Aura sacra, texto profano: apontamentos sobre ... - ICHS/UFOP
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VII Ciclo de Estudos da Religião: Fé e Conhecimento<br />
<strong>Aura</strong> <strong>sacra</strong>, <strong>texto</strong> <strong>profano</strong>: <strong>apontamentos</strong> <strong>sobre</strong> <strong>sacra</strong>lidade e profanidade nas notícias<br />
conciliares do semanário O Arquidiocesano (1959-1962).<br />
Diego Omar da Silveira - diegomarhistoria@yahoo.com.br<br />
Departamento de História - <strong>ICHS</strong> - <strong>UFOP</strong><br />
Resumo ____________________________________________________________________<br />
Apresentação do conteúdo das matérias do jornal O Arquidiocesano que fazem menção direta<br />
e indireta a realização do Concílio Ecumênico Vaticano II nos três anos que o antecedem i-<br />
mediatamente, <strong>sobre</strong>tudo, por serem estes também os primeiros anos do Digníssimo Arcebis-<br />
po Dom Oscar de Oliveira à frente da Arquidiocese de Mariana (1959 - 1962), seguida de<br />
análise de espaços de <strong>sacra</strong>lidade e profanidade presentes nestas matérias. Nosso recorte tem-<br />
poral centra-se, aqui, em anos de grande expectativa de todo episcopado brasileiro com a rea-<br />
lização, em Roma, do Concílio Vaticano II, um momento, portanto, de re-eqüacionamento do<br />
papel da Igreja numa sociedade em acelerado processo de secularização. Baseamos nossa aná-<br />
lise das matérias conciliares d’O Arquidiocesano na já consagrada obra de Mircea Eliade, O<br />
Sagrado e o Profano, onde, nas palavras do próprio autor, “sagrado e <strong>profano</strong> constituem duas<br />
modalidades de ser no mundo” e, consequentemente, em duas formas distintas de atuar <strong>sobre</strong><br />
a realidade terrena. Propomos, assim, <strong>apontamentos</strong> de como D. Oscar, através do semanário<br />
analisado, apresentava os assuntos relativos ao Concílio e como os desenvolvia em seus escri-<br />
tos. Objetivamos notar de que maneira o antístite propunha suas linhas de atuação pastoral<br />
para o clero Arquidiocesano, afirmando-as como a mais bela e proveitosa forma de conferir<br />
“glória a Deus, honra a Igreja e bem das almas”, subtraindo, porém, as novas proposições<br />
pastorais já esperadas para a grande reunião da hierarquia católica. Utilizamos, ainda, a obra:<br />
Dom Oscar: um apóstolo admirável, em que o Côn. Vidigal exalta a figura de D. Oscar como<br />
sendo uma das mais cristãs de toda História da Igreja no Brasil.<br />
21 a 23 de setembro de 2004<br />
Núcleo de Estudos da Religião - <strong>ICHS</strong> - <strong>UFOP</strong><br />
___________________________________________________________________________<br />
1
Como bem nos lembra Jacqueline Hermam 1 , todo o processo que envolveu a configura-<br />
ção de uma história das religiões como disciplina específica, dotada de objeto e metodologia<br />
próprios, pode ser analisado “a partir das discussões que, ao longo do século XIX e início do<br />
século XX aprofundaram as relações entre a defesa do caráter racionalista do homem ociden-<br />
tal e a persistência de formas de expressão ainda classificadas como religiosas” 2 . Daí um dos<br />
motivos centrais de trazermos a este VII Ciclo de Estudos da Religião: Fé e Conhecimento, a<br />
proposta de uma análise historiográfica, e por isso mesmo lógico-dedutiva, das auras <strong>sacra</strong>is<br />
com as quais se apresentaram alguns documentos amplamente divulgados pela Igreja Católica<br />
Marianense nos anos que antecederam imediatamente o Concílio Ecumênico Vaticano II<br />
(1962-1965).<br />
