. Os sistemas <strong>de</strong> controle são automatiza<strong>do</strong>s através <strong>de</strong> leitores <strong>de</strong> código <strong>de</strong> barras(FIG. 16) ou através <strong>de</strong> sensores <strong>de</strong> radiofrequência (a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> no Residêncial 1). A morfologiada portaria (FIG. 17) foi organizada <strong>de</strong> maneira a facilitar o acesso <strong>de</strong> veículos <strong>de</strong> mora<strong>do</strong>res,com sistemas automáticos e ágeis para reduzir ao mínimo o tempo <strong>de</strong> acesso ao con<strong>do</strong>mínio.Para os visitantes ou presta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> serviço, o acesso com veículos é feito por meio <strong>de</strong> umaentrada lateral (2), on<strong>de</strong> o processo é lento e burocrático.A estes procedimentos soma‐se outro, que po<strong>de</strong>‐se conjecturar como sen<strong>do</strong> excessivo, senãoilegal e humilhante: a revista diária e sistemática <strong>de</strong> emprega<strong>do</strong>s e operários que trabalham nocon<strong>do</strong>mínio e também <strong>de</strong> seus veículos. O visitante <strong>de</strong>verá ser i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> e, só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>autorização <strong>de</strong> um mora<strong>do</strong>r da casa <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino, será permiti<strong>do</strong> seu acesso. O acesso <strong>de</strong>pe<strong>de</strong>stres é feito através <strong>de</strong> guaritas exclusivas (3), também com sistema <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação ecatraca. Na edificação principal (4) localiza‐se a portaria. Po<strong>de</strong>‐se observar que o acesso <strong>de</strong>veículos <strong>de</strong> condôminos existe uma cobertura (5), inexistente no acesso <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a veículos<strong>de</strong> não‐condôminos (6). Assim como na entrada, existem duas saídas (7) uma <strong>de</strong>stinada amora<strong>do</strong>res e outra para não‐mora<strong>do</strong>res, que dão acesso à avenida externa aos resi<strong>de</strong>nciais (8).Estes dispositivos aten<strong>de</strong>m ao que Bauman (2009, p. 13) qualifica como “forte tendência parasentir me<strong>do</strong> e a obsessão <strong>de</strong>moníaca por segurança”.266


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9Figura 16 ‐ Carteira para acesso a resi<strong>de</strong>ncial no Con<strong>do</strong>mínioAlphaville. Com esta carteira não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificaçãoou autorização a cada acesso ao Con<strong>do</strong>mínio. Entretanto, ascarteiras são para acesso específico a exclusivamente a umresi<strong>de</strong>ncial específico.Figura 17– Alphaville, Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses, portaria <strong>de</strong> acesso aoResi<strong>de</strong>ncial 1, com acessos para veículos <strong>de</strong> mora<strong>do</strong>res (1) e paraveículos <strong>de</strong> convida<strong>do</strong>s e presta<strong>do</strong>res <strong>de</strong> serviço (2) e guaritas <strong>de</strong>controle <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres (3) e veículos (4), saída <strong>de</strong> veículos (7) eavenida externa (8).Fonte: DOCUMENTO DO AUTOR, 2008. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2007.O acesso restrito que <strong>de</strong>staca o aparato <strong>de</strong> segurança é corrobora<strong>do</strong> pela presença <strong>de</strong> muros (FIG.18). O isolamento po<strong>de</strong> ser magnifica<strong>do</strong> pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> muros internos (FIG. 19e 20), permitida pela legislação <strong>do</strong> con<strong>do</strong>mínio.Figura 18 – Alphaville, Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses, muro <strong>de</strong> divisa <strong>do</strong>Resi<strong>de</strong>ncial 3 com avenida Wimble<strong>do</strong>n.Figura 19 ‐ Alphaville, Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses, Resi<strong>de</strong>ncial 3. Observa‐se <strong>do</strong>smuros divisórios <strong>do</strong> con<strong>do</strong>mínio (1), a residência também é totalmentemurada (2).267Fonte: FOTO DO AUTOR, 2007. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2008.O isolamento com o exterior é reproduzi<strong>do</strong> em seu interior, com exigência <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s recuosdas construções 8 e pela ausência <strong>de</strong> calçadas, dificultan<strong>do</strong> a circulação <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres. As viasinternas têm 7 metros <strong>de</strong> largura, “passeios”, 3,5 metros soma<strong>do</strong>s aos cinco metros <strong>de</strong>afastamento frontal <strong>de</strong> cada casa, significan<strong>do</strong> uma distância mínima frontal entre casas <strong>de</strong>29m. Embora a legislação preveja passeio, não existe, na regulamentação, exigência <strong>de</strong> queseja pavimenta<strong>do</strong>. Tal situação faz com que a circulação <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres seja bastante perigosa,pois o <strong>de</strong>sconforto <strong>de</strong> caminhar por áreas ainda não urbanizadas (terrenos não construí<strong>do</strong>s) oumesmo por lotes já edifica<strong>do</strong>s, que optam por transformar o passeio em uma extensão <strong>do</strong>jardim (FIG. 21). Tal situação po<strong>de</strong>rá ter graves consequências, como atropelamentos. Cumpreseobservar ainda que, ao omitir‐se a exigência <strong>de</strong> pavimentação <strong>do</strong>s passeios, não só a


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Associação Alphaville, mas também a Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Nova Lima, a quem cabeconce<strong>de</strong>r o habite‐se a uma residência, incorrem em gestão que po<strong>de</strong> ser configurada comotemerária, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeitar a Legislação Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Acessibilida<strong>de</strong> 9 .isbn: 978-85-98261-08-9Figura 20 ‐ Alphaville, Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses,Resi<strong>de</strong>ncial 3. Observa‐se o gran<strong>de</strong> recuo dasresidências para a rua.Figura 21 ‐ Alphaville, Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses, Resi<strong>de</strong>ncial 1. A ausência<strong>de</strong> calçadas (1) dificulta a circulação <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres, que, na maioriadas vezes, optam por circular pela via <strong>de</strong> veículos.Fonte: FOTO DO AUTOR, 2008. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2008.A legislação con<strong>do</strong>minial exige área mínima construída <strong>de</strong> 150m², traduz o que a própria legislaçãointerna qualifica como “Padrão Alphaville”. O regulamento <strong>do</strong> Uso <strong>do</strong> Espelho d’água, em seu item 1.3qualifica Alphaville como “um empreendimento imobiliário <strong>de</strong> alto padrão” (ASSOCIAÇÃOALPHAVILLE LAGOA DOS INGLESES, 2006, p.65) 10 . Portanto, seus proprietários construirão casasneste alto padrão, significan<strong>do</strong> casas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dimensões (FIG. 22) 11 e materiais <strong>de</strong> acabamentoque mantenham este “padrão”.Figura 22 ‐ Alphaville, Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses, Resi<strong>de</strong>ncial3. Vista <strong>de</strong> três casas, observa‐se a tipologiapre<strong>do</strong>minante <strong>de</strong> 2 pavimentos, com exemplos <strong>de</strong> até3 pavimentos.Figura 23 ‐ Alphaville, Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses, Resi<strong>de</strong>ncial 1, o acesso<strong>de</strong> pessoas é escondi<strong>do</strong> e pouco <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>, enquanto a gran<strong>de</strong>“abertura” ou <strong>de</strong>staque é dada ao acesso <strong>de</strong> veículos.268Fonte: FOTO DO AUTOR, 2008. Fonte: FOTO DO AUTOR, 2008.FIGURA 24 – Subúrbio norte‐americano. Acesso Veículos (1) X Acesso Pessoas (2).Fonte: BMAC, 2008


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Reproduz‐se no Alphaville Lagoa <strong>do</strong>s Ingleses um padrão <strong>de</strong> construção que é recorrentenos subúrbios norte‐americanos (FIG. 24) e também é observa<strong>do</strong> no Alphaville <strong>de</strong> SãoPaulo (FIG. 06): a construção <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vagas <strong>de</strong> garagem, “<strong>do</strong>minan<strong>do</strong>” afachada principal da casa e relegan<strong>do</strong> a entrada social a um pequeno acesso lateral,quan<strong>do</strong> não passa a ser feito através da garagem. Em um exemplo observa<strong>do</strong> em umacasa no Resi<strong>de</strong>ncial 1 (FIG. 23) 12 , as vagas <strong>de</strong> garagem são abertas e <strong>do</strong>minam a fachada(2), enquanto o acesso à área social é um pequeno portão (1), la<strong>de</strong>a<strong>do</strong> por pare<strong>de</strong> cega epor muro.Embora a proposta <strong>de</strong>stes con<strong>do</strong>mínios 13 seja a <strong>de</strong> se estar moran<strong>do</strong> em uma comunida<strong>de</strong>i<strong>de</strong>al, as rotinas, procedimentos contradizem esta premissa. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interação entreos mora<strong>do</strong>res é reduzida, pois simples atos como ir à padaria necessitam que se utilize umveículo. A ausência <strong>de</strong> calçadas dificulta as caminhadas. As conexões <strong>de</strong> seus mora<strong>do</strong>res são,em sua maioria, externas ao con<strong>do</strong>mínio e região: trabalho, escola, compras, etc.isbn: 978-85-98261-08-9Consi<strong>de</strong>rações finais sobre uma “comunida<strong>de</strong>” “incomunal”Quan<strong>do</strong> a<strong>do</strong>tam padrões morfológicos — urbanísticos e arquitetônicos — e sóciocomportamentais semelhantes aos norte americanos, os con<strong>do</strong>mínios brasileiros ten<strong>de</strong>m aincorrer em problemas semelhantes. Problemas que po<strong>de</strong>m ser magnifica<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> seconsi<strong>de</strong>ram as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s históricas no país. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al parece, emprincípio, muito boa e interessante para seus mora<strong>do</strong>res, porém, seus valores subjacentes esua trajetória sócio normativa e atitudinal – em se consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> suas regras explicitas e nãoexplícitas <strong>de</strong> acesso, convívio e regulação social ‐ projetam‐se em direção a uma alienaçãocada vez maior com relação aos problemas brasileiros. Esta atitu<strong>de</strong> po<strong>de</strong>‐se configurar aindamais perigosa ao se pensar nos filhos <strong>de</strong>sta classe‐média que cresce vinculada a uma realida<strong>de</strong>social extremamente <strong>de</strong>sconectada com o restante <strong>do</strong> país.Embora, como lembra Moura (2003, p.53), ainda se po<strong>de</strong> pensar em termos otimistas arespeito <strong>do</strong>s con<strong>do</strong>mínios brasileiros. “Os con<strong>do</strong>mínios horizontais, cada vez maispresentes em nossos meios urbanos, apresentam novas formas <strong>de</strong> estar <strong>de</strong>ntro e fora,formas que, tanto aqueles que estão <strong>de</strong>ntro quanto os que estão fora, ainda estãoapren<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a viver”.Porém, o que se apresenta como socieda<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al, um projeto utópico, contradiz seuprincípio básico mais importante e recorrente: a igualda<strong>de</strong> entre os membros. Po<strong>de</strong>r‐seia argumentar que os mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> um con<strong>do</strong>mínio fecha<strong>do</strong> ten<strong>de</strong>m a estar em faixas <strong>de</strong>renda próximas ou iguais. Se tal fato econômico ocorre, a exteriorização <strong>de</strong> sua riqueza,status e po<strong>de</strong>r será sempre exigida e a continuida<strong>de</strong> da competição, como salienta<strong>do</strong> porVeblen (1994), interpõe novos patamares, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong>, no caso <strong>do</strong>s con<strong>do</strong>míniosexamina<strong>do</strong>s, ir <strong>de</strong> um veículo mais imponente ou caro, uma ampliação ou melhoria naresidência e até a colocação <strong>de</strong> uma réplica da estátua da liberda<strong>de</strong> ou da Vênus <strong>de</strong> Milo.E esta socieda<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al, que se preten<strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>, está longe <strong>de</strong>ste objetivo. O que secria é uma “comunida<strong>de</strong>” apática e que ten<strong>de</strong> a não se envolver em conflitos.Baumgartner (1988) em seu estu<strong>do</strong> sobre subúrbio norte‐americano qualificou a postura<strong>do</strong> suburbanita como “minimalismo moral” que manifesta uma aversão ao confronto e269


