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<strong>Poemas</strong> <strong>de</strong> <strong>Luis</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><br />
Amor é um fogo que ar<strong>de</strong> sem se ver<br />
<strong>Luis</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><br />
Amor é um fogo que ar<strong>de</strong> sem se ver,<br />
É ferida que dói, e não se sente;<br />
É um contentamento <strong>de</strong>scontente,<br />
É dor que <strong>de</strong>satina sem doer.<br />
É um não querer mais que bem querer;<br />
É um andar solitário entre a gente;<br />
É nunca contentar-se <strong>de</strong> contente;<br />
É um cuidar que ganha em se per<strong>de</strong>r.<br />
É querer estar preso por vonta<strong>de</strong>;<br />
É servir a quem vence, o vencedor;<br />
É ter com quem nos mata, lealda<strong>de</strong>.<br />
Mas como causar po<strong>de</strong> seu favor<br />
Nos corações humanos amiza<strong>de</strong>,<br />
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?<br />
Amor, que o gesto humano n' alma escreve<br />
<strong>Luis</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><br />
Amor, que o gesto humano n' alma escreve,<br />
vivas faíscas me mostrou um dia,<br />
don<strong>de</strong> um puro cristal se <strong>de</strong>rretia<br />
por entre vivas rosas e alva neve.<br />
A vista, que em si mesma não se atreve,<br />
por se certificar do que ali via,<br />
foi convertida em fonte, que fazia<br />
a dor ao sofrimento doce e leve.<br />
Jura Amor que brandura <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong><br />
causa o primeiro efeito; o pensamento<br />
endou<strong>de</strong>ce, se cuida que é verda<strong>de</strong>.<br />
Olhai como Amor gera num momento,<br />
<strong>de</strong> lágrimas <strong>de</strong> honesta pieda<strong>de</strong>,<br />
lágrimas <strong>de</strong> imortal contentamento.
Leda serenida<strong>de</strong> <strong>de</strong>leitosa<br />
<strong>Luis</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><br />
Leda serenida<strong>de</strong> <strong>de</strong>leitosa,<br />
que representa em terra um paraíso:<br />
entre rubis e perlas, doce riso;<br />
<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> ouro e neve, cor <strong>de</strong> rosa.<br />
Presença mo<strong>de</strong>rada e graciosa,<br />
on<strong>de</strong> ensinando estão <strong>de</strong>spejo e siso<br />
que se po<strong>de</strong> por arte e por aviso,<br />
como por natureza, ser fermosa:<br />
fala <strong>de</strong> quem a morte e a vida pen<strong>de</strong>,<br />
rara, suave; enfim, Senhora, vossa;<br />
repouso nela alegre e comedido.<br />
Estas as armas são com que me ren<strong>de</strong><br />
e me cativa Amor; mas não que possa<br />
<strong>de</strong>spojar-me da glória <strong>de</strong> rendido.<br />
No mundo, poucos anos e cansados<br />
<strong>Luis</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><br />
No mundo, poucos anos e cansados<br />
vivi, cheios <strong>de</strong> vil miséria dura;<br />
foi-me tão cedo a luz do dia escura<br />
que não vi cinco lustros acabados.<br />
Corri terras e mares apartados,<br />
buscando à vida algum remédio ou cura;<br />
mas aquilo que, enfim, não quer ventura,<br />
não o alcançam trabalhos arriscados.<br />
Criou-me Portugal na ver<strong>de</strong> e cara<br />
pátria minha Alenquer; mas ar corruto,<br />
que neste meu terreno vaso tinha,<br />
me fez manjar <strong>de</strong> peixes em ti, bruto<br />
mar, que bates na Abássia fera e avara,<br />
tão longe da ditosa pátria minha!<br />
Sonetos disponíveis em: http://www.revista.agulha.nom.br/camoes78.html<br />
Acesso em 19 jul 2011.