Dos importantes debates que se tem travado no mundo acadêmico acerca dos desafios<br />
contemporâneos do estudo das religiões 3 , persiste com fôlego considerável, segundo Resende,<br />
“a flexibilidade ou volatilidade com que lidamos com o sagrado e o <strong>profano</strong>” 4 e, conseqüen-<br />
temente, com a delimitações dos espaços onde o sagrado e o <strong>profano</strong> se manifestam. Parece-<br />
nos bastante coerente seguir durante toda nossa exposição as profícuas colocações de Mircea<br />
Eliade, que em sua já clássica obra, O Sagrado e o Profano, sugere-nos serem o sagrado e o<br />
<strong>profano</strong>: “duas modalidades de ser no Mundo, duas situações existenciais assumidas pelo ho-<br />
mem ao longo da sua história” 5 . Acreditamos também poder retomar em nossa análise, as<br />
propostas de averiguação apresentadas por Ivan Antônio de Almeida, perscrutando de que<br />
maneira produz-se nas notícias conciliares impressas nas páginas d’O Arquidiocesano uma<br />
tentativa implícita de “<strong>sacra</strong>lização da política” e “des<strong>sacra</strong>lização da religião” 6 .<br />
Tornou-se por demais flagrante em todos os grandes estudos de história universal da I-<br />
greja, ou mesmo para a história da Igreja em diferentes países, o papel central que tivera o<br />
XXI Concílio entre os cristãos. Segundo Almeida, este significativo encontro da hierarquia<br />
católica de todo mundo, teve por objetivo<br />
1<br />
HERMANN, Jacqueline. “História das Religiões e Religiosidades”. In: Domínios da História: ensaios de Teoria<br />
e Metodologia. Ciro Flamarion Cardoso & Ronaldo Vainfas (organizadores). Rio de Janeiro: Campus, 1997.<br />
pp. 329-352.<br />
2<br />
Ibidem, p. 239.<br />
3<br />
Cf. GUERREIRO, Silas (org.). O Estudo das Religiões: desafios contemporâneos. São Paulo: Paulinas, 2003.<br />
(Coleção Estudos da ABHR).<br />
4<br />
RESENDE, Paulo-Edgar Almeida. “O Arco do Sagrado e do Profano”. In: GUERREIRO, op. cit. p. 24.<br />
5<br />
ELIADE, Mircea. “Introdução”. In: O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. Tradução de Rogério<br />
Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 20.<br />
6<br />
ALMEIDA, Ivan Antônio de. A Síntese de Uma Tragédia: Movimento Fé e Política. Ouro preto: Editora<br />
<strong>UFOP</strong>, 2000. pp. 15-150.<br />
2
adaptar a instituição Igreja a nova conjuntura mundial, ‘por em contato as estruturas<br />
modernas com as energias vivificadoras e perenes do evangelho’, para que ‘o depó-<br />
sito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz’, de<br />
forma que a ‘doutrina autêntica’, seja ‘estudada e exposta por meio de formas de in-<br />
dagação e formulação literária do pensamento atual. 7<br />
Concordamos ainda com este mesmo autor no que tange suas proposições de ser o Vaticano<br />
II, uma espécie de “desbloqueio nas formas de expressão de uma doutrina já des<strong>sacra</strong>lizada” 8 ,<br />
embora ressaltemos as insistentes proposições conciliares de retorno a uma doutrina autênti-<br />
ca, e o fato mesmo de não ser o Concílio o elemento desencadeador da tão referida seculari-<br />
zação do homem contemporâneo.<br />
A própria oposição entre os padrões materiais da vida do homem das sociedades arcai-<br />
cas e das sociedades modernas, parece-nos sugerir diferentes maneiras de deparar-se com a<br />
realidade e, conseqüentemente, de interpretá-la. É notável entre os homens das sociedades<br />
arcaicas sua “tendência em viver o mais possível no sagrado ou muito perto dos objetos con-<br />
sagrados. Essa tendência é compreensível, pois para os homens ‘primitivos’, bem como para o<br />