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)conflito e apresenta uma preferência por privar‐se <strong>de</strong> eventual liberda<strong>de</strong> e aceitarestratégias <strong>de</strong> controle social em uma cultura que o autor qualifica como <strong>de</strong> prevenção.Observar‐se a suburbanização que se propõe socieda<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al possibilita, <strong>de</strong> alguma forma, confirmarsea conclusão <strong>de</strong> Morus (2006[1516], p.154) para sua obra se aplica, quase 500 anos <strong>de</strong>pois, comuma atualida<strong>de</strong> impressionante à realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s subúrbios e con<strong>do</strong>mínios: “[...] reconheço <strong>de</strong> bomgra<strong>do</strong> que há na república utopiana muitas coisas que eu <strong>de</strong>sejaria ver em nossas cida<strong>de</strong>s. Que<strong>de</strong>sejo, mais <strong>do</strong> que espero ver”.isbn: 978-85-98261-08-94 REFERÊNCIASALPHAVILLE URBANISMO S.A. Bem vin<strong>do</strong> ao Alphaville Center.1997, Fol<strong>de</strong>r <strong>de</strong> propaganda impresso.ASSOCIAÇÃO ALPHAVILLE LAGOA DOS INGLESES. Regulamento <strong>de</strong> Ocupação e Uso <strong>do</strong> Solo <strong>de</strong> AlphavilleLagoa <strong>do</strong>s Ingleses: Zona Resi<strong>de</strong>ncial Unifamiliar ‐ U6, março <strong>de</strong> 2006. 78p.BAUMAN, Z. Comunida<strong>de</strong>: a busca por segurança no mun<strong>do</strong> atual. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 2003.BAUMGARTNER, M. P. The moral or<strong>de</strong>r of a suburb. New York: Oxford University Press, 1988.BMAC. Suburbia. Disponível em: . Acessoem: 01 maio 2008.BOURDIEU, P. Distinction: a social critique of the judgement of taste. Cambridge: Harvard University Press,1984.BRASIL, Lei nº 10.098, 2000, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000, Brasília: Presidência da República, Casa Civil,Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2006.270FREUND, P. E. S.; MARTIN, G. T. The ecology of the automobile. Montreal: Black Rose, 1993.FREYRE, G. Sobra<strong>do</strong>s e mucambos: <strong>de</strong>cadência <strong>do</strong> patriarca<strong>do</strong> rural e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> urbano. inSantiago, Silviano (Coord.) Intérpretes <strong>do</strong> Brasil Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Aguilar, 2ª edição, Volume III,2002. p. 931‐1102.GOMBRICH, E. H. J. The use of images: studies in the social function of art and visual communication.Lon<strong>do</strong>n: Phai<strong>do</strong>n Press Limited, 2000.GOODY, J. From misery to luxury. Social Science Information, Paris, v. 45, n. 3, p.341‐348, 2006.HOLSTON, J. Cida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnista: uma critica <strong>de</strong> Brasília e sua utopia. São Paulo: Companhia das Letras;1993.HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Objetiva, 2001.LA ROCHEFOUCAULD, F. Maxims. New York: Penguin Classics, 1982.MATSUMOTO, D. Individual and cultural differences on status differentiation: the status differentiationscale. Journal of Cross‐cultural Psychology, Melbourne, Fl., USA, v. 38, n. 4, p.413‐431, 2007.MÁXIMO, J.; DIDIER, C. Noel Rosa: uma biografia. Brasília: LGE ‐ Linha Gráfica Editora, 1990.MORUS, T. A utopia. Porto Alegre: L&PM Editores, 2006.MOURA, C. P. Viven<strong>do</strong> entre muros: o sonho da al<strong>de</strong>ia. In VELHO, G.; KUSCHNIR, K. (orgs.) Pesquisasurbanas: <strong>de</strong>safios <strong>do</strong> trabalho antropológico. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar 2003. p. 43‐54.ROUSSEAU, J.J. Discours sur l'origine et les fon<strong>de</strong>ments <strong>de</strong> l'inégalité parmi les hommes.. Paris: MarcMichel Rey, 1755. Disponível em: . Acesso em: 03 fev. 2009.


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)SHELLER, M.; URRY, J.. The car and the city In MILES, M.; HALL, T. (Ed.). The city cultures rea<strong>de</strong>r. Secon<strong>de</strong>dition Lon<strong>do</strong>n: Routledge, 2004. p. 202‐219.TIEDENS, L. Z. Sentimental stereotypes: emotional expectations for high‐and low‐status group members.Personality and social psychology bulletin, Ithaca v26, n5, p560‐575, may 2000.TOCQUEVILLE, A. De la démocratie en Amérique. Quinzème edition Paris: Michel Lévy Frères, LibrairesÉditeurs, 1868. Disponível em: . Acesso em: 08 <strong>de</strong>z. 2010.TÖNNIES, F. Community and society. In LIN, J.; MELE, C. (Ed.). The urban sociology rea<strong>de</strong>r. Lon<strong>do</strong>n:Routledge, 2005. p. 16‐22.VEBLEN, T. The theory of the leisure class. Chelmsford, Ma: Courier Dover Publications, 1994.VINTAGE ADVERTISING (1). 1929 advertising for Cadillac. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2011.VINTAGE ADVERTISING (2). 1966 Chevy advertising promises women. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2011.VINTAGE ADVERTISING (3). Vintage advertising for the "massively male" Dodge Torona<strong>do</strong>. Disponível em:. Acesso em: 20 jan. 2011.VINTAGE ADVERTISING (4). Vintage DeSoto advertising with Tyrone Power. Disponível em:. Acessoem: 20 jan. 2011.isbn: 978-85-98261-08-95 NOTAS2711 Fonte: MÁXIMO; DIDIER, 1990, p. 259.2 Palavra <strong>de</strong> origem latina cuja <strong>de</strong>signação original <strong>de</strong>signava a postura ou posição, entretanto, relacionada ao ato <strong>de</strong> seestar em pé (FARIA, 1962, p.942).3 Tradução <strong>de</strong>ste autor, a partir <strong>de</strong> original em inglês.4 Subúrbio da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Chicago, projeto <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rick Law Olmsted e Calvert Vaux.5 R$ 540,00 em janeiro <strong>de</strong> 2011.6 Valor <strong>de</strong> venda no merca<strong>do</strong> norte americano, que correspon<strong>de</strong>ria a cerca <strong>de</strong> R$ 145.000,00 – valores <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>2011. Se importa<strong>do</strong>, seu custo ficaria cerca <strong>de</strong> R$ 350.000,00 (custos <strong>de</strong> importação, frete e impostos).7 Nos Con<strong>do</strong>mínios Alphaville em São Paulo observam‐se procedimentos semelhantes <strong>de</strong> controle a acesso.8 O Regulamento <strong>de</strong> Ocupação e Uso <strong>do</strong> Solo <strong>do</strong> Con<strong>do</strong>mínio em seu item 2.12 exige afastamentos mínimos obrigatórios<strong>de</strong> 5 m (frontal), 2 m (lateral, quan<strong>do</strong> testada for igual ou inferior a 18 m) e 3 m (lateral, quan<strong>do</strong> testada for maior que18 m) e 3m (fun<strong>do</strong>s) (ASSOCIAÇÃO ALPHAVILLE LAGOA DOS INGLESES, 2006, p. 8).9 Lei nº 10.098, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000, que no item A <strong>de</strong> seu inciso II <strong>de</strong>termina que não po<strong>de</strong>m existir “barreiras:qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimento e a circulação” nas “nas viaspúblicas e nos espaços <strong>de</strong> uso público” (BRASIL, 2000).10 Observa‐se no estatuto da Associação Alphaville em seu inciso III <strong>do</strong> artigo 3º que <strong>de</strong>verá entre suas obrigações“preservar as características arquitetônicas e urbanísticas <strong>do</strong> empreendimento”, sem, entretanto, esclarecer a que,exatamente, tal preservação se refere (ASSOCIAÇÃO ALPHAVILLE LAGOA DOS INGLESES, 2006, p.43).11 O Regulamento <strong>de</strong> Ocupação e Uso <strong>do</strong> Solo <strong>do</strong> Con<strong>do</strong>mínio em seu item 2.15 traz uma condição pouco usual emlegislação urbanísticas, qual seja a exigência <strong>de</strong> área mínima <strong>de</strong> construção, no caso 150 m² (ASSOCIAÇÃO ALPHAVILLE


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9LAGOA DOS INGLESES, 2006, p. 8).12 O Regulamento <strong>de</strong> Ocupação e Uso <strong>do</strong> Solo <strong>do</strong> Con<strong>do</strong>mínio em seu item 2.27 exige, no mínimo, duas vagas <strong>de</strong>garagem por lote (ASSOCIAÇÃO ALPHAVILLE LAGOA DOS INGLESES, 2006, p. 11).13 É interessante observar‐se uma particularida<strong>de</strong> com relação a con<strong>do</strong>mínios no Brasil. A palavra segun<strong>do</strong> Houaiss(2001, p. 792) <strong>de</strong>signa “a posse ou o direito simultâneo, por duas ou mais pessoas, sobre um mesmo objeto ainda emesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> indivisão; co‐proprieda<strong>de</strong>, comproprieda<strong>de</strong>”. Entretanto, é, normalmente, empregada para <strong>de</strong>signar‐se oscon<strong>do</strong>mínios horizontais enquanto nos con<strong>do</strong>mínios verticais utiliza‐se usualmente a <strong>de</strong>signação “Edifício”. Entretanto,formal e legalmente o con<strong>do</strong>mínio horizontal não existe, visto que, os lotes são proprieda<strong>de</strong>s individuais, registra<strong>do</strong>sseparadamente e tributa<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte com relação a seus vizinhos enquanto seus arruamentos (áreas <strong>de</strong>circulação) são proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> município. O que, <strong>de</strong> fato, existe é uma gestão comum da área com relação à segurança,manutenção <strong>de</strong> jardins, eventualmente limpeza das ruas, etc. Os “edifícios”, juridicamente, são, <strong>de</strong> fato, con<strong>do</strong>mínios,visto que as áreas circulação e a proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> são terreno comuns a to<strong>do</strong>s os proprietários <strong>de</strong> suas unida<strong>de</strong>s; a cadaproprietário correspon<strong>de</strong> uma fração i<strong>de</strong>al <strong>do</strong> terreno, embora, este terreno seja, juridicamente, indivisível.272


