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H5 3 / 1 - ICHS/UFOP

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MUITO DINHEIRO E POUCA NOBREZA: ESTRATÉGIAS DE<br />

ASCENSÃO SOCIAL DOS NEGOCIANTES NO BRASIL COLONIAL<br />

(SÉCULOS XVII E XVIII)<br />

Amanda Dutra Hot 1 (<strong>UFOP</strong>)<br />

A SOCIEDADE COLONIAL QUE SE CONFIGUROU NO BRASIL FOI MARCADA,<br />

PRINCIPALMENTE, POR PADRÕES FIXOS E RÍGIDOS NO QUE TANGE À<br />

HIERARQUIA SOCIAL. NO ENTANTO, EM UMA COLÔNIA EM CONSTANTES<br />

TRANSFORMAÇÕES, A MOBILIDADE SOCIAL SE FEZ POSSÍVEL, MESMO<br />

ENFRENTANDO ALGUNS OBSTÁCULOS. NO PRESENTE TEXTO DISCUTIREMOS,<br />

GROSSO MODO, COMO SE DEU O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO E<br />

CONSOLIDAÇÃO DE UMA ELITE MERCANTIL EM TERRAS ONDE PREDOMINAVA<br />

UMA NOBREZA PRINCIPAL DA TERRA, OU A AÇUCAROCRACIA COLONIAL.<br />

VEREMOS DE QUE ARTIFÍCIOS SE VALERAM ESSES NEGOCIANTES DE GROSSO<br />

TRATO PARA INGRESSAREM NO MAIS ELEVADO DEGRAU DA PIRÂMIDE<br />

SOCIAL, MESMO QUE DE FORMA ASSISTEMÁTICA, MAS QUE NÃO PODEM SER<br />

IGNORADOS.<br />

Palavras-chave: Estratégias de Ascensão social, Negociantes, Riqueza.<br />

A sociedade e a economia do Rio de Janeiro e da América portuguesa foram marcadas<br />

por grandes transformações na virada do século XVII para o XVIII. Podemos destacar como a<br />

transformação mais importante a conversão do Rio de Janeiro em locus privilegiado do<br />

império português, principalmente com o início das primeiras descobertas auríferas em sua<br />

vizinhança – as Minas. Essa transformação traz consigo outras de grande importância, tais<br />

como a centralização do poder da Coroa, em grande parte no que diz respeito à tributação, no<br />

intuito de diminuir os riscos de eventuais prejuízos. Para representar a Coroa nessa tarefa a<br />

mesma criará vários cargos e instalará uma Casa da Moeda, onde os ocupantes serão<br />

criteriosamente escolhidos pela Coroa, o que denota a tentativa da mesma de restringir a<br />

atuação de uma nobreza que se impusera desde o século XVI – a nobreza da terra.<br />

Os naturais da terra, ou nobreza principal da terra, tal como se intitulavam, eram<br />

homens descendentes dos conquistadores que casaram-se e constituíram uma família no<br />

Brasil, já se considerando naturais da terra. Eram considerados a elite local, mas não<br />

dispunham de muito dinheiro, apenas um status social criado e recriado com o passar do<br />

tempo e que os tornava nobres, mas sem o reconhecimento dado pela monarquia.<br />

(FRAGOSO, 2007, p. 41)<br />

A manutenção deste status dava-se na medida em que esses nobres da terra<br />

conseguiam viver as transformações e usar do poder que adquiriram, estando a frente da<br />

Câmara, em seu favor. O negócio de que viviam essa nobreza era essencialmente a produção<br />

da cana-de-açúcar, porém é sabido que o solo do Rio de Janeiro era de péssima qualidade, o<br />

que os colocava em desvantagem frente à produção e qualidade nordestina. João Fragoso<br />

denomina essa economia açucareira criada no Rio de Janeiro como uma economia esquisita,<br />

justamente pela péssima qualidade da mesma. Dessa forma, existe uma má vontade do capital<br />

mercantil em comprar o produto carioca e de vender escravos africanos para essa capitania.<br />