homem de toda as sociedades pré-modernas, o sagrado equivale ao poder e, em última análi-<br />
se, à realidade por excelência” 9 . Muito em contraposição a estas práticas do homo religiosus,<br />
a “descoberta recente” do mundo <strong>profano</strong> em sua totalidade implicou no afastamento contínuo<br />
do homem atual das experiências totais do universo sagrado, o que por sua vez, desencadeou<br />
neste homem profanizado “uma dificuldade cada vez maior em reencontrar as dimensões e-<br />
xistenciais do homem religioso das sociedades arcaicas” 10 . Daí o fato de o Concílio não con-<br />
sistir no elemento desencadeador de um longo processo de des<strong>sacra</strong>lização, mas de tão so-<br />
mente acentuá-lo dentro da instituição católica. Ademais, não é de todo desprezível a explica-<br />
ção fornecida pelo próprio Concílio para o fato histórico de seu acontecimento: esta grande<br />
reunião de todos os bispos e cardeais católicos nasceu para recompor os laços estreitos que<br />
ligam a maneira viva de ser Igreja aos homens dos novos tempos. Tal proposta pode mesmo<br />
ser encontrada nos escritos conciliares, quando já no proêmio do I Capítulo da “Constituição<br />
Dogmática ‘Lumem Gentium’ <strong>sobre</strong> a Igreja”, afirma-se claramente ser o papel primordial da<br />
instituição informar e instrumentalizar em todo o mundo sua missão universal, qual seja, unir<br />
7 Ibidem, p. 79.<br />
8 Idem<br />
9 ELIADE, op. cit. p.19.<br />
10 Idem<br />
3
de forma inequívoca e indissolúvel todo o gênero humano às verdades divinas, <strong>sobre</strong>tudo por-<br />
que “as presentes condições do mundo tornam mais urgentes este dever da Igreja, a fim de<br />
que os homens, hoje mais intimamente unidos por vários vínculos sociais, técnicos e culturais,<br />
alcancem também total unidade em Cristo” 11 .<br />
É fato, porém, que os anos que antecederam o Concílio, os mesmos de que aqui trata-<br />
mos, não foram tempos de absoluto consenso dentro de toda a Igreja Católica e que nem<br />
mesmo a realização do Vaticano II atendia aos interesses das diferentes alas em que esta se<br />
subdividia e das diferentes teologias em efervescência naquele período. Henri Fesquet, envia-<br />
do especial do jornal “Lê Monde” por quatro anos para acompanhar todas as assembléias con-<br />
ciliares, conta-nos que já nas vésperas da abertura oficial do concílio (11 de Outubro de<br />
1962), o clima era de tão exasperada desconfiança e insegurança, “que se ouvia dizer por ve-<br />
zes em Roma que se o Papa viesse a desaparecer antes do dia 11 o concílio estaria feito ou<br />
mesmo que seria sabotado” 12 . Chama ainda nossa atenção, na narrativa de Fesquet, o momen-<br />
to em que o jornalista menciona uma visão corrente na Roma daqueles anos e expressa publi-<br />
camente por Monsenhor Roberts, ex-arcebispo de Bombaim: “o Concí1io (...) é uma ‘partida<br />
de futebol’ cujo árbitro será o Papa” 13 . Obviamente que poderíamos retirar de tão chula com-<br />
paração os mais diversos <strong>apontamentos</strong> do determinado momento histórico (Concílio Ecumê-<br />
nico Vaticano II) e que, igualmente incoerente, seria interpretar os anos que antecederam i-<br />
mediatamente a realização do Vaticano II com os olhos de quem, hoje, compreende os fatos<br />
impulsionados diretamente pela realização daquela grande assembléia. Duas proposições nos<br />
parecem, no entanto, bastante flagrante na fala de Mons. Robert’s, <strong>sobre</strong>tudo, por que revelam<br />
para os dias precedentes a realidade das discussões travadas na Basílica de São Pedro: em<br />
primeiro lugar parece ficar claro na comparação sugerida pelo Monsenhor que os resultados e<br />