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)NÚCLEO TEMÁTICO IV: Novo perfil <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> e novos rumos em direção a uma socieda<strong>de</strong> inclusivaO cooperativismo na construção civil: uma outra culturaprodutiva com senti<strong>do</strong> socialCooperativism in the civil construction: another productive culture with social meaningCristiano Gurgel BICKELMestre em Artes Visuais/<strong>UFMG</strong>; Doutoran<strong>do</strong> em <strong>Arquitetura</strong> e Urbanismo pelo NPGAU/ <strong>UFMG</strong>;Professor <strong>do</strong> Departamento <strong>de</strong> Artes Plásticas da EBA/<strong>UFMG</strong>. bickel@ufmg.br.isbn: 978-85-98261-08-9RESUMONeste artigo, discute‐se a cultura produtiva da construção civil brasileira, analisan<strong>do</strong>‐se as atuaisestruturas capitalistas <strong>do</strong>minantes e apontan<strong>do</strong> para o cooperativismo como alternativa para umareestruturação produtiva com senti<strong>do</strong> social. Levan<strong>do</strong>‐se em conta que tal reestruturação direciona‐separa a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> inclusiva, investigam‐se capital e trabalho nas relações sociais <strong>de</strong>produção <strong>do</strong>minantes na construção civil, visan<strong>do</strong> formular estratégias <strong>de</strong> superação <strong>de</strong>ssas relações,notadamente exclu<strong>de</strong>ntes. As recorrentes noções eficazes <strong>de</strong> crescimento com base econômicacapitalista, em que o senti<strong>do</strong> social é mercantiliza<strong>do</strong> e or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> pelo capital, promovem, <strong>de</strong> fato,relações sociais <strong>de</strong> produção, trabalho e consumo sem justiça social, em uma dinâmica exploratória <strong>de</strong>larga escala. Como uma outra cultura produtiva articulada às estratégias socioeconômicas para aconstrução <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> inclusiva, o cooperativismo é, então, analisa<strong>do</strong> como possibilida<strong>de</strong> viávelpara se estabelecer a lógica produtiva autogestionária, sem fins lucrativos, eminentemente social.Mudanças significativas nos paradigmas políticos, sociais, econômicos e culturais imersos nas basesprodutivas da construção civil necessitam ocorrer para que as transformações socioprodutivascontemporâneas não sejam apenas a<strong>de</strong>quadas às reconfigurações <strong>do</strong> capital. Mas oportunizem,efetivamente, uma base produtiva capaz <strong>de</strong> construir cida<strong>de</strong>s inclusivas, articuladas ao <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> uma economia social e cidadã.PALAVRAS‐CHAVE: Associativismo. Cooperativismo. Construção Civil ‐ Trabalho. Economia ‐ Socieda<strong>de</strong>.273ABSTRACTIn this article, it is discussed the productive culture of the Brazilian civil construction, analyzing thecurrent <strong>do</strong>minant capitalist structures and appointing to the cooperativism as an alternative to arestructuration, with social meaning. Consi<strong>de</strong>ring that this restructuration is directed to elaborate aninclusive society, it is investigated capital and labor in the <strong>do</strong>minant social relations of production in thecivil construction, aiming to formulate strategies to overcome these relations, visibly non inclusive. Theincreasing usual effective notions based on capitalist economics, in which the social meaning iscommodified and comman<strong>de</strong>d by capital; in<strong>de</strong>ed, promote, social relations of production, employmentand consumption without social justice, in a large‐scale exploratory dynamic. As another productiveculture articulated to the socioeconomic strategies in or<strong>de</strong>r to create an inclusive society, cooperativism isanalyzed as a viable possibility to establish a self‐managed, non‐profit, eminently social productive logic.It is necessary that occur significant changes in the political, social, economic and cultural paradigmsembed<strong>de</strong>d in the productive construction bases in or<strong>de</strong>r to the social and productive contemporarytransformations are not only suited to reconfigurations of the capital. However, these transformationsmay effectively make a productive base capable to create inclusive cities happen, linked to the<strong>de</strong>velopment of a social economy and citizenship.KEYWORDS: Associativism. Cooperativism. Civil Construction ‐ Labor. Economy ‐ Society.


1 INTRODUÇÃOprograma <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Para promover uma outra cultura produtiva com senti<strong>do</strong> social na construção civil éfundamental atentar‐se para o estabelecimento <strong>de</strong> uma outra base socioeconômica, quer sejaa economia social 1 , na centralida<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico.isbn: 978-85-98261-08-9A implementação <strong>de</strong> outros meios socioeconômicos que possam ultrapassar relações sociais <strong>de</strong>produção exclu<strong>de</strong>ntes e estabelecer justiça social é um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>uma socieda<strong>de</strong> inclusiva, cuja eficácia econômica contemple também o <strong>de</strong>senvolvimento humano esocial. Isso significa, sobremaneira, o entendimento da ação econômica como uma construçãosocial, envolven<strong>do</strong> aspectos não‐econômicos, como a cultura, tecnologia, educação, e também asfunções sociais da proprieda<strong>de</strong>, trabalho, produção e consumo.Para Lévesque (2007 p.52), a economia social é, <strong>de</strong> fato, uma socioeconomia política que questionaas formas econômicas da socieda<strong>de</strong>, através <strong>do</strong> engajamento cidadão em uma cidadania ativa eparticipativa. Dessa forma, o papel da economia social pertence à reconfiguração Esta<strong>do</strong>‐merca<strong>do</strong>socieda<strong>de</strong>.O merca<strong>do</strong> não é o antagonista, mas o elo da coesão social entre Esta<strong>do</strong> e Socieda<strong>de</strong>. Ea economia age sob o ponto <strong>de</strong> vista substantivo <strong>de</strong> Polanyi, envolven<strong>do</strong> redistribuição, com asativida<strong>de</strong>s não mercantis, e reciprocida<strong>de</strong>, com as ativida<strong>de</strong>s não monetárias.A orientação para uma outra cultura produtiva, atuan<strong>do</strong> em uma outra economia, que é social,exige o esforço conjunto político‐social‐econômico, envolven<strong>do</strong> outras lógicas <strong>de</strong> produção e outrosor<strong>de</strong>namentos sociais, com bases produtivas capazes <strong>de</strong> efetivar o <strong>de</strong>senvolvimento com qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida e justiça social.A racionalida<strong>de</strong> auto<strong>de</strong>strui<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> capital oculta‐se no mito <strong>do</strong> progresso, da mo<strong>de</strong>rnização e daeficácia <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e crescimento econômico. Consequentemente, aprofunda‐se a<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social, diminuin<strong>do</strong> a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida em meio ao inchaço urbano, ina<strong>de</strong>quaçãohabitacional, aumento da poluição, colapso viário e outras tantas formas <strong>de</strong> violência cotidianas.Para Dupas (2011, p.69), os custos sociais <strong>do</strong> progresso são trágicos e inevitáveis em nossos dias.Por sua vez, Mészáros (2009, p.79) evi<strong>de</strong>ncia que, diante <strong>do</strong> aprofundamento da atual crise estrutural<strong>do</strong> capital, tornam‐se necessárias mudanças institucionais. E não apenas as estruturas econômicasnecessitam <strong>de</strong> outras institucionalida<strong>de</strong>s que barrem o avanço <strong>do</strong> capital sobre a socieda<strong>de</strong> civil, mastoda a dinâmica política e social necessita <strong>de</strong> alternativas para estabelecer, <strong>de</strong> fato, uma socieda<strong>de</strong>inclusiva. Nesse senti<strong>do</strong>, Mészáros (2009, p.88) consi<strong>de</strong>ra ainda que “a tarefa <strong>de</strong> reestruturar aeconomia torna‐se primariamente política/social, e não econômica”, e que em “tempos <strong>de</strong> criseeconômica abrem sempre uma brecha razoável na or<strong>de</strong>m estabelecida".Para Marx (2011b, L.3 v.4, p.346), transcen<strong>de</strong>r o capital implica ultrapassar formas sociais mo<strong>de</strong>rnas<strong>de</strong> exploração já cristalizadas e tornadas naturais como a concentração <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> produção, aorganização <strong>do</strong> trabalho produtivo e o merca<strong>do</strong> econômico em escala global.Com relação à indústria da construção civil, esta <strong>de</strong>sempenha um papel econômico central no ciclo <strong>de</strong>reprodução <strong>do</strong> capital. As relações sociais <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>sse setor ocultam formas exploratórias <strong>do</strong>trabalho humano; alta concentração <strong>de</strong> recursos financeiros; economia especulativa da terra; uso <strong>de</strong>materiais, tecnologias e recursos naturais <strong>de</strong> maneira não‐sustentável; <strong>de</strong>ntre outros aspectospróprios da reprodução <strong>de</strong> capital manejada por essa indústria.274


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Os setores produtivos brasileiros carecem <strong>de</strong> uma ampla reestruturação a fim <strong>de</strong> estabelecercondições produtivas sustentáveis e inclusivas, relacionadas às trocas econômicas quevalorizem o homem, a socieda<strong>de</strong> e a natureza. Nesse senti<strong>do</strong>, o cooperativismo atuan<strong>do</strong> naconstrução civil, como será visto adiante, po<strong>de</strong> promover práticas econômicas não‐capitalistas,intrínsecas à lógica autogestionária, que perpassam pela <strong>de</strong>sconcentração das riquezas e <strong>do</strong>smeios <strong>de</strong> produção, como também pela <strong>de</strong>mocratização e <strong>de</strong>shierarquização das relaçõessociais <strong>do</strong> trabalho produtivo, possibilitan<strong>do</strong> redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s socioeconômicas,fortalecimento da cidadania ativa, o que contribui para a inclusão social, reelaboran<strong>do</strong>paradgimas sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais.O contexto atual carece <strong>de</strong> ações que efetivamente promovam as transformações políticas,econômicas e sociais que a economia social preten<strong>de</strong> para a construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>inclusiva, que também produza cida<strong>de</strong>s inclusivas, articuladas ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> umaeconomia social e cidadã.isbn: 978-85-98261-08-92 REDEFININDO RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA E SOCIEDADEA percepção crítica <strong>de</strong> que as ações econômicas não são indissociadas <strong>do</strong>s aspectos sociaisenvolvi<strong>do</strong>s nas relações <strong>de</strong> produção, trabalho e consumo têm ganha<strong>do</strong> forte presença nadiscussão crítica contemporânea acerca da inclusão social.A discussão <strong>de</strong>ste trabalho sobre uma reestruturação produtiva com senti<strong>do</strong> social naconstrução civil <strong>de</strong>ve pautar‐se, portanto, em uma noção econômica não apenas <strong>do</strong>funcionamento econômico <strong>do</strong> capital‐produtivo, mas que também perceba a dimensãoeconômica <strong>do</strong>s arranjos produtivos como sociológica, cultural e política.Dessa forma, a noção weberiana <strong>de</strong> que a ação econômica é uma construção social evi<strong>de</strong>ncia opapel das práticas sociais no <strong>de</strong>senvolvimento econômico. Para Weber (2009, p.5), “a açãosocial é uma ação na qual o senti<strong>do</strong> pensa<strong>do</strong> pelo sujeito ou sujeitos está referi<strong>do</strong> à conduta<strong>do</strong>s outros e por ela se orienta no <strong>de</strong>senvolvimento da ação." Dessa forma, o que conferesenti<strong>do</strong> à ação social é que ela é motivada pelos interesses e direcionada para ocomportamento <strong>do</strong>s outros.A discussão <strong>do</strong> interesse na sociologia weberiana envolve a discussão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>do</strong>minação,que se manifesta nas relações sociais <strong>de</strong> luta, concorrência e seleção. Em linhas gerais, paraWeber (2009, p. 16) po<strong>de</strong>r significa “qualquer oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, numa relação social, impôr aprópria vonta<strong>de</strong> contra resistências alheias”, ou seja, ter po<strong>de</strong>r é o mesmo que vencer a luta(social) ou, inversamente, entrar nessa luta já com oportunida<strong>de</strong>s melhores <strong>do</strong> que os outros. A<strong>do</strong>minação é “a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que uma or<strong>de</strong>m com um teor específico seja obe<strong>de</strong>cida porum grupo <strong>de</strong> pessoas”. Weber (2009, p.18) enten<strong>de</strong> a luta como a ação orientada para aimposição da própria vonta<strong>de</strong> contra a resistência alheia; a concorrência correspon<strong>de</strong> à lutapacífica – sem violência física – pelo controle <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s que outros também almejam; ea seleção é um tipo <strong>de</strong> luta em que o antagonismo é latente, não intencional, e as ações não sedirigem diretamente contra outros indivíduos ou grupos.Basean<strong>do</strong>‐se nessas <strong>de</strong>finições, Swedberg (2005, p.60) compreen<strong>de</strong> as organizações produtivascomo sistemas <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação, nos seguintes termos: “To<strong>do</strong> sistema político, observa Weber,275