Preferiam o comércio com o Nordeste, pois lá possuía uma forte economia exportadora.<br />

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal de Ouro Preto<br />

(PPGH/<strong>UFOP</strong>).<br />

1


Como forma de defender sua economia, os fidalgos aproveitaram-se da condição<br />

estratégica do Rio de Janeiro – principalmente para o abastecimento das Minas – e elaboraram<br />

medidas na Câmara que não permitissem a decadência do açúcar carioca. Agindo dessa forma<br />

resguardavam sua economia esquisita e ganhavam legitimidade perante os demais estratos<br />

sociais, totalmente dependentes dessa economia. Nas palavras de Fragoso<br />

Naquelas negociações, os fidalgos dos trópicos se valiam da posição-chave da<br />

cidade no Atlântico Sul na manutenção do império luso e da fragilidade dos recursos<br />

da monarquia. Por meio dessas difíceis conversas, a economia açucareira adquiria<br />

blindagem política contra as intempéries do mercado internacional. Assim, a<br />

nobreza principal da terra conseguia dar base material à sustentação de seu poder.<br />

Ao mesmo tempo, ao blindar tal economia, a nobreza realizava, aos olhos dos<br />

moradores, a defesa do bem comum, pois daquele açúcar dependiam suas vidas,<br />

sendo essa legitimidade lastreada tanto por senhores de moenda não nobres como<br />

por lavradores forros. (FRAGOSO, 2007, p.99 – 100)<br />

Convivendo lado a lado com essa nobreza da terra estava uma elite mercantil, ou os<br />

comerciantes de grosso trato que, vindos de Portugal, se enriqueceram em terras brasileiras.<br />

Decerto nem todos que aqui chegaram alcançaram sucesso financeiro e muitos deles trilharam<br />

caminhos árduos para obtê-lo. Não era raro comerciantes de grosso trato que “começaram<br />

suas vidas na cidade como caixeiros de empresários reinóis” (FRAGOSO, 2007, p.42). Em<br />

suas Memórias Históricas, Fernandes Gama nos narra a saga dos reinóis que chegaram em<br />

Pernambuco e se enriqueceram<br />

Desta gente, pois, a mais abjeta de Portugal, ignorante e sobremaneira mal educada,<br />

abundava esta província. Chegando a Pernambuco, esses forasteiros conseguiam, a<br />

troco de algum trabalho pessoal, adquirir quatro ou seis mil réis; com este fundo,<br />

compravam cebolas, alhos, [...] e carregados destes gêneros saíam a vender pelas<br />

ruas e freguesias do interior. Deste giro mesquinho, se procediam bem e não se<br />

embriagavam continuamente, os seus patrícios (que tinham como eles principiado)<br />

os livravam, fiando-lhes fazendas para venderem aos moradores do campo e, asssim<br />

arvorados em mascates, em breve aqueles estúpidos, que em Portugal nem para<br />

criados serviam, tornavam-se capitalistas e, esquecendo-se de seus princípios,<br />

julgavam-se superiores à nobreza do país, que tão benignamente os acolhera [...].<br />

(FERNANDES GAMA, apud, MELLO, 2003, p. 151-152)<br />

Apesar de serem imprescindíveis na economia colonial que, cada vez mais, mostrava-se<br />

dependente do capital mercantil, esses homens não possuíam reconhecimento social e nem<br />

mesmo eram bem quistos pela nobreza da terra para ocuparem cargos na Câmara.<br />

Essa oposição entre nobres e comerciantes foi tema de muitas reclamações por parte<br />

dos segundos à Coroa, principalmente quando se davam as eleições para os cargos de<br />

vereadores e juízes ordinários, em que os “homens bons resistiam a escolher pessoas<br />

[negociantes] [...] para os cargos honrosos da governança da terra” (FRAGOSO, 2007, p.35).<br />