as deliberações de todos os bispos e cardeais reunidos eram indefinidos, para não dizer, temi-<br />
dos e neste caso seríamos obrigados a concordar com algumas pesquisas teológicas que apon-<br />
tam que nem mesmo a agenda conciliar era capaz de presumir os resultados e a radicalidade<br />
de suas próprias deliberações. Em segundo lugar, e cremos que ainda mais explicitamente,<br />
Mons. Robert’s parece sugerir que o concílio se faria em torno de um duelo entre dois pólos<br />
opostos, cada qual defendendo seus ideais de fé e de práxis cristã, fato com o qual concorda-<br />
11 “Constituição Dogmática ‘Lumem Gentium’ <strong>sobre</strong> a Igreja”. In: Compêndio Vaticano II - constituições, decretos,<br />
declarações. 6° edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1972. p. 39<br />
12 FESQUET, Henri. O Diário do concílio (2 volumes). Lisboa: Publicações Europa-América, 1967. p. 19.<br />
13 Ibidem, p.17.<br />
4
mos e que nos servirá aqui como uma espécie de ponte para o con<strong>texto</strong> e os documentos com<br />
os quais nos propusemos a trabalhar.<br />
Pesquisas histórico-teológicas feitas com grande cuidado e detalhe constata-<br />
ram inequivocamente que no Vaticano II, (...) há o confronto de dois paradigmas e-<br />
clesiológicos: o da Igreja-sociedade e o da Igreja-comunidade; inequivocamente há a<br />
presença de uma eclesiologia jurídica (Igreja sociedade hierarquizada) ao lado de<br />
uma eclesiologia comunional (Igreja comunidade) 14 ,<br />
e o embate entre estas duas esferas parece dar-se, <strong>sobre</strong>tudo, no âmbito Pastoral. De acordo<br />
com Frei Boaventura de Koppenburg, em sua “Introdução geral aos Documentos do Concílio”<br />
publicados no Brasil pela Editora Vozes, uma das intenções fundamentais do Vaticano II, foi<br />
“ser um Concílio Pastoral”, tendo sua finalidade pastoral proclamada “desde o início por seu<br />
idealizador, o Papa João XXIII” 15 . Tal constatação pode muito clarear os debates travados<br />
entre o episcopado brasileiro durante todos os preparativos do Concílio, preparativos nos<br />
quais Dom Oscar de Oliveira esteve sempre presente.<br />
Os três anos de que aqui tratamos foram para a Arquidiocese de Mariana um momento<br />
de redefinição dos cargos hierárquicos, embora em termos pastorais pouco ou nada tenha mu-<br />
dado. Em 1959, ainda quando bispo auxiliar de D. Otávio Chagas de Miranda, na Arquidioce-<br />
se de Pouso Alegre, sul de Minas Gerais, foi chamado D. Oscar a retornar para Mariana, ocu-<br />
pando igual cargo na assessoria de D. Helvécio Gomes de Oliveira. Neste mesmo ano, por<br />
iniciativa deste Arcebispo coadjutor, começou a circular nesta Arquidiocese o semanário cató-<br />
lico O Arquidiocesano: Órgão Oficial da Arquidiocese de Mariana, que embora fosse o meio<br />
mais eficaz pelo qual várias outras dioceses renovavam suas práticas pastorais, traria durante<br />
os trinta e cinco anos em que circulou nas muitas cidades de região dos inconfidentes as re-<br />
comendações de uma pastoral conservadora, caracterizada por Libanio como sendo pastoral<br />
da palavra ou pastoral do <strong>sacra</strong>mento 16 . Ao todo foram “1497 números de O Arquidiocesa-<br />
no, publicados durante o episcopado de D. Oscar de Oliveira” (1960-1988), iniciado logo a-<br />
pós a morte de D. Helvécio. Em todos estes números, segundo Cônego José Geraldo Vidigal<br />
de Carvalho, amigo pessoal e biógrafo do excelentíssimo arcebispo, foram estampados artigos<br />
14<br />
BOFF, Leonardo. Novas Fronteiras da Igreja: o futuro de um Povo a caminho. Campinas: Versus Editora,<br />
2004. p. 26.<br />
