Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Desde que rebentou o escândalo Casa Pia, Carlos Cruz deixou de fazer planos.<br />
Confessa que se limita a gerir frustações e desilusões: “Ando nisto há nove<br />
anos, sou um profi ssional do desconhecido, da não vida e da expectativa.”<br />
Em cima, com a fi lha Marta, que tinha 18 anos quando o pai foi preso<br />
“Não há nenhuma razão forte para existir,<br />
a não ser proteger as minhas fi lhas„<br />
<strong>Lux</strong> – Perante isso, consegue sentir-se otimista<br />
quanto ao desfecho, que está para breve?<br />
C.C. – Acho que é possível a minha absolvição<br />
se houver um sentido de justiça no Tribunal<br />
da Relação. Acho que a minha absolvição é<br />
impossível se os juízes que têm o processo na<br />
mão estiverem obrigados ou sujeitos às pressões<br />
e orientações a que os juízes anteriores estiveram<br />
e que justifi cam as atitudes e decisões<br />
que tomaram. Portanto, tudo é possível.<br />
<strong>Lux</strong> – Deixou de fazer planos?<br />
C.C. – Acho que não devo fazê-los. Devo viver o<br />
dia-a-dia até ter este processo resolvido, de uma<br />
maneira ou de outra. Não faz sentido porque<br />
quando fazemos projetos corremos o risco<br />
de alcançar frustrações e desilusões. Ando<br />
nisto há nove anos, sou um profi ssional do<br />
desconhecido, da não vida e da expectativa.<br />
<strong>Lux</strong> – O que é que perdeu nestes nove anos?<br />
C.C. – Perdi tudo e não perdi nada. Não perdi<br />
nada daquilo que sou. Enriqueci-me e hoje<br />
considero-me, até, uma pessoa melhor. Perdi<br />
aquilo que é exterior a mim próprio, o estilo<br />
de vida, a profi ssão, as minhas realizações.<br />
O que eu perdi mais não perdi, roubaram-me,<br />
que é a minha estrutura familiar, o acompanhamento<br />
e a contribuição para um crescimento<br />
normal da minha fi lha mais nova, o ter uma<br />
vida social em que pudesse conviver de uma<br />
forma aberta e tranquila, da forma que sempre<br />
fui e sou, defendendo os meus valores. Não<br />
sei o que é que a minha fi lha vai ser no futuro<br />
e julgo que as pessoas que fi zeram o que<br />
fizeram comigo serão responsáveis por<br />
qualquer trauma mais marcante na vida da<br />
Mariana e isso eu não posso perdoar.<br />
<strong>Lux</strong> – Ela é uma das maiores vítimas deste<br />
processo?<br />
C.C. – Ela é, para mim e até hoje, a principal<br />
vítima deste processo.<br />
<strong>Lux</strong> – Tudo isto moldou-a?<br />
C.C. – Não tenho a menor dúvida. Embora seja<br />
uma criança reservada, acho que há ali marcas<br />
destes nove anos, que ela gere muito bem.<br />
É uma criança muito especial, é precoce, talvez<br />
por isso mesmo. Ela não fala do assunto,<br />
sinto que para ela seria incómodo, mas eu sei<br />
que o confl ito está lá. Só houve uma vez que<br />
o fez depois da sentença. Sem ser a propósito<br />
de nada, ela disse-me: “O pai não pode<br />
ser preso outra vez, pois não?” Eu respondi-lhe<br />
que não tinha feito nada e que se houver<br />
justiça, não vou preso. E fi cámos assim, nunca<br />
mais falou no assunto. Mas sinto que ela<br />
vive essa inquietação da hipótese de eu ser<br />
preso outra vez, não só porque gosta de mim,<br />
e gosta muito – dá-me provas fantásticas<br />
do amor que tem por mim – mas também pelo<br />
sentido de proteção que tem em relação a mim.<br />
Tenta proteger-me o mais possível e uma das<br />
formas que ela tem de o fazer é quando<br />
lhe digo para irmos almoçar fora os dois e<br />
ela diz-me para fi carmos em casa. Porquê?