Porém essa situação começa a se modificar ainda no século XVIII, quando a dinâmica<br />

econômica, agora ligada às minas, tiraria do controle dos naturais da terra e de suas parentelas<br />

a economia, passando para as mãos de outra elite – a mercantil. Esta soube aproveitar as<br />

oportunidades criadas pela região mineradora para se enriquecer ainda mais e se fortalecer 2 .<br />

2<br />

Outros também tirariam proveito da situação favorável que se apresentava nas Minas setecentistas, tais como<br />

altos funcionários régios. Como recebiam baixos salários, eles atuavam em empresas mercantis. D. Pedro de<br />

2


Segundo Sampaio a coesão interna do grupo dos comerciantes de grosso trato era criada por<br />

um sentimento de pertencimento a um mesmo grupo, o que se intensificará com o passar do<br />

setecentos (SAMPAIO, 2007).<br />

Também com a passar do setecentos a informalidade que acompanha o título de<br />

homem de negócio tende a esmaecer-se, principalmente quando se dá a criação da Junta do<br />

Comércio. Talvez possamos relacionar essa informalidade e a pouca freqüência com que os<br />

homens de grosso trato assim se identificavam nas documentações ao pouco, ou nenhum,<br />

reconhecimento que tinham enquanto tal em terras brasílicas, já que só eram<br />

reconhecidamente uma elite em Portugal, não o sendo na colônia – onde a terra seria a<br />

definidora de tal pertencimento. Segundo Sampaio, apenas a partir de 1720 os negociantes<br />

aparecem nas documentações se identificando como tal, o que denota a construção de uma<br />

identidade própria ao grupo (SAMPAIO, 2007, p.241).<br />

Como foi dito anteriormente, a primeira metade do século XVIII foi marcada pela<br />

tentativa da Coroa de reduzir a autonomia e a força das elites coloniais, formadas pela<br />

nobreza da terra. A Coroa pretendia criar um contrapeso à influência dessa enraizada nobreza,<br />

mas “a transformação dos negociantes nesse contrapeso depend[er]ia, em grande medida, das<br />

relações que eles estabeleceriam com essa mesma nobreza” (SAMPAIO, 2007, p.231).<br />

Assim, sabendo que essa comunidade mercantil possuía um projeto de poder e de<br />

ascensão social e, que a mesma enfrentava certa hostilidade por parte da nobreza da terra –<br />

grupo a qual queriam pertencer – resta-nos questionar quais teriam sido as formas encontradas<br />

pela elite mercantil para ascenderem social e politicamente convivendo com essa nobreza da<br />

terra.<br />

Na busca pela distinção: estratégias de ascensão social dos negociantes<br />

As Minas eram uma sociedade que se pretendia estamental. Embora a palavra, a<br />

honra e toda uma simbologia correspondente servissem como referenciais de<br />

estratificação, o quadro de aluvionismo social [...] forjava incontáveis rearranjos<br />

cotidianos, fazendo da identidade social um processo complexo e dinâmico. A<br />

ascensão econômica e política de comerciantes [...] acentuavam [...] o caráter<br />

flexível da sociedade (SILVEIRA, 1997, p.169).<br />

Podemos acrescentar que o aluvionismo social citado por Silveira não era<br />

característico apenas das Minas, no que diz respeito aos negociantes, mas também do Rio de<br />

Janeiro e de Pernambuco coloniais. Como citado anteriormente, não foram poucos aqueles<br />

miseráveis reinóis que aqui chegaram e fizeram fortunas, posteriormente atingindo altos<br />

estratos na esfera social. Mas como vimos não era fácil ascender socialmente, sendo muitas as<br />

barreiras criadas pela nobreza principal da terra aos endinheirados negociantes.<br />