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)baseia‐se, <strong>de</strong> alguma forma, na <strong>do</strong>minação, e como uma economia em geral faz parte <strong>do</strong>sistema político, ten<strong>de</strong> a operar <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o mesmo tipo <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação política.”Por sua vez, Harvey (2005, p.90) propõe que o Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve ser visto como um “processo <strong>de</strong>exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s arranjos institucionais.”Swedberg (2005, p.61) recorren<strong>do</strong>, ainda, à concepção apresentada acima, <strong>de</strong> que a<strong>do</strong>minação não ocorre em si mesma, mas <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à luta ante um conjunto <strong>de</strong> interesses ou <strong>de</strong>autorida<strong>de</strong>s que se estabelecem em um merca<strong>do</strong> afirma: “em síntese, no merca<strong>do</strong> não existeum princípio <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação, contu<strong>do</strong> os agentes que possuem o ‘po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> controlar e dispor’estão numa posição vantajosa.”A fim <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finir as relações entre economia e socieda<strong>de</strong>, Weber elabora um certo tipo <strong>de</strong>“individualismo meto<strong>do</strong>lógico e <strong>do</strong> senti<strong>do</strong>”, como sugere Swedberg, (2005, p.286). Oindividualismo meto<strong>do</strong>lógico <strong>de</strong> Weber possui uma natureza mais social que atomista,contrastan<strong>do</strong>, portanto, com a noção <strong>de</strong> sujeito econômico fraciona<strong>do</strong> e racionaliza<strong>do</strong> (homoeconomicus) da teoria econômica neoclássica. Isso significa que, apesar <strong>de</strong> os indivíduosinteragirem movi<strong>do</strong>s pelos interesses materiais ou i<strong>de</strong>ais, eles orientam racionalmente suasações sociais uns para os outros, o que acaba por influenciar os próprios comportamentossociais.Nesse senti<strong>do</strong>, o conceito <strong>de</strong> imersão (embed<strong>de</strong>ness) 2 , cunha<strong>do</strong> por Granovetter (2007),permite questionar to<strong>do</strong> tipo <strong>de</strong> concepções utilitaristas, que consi<strong>de</strong>ram a influência socialcomo uma força externa ao sistema econômico e atribuem ao sujeito econômico umaracionalida<strong>de</strong> também puramente econômica.Granovetter (2007, p. 7‐9) enten<strong>de</strong>, pelo contrário, que a dinâmica econômica <strong>de</strong> relaçõessociais concretas evi<strong>de</strong>ncia a inconsistência <strong>de</strong>sses pressupostos. Os atores econômicos nem secomportam “como átomos fora <strong>de</strong> um contexto social” (subsocializa<strong>do</strong>), nem tampouco“a<strong>do</strong>tam <strong>de</strong> forma servil um roteiro escrito para eles” (supersocializa<strong>do</strong>), em função <strong>do</strong>pertencimento a <strong>de</strong>terminada categoria, classe ou grupo social. O que ocorre na realida<strong>de</strong> éque as “ações com propósito estão imersas em sistemas concretos e contínuos <strong>de</strong> relaçõessociais".Granovetter (2007) <strong>de</strong>senvolve o conceito <strong>de</strong> imersão para <strong>de</strong>signar o fato <strong>de</strong> quecomportamentos pessoais são influencia<strong>do</strong>s pelas contínuas relações sociais em que seencontram imersos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que eles se estruturam socialmente em re<strong>de</strong>s favoráveis aoestabelecimento da confiança na ação econômica. As re<strong>de</strong>s, por sua vez, constituem conjuntos<strong>de</strong> alianças, em várias direções e níveis, que formam uma espécie <strong>de</strong> trama para a durabilida<strong>de</strong>das relações econômicas. Nelas se estabelecem acor<strong>do</strong>s cooperativos e se geram condiçõeseconômicas estratégicas.Dessa forma, Granovetter (2007) se contrapõe à noção <strong>de</strong> que as oportunida<strong>de</strong>s econômicasestariam supostamente ligadas apenas à lógica concorrencial <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s e às suashierarquias. De fato, os conceitos <strong>de</strong> imersão e re<strong>de</strong>s apontam para a importância <strong>do</strong>s aspectossociais que agem como capitais, ten<strong>do</strong> na reciprocida<strong>de</strong> e na inter<strong>de</strong>pendência das suas“moedas sociais” para a formação das alianças no estabelecimento da confiança para asrelações econômicas.isbn: 978-85-98261-08-9276


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Isso significa uma ampla re<strong>de</strong>finição para o entendimento das relações entre economia esocieda<strong>de</strong>: “o econômico cessa <strong>de</strong> ser reduzi<strong>do</strong> ao mercantil para incluir o não mercantil e onão monetário [...] O social, por sua vez, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser reduzi<strong>do</strong> à distribuição e aos gastossociais para tornar‐se ‘capital social’ ” (Lévesque, 2007, p. 51).Em linhas gerais, esse <strong>de</strong>bate <strong>de</strong> base weberiana sistematiza<strong>do</strong> acima por Swedberg (2005),Granovetter (2007) e Lévesque (2007) tem ganha<strong>do</strong> forte presença na teoria socialcontemporânea, no momento em que o trabalho é flexibiliza<strong>do</strong>, o emprego entra em francaredução no contexto mundial e as tecnologias da informação e o conhecimento favorecem amobilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s capitais, circulan<strong>do</strong> em tempo real e no nível mundial, reposicionan<strong>do</strong> entre oglobal e o local, as noções <strong>de</strong> abrangência e relevância <strong>do</strong>s comportamentos sociais noprotagonismo <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico.isbn: 978-85-98261-08-93 CAPITAL‐TRABALHO EM COOPERAÇÃO PRODUTIVAHistoricamente, as transformações promovidas pelo capital não são apenas transformaçõesno mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção, mas influenciam as mudanças das relações sociais <strong>de</strong> produção noseio das próprias transformações das estruturas sociais, políticas, culturais e econômicas.O núcleo <strong>do</strong> sistema econômico <strong>do</strong>minante, regi<strong>do</strong> pelas instituições <strong>do</strong> capital, possui suadimensão social imersa nas contradições promovidas pelo mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalista.Assim, enfatiza Swedberg (2005, p. 165), “por meio da sua própria lógica e dasconseqüências não intencionais, o capitalismo não apenas produz a riqueza individualcomo também a riqueza social (Smith), não apenas produz avanços para alguns comotambém empecilhos e dificulda<strong>de</strong>s para outros (Marx, Weber)".Sob o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalista, o trabalho‐produtivo <strong>de</strong>ve, essencialmente, garantir os finslucrativos da produção. Com isso, possui a função fundamental <strong>de</strong> gerar lucro, concentrar capital emanter a continuida<strong>de</strong> da produção, permitin<strong>do</strong> tanto a acumulação <strong>de</strong> capital quanto a reprodução<strong>do</strong> sistema produtivo.Para Marx (2011b, L.3 v.4, p.338), “a taxa <strong>de</strong> lucro é a força propulsora da produção capitalista, e só seproduz o que se po<strong>de</strong> e quan<strong>do</strong> se po<strong>de</strong> produzir com lucro”. Ou seja, todas as <strong>de</strong>mandas sociais nãolucrativasnão participam <strong>do</strong> sistema produtivo. E o sistema produtivo, além <strong>de</strong> necessitar a criação <strong>de</strong>novas <strong>de</strong>mandas, aten<strong>de</strong> apenas o que é lucrativo.Diante da teoria marxiana, po<strong>de</strong>‐se <strong>de</strong>finir que a relação capital‐trabalho é, necessariamente, umarelação social <strong>de</strong> produção que submete as funções sociais <strong>do</strong> trabalho ao controle e lógica produtiva<strong>do</strong> capital. Nesse senti<strong>do</strong>, Marx (2011a, L.1, p.215) observa que “meio e objeto <strong>de</strong> trabalho são meios<strong>de</strong> produção e o trabalho é trabalho produtivo”. Dessa forma, o trabalho é entendi<strong>do</strong> como médiasocial <strong>de</strong> trabalho simples e uniforme, que baliza o sistema <strong>de</strong> produção mercantil capitalista nastransformações <strong>do</strong> trabalho em valor para produção <strong>de</strong> lucro.No regime da produção capitalista, com a divisão social <strong>do</strong> trabalho, cada trabalha<strong>do</strong>r significa não asua habilida<strong>de</strong> individual <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver trabalho, mas uma quantida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> trabalho produtivosocialmente necessário para produzir merca<strong>do</strong>rias, nas condições sociais e tecnológicas vigentes, paraas necessida<strong>de</strong>s sociais <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>, e com as possibilida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> meio <strong>de</strong> circulação monetária.277