15<br />
KOPPENBURG, Boaventura. “Introdução geral aos Documentos do Concílio”. In: Compêndio Vaticano II.<br />
op. cit. p. 08.<br />
16<br />
LIBANIO, João Batista. O que é Pastoral. 2º edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.<br />
5
que “D. Oscar escreveu <strong>sobre</strong> temas emblemáticos de seu magistério” 17 , e que segundo as<br />
designações do próprio arcebispo consistiam em importante “material bélico” contra as ondas<br />
da imoralidade e do agnosticismo.<br />
Embora a prática da caridade apareça com recorrência nas páginas d’O Arquidiocesano,<br />
não aparece como elemento transformador da realidade do cristão marginalizado, mas sim<br />
como prática isolada de maior benefício na redenção do doador do que o processo inverso, o<br />
que reforça (até mesmo para os tempos pós-conciliares) a perpetuação de uma pastoral que<br />
deveria ser remodelada a partir das decisões conciliares. De acordo com Vidigal, as linhas<br />
mestras traçadas por D. Oscar para este hebdomadário nunca foram desviadas, permanecendo<br />
sempre este jornal “um defensor intrépido da família contra o divórcio, da sociedade contra o<br />
comunismo ateu e [o que parece estar definitivamente longe da comprovação empírica] que<br />
desde a convocação do Concílio ecumênico pelo Papa João XXIII nunca deixou de trazer a<br />
lume tudo que se referiu ao grande conclave” 18 . O fato é que, embora traga sempre em seus<br />
escritos um apelo “hierofânico”, afirmando serem as proposições de seus autores a mais bela e<br />
proveitosa forma de conferir “glória a Deus, honra a Igreja e bem das almas”, este semanário<br />
traz até mesmo em suas colunas de “Instrução Religiosa” apelos políticos de uma forma con-<br />
servadora de atuação pastoral inspirada, ainda, nos moldes tridentinos de evangelização, im-<br />
postos em todo nosso continente pelo processo colonizador.<br />
A confusão entre a política e a religião encontra-se aí já bastante arraigada, sem, no en-<br />
tanto, ser assumida por modelos pastorais supostamente neutros. No primeiro número d’O<br />
Arquidiocesano ao informar os fiéis das intenções primeiras deste jornal, afirma D. Oscar:<br />
“defenderá ele os direitos de Deus e da Comunidade Cristã, com absoluta isenção e indepen-<br />
dência de partidarismo político, pois nossa política é o Evangelho” 19 . As posturas políticas da<br />
Cúria Arquidiocesana através de seu Órgão Oficial são igualmente flagrantes em todas as<br />
notícias conciliares as quais o jornal se propõe nos três anos que antecedem a realização do<br />
“grande conclave”, com prefere Vidigal. Quando as inovações pastorais, como no caso da<br />
“Ação Católica” e do “Movimento por ‘Um Mundo Melhor’”, aparecem com relativo desta-<br />
que nas páginas do semanário católico, o nome de João XXIII quase sempre é subtraído, apa-<br />
recendo, quase sempre, menções honrosas a Pio XII. Já o Concílio parece estar indissociável<br />
17 CARVALHO, José Geraldo Vidigal de, Cônego. Dom Oscar de Oliveira: um Apóstolo Admirável. Vida e obras de um<br />
dos maiores personagens da História da Igreja. Viçosa: Folha de Viçosa, 1999. p. 63.<br />
18 Ibidem, p. 65.<br />
19 O Arquidiocesano. Mariana, 29 de junho de 1959. Ano I, n° 01, p. 01.<br />
6
do “áureo episcopado de João XXIII”, que como sugere um dos <strong>texto</strong>s analisados é “O Papa<br />
do concílio” 20 .<br />
As matérias em sua maioria tratam, no entanto, o chamado do Papa como algo necessá-<br />
rio, porém, bem pouco desejável. Quase sempre se ressalta a importância da Igreja para o cor-<br />
reto arranjo da sociedade, mas as proposta são por demais frouxas e quase sempre carecem de<br />