Para transpor esses obstáculos, os comerciantes de grosso trato souberam criar e usar<br />

de estratégias que, ao mesmo tempo em que os fortalecia enquanto grupo, também os lançava<br />

para degraus superiores da escada social.<br />

O fato de possuírem honrarias concedidas pela Coroa e redes de relações no Atlântico<br />

não foi suficiente para que os negociantes concretizassem seu sonho de poder. Dessa forma,<br />

Almeida, o Conde de Assumar, governador da capitania de Minas Gerais e de São Paulo entre 1717-1721 é um<br />

exemplo esclarecedor a este respeito. Ver MATHIAS, Carlos Leonardo K. No exercício de atividades<br />

comerciais, na busca da governabilidade: D. Pedro de Almeida e sua rede de potentados nas minas do ouro<br />

durante as duas primeiras décadas do século XVIII. In: Conquistadores e Negociantes. Rio de Janeiro:<br />

Civilização Brasileira, 2007, p. 200.<br />

3


tentaram outras alternativas, tais como o ingresso nas irmandades e confrarias, muitas das<br />

quais eram criadas e sustentadas pela comunidade mercantil. Segundo Evaldo Cabral de<br />

Mello “outro degrau a galgar era o de familiar do Santo Ofício, título atribuído pelo seu<br />

Conselho Geral com base em investigação rigorosa do candidato e de sua<br />

ascendência”(MELLO, 2003, p.156).<br />

A Câmara representava para a elite mercantil a solução para dois problemas. Ingressar<br />

na mesma significava realizar seu projeto de poder e status social e, ao mesmo tempo, a<br />

possibilidade de adquirirem regalias para o trato comercial. Porém, participar da Câmara era<br />

para poucos, já que não eram cargos concedidos pela Coroa, mas pelo poder local – a nobreza<br />

da terra – e eram transferidos de pai para filho, criando assim uma oligarquia.<br />

Descontentes com os impedimentos dos nobres da terra de ingressar na Câmara, os<br />

negociantes enviavam reclamações à Coroa portuguesa, pedindo que a mesma interviesse a<br />

seu favor. Eles alegavam que mereciam fazer parte da mesma, pois possuíam muito dinheiro e<br />

serviriam desinteressadamente. Afirmavam também que conheciam muito bem a economia e<br />

que contribuíam com enormes fortunas à monarquia (FRAGOSO, 2007, p.36-37). Não<br />

podemos negar que os argumentos utilizados eram demasiadamente convincentes e que a<br />

Coroa não fazia oposição à participação dos negociantes na política, no entanto parece ter sido<br />

difícil frear a nobreza da terra e “destroná-la”, o que se sucederia naturalmente tendo em vista<br />

os novos rumos tomados pela economia. Não apenas a Coroa não se opunha como também<br />

fizera inúmeras tentativas de reduzir a autonomia dessas elites, principalmente no que se<br />

refere ao controle tributário, buscando minimizar eventuais perdas no período de auge da<br />

mineração.<br />

Como estratégia para ascenderem socialmente, os representantes da classe mercantil se<br />

utilizaram de algo muito “familiar” à nobreza da terra – a compra de engenhos. Antonil define<br />

a significação de tal ato aludindo que “o ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram<br />

porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E [...] bem se pode<br />

estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimam os títulos<br />

entre os fidalgos” (ANDREONI, 1967). Deve-se ter cuidado ao tratar a questão da compra de<br />

terras e engenhos e atentar para o fato de que a mesma não representa uma tentativa dos<br />

negociantes de se afastar do trato mercantil, muito pelo contrário. Representava, antes, uma<br />

tentativa de aproximação da nobreza principal da terra. Esta estratégia é perfeitamente<br />

compreendida se nos lembrarmos o que a terra representava nos tempos coloniais: significava<br />

poder, status, o “ser servido”. Parece que tal artifício surtiu efeito, já que em meados do<br />

século XVIII os negociantes de grosso trato entram na ciranda da Câmara através de negócios<br />

com engenhos de açúcar.<br />

Sabendo de antemão que a sociedade colonial estava numa completa situação de<br />