Canção III<br />
<strong>Luis</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong><br />
Tomei a triste pena<br />
já <strong>de</strong> <strong>de</strong>sesperado<br />
<strong>de</strong> vos lembrar as muitas que pa<strong>de</strong>ço,<br />
com ver que me con<strong>de</strong>na<br />
a ficar eu culpado<br />
o mal que me tratais e o que mereço.<br />
Confesso que conheço<br />
que, em parte, eu causei<br />
o mal em que me vejo,<br />
pois sempre meu <strong>de</strong>sejo<br />
tão comprido, em vós cumprir <strong>de</strong>ixei;<br />
mas não tive suspeita<br />
que seguísseis tenção tão imperfeita.<br />
Se em vosso esquecimento<br />
tão envolto estou<br />
como os sinais <strong>de</strong>monstram, que mostrais;<br />
vivo neste tormento,<br />
lembranças mais não dou<br />
que a que <strong>de</strong> razão tomar queirais.<br />
Olhai que me tratais<br />
assi <strong>de</strong> dia em dia<br />
com vossas esquivanças;<br />
e as vossas esperanças,<br />
<strong>de</strong> que vamente eu me enriquecia,<br />
renovam a memória;<br />
pois com tê-la <strong>de</strong> vós só tenho glória.<br />
E se isto conhecêsseis<br />
que e verda<strong>de</strong> pura,<br />
como ouro <strong>de</strong> Arábia reluzente,<br />
inda que não quisésseis,<br />
a condição tão dura<br />
mudáreis noutra muito diferente.<br />
E eu, como inocente<br />
que estou neste caço,<br />
isto em mãos pusera<br />
<strong>de</strong> quem sentença <strong>de</strong>ra<br />
– que ficasse o direito justo e raso –,<br />
se não arreceara<br />
que a vós por mim, e a mim por vós, matara.<br />
Em vós escrita vi<br />
vossa gran<strong>de</strong> dureza,<br />
e n' alma escrita está que <strong>de</strong> vós vive.<br />
Não que acabasse ali<br />
sua gran<strong>de</strong> firmeza
o triste <strong>de</strong>sengano que então tive;<br />
porque antes que a dor prive<br />
<strong>de</strong> todo meus sentidos,<br />
ao gran<strong>de</strong> tormento<br />
aco<strong>de</strong> o entendimento<br />
com dous fortes soldados, guarnecidos<br />
<strong>de</strong> rica pedraria,<br />
que ficam sendo minha luz e guia.<br />
Destes acompanhado,<br />
estou posto sem medo<br />
a tudo o que o fatal <strong>de</strong>stino or<strong>de</strong>ne;<br />
po<strong>de</strong> ser que, cansado,<br />
ou seja tar<strong>de</strong> ou cedo,<br />
com pena <strong>de</strong> penar-me, me <strong>de</strong>spene.<br />
E quando me con<strong>de</strong>ne<br />
- que isto e o que espero -<br />
inda a maiores dores,<br />
perdidos os temores.<br />
por mais que venha, não direi: não quero.<br />
Contudo estou tão forte<br />
que nem me mudara a mesma morte.<br />
Canção, se já não queres<br />
ver tanta cruelda<strong>de</strong>,<br />
lá vás on<strong>de</strong> verás minha verda<strong>de</strong>.<br />
Canção disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/camoes26.html<br />
Acesso em 19 jul 2011.
Exercícios Propostos<br />
1- Como o amor é caracterizado no soneto Amor é um fogo que ar<strong>de</strong> sem<br />
se ver. Que recursos o autor utiliza para garantir a expressivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa<br />
caracterização? (10-15 linhas)<br />
2- Redija um texto dissertativo, RESPONDENDO à seguinte questão: Em<br />
que medida o poema Canção III, <strong>de</strong> <strong>Luis</strong> <strong>de</strong> <strong>Camões</strong> revela as<br />
características do Classicismo? (20 linhas)<br />
São apontadas como características do Classicismo:<br />
• Valorização dos aspectos culturais e filosóficos da cultura das antigas<br />
Grécia e Roma;<br />
• Influência do pensamento humanista;<br />
• Antropocentrismo: o homem como o centro do Universo;<br />
• Críticas as explicações e a visão <strong>de</strong> mundo pautada pela religião;<br />
• Racionalismo: valorização das explicações baseadas na ciência;<br />
• Busca do equilíbrio, rigor e pureza formal;<br />
• Universalismo: abordagem <strong>de</strong> temas universais como, por exemplo, os<br />
sentimentos humanos.