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Nessa dinâmica <strong>de</strong> exploração <strong>do</strong> trabalho, submeten<strong>do</strong> as ativida<strong>de</strong>s produtivas à or<strong>de</strong>nação<strong>do</strong> capital, o capitalista adquire direito sobre o lucro advin<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho produtivo, comoproprietário da produção. A condição proprietária permite, apropriar‐se, anteriormente, daforça <strong>de</strong> trabalho como uma merca<strong>do</strong>ria, um bem <strong>de</strong> produção como outro qualquer, e nãocomo o próprio bem que gera valor na produção. Isso permite, posteriormente, apropriar‐se<strong>do</strong> mais valor ou sobrevalor da produção, através da diferença entre o valor concretiza<strong>do</strong> como trabalho produtivo e a não‐remuneração da força <strong>de</strong> trabalho sob a condição <strong>do</strong> trabalhoassalaria<strong>do</strong>.Por outro la<strong>do</strong>, trabalho‐produtivo é, necessariamente, trabalho coletivo atuan<strong>do</strong> em umregime <strong>de</strong> cooperação.A cooperação correspon<strong>de</strong> a uma característica própria <strong>do</strong> trabalho coletivo, asolidarieda<strong>de</strong>. Dessa forma, não correspon<strong>de</strong> a um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção,po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser encontrada em todas as relações sociais <strong>de</strong> produção, sejam elas capitalistasou cooperativistas.Marx (2011a, L.1, p.393) enfatiza que “a divisão manufatureira <strong>do</strong> trabalho é uma espécieparticular <strong>de</strong> cooperação, e muitas <strong>de</strong> suas vantagens <strong>de</strong>correm não <strong>de</strong>ssa formaparticular, mas da natureza geral da cooperação”.Na história social <strong>do</strong> trabalho, a cooperação é recorrente na produção intensiva euniforme, por exemplo, na produção agrícola, mineral e nas obras <strong>de</strong> construção civil. Emum regime <strong>de</strong> cooperação, os trabalha<strong>do</strong>res atuam coletivamente e ativamente, semhaver, necessariamente, divisão social <strong>do</strong> trabalho.A cooperação como força social própria <strong>do</strong> trabalho coletivo tornada cooperaçãocapitalista envolve a concentração das forças sociais <strong>do</strong> trabalho com a consequentesubordinação e alienação da própria classe trabalha<strong>do</strong>ra.A divisão social <strong>do</strong> trabalho e a organização da produção em regime <strong>de</strong> cooperaçãoconstituem a combinação necessária para garantir a continuida<strong>de</strong> da produçãoorganizada pelo capital. Por essa via, a divisão técnica <strong>do</strong> trabalho e a interação dasforças parciais <strong>do</strong> trabalho‐coletivo parcela<strong>do</strong> em cooperação adquirem um papelfundamental na cultura produtiva e na racionalida<strong>de</strong> econômica capitalista.Assim, Marx parte da noção <strong>de</strong> cooperação simples, própria <strong>do</strong> trabalho coletivorealiza<strong>do</strong> em escala, para conceber a noção <strong>de</strong> cooperação complexa, que é a formatípica <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalista.A cooperação simples, forma típica <strong>do</strong> cooperativismo, converge as forças solidárias <strong>de</strong>trabalhos parciais em uma força maior que a soma das partes individuais coor<strong>de</strong>nadas.Já a cooperação complexa, forma típica <strong>do</strong> capitalismo, transforma a cooperação simples,introduzin<strong>do</strong> a divisão social à divisão técnica <strong>do</strong> trabalho, especializan<strong>do</strong> e controlan<strong>do</strong>a produção, possibilitan<strong>do</strong> integrar os resulta<strong>do</strong>s parciais em um regime conexo daprodução. Segun<strong>do</strong> Marx (2011a, L.1, p.378), correspon<strong>de</strong> a “forma <strong>de</strong> trabalho em quemuitos trabalham juntos, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com um plano, no mesmo processo <strong>de</strong> produção ouem processos <strong>de</strong> produção diferentes, mas conexos”.isbn: 978-85-98261-08-9278


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Dessa forma, a cooperação complexa acaba por tornar‐se a forma específica <strong>do</strong> processo <strong>de</strong>produção capitalista. Isso condiciona as relações sociais <strong>de</strong> produção ao regime <strong>de</strong> trabalhocoletivo, por meio da cooperação <strong>de</strong> esforços parcela<strong>do</strong>s e centraliza<strong>do</strong>s pela força <strong>do</strong> capital.Gorz (2001, p.117) <strong>de</strong>fine o trabalho produtivo submeti<strong>do</strong> ao regime capitalista <strong>de</strong> produçãonas dimensões econômicas e políticas: “assim, para os dirigentes da produção capitalista, aorganização <strong>do</strong> trabalho respon<strong>de</strong>, conceitualmente, a uma necessida<strong>de</strong> econômica (obter amelhor produtivida<strong>de</strong> possível) e a uma necessida<strong>de</strong> política (manter os produtores diretosnuma posição subordinada em relação ao capital)”.Essa análise da cooperação como condição <strong>do</strong> trabalho mo<strong>de</strong>rno é fundamental para oentendimento <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalista vigente, uma vez que, através <strong>do</strong>planejamento da produção, da conexão e concentração <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> produção em ummesmo local, os meios produtivos (dimensão econômica) em regime <strong>de</strong> cooperaçãosubjugam as forças <strong>de</strong> trabalho (dimensão política).Com relação ao papel da objetivação <strong>do</strong> trabalho produtivo para a alienação <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r,Gorz (2001, p.177) ressalta que na produção capitalista “a objetivação, não visa somente alimitar o campo <strong>de</strong> trabalho, mas também a impedir que qualquer trabalha<strong>do</strong>r compreendaos laços e a dialética <strong>do</strong> conjunto e, por conseguinte, a política da empresa”.Para Napoleoni (1981, p.114), “a objetivação <strong>do</strong> trabalho se torna a base da alienação”.Como dito anteriormente, a cooperação é qualida<strong>de</strong> própria <strong>do</strong> trabalho coletivo, nãopromoven<strong>do</strong> a alienação propriamente dita <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r. Entretanto, com a divisão <strong>do</strong>trabalho, atuan<strong>do</strong> em uma estrutura centralizada e hierarquizada para o regime cooperativoda produção capitalista, criam‐se as condições necessárias para a alienação, por meio darelação apartada entre as operações parceladas, a totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalho e a função social <strong>do</strong>trabalho. Dessa forma, o trabalha<strong>do</strong>r não consegue discernir a parte <strong>do</strong> trabalho que lhepertence no processo produtivo, nem seu lugar na inserção social com igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>condições e <strong>de</strong> direitos.O particionamento das etapas <strong>de</strong> produção, o controle da distribuição <strong>de</strong> tarefas e aconferência sistemática <strong>do</strong> andamento <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> produção constituem a culturaprodutiva capitalista envolven<strong>do</strong> uma racionalida<strong>de</strong> técnica própria com a divisão <strong>do</strong>trabalho‐produtivo, submeti<strong>do</strong> à cooperação complexa. A força produtiva <strong>do</strong> trabalhosocial em cooperação complexa torna‐se, <strong>de</strong>ssa forma, força produtiva ampliada para ocapital e não para os próprios trabalha<strong>do</strong>res.Nesse senti<strong>do</strong>, o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalista faz com que a subsunção formal <strong>do</strong>trabalho produtivo se torne uma subsunção real, com a divisão social <strong>do</strong> trabalho e suaconexão produtiva, pela divisão técnica e social <strong>do</strong> trabalho, tornada alienada.O trabalha<strong>do</strong>r é mais um <strong>do</strong>s bens <strong>de</strong> produção, direciona<strong>do</strong> à ampliação e reprodução<strong>do</strong> capital e consequentemente, consumi<strong>do</strong>. Para Miglioli (1987, p.135), o trabalhoprodutivo objetiva<strong>do</strong> retira a autonomia <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r, assim como atrofia a sua vida,tornan<strong>do</strong>‐o objeto <strong>de</strong> consumo da produção. Disso <strong>de</strong>corre também a redução dapresença <strong>de</strong> pequenos produtores autônomos atuan<strong>do</strong> no sistema econômico, além <strong>de</strong>se configurar um ambiente social <strong>de</strong> menor mobilida<strong>de</strong> entre operários e patrões.isbn: 978-85-98261-08-9279


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A ampliação das forças produtivas capitalistas, que po<strong>de</strong>ria libertar o homem <strong>do</strong> trabalho,torna o homem trabalha<strong>do</strong>r “compulsório” <strong>do</strong> capital. O nefasto funcionamento daracionalização técnica capitalista reduz as relações sociais <strong>de</strong> produção e trabalho ao regimemercantil, o que aliena o trabalho das dimensões políticas e sociais, restringin<strong>do</strong>‐se aofuncionamento econômico para concentração e reprodução <strong>do</strong> capital.isbn: 978-85-98261-08-94 OUTRA CULTURA PRODUTIVA PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIALComo alternativa <strong>de</strong> superação das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s e exclusões sociais, que se aprofundamcom os avanços <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalista, o cooperativismo surge com as lutasoperárias <strong>do</strong> século XIX e se <strong>de</strong>senvolve sob os princípios <strong>de</strong>mocráticos, solidários,participativos e autogestionários.O cooperativismo atua nas transformações sociais relacionadas ao trabalho‐produtivoreconhecen<strong>do</strong> que a inclusão social requer mudanças estruturais na lógica <strong>do</strong>or<strong>de</strong>namento socioeconômico, sobretu<strong>do</strong>, no âmbito da reor<strong>de</strong>nação das basesprodutivas e das relações sociais <strong>de</strong> produção, trabalho e consumo. Para Rios (1987),Souza Santos (2002) e Bucci (2003), o cooperativismo conjuga nas dimensões sociais <strong>do</strong>trabalho cooperativo, a reor<strong>de</strong>nação da própria socieda<strong>de</strong> civil.A eficácia <strong>do</strong>s processos produtivos cooperativistas encontra‐se nas características <strong>do</strong>trabalho coletivo em cooperação e na forte vinculação social das ações econômicas,conforme comentadas anteriormente. Assim, a força social <strong>do</strong> trabalho coletivo alia‐se àforça econômica <strong>do</strong>s meios <strong>de</strong> produção socializa<strong>do</strong>s, configuram‐se relações <strong>de</strong> trabalhoindissociadas nas dimensões econômicas, políticas e sociais.Para Bucci (2003, p.37), as cooperativas caracterizam‐se por a<strong>do</strong>tar como fundamento a“lei da cooperação e não da concorrência”, ten<strong>do</strong> como finalida<strong>de</strong> a melhoria dascondições econômicas através da criação <strong>de</strong> uma empresa <strong>de</strong> interesse comum,afastan<strong>do</strong> explora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> trabalho, intermediários e atravessa<strong>do</strong>res.Assim, o objetivo <strong>do</strong> cooperativismo é viabilizar processos produtivos em que trabalho evalor sejam reparti<strong>do</strong>s, colocan<strong>do</strong>‐se em prática ativida<strong>de</strong>s econômicas que retornam ovalor cria<strong>do</strong> pelo trabalho para os próprios trabalha<strong>do</strong>res coopera<strong>do</strong>s.Isso, segun<strong>do</strong> Singer e Souza (2000, p.13), implica formas sociais avançadas em que a<strong>de</strong>mocracia participativa na gestão empresarial, oportuniza igualda<strong>de</strong> e transparência,<strong>de</strong>shierarquizan<strong>do</strong> relações sociais <strong>de</strong> produção e trabalho, propician<strong>do</strong>, porconseguinte, acesso e disponibilização <strong>de</strong> informações táticas e estratégias, bem como aparticipação nas <strong>de</strong>cisões coletivas das ações <strong>do</strong>s grupos coopera<strong>do</strong>s.Dessa forma, Singer (2002) <strong>de</strong>fine a cooperativa como unida<strong>de</strong> típica da economia social,levan<strong>do</strong>‐se em conta a finalida<strong>de</strong> econômica orientada para práticas sociais queviabilizam processos produtivos sem fins lucrativos. Uma empresa social comcaracterísticas tanto econômicas quanto sociais, movida por formas inclusivas para agestão empresarial das ativida<strong>de</strong>s produtivas com fins sociais e econômicos nãolucrativos.280