dependência do capital mercantil, os negociantes souberam aproveitar-se disso como ume<br />

estratagema para estabelecer alianças com os nobres da terra. Ora, como citado anteriormente,<br />

a situação econômica da elite açucareira não era das melhores. Havia muitos membros dessa<br />

nobreza, possuidores de títulos e honrarias, mas que possuíam um plantel ínfimo de escravos<br />

e uma renda decadente. Por outro lado, os negócios da elite mercantil seguiam mais rentáveis<br />

do que nunca. Assim, não parece difícil antever o quadro que se configuraria a partir de então.<br />

Alianças entre nobres da terra e negociantes se tornariam realidade, sanando interesses<br />

mútuos. Alertando para uma interdependência entre a nobreza da terra e os mercadores como<br />

forma de sobrevivência de ambos, o autor do “Tratado da Capitania de Pernambuco” atesta<br />

4


mui preciso ser, como sempre foi, que estes moradores da praça, filhos de Portugal,<br />

vivam e tenham trato com os moradores de fora, e sem este nem um nem outro se<br />

poderão conservar e isto se deve ter por tão certo como infalível 3 .<br />

O que podemos apreender é que, com uma economia cada vez mais presa ao capital da<br />

comunidade mercantil, a nobreza da terra soube – e precisou – aproveitar-se de seu status para<br />

conseguir aliados negociantes. Os negociantes, possuidores de grandes fortunas, firmavam-se<br />

frente a nobreza da terra, galgando rumo ao tão sonhado status social, enquanto a nobreza da<br />

terra, aproveitava-se da situação econômica desses negociantes. Mas não podemos despreza a<br />

hipótese – e cremos que a mesma se fundamenta – de outros “n” interesses sustentarem essas<br />

alianças além dos já citados. Das alianças, quer através de matrimônios, quer de caráter<br />

eminentemente econômico, podemos notar que a resistência dos nobres brasileiros em aceitar<br />

a classe mercantil fora superada, mesmo que em parte, e que a mesma estava aberta a recebêlos.<br />

De fato, tendo em vista uma elite açucareira estruturalmente endividada e ameaçada pelas<br />

transformações ocorridas ao longo do século XVIII, não havia melhor saída (SAMPAIO,<br />

2002, p. 29-49).<br />

Desta rede de poder também se valeram funcionários régios que ao chegarem em<br />

terras brasileiras visualizaram ótimas oportunidades de enriquecerem ou apenas<br />

complementar seu salário – que eram baixos por sinal – através do comércio. Refiro-me,<br />

como exemplo, a D. Pedro de Almeida, o Conde de Assumar, que valeu-se dessas redes tanto<br />

no trato comercial, quanto na busca da governabilidade (MATHIAS, 2007, p. 220).<br />

As alianças, no que se referem ao casamento, podem nos mostrar duas possibilidades –<br />

a endogamia e a exogamia. É curioso que ao longo de todo o século XVII, e que repete-se no<br />

XVIII, os negociantes fortalecem seu grupo através de casamentos entre famílias de<br />

negociantes. Evaldo Cabral de Mello alega que os mercadores, em sua maioria,<br />

privilegiavam os casamentos entre seus pares, maneira de acelerar a acumulação de<br />

capitais mediante os pingues dotes que se poderiam dispensar reciprocamente, o que<br />

não acontecia com a nobreza; e a maneira também de preservar a fortuna doméstica<br />

dos riscos pecuniários das ligações com as famílias da açucarocracia reputadas (...)<br />

pródigas e incompetentes na gestão dos cabedais (MELLO, 2003, p.148).<br />

Dessa forma parece ser possível perceber que a acumulação de riquezas importava<br />

mais, num primeiro momento, para só então buscarem o status propriamente dito. Ora, neste<br />

ponto não pareciam se enganar, já que a riqueza era, sem dúvida, porta de entrada para a<br />