coerência, ficando apenas em clamores anticomunistas e anti-ateístas. Parece haver um cor-<br />
rente esforço em desvincular a imagem do Papa de posturas sociais mais avançadas da Igreja,<br />
correspondendo também este medo ao re-equacionamento do papel dos leigos na construção<br />
de uma “Igreja Viva”. As menções a realização do Concílio aparecem mais comumente em<br />
1959, geralmente com um cunho informativo e mostrando quão sagrada é a missão do Sumo<br />
Pontífice ao lado de todos os bispos e cardeais. Mas já em 1960 as matérias que dizem respei-<br />
tos às propostas conciliares escasseiam e quando aparecem revelam o desânimo de alguns e o<br />
medo de outros e, ainda, a fúria de D. Oscar com as propostas descabidas de uma “nova forma<br />
de ser Igreja”, o que se torna mais claro em seu <strong>texto</strong>: “Discussões <strong>sobre</strong> religião pouco ou<br />
nada adiantam” 21 . A Igreja local envolvida em diversos movimentos políticos, regionais ou<br />
nacionais, não faz transparecer a todo seu séqüito algumas das reais discussões que o Concílio<br />
traria a tona. Esforça-se, porém, em demonstrar a todo o povo os ideais políticos compartilha-<br />
dos entre o arcebispado e as intenções conciliares, elencando as prioridades pastorais arquidi-<br />
ocesanas como sendo também as intenções de toda a Igreja e, por isso, “missão providencial”<br />
do Papa João XXIII. É neste sentido que retomamos aqui os termos: “<strong>sacra</strong>lização da políti-<br />
ca” e “des<strong>sacra</strong>lização da religião”. Porque cremos que mesmo para os anos pré-conciliares a<br />
política esteve intrincada às estruturas eclesiásticas de tal forma que até mesmo um dos mais<br />
importantes periódicos católicos de nosso país 22 , Órgão Oficial no qual se imprimiram todos<br />
os posicionamentos da Cúria frente à realidade social marianense camufla seus ideais e posi-<br />
cionamentos políticos revestindo-os de uma falsa <strong>sacra</strong>lidade e informando a todos as verda-<br />
des religiosas com as quais comunga para que estes ajam politicamente a seu favor, levando-<br />
os a pensar que estão agindo a favor da fé e da “Mater et Magistra”, santa e pecadora Igreja.<br />
20 O Arquidiocesano. Mariana, 25 de junho de 1961. Ano III, n° 93, p. 03.<br />
21 O Arquidiocesano. Mariana, 14 de fevereiro de 1960. Ano I, n° 22, p. 03.<br />
22 Em 1971, O Arquidiocesano foi elencado pela CNBB em seu Boletim Informativo entre os dez periódicos<br />
católicos de maior circulação no país. A esta altura a tiragem semanal do periódico era de seis mil exemplares.<br />
7
Referências Bibliográficas:<br />
ALMEIDA, Ivan Antônio de. A Síntese de Uma Tragédia: Movimento Fé e Política. Ouro<br />
preto: Editora <strong>UFOP</strong>, 2000.<br />
ARNS, Paulo Evaristo. O que é Igreja. Colaboração de Padre José Oscar Beozzo. São Paulo:<br />
Abril Cultural: Editora Brasiliense, 1985.<br />
BREINER, Cristovam. Cristianismo e Sociedade: Condicionamento Cristão da Vida Social.<br />
Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1968.<br />
CARVALHO, José Geraldo Vidigal de, Cônego. Dom Oscar de Oliveira: um Apóstolo Ad-<br />
mirável. Vida e obras de um dos maiores personagens da História da Igreja. Viçosa:<br />
Folha de Viçosa, 1999.<br />
CERESI, Vincenzo. Cristianismo Interior. São Paulo: Edições Paulinas, 1957.<br />
Compêndio Vaticano II – constituições, decretos, declarações. Petrópolis: Editora Vozes,<br />
1972.<br />
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano: a essência das religiões. Tradução de Rogério<br />
Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1996.<br />