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)É importante frisar que o horizonte mais amplo das ações socioeconômicascooperativistas preten<strong>de</strong> a transformação social que supere o capital e suas relaçõesexploratórias da produção, trabalho e consumo. Através da repactuação entre capital etrabalho, uma outra cultura produtiva com senti<strong>do</strong> social torna‐se meio para ultrapassarformas exploratórias econômicas <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> produção capitalista <strong>do</strong>minante.Dessa forma, o cooperativismo não tem um caráter complementar à produção capitalista,correspon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a uma outra lógica para a cultura produtiva, no interior <strong>do</strong>funcionamento da economia <strong>do</strong>minante, que é capitalista. A periferia <strong>do</strong> sistemaeconômico, na qual o cooperativismo se situa hoje, não significa a localização i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>ssesistema produtivo, nem uma impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se tornar parte central <strong>do</strong><strong>de</strong>senvolvimento econômico.É recorrente a suposta noção <strong>de</strong> que as cooperativas sejam ativida<strong>de</strong>s produtivascomplementares, realizan<strong>do</strong> trabalhos secundários pelos <strong>de</strong>semprega<strong>do</strong>s <strong>do</strong> capital eocupan<strong>do</strong> o lugar social <strong>do</strong>s trabalhos que as empresas capitalistas não se interessam por fazer,seja pela complexida<strong>de</strong>, risco ou baixa lucrativida<strong>de</strong> das ativida<strong>de</strong>s econômicas.Trata‐se <strong>de</strong> uma outra economia <strong>do</strong> trabalho, com uma outra perspectiva <strong>de</strong> produção,trabalho e consumo, na direção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> inclusiva, em uma ampla concepção <strong>do</strong>stermos solidarieda<strong>de</strong>, sustentabilida<strong>de</strong> e responsabilida<strong>de</strong> social, que estão correlaciona<strong>do</strong>s àspráticas econômicas e sociais cooperativistas.No entanto, cabe ressaltar que as práticas não‐capitalistas po<strong>de</strong>m ter a sua lógica subvertidaaos interesses <strong>do</strong> capital, pois não são as formas não‐capitalistas em si que garantem práticassociais inclusivas, mas, antes, o estabelecimento <strong>do</strong>s interesses econômicos e das relações <strong>de</strong><strong>do</strong>minação, conforme discuti<strong>do</strong> anteriormente.A dinâmica da terceirização, por exemplo, com a flexibilização <strong>do</strong> trabalho, po<strong>de</strong> subverter asativida<strong>de</strong>s cooperativas em instrumentos para a precarização <strong>do</strong> trabalho coletivo, retiran<strong>do</strong>garantias sociais <strong>do</strong> emprego formal legalmente estabelecidas.Singer e Souza (2000) apontam para essa subversão <strong>do</strong> cooperativismo para fins daprecarização coletiva <strong>do</strong> trabalho, viabilizan<strong>do</strong> a terceirização <strong>de</strong> mão‐<strong>de</strong>‐obra e amonopolização <strong>de</strong> segmentos <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>, com a formação <strong>de</strong> falsos grupos cooperativos comfins lucrativos e sem os fins sociais.Singer (2002, p.13) enfatiza que o cooperativismo carece <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> regulação queconsigam, efetivamente, coibir as chamadas “cooperativas <strong>de</strong> mão‐<strong>de</strong>‐obra”, que buscam nomo<strong>de</strong>lo cooperativista saídas econômicas para a exploração <strong>do</strong> trabalho e redução <strong>de</strong> custos <strong>de</strong>produção, por meio da precarização coletiva <strong>do</strong> trabalho terceiriza<strong>do</strong>.Para a atuação efetiva <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s cooperativas no Brasil, relacionadas aos vários segmentoseconômicos da construção civil, é necessária uma ampla reor<strong>de</strong>nação socioeconômica <strong>do</strong>sistema produtivo cooperativo. Assim, é fundamental promover um autêntico sistemaprodutivo cooperativista, e não apenas um conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s cooperativas isoladas, oumesmo agrupadas em ramos segmenta<strong>do</strong>s, em uma efetiva intercooperação produtiva daspráticas autogestionárias, constituin<strong>do</strong> o funcionamento <strong>de</strong> uma economia social <strong>de</strong> basecooperativista.isbn: 978-85-98261-08-9281


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Isso significa a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se constituir um sistema <strong>de</strong> produção basea<strong>do</strong> nos princípios daeconomia social e integrá‐lo à construção civil, interligan<strong>do</strong> diversas ativida<strong>de</strong>s cooperativas <strong>de</strong>produção, trabalho, consumo e crédito, em um sistema <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> intercooperação comativida<strong>de</strong>s autogestionárias na construção civil. Dessa forma, re<strong>de</strong>s solidárias po<strong>de</strong>m ativar adinâmica geral da economia pela centralida<strong>de</strong> econômica da construção civil, estabelen<strong>do</strong>várias ca<strong>de</strong>ias produtivas não‐capitalistas correlacionadas.Com efeito, a or<strong>de</strong>nação jurídica e as políticas públicas brasileiras com relação aocooperativismo necessitam <strong>de</strong> aprimoramentos e <strong>do</strong> estabelecimento <strong>de</strong> normas queregulamentem as diferentes atuações cooperativas, conectan<strong>do</strong> setores econômicos e ca<strong>de</strong>iasprodutivas por atos cooperativos autogestionários relaciona<strong>do</strong>s.Entretanto, o marco legal <strong>do</strong> cooperativismo brasileiro já conta com as disposições daConstituição da República, que estabelece a criação <strong>de</strong> associações e cooperativas sem ainterferência estatal, apoian<strong>do</strong> e estimulan<strong>do</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas <strong>de</strong> cooperativas e outrasformas <strong>de</strong> livre associação. Como também com a lei geral <strong>do</strong> cooperativismo, lei nº 5.764/1971,que <strong>de</strong>fine a política nacional <strong>do</strong> cooperativismo e institui o regime jurídico das socieda<strong>de</strong>scooperativas configuradas pelo Código Civil brasileiro.Além disso, o <strong>de</strong>senvolvimento urbano inclusivo, com base no sistema produtivocooperativista, po<strong>de</strong> ser aciona<strong>do</strong> através <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> instrumentos legais disponíveispara ações socioeconômicas relacionadas à construção civil brasileira: na lei que trata <strong>do</strong>Sistema Financeiro da Habitação ‐ lei fe<strong>de</strong>ral nº 4380/64; nas diretrizes <strong>do</strong> Estatuto da Cida<strong>de</strong>para a Política Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Urbano ‐ lei fe<strong>de</strong>ral nº 10.257/2001; nas diretrizesda Política Nacional <strong>de</strong> Habitação ‐ lei fe<strong>de</strong>ral nº 11.124/2005, que institui o Sistema Nacional<strong>de</strong> Habitação <strong>de</strong> Interesse Social e cria o Fun<strong>do</strong> Nacional <strong>de</strong> Habitação <strong>de</strong> Interesse Social –FNHIS; na lei fe<strong>de</strong>ral nº 11.888/2008, que garante assistência técnica às famílias <strong>de</strong> baixa rendapara fins da construção <strong>de</strong> interesse social; na lei fe<strong>de</strong>ral nº 11.977/2009, que institui oPrograma Minha Casa Minha Vida; e outros atos normativos <strong>do</strong> governo fe<strong>de</strong>ral.Diante disso, po<strong>de</strong>‐se afirmar o interesse público nas formas produtivas autogestionárias,através das associações e cooperativas, para a transformação social com inclusão e justiçaurbana.Apesar da amplitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> conjunto legal apresenta<strong>do</strong>, a cultura produtiva brasileira daconstrução civil não correspon<strong>de</strong> aos avanços sociais que a lei <strong>de</strong>termina. A inserção <strong>do</strong>cooperativismo nas ativida<strong>de</strong>s produtivas da construção civil brasileira ainda é muito pequena,estan<strong>do</strong> relacionadas às cooperativas <strong>de</strong> trabalho e, principalmente, às cooperativashabitacionais. 3Em suma, as cooperativas <strong>de</strong> trabalho fornecem mão‐<strong>de</strong>‐obra para a indústria capitalista daconstrução civil, <strong>de</strong> maneira dispersa entre os vários ofícios e em diversas ativida<strong>de</strong>sprodutivas. Por sua vez, as cooperativas habitacionais conformam grupos em regimeautogestionário para o provimento <strong>de</strong> moradias <strong>de</strong> interesse social.Esses âmbitos <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong> cooperativismo na construção civil brasileira são aindamuito incipientes, se compara<strong>do</strong>s à amplitu<strong>de</strong> formal e informal da atuaçãosocioeconômica da construção civil.isbn: 978-85-98261-08-9282


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)De fato, as ativida<strong>de</strong>s sociais e econômicas relacionadas à construção civil perpassam porqualquer tipo <strong>de</strong> construção humana <strong>de</strong> permanência contínua ou temporária, em qualquerescala, para fins individuais ou coletivos, priva<strong>do</strong>s ou públicos, <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> materiais,tecnologias e processos construtivos diversos; movimentan<strong>do</strong> solos; pavimentan<strong>do</strong> ruas eestradas; constituin<strong>do</strong> sistemas <strong>de</strong> energia, esgoto, drenagem e abastecimento <strong>de</strong> água;gerencian<strong>do</strong> resíduos sóli<strong>do</strong>s; promoven<strong>do</strong> instalações prediais e <strong>de</strong> equipamentos,urbanizan<strong>do</strong> bairros, vilas e favelas, <strong>de</strong>ntre outras ações e trabalhos relaciona<strong>do</strong>s às ativida<strong>de</strong>sprodutivas e produtos <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s pela construção civil. 4Seja para habitar, trabalhar, transitar, prover melhorias <strong>de</strong> recursos urbanos ou rurais, <strong>de</strong>ntreoutros, a construção civil tem uma importante função social com relação ao atendimento das<strong>de</strong>mandas construtivas <strong>do</strong>s indivíduos e da socieda<strong>de</strong>, como construir casas, edifícios, ruas,avenidas, viadutos, pontes, praças, aeroportos, portos, instalações industriais, barragens eusinas <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> energia.Diante disso, a premissa aqui estabelecida é que as socieda<strong>de</strong>s cooperativas <strong>de</strong> construção civilpo<strong>de</strong>m atuar não apenas no setor econômico habitacional volta<strong>do</strong>, principalmente, aointeresse social, mas nas <strong>de</strong>mandas gerais por construção e infraestrutura, em várias escalasprodutivas.Nesse horizonte <strong>de</strong> atuação <strong>do</strong> cooperativismo na construção civil, po<strong>de</strong>‐se subverter a lógicacapitalista, que institui gran<strong>de</strong>s canteiros <strong>de</strong> obras para concentrar os meios <strong>de</strong> produção,investin<strong>do</strong> na verticalização para multiplicar ganhos <strong>de</strong> capital, <strong>de</strong>sinteressan<strong>do</strong>‐se peloatendimento a pequenos empreendimentos dispersos no território.Pela lógica da autogestão, <strong>de</strong>scartan<strong>do</strong>‐se os fins lucrativos da produção, socieda<strong>de</strong>scooperativas <strong>de</strong> construção po<strong>de</strong>m também atuar diretamente na recuperação urbana pontuale dispersa, que não constitui gran<strong>de</strong> interesse para práticas industriais da construção civil,movida pela lucrativida<strong>de</strong> em larga escala, e que são muito importantes para a revitalização <strong>de</strong>espaços urbanos e patrimônios históricos prediais.Requalificar edificações insalubres e aban<strong>do</strong>nadas, como também recuperar áreas <strong>de</strong>gradadas,<strong>do</strong>tar infraestrutura urbana, condições <strong>de</strong> acesso e mobilida<strong>de</strong> aos espaços são ações sociais eeconômicas que cooperativas <strong>de</strong> construção po<strong>de</strong>m realizar.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o envolvimento <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r público na autogestão urbana e a mobilização socialintrínseca às cooperativas, o or<strong>de</strong>namento territorial po<strong>de</strong> ter um ator econômico, que exerçalimites aos avanços <strong>do</strong> capital, <strong>de</strong>sestrutura<strong>do</strong>res <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s, ambientais, culturais ouhistóricas.Assim, os atos cooperativos po<strong>de</strong>m influenciar a vida das pessoas, promoven<strong>do</strong> inclusão socialnos âmbitos da produção, trabalho e consumo, como também da gestão urbana, o querepresenta uma outra dinâmica na economia, com relação ao acesso ao trabalho, geração <strong>de</strong>renda, alia<strong>do</strong> ao uso e à ocupação <strong>do</strong> solo nas cida<strong>de</strong>s, sem os fins lucrativos.Com isso, as cooperativas <strong>de</strong> construção, nessa concepção prospectiva, colocam em questão omo<strong>do</strong> como a interação e a representação social po<strong>de</strong>m acontecer diretamente no trabalhoconstrutivo, influencian<strong>do</strong> estratégias solidárias <strong>de</strong> produção e trabalho, e indiretamente emformas <strong>de</strong> inserção social no território, re<strong>de</strong>finin<strong>do</strong> relações entre Esta<strong>do</strong>‐merca<strong>do</strong>‐socieda<strong>de</strong>.isbn: 978-85-98261-08-9283