elevação social. Como foi dito existia sim uma nobreza, uma hierarquia social vigente, mas<br />

nada nos diz que a mesma se pretendia fixa e imutável. Se essa nobreza se estabeleceu é<br />

porque o contexto no qual ela surgiu foi propício. Mas no setecentos os tempos eram outros e<br />

esses nobres já não mais conseguiriam se sustentar lá no topo desprovidos de recursos. Nesse<br />

contexto abrem-se brechas para a incorporação dos novos endinheirados nesse grupo, já que<br />

as alianças estabelecidas a partir dos enlaces matrimoniais dentro da comunidade mercantil<br />

visavam fortalecê-los, mas o que buscavam agora era uma ascensão social mais ampla, que os<br />

inserisse de fato no cume dessa pirâmide social. Para tanto, os negociantes de grosso trato<br />

estavam cientes de que não bastava serem afortunados, precisavam ter qualidade, o que os<br />

casamentos com as elites açucareiras lhes proporcionariam.<br />

3<br />

Conferir em MELLO, Evaldo Cabral de. Loja X Engenho. In: A fronda dos mazombos. Nobres contra<br />

mascates, Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Editora 34, 2003, p. 149.<br />

5


Em seu estudo Famílias e Negócios: a formação da comunidade mercantil carioca na<br />

primeira metade do setecentos, Sampaio faz um levantamento de como se davam esses<br />

enlaces matrimoniais entre a nobreza da terra e negociantes, e o resultado é revelador. Ao<br />

longo do século XVIII apenas aproximadamente um terço dos casamentos de negociantes ou<br />

de seus filhos se deram com a nobreza da terra, o que demonstra que esta não pode ser<br />

considerada uma estratégia tão arraigada.<br />

Tendo visto, ao longo destas poucas linhas, como se deram as relações entre os<br />

negociantes de grosso trato que aqui se estabeleceram e a nobreza principal da terra, podemos<br />

perceber que longe de pretenderem, os primeiros, em se misturar ou suplantar os últimos, o<br />

que eles buscaram é o fortalecimento de sua comunidade. Poderíamos acrescentar também,<br />

com o respaldo de Sampaio, que os negociantes conseguem criar sua identidade própria,<br />

constituindo-se como uma elite verdadeiramente nova, distinta em sua maioria da antiga<br />

nobreza da terra. E uma parte dessa nobreza só sobrevive, pois consegue estabelecer alianças<br />

com esta nova elite mercantil, em torno da qual a nova realidade setecentista se configurava.<br />

Bibliografia<br />

ANDREONI, João Antônio. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. São<br />

Pulo: Companhia Editora Nacional, 1967, cap.1.<br />

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arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de<br />

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FRAGOSO, João. Homens de Grossa Aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil<br />

do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992.<br />

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Janeiro (1600-1750). In: Conquistadores e Negociantes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.<br />

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Novas dimensões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.<br />

MATHIAS, Carlos Leonardo K. No exercício de atividades comerciais, na busca da<br />

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Civilização Brasileira, 2007.<br />

MELLO, Evaldo Cabral de. Loja X Engenho. In: A fronda dos mazombos. Nobres contra mascates,<br />

Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Editora 34, 2003.<br />

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recrutamento e recursos sociais. Análise Social, vol. XXVII (116-117), 1992, p. 407-440.<br />

6


SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá. O mercado carioca de crédito: da acumulação senhorial à<br />

acumulação mercantil (1650-1750). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, n.<br />

29, 2002, p.29-49.<br />

SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Famílias e negócios: a formação da comunidade mercantil<br />

carioca na primeira metade do setecentos. In: Conquistadores e Negociantes. Rio de Janeiro:<br />

Civilização Brasileira, 2007.<br />

SILVEIRA, Marco Antônio. A vontade da distinção. In: O Universo do Indistinto. Estado e Sociedade<br />

nas Minas Setecentistas (1735-1808). São Paulo: Editora Hucitec, 1997.<br />

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