OS PALHAÇOS NAS MANIFESTAÇÕES POPULARES ... - Unesp
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Após este episódio, entra o Delegado enroscado na própria corda que havia levado<br />
para prender o criminoso, “depois da sátira dos médicos e dos padres, tem lugar a sátira das<br />
autoridades. O coro lhe dirige vaias, no que é acompanhado pelo público” (MEYER, 1991,<br />
p.60). A morosidade da polícia e toda a burocracia são sempre alvos de piadas e chacotas<br />
nesse momento, e a polícia também é desmoralizada.<br />
O Bumba-Meu-Boi é um espetáculo grosseiro e rudimentar quanto à trama, mas<br />
visual e auditivamente muito belo, na variedade de sua música e de sua dança, na<br />
invenção das novas cenas, leva-nos a época das origens, em que homens, animais,<br />
natureza participavam e um mesmo universo, estavam submetidos aos mesmos<br />
perigos, aos mesmos medos e ameaças, derivados dos mesmos mistérios. (MEYER,<br />
1991, p.63-64)<br />
A repugnação por esta manifestação ruidosa e festiva foi registrada, em 1840, no<br />
relato do Padre Lopes da Gama27, em um artigo intitulado A Estultice do Bumba Meu Boi,<br />
lançado na revista O Carapuceiro, que se encaixava nas publicações que faziam críticas de<br />
costume usando e abusando do humor, das sátiras, das ironias e do grotesco. Possuía um perfil<br />
liberal, porém com conteúdo moral que nota-se nesta citação a seguir:<br />
De quantos receios, folganças e desenfados populares há neste nosso Pernambuco,<br />
eu não conheço um tão tolo, tão estúpido e destituído de graça, como o aliás bem<br />
conhecido Bumba-meu-boi. Em tal brinco não se encontra um enredo, nem<br />
verossimilhança, nem ligação: é um agregado de disparates. Um negro metido<br />
debaixo de uma baeta é o boi; um capadócio enfiado pelo fundo dum panacu velho,<br />
chama-se o cavalo-marinho; outro, alarpadado, sob lençóis, denomina-se burrinha;<br />
um menino com duas saias, uma da cintura para baixo, outra da cintura para cima,<br />
terminando para a cabeça com uma urupema, é o que se chama a caipora; há além<br />
disto outro capadócio que se chama o pai Mateus. O sujeito do cavalo-marinho é o<br />
senhor do boi, da burrinha, da caipora e do Mateus. Todo o divertimento cifra-se em<br />
dono de toda esta súcia fazer dançar ao som de violas, pandeiros e de uma infernal<br />
berraria o tal bêbado Mateus, a burrinha, a caipora e o boi, que com efeito é animal<br />
muito ligeirinho, trêfego e bailarino. Além disso, o boi morre sempre, sem quê nem<br />
para quê, e ressuscita por virtude de um clister, que pespega o Mateus, coisa mui<br />
27 “Padre Lopes da Gama, o Carapuceiro como era chamado por conta da revista, não era um religioso comum da<br />
sua época, como coloca Valente: faltava a caridade cristã, era compulsivo e arrogante. Sem rédea nas línguas<br />
metia a boca nos costumes e por acidentes na política, parafraseando seus escritos. Condenava o comércio de<br />
escravos, já em regime de contrabando, e a propósito do cativeiro censurava o comportamento erótico do<br />
escravizador e tudo o que fosse contra as leis, a Religião, os bons costumes e a saúde”. (VALENTE, 1969, s/p).<br />
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