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)A condição autogestionária cooperativista ampliada à autogestão urbana e à ativação da cidadaniaimplicam maior coesão social para a gestão urbana com maior po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão sobre o espaçourbano por parte <strong>do</strong>s cidadãos autogestionários. Isso implica melhorias gerais nas condições <strong>de</strong> vida<strong>do</strong>s espaços cotidianos, como também a potencialização <strong>de</strong> reor<strong>de</strong>nações locais e regionais, capazes<strong>de</strong> intervir na dinâmica <strong>de</strong> expansão urbana e suas práticas territoriais exclu<strong>de</strong>ntes.Ca<strong>de</strong>ias produtivas não‐capitalistas po<strong>de</strong>m ser acionadas e vários empreendimentos autogeri<strong>do</strong>spo<strong>de</strong>m ser organiza<strong>do</strong>s em diversos ramos econômicos. Com isso, a incubação <strong>de</strong> empreendimentosautogestionários e a transferência tecnológica apropriada para os fins sociais são fundamentais para aviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse sistema, bem como os princípios orienta<strong>do</strong>res da Economia Social.A constituição <strong>de</strong> uma outra cultura produtiva po<strong>de</strong> ser efetivada, <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong>‐se tecnologias emateriais com fins sociais, envolven<strong>do</strong> a abertura <strong>de</strong> frentes solidárias <strong>de</strong> produção e trabalho, compreservação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e diversida<strong>de</strong>s locais, além da utilização responsável <strong>de</strong> energia e recursosnaturais.isbn: 978-85-98261-08-95 CONSTRUÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTOO gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio da reestruturação produtiva com senti<strong>do</strong> social na construção civil,<strong>de</strong>scrita acima, está na ruptura da cultura produtiva <strong>do</strong>minante, que exerce um papelestrutural na dinâmica geral da economia capitalista brasileira.A indústria da construção civil é evi<strong>de</strong>nciada na centralida<strong>de</strong> <strong>do</strong> atual <strong>de</strong>senvolvimentoeconômico brasileiro, ten<strong>do</strong> como suposta função social contribuir para o crescimentoeconômico e a geração <strong>de</strong> emprego e renda, através das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>edifícios, obras <strong>de</strong> infraestrutura e serviços especializa<strong>do</strong>s para construção. 5Da<strong>do</strong>s recentes <strong>de</strong>sse setor, publica<strong>do</strong>s pelo IBGE, com base na Pesquisa Anual daIndústria da construção, referente ao ano <strong>de</strong> 2010 6 , <strong>de</strong>monstram que a construção civilcontribui em 5,7% <strong>do</strong> PIB <strong>do</strong> país em um montante <strong>de</strong> R$ 250 bilhões, ocupan<strong>do</strong> cerca <strong>de</strong>2,5 milhões <strong>de</strong> pessoas e pagan<strong>do</strong> em média 2,6 salários mínimos mensais. Os gastos <strong>do</strong>setor formal da construção civil com salários, retiradas e outras remunerações 7 são <strong>de</strong> R$41,9 bilhões, o que representa um salário médio mensal <strong>de</strong> R$ 1 300, 00. Ressalta‐seainda que os custos e <strong>de</strong>spesas da construção são <strong>de</strong> R$ 205,6 bilhões, e os gastos compessoal ocupa<strong>do</strong> 8 são cerca <strong>de</strong> 30,7% <strong>de</strong>sse total, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> R$ 63,1 bilhões.A análise conjuntural elaborada pelo DIEESE, no Estu<strong>do</strong> Setorial da Construção <strong>de</strong> 2011,informa que o sal<strong>do</strong> <strong>de</strong> empregos <strong>do</strong> setor no ano <strong>de</strong> referência é <strong>de</strong> 300 mil postos <strong>de</strong>trabalho, uma vez que <strong>do</strong>s 2,5 milhões <strong>de</strong> pessoas ocupadas; 2,2 milhões foram<strong>de</strong>mitidas em 2010. O argumento da geração <strong>de</strong> emprego <strong>do</strong> setor não leva em conta aimensa rotativida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s arranjos produtivos que instituem uma política <strong>de</strong> altarotativida<strong>de</strong>. 9Segun<strong>do</strong> informa a análise conjuntural realizada pelo DIEESE, o contexto <strong>do</strong> aquecimentoeconômico <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> da construção é movi<strong>do</strong>, em gran<strong>de</strong> parte, pelas ativida<strong>de</strong>s produtivasfomentadas pelas políticas públicas <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Aceleração <strong>do</strong> Crescimento, ProgramaMinha Casa Minha Vida, Copa 2014 e Olimpíada 2016. 10284


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Des<strong>de</strong> 2009, a política habitacional brasileira foi alterada <strong>de</strong> uma política <strong>de</strong> interessesocial para tornar‐se um programa econômico <strong>de</strong> industrialização capitalista. O objetivoprincipal Programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, é “criar um ambienteeconômico confiável que estimule o crescimento <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> formal <strong>de</strong> habitação ecrédito, bem como a geração <strong>de</strong> emprego.” O Plano Nacional <strong>de</strong> Habitação <strong>de</strong>staca aindaessa perspectiva econômica como medida anticíclica, referin<strong>do</strong>‐se à estratégia <strong>de</strong>fortalecimento <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> interno para o enfrentamento da crise econômica mundial <strong>de</strong>2008. 11Entretanto, com base nos estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> DIEESE, po<strong>de</strong>‐se afirmar que as relações sociais <strong>de</strong>produção permanecem, atualmente, inalteradas, manten<strong>do</strong>‐se a cultura produtiva daconstrução civil capitalista, em processos semi‐industriais, fundamentalmente,associa<strong>do</strong>s à exploração intensiva <strong>de</strong> mão‐<strong>de</strong>‐obra, trabalho manual e informal, altarotativida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res <strong>de</strong> níveis hierárquicos mais baixos (serventes) e fracarepresentação sindical da classe trabalha<strong>do</strong>ra da construção civil.Embora o cenário tecnológico da construção civil tenha‐se altera<strong>do</strong> na atualida<strong>de</strong> com oincremento da pré‐fabricação industrial e da mo<strong>de</strong>rnização <strong>do</strong> setor, movida porinteresses empresariais alia<strong>do</strong>s aos interesses governamentais presentes nas políticaspúblicas para o <strong>de</strong>senvolvimento econômico nacional, a mo<strong>de</strong>rnização industrial <strong>do</strong> setormantém os princípios da manufatura, cuja base são os ofícios manuais.Para Farrah (1996. p.104), o atraso tecnológico típico da construção civil significa a formaespecífica <strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> capital por esse setor econômico, basea<strong>do</strong> na baixacomposição orgânica <strong>do</strong> capital, moven<strong>do</strong>‐se à base <strong>de</strong> mão‐<strong>de</strong>‐obra intensiva, nãoqualificada,em processos artesanais e manufatureiros com elevadas perdas <strong>de</strong> recursosmateriais e frágil presença <strong>de</strong> máquinas e <strong>de</strong> equipamentos mecânicos.De fato, a suposta eficácia <strong>do</strong> mo<strong>de</strong>lo econômico da indústria da construção civil, emcurso no país, não tem correspondi<strong>do</strong> à prometida inclusão social nos mol<strong>de</strong>scapitalistas. O aumento <strong>do</strong> número <strong>de</strong> empregos formais não rompe com a rotativida<strong>de</strong> eimensa informalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> trabalho na construção. Além disso, o mo<strong>de</strong>lo econômico nãotem si<strong>do</strong> segui<strong>do</strong> por significativos aumentos no rendimento mensal <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>resda construção, não promove incremento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e segurança no trabalho, manten<strong>do</strong>‐secondições muito precárias <strong>de</strong> trabalho nos canteiros <strong>de</strong> obras.Por outro la<strong>do</strong>, o crescimento <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> formal <strong>de</strong> habitação industrializada significa aescala necessária para manter a rotativida<strong>de</strong> <strong>do</strong> capital e a viabilida<strong>de</strong> financeira ao setorbancário no médio e longo prazo. Os estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> DIEESE apontam para a importância <strong>de</strong>33% <strong>do</strong> financiamento total <strong>do</strong> PAC 1, R$ 216,9 milhões, contou com recursos <strong>do</strong>financiamento habitacional para pessoa física. 12Para Harvey (2005, p.48), para que seja viável a elaboração <strong>de</strong> um novo patamar paraconfigurar uma <strong>de</strong>manda efetiva com capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> absorção <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r, épreciso aten<strong>de</strong>r a quatro pressupostos: penetração <strong>do</strong> capital em novas esferasprodutivas; criação <strong>de</strong> novas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> consumo; crescimento populacional; eexpansão geográfica.isbn: 978-85-98261-08-9285