____. “Simbolismo e História”. In: Imagens e Símbolos: ensaios <strong>sobre</strong> o simbolismo mágico-<br />
religioso. Tradução de Sônia Cristina Tamer. São Paulo: Martins Fontes, 1996. pp.151-<br />
175.<br />
HERMANN, Jacqueline. “História das Religiões e Religiosidades”. In: Domínios da Histó-<br />
ria: ensaios de Teoria e Metodologia. Ciro Flamarion Cardoso & Ronaldo Vainfas (or-<br />
ganizadores). Rio de Janeiro: Campus, 1997. pp. 329-352.<br />
LIBANIO, João Batista. O que é Pastoral. 2º edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.<br />
PAULO VI. A Igreja Pós – Conciliar: discursos ao Povo de Deus. 2º edição. Lisboa: Edições<br />
Paulistas, 1968.<br />
OLIVEIRA, Dom Oscar de. A Fé. Mariana: Editora Dom Viçoso, 1969.<br />
____. Santíssima Eucaristia: Inefável Mistério de Fé. Mariana: Editora Dom Viçoso, 1970.<br />
Fontes Primárias: Artigos do semanário católico O Arquidiocesano:<br />
“4 de novembro - dia da comemoração do 80° aniversário do Papa João XXIII”. O Arquidio-<br />
cesano. Mariana, 29 de outubro de 1961. Ano III, n° 111, p. 01 e 04.<br />
“A Doutrina Social da Igreja e os problemas de sub-desenvolvimento”. O Arquidiocesano.<br />
Mariana, 11 de dezembro de 1960. Ano II, n° 65, p. 03.<br />
8
“Doutrina Social da Igreja: a dignidade da pessoa humana”. O Arquidiocesano. Mariana, 15<br />
de janeiro de 1961. Ano II, n° 70, p. 03.<br />
“Homenagens Universais a João XXIII”. O Arquidiocesano. Mariana, 15 de outubro de 1961.<br />
Ano III, n° 109, p. 01.<br />
“Íntegra da Encíclica ‘Mater et Magistra’”. O Arquidiocesano. Mariana, 03 de setembro de<br />
1961. Ano III, n° 103, p. 03. (Segue nas treze edições seguintes).<br />
“João XXIII”. O Arquidiocesano. Mariana, 15 de outubro de 1959. Ano I, n° 10, p. 01.<br />
“O Concílio atenderá primeiro os problemas da Igreja”. O Arquidiocesano. Mariana, 27 de<br />
janeiro de 1960. Ano I, n° 28.<br />
“O João XXIII atualiza a Doutrina Social da Igreja”. O Arquidiocesano. Mariana, 09 de julho<br />
de 1961. Ano III, n° 95, p. 02.<br />
“O Mãe e mestra, a quinta Encíclica de João XXIII”. O Arquidiocesano. Mariana, 30 de junho<br />
de 1961. Ano III, n° 98, p. 01.<br />
“O Papa do concílio”. O Arquidiocesano. Mariana, 25 de junho de 1961. Ano III, n° 93, p. 03.<br />
“O Papa João XXIII e sua providencial missão”. O Arquidiocesano. Mariana, 12 de novembro<br />
de 1961. Ano III, n° 109, p. 01 e 04.<br />
“O primeiro ano do pontificado de S.S. o Papa João XXIII”. O Arquidiocesano. Mariana, 16<br />
de novembro de 1959. Ano I. p. 02.<br />
“Pobreza, exploração e silêncio”. O Arquidiocesano. Mariana, 16 de março de 1961. Ano II,<br />
n° 80, p. 03.<br />
“Realiza-se o Sínodo da Arquidiocese de Roma - Reunida dia 25 de janeiro a 1° assembléia<br />
de S. João Latrão - Sua repercussão na Igreja Universal - Presidido por S.S. o Papa João<br />
XXIII”. O Arquidiocesano. Mariana, 31 de janeiro de 1960. Ano I, n° 20, p. 01.<br />
OLIVEIRA, Oscar de. “Discussões <strong>sobre</strong> religião pouco ou nada adiantam”. O Arquidioce-<br />
sano. Mariana, 14 de fevereiro de 1960. Ano I, n° 22, p. 03.<br />
____. “A Igreja e o Sumo Pontificado: Jesus entrega à Pedro a suprema chefia da Igreja”. O<br />
Arquidiocesano. Mariana, 23 de abril de 1961. Ano II, n° 84, p. 02.<br />
____. “A Igreja e o Sumo Pontificado: Jesus promete solenemente à Pedro o supremo gover-<br />
no da Igreja”. O Arquidiocesano. Mariana, 16 de abril de 1961. Ano II, n° 83, p. 02.<br />
SILVA, Belchior da, padre. “O Próximo concílio Ecumênico”. O Arquidiocesano. Mariana,<br />
16 de agosto de 1959. Ano I, n° 02, p. 02.<br />
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