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)Esses pressupostos são elementos conheci<strong>do</strong>s da teoria marxiana em uma releitura, quearticula a base populacional necessária para prover exece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra; merca<strong>do</strong> paraa produção <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> produção; merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> consumo para absorver merca<strong>do</strong>rias crescentese base territorial para reprodução e ampliação <strong>do</strong> capital.Os quatro pressupostos po<strong>de</strong>m ser verifica<strong>do</strong>s no cenário econômico atual brasileiro, em que ahabitação tem‐se torna<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>manda efetiva, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>‐se que a penetração <strong>do</strong> capitalem novas esferas produtivas tem si<strong>do</strong> fomentada pela presença das políticas e programasgovernamentais como PAC, Minha Casa Minha Vida, Copa 2014, Olimpíadas 2016. Além dissosão incentivadas a criação <strong>de</strong> novas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> consumo com a viabilização <strong>do</strong> “sonho dacasa própria”, e esta recheada com móveis, eletro<strong>do</strong>mésticos, carros, roupas e telefones novos,to<strong>do</strong>s financia<strong>do</strong>s a longo curto, médio e longo prazo, principalmente, para a nova classetrabalha<strong>do</strong>ra brasileira. Com relação ao crescimento populacional e expansão geográfica, o paístem manti<strong>do</strong> o crescimento populacional das classes pobres e incentiva<strong>do</strong> a expansão daszonas urbanas consolidadas, periféricas e rururbanas, pelas ativida<strong>de</strong>s da indústria daconstrução civil.Sem reformular capital e trabalho no senti<strong>do</strong> social inclusivo e manten<strong>do</strong>‐se ou até mesmoaprofundan<strong>do</strong> formas cristalizadas <strong>de</strong> expropriação <strong>do</strong> trabalho e da terra, pergunta‐se quetipo <strong>de</strong> inclusão social está sen<strong>do</strong> gestada pela governança brasileira ao fomentar políticas <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento favoráveis à exploração <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r brasileiro e ao rentismo imobiliário daterra?Muitos outros impactos inclusivos na produção social <strong>do</strong> espaço po<strong>de</strong>m ser gera<strong>do</strong>s com acidadania ativada pela lógica da autogestão cooperativista. Ao constituir outras formas paraações econômicas com senti<strong>do</strong> social, modificam‐se os comportamentos, as técnicas, osinstrumentos, os materiais e as formas sociais <strong>do</strong> trabalho produtivo e <strong>de</strong> ocupação territorial.Portanto, o trabalho produtivo aliena<strong>do</strong> po<strong>de</strong> tornar‐se trabalho com consciência crítica eresponsabilida<strong>de</strong> social, o que reposiciona a produção e o trabalho para a sustentabilida<strong>de</strong> e o<strong>de</strong>senvolvimento social, re<strong>de</strong>finin<strong>do</strong> num senti<strong>do</strong> amplo relações entre economia e socieda<strong>de</strong>,que perpassam a construção civil.isbn: 978-85-98261-08-92866 REFERÊNCIASBRASIL. Ministério das Cida<strong>de</strong>s. Secretaria Nacional <strong>de</strong> Habitação. Plano Nacional <strong>de</strong> Habitação. 2009. Disponívelem: . Acesso em: 05 jul. 2012.______. Ministério <strong>do</strong> Planejamento. IBGE. Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística. Pesquisa anual da Indústriada Construção. v.20. 2010. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2012.BUCCI, Maria Paula Dallari. Cooperativas <strong>de</strong> habitação no direito brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.DIEESE. Departamento Intersindical <strong>de</strong> Estatística e Estu<strong>do</strong>s Socioeconômicos. Estu<strong>do</strong> Setorial da Construção, n 56.abr. 2011. Disponível em: . Acesso em: 05 jul.2012.DUPAS, Gilberto. O mito <strong>do</strong> progresso. São Paulo: Editora UNESP, 2011.FARAH, Processo <strong>de</strong> trabalho na construção habitacional: Tradição e Mudança. São Paulo, Annablume, 1996.


GORZ, André. Crítica da Divisão <strong>do</strong> Trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 2001.programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)GRANOVETTER, Mark. Ação econômica e estrutura social: o problema da imersão. Revista <strong>de</strong> Administração <strong>de</strong>Empresas‐eletrônica, v.6, n. 1, Art. 9, jan./jun. 2007. Disponível em: http://rae.fgv.br/rae‐eletronica/vol6‐num1‐2007/acao‐economica‐estrutura‐social‐problema‐imersao. Acesso em: 05 jul. 2012.HARVEY, David. A produção capitalista <strong>do</strong> espaço. São Paulo: Annablume, 2005.LÉVESQUE, Benoît. Contribuição da Nova Sociologia Econômica para repensar a economia no senti<strong>do</strong> <strong>do</strong><strong>de</strong>senvolvimento sustentável. Revista <strong>de</strong> Administração <strong>de</strong> Empresas, v.47, n. 2, abr‐jun. 2007. Disponível em:. Acesso em: 05 jul.2012MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política: Livro primeiro. Tradução <strong>de</strong>: Das Kapital: Kritik <strong>de</strong>r politschenÖkonomie. 4ª ed. 1890. Trad. Reginal<strong>do</strong> Sant'Anna. 28ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2011a._________. O Capital. Crítica da Economia Política: Livro terceiro, volume 4. Tradução <strong>de</strong>: Das Kapital: Kritik <strong>de</strong>rpolitschen Ökonomie. 4ª ed. 1890. Trad. Reginal<strong>do</strong> Sant'Anna. 28ª ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora CivilizaçãoBrasileira, 2011b.MÉSZÁROS, István. A crise estrutural <strong>do</strong> capital. São Paulo: Boitempo, 2009.MIGLIOLI, Jorge. Acumulação <strong>de</strong> capital e <strong>de</strong>manda efetiva. 1ª ed. 1981. 4ª reimp São Paulo: TAQ, 1987.NAPOLEONI, Claudio. Lições Sobre o Capitulo Sexto (Inédito) <strong>de</strong> Marx. São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas,1981.Organização das Cooperativas Brasileiras. Disponível em : Acesso em: 05 jul. 2012isbn: 978-85-98261-08-9RIOS, Gilvan<strong>do</strong> Sá Leitão. O que é cooperativismo. São Paulo: Brasiliense, 1987.SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2002.SINGER, Paul; SOUZA, André Ricar<strong>do</strong>. (Org.). A Economia Solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao<strong>de</strong>semprego. São Paulo: Editora Contexto, 2000.SOUZA SANTOS, B. (org.) Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio <strong>de</strong> Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 2002.SWEDBERG, Richard. Max Weber e a idéia <strong>de</strong> sociologia econômica. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora UFRJ / São Paulo: BecaProduções Culturais, 2005.WEBER, Max. Economia e Socieda<strong>de</strong>: fundamentos da sociologia compreensiva, volume 1. 4ª ed. Brasília: EditoraUnB, 2009.2877 NOTAS1O termo economia social não possui consenso acadêmico no Brasil, sen<strong>do</strong> encontra<strong>do</strong> principalmente comosinônimos: economia solidária, economia popular e economia <strong>do</strong> trabalho. A<strong>do</strong>to o termo economia social nestetrabalho, abarcan<strong>do</strong> a perspectiva global da sua história pregressa conectada às iniciativas alternativas aocapitalismo, como o mutualismo, o cooperativismo, o associativismo e o ativismo político relaciona<strong>do</strong> aosmovimentos sociais urbanos e às lutas operárias <strong>do</strong>s séculos XIX e XX.2 O conceito <strong>de</strong> embed<strong>de</strong>dness, <strong>de</strong> Mark Granovetter, é traduzi<strong>do</strong> para a língua portuguesa como imbricação ouimersão. Na tradução <strong>do</strong> texto <strong>de</strong> Swedberg (2005), a<strong>do</strong>ta‐se o termo imbricação. Entretanto, a tradução <strong>do</strong> texto <strong>de</strong>Granoveter (2007) a<strong>do</strong>ta o termo imersão. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a discussão crítica <strong>de</strong> Swedberg aponta para a noçãoweberiana <strong>de</strong> comportamento para o outro, o termo imbricação parece‐me a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> pela sugestão <strong>de</strong> estreitaligação em que os elementos se confun<strong>de</strong>m ou se mesclam. Entretanto, o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> ato <strong>de</strong> imbricar configura uma


programa <strong>de</strong> pós-graduação em arquitetura e urbanismo da ufmg (org.)isbn: 978-85-98261-08-9imersão, especialmente imersão nos comportamentos sociais. Neste artigo, a<strong>do</strong>to o termo imersão.3 Da<strong>do</strong>s relaciona<strong>do</strong>s aos ramos econômicos da Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB.4 Produtos da construção relaciona<strong>do</strong>s pelo IBGE ‐ Pesquisa anual da Indústria da Construção, 2010. p.33.5 Construção <strong>de</strong> edifícios, obras <strong>de</strong> infraestrutura e serviços especializa<strong>do</strong>s para construção são respectivamente osagrupamentos das ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> setor, segun<strong>do</strong> a meto<strong>do</strong>logia proposta pelo IBGE ‐ Pesquisa anual da Indústria daConstrução, 2010.6 IBGE ‐ Pesquisa anual da Indústria da Construção, 2010. p. 277 A variável salários, retiradas e outras remunerações correspon<strong>de</strong> à soma das importâncias pagas no ano a título <strong>de</strong>salários fixos, pró‐labore, retiradas, honorários, comissões, ajudas <strong>de</strong> custo, 13o salário, abono financeiro <strong>de</strong> 1/3 evenda <strong>de</strong> parcela <strong>de</strong> férias, etc., sem <strong>de</strong>dução das parcelas correspon<strong>de</strong>ntes às cotas <strong>de</strong> Previdência e AssistênciaSocial (IAPAS). Excluem‐se os pagamentos a trabalha<strong>do</strong>res em <strong>do</strong>micílio e, ainda, as participações pagas aprofissionais autônomos. Segun<strong>do</strong> a meto<strong>do</strong>logia proposta pelo IBGE ‐ Pesquisa anual da Indústria da Construção,2010.p. 18.8 A variável pessoal ocupa<strong>do</strong> correspon<strong>de</strong> ao registro <strong>do</strong> número <strong>de</strong> pessoas ocupadas que, em 31/12 <strong>do</strong> ano <strong>de</strong>referência, exerciam efetivamente ocupação na empresa <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as categorias funcionais <strong>de</strong>scritas noquestionário <strong>do</strong> PAIC. Inclui as pessoas que em 31/12 encontravam‐se afastadas por motivo <strong>de</strong> férias, <strong>de</strong> licença,seguros por aci<strong>de</strong>ntes etc., <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estes afastamentos não tenham si<strong>do</strong> superiores a 30 (trinta) dias. Nãoconsi<strong>de</strong>ra‐se o pessoal sem vínculo empregatício, pessoal <strong>do</strong>s serviços presta<strong>do</strong>s por terceiros e locação <strong>de</strong> mão‐<strong>de</strong>obra.O pessoal ocupa<strong>do</strong> é discrimina<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> os seguintes grupos: proprietários ou sócios com ativida<strong>de</strong> naempresa, presi<strong>de</strong>ntes e diretores; pessoal não liga<strong>do</strong> à construção; e pessoal liga<strong>do</strong> à construção, tais como: pessoal<strong>de</strong> nível superior (gerentes, chefes e supervisores), mestres e encarrega<strong>do</strong>s, operários, arma<strong>do</strong>res, carpinteiros,pedreiros, serventes, etc., com ativida<strong>de</strong> na empresa. Segun<strong>do</strong> a meto<strong>do</strong>logia proposta pelo IBGE ‐ Pesquisa anualda Indústria da Construção, 2010.p. 16.2889 DIEESE, Estu<strong>do</strong> Setorial da Construção <strong>de</strong> 2011. p. 14.10 DIEESE, Estu<strong>do</strong> Setorial da Construção <strong>de</strong> 2011. p. 23.11 Ministério das Cida<strong>de</strong>s. Plano Nacional <strong>de</strong> Habitação. 2009, p. 192.12DIEESE, Estu<strong>do</strong> Setorial da Construção <strong>de</strong> 2011. p. 24.

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