Abuso do direito de estar em juízo [ Rui Stoco ] - APEJUR
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ABUSO DO DIREITO DE ESTAR EM JUÍZO<br />
(DIREITO DE REPARAÇÃO POR MÁ-FÉ PROCESSUAL)<br />
RUI STOCO<br />
Des<strong>em</strong>barga<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo<br />
Ex-Conselheiro <strong>do</strong> Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça<br />
Pós-gradua<strong>do</strong> <strong>em</strong> Direito Processual Civil<br />
Professor e coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>r <strong>em</strong> cursos <strong>de</strong> pós-graduação<br />
Questão que <strong>de</strong>sperta gran<strong>de</strong> interesse é aquela suscitada quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>terminada<br />
pessoa ajuíza uma ou mais ações judiciais buscan<strong>do</strong> fazer prevalecer o que enten<strong>de</strong> ser<br />
<strong>direito</strong> seu, mostran<strong>do</strong>-se, contu<strong>do</strong>, insistente e impertinente nos autos, crian<strong>do</strong> inci<strong>de</strong>ntes,<br />
recorren<strong>do</strong> das <strong>de</strong>cisões interlocutórias através <strong>de</strong> agravo <strong>de</strong> instrumento e das <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />
mérito através <strong>de</strong> recursos ordinários e extraordinários ou especial ou, ainda, renovan<strong>do</strong><br />
causa que já havia si<strong>do</strong> julgada. Enfim, insistin<strong>do</strong> <strong>em</strong> um resulta<strong>do</strong> que lhe foi nega<strong>do</strong> ou<br />
no reconhecimento <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> que foi <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> inexistente através <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão<br />
transitada <strong>em</strong> julga<strong>do</strong>. Como também <strong>de</strong>duzin<strong>do</strong> pretensão que sabe absurda e contrária à<br />
lei; juntan<strong>do</strong> <strong>do</strong>cumentos falsos aos autos; buscan<strong>do</strong> objetivo ilegal ou criminoso ou<br />
retardan<strong>do</strong> o andamento <strong>do</strong> processo.<br />
Há prece<strong>de</strong>ntes <strong>em</strong> que a pessoa ingressou com inúmeras ações contra outra,<br />
sen<strong>do</strong> vencida <strong>em</strong> todas. O réu nas ações que lhe foram intentadas, sain<strong>do</strong> vence<strong>do</strong>r <strong>em</strong><br />
todas as <strong>de</strong>mandas, passou a enten<strong>de</strong>r que aquele que lhe moveu ações (autor) infundadas<br />
teria pratica<strong>do</strong> abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> <strong>de</strong> aviventar ações <strong>em</strong> <strong>juízo</strong> e, mesmo,<br />
abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> <strong>de</strong> recorrer.<br />
A questão, como se verifica, não é simples.<br />
O t<strong>em</strong>a relativo ao abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> <strong>em</strong> si, sua concepção, orig<strong>em</strong>, fundamentos<br />
e efeitos é tão intrinca<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> instigante, mas seu estu<strong>do</strong> não se comporta nos estreitos<br />
limites da probl<strong>em</strong>ática que se quer abordar, pois mereceria conter-se <strong>em</strong> um compêndio<br />
<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> mil páginas.<br />
Mas cabe l<strong>em</strong>brar que PLANIOL 1 , ao criticar o que se chamou <strong>de</strong> “abuso <strong>de</strong><br />
<strong>direito</strong>”, verberou: “Fala-se facilmente <strong>do</strong> uso abusivo <strong>de</strong> um <strong>direito</strong>, como se esta<br />
expressão tivesse um senti<strong>do</strong> claro e preciso. Mas é necessário não nos iludirmos: o <strong>direito</strong><br />
cessa on<strong>de</strong> começa o abuso, e não po<strong>de</strong> haver uso abusivo <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> qualquer, porque<br />
um mesmo ato não po<strong>de</strong> ser, a um só t<strong>em</strong>po, conforme e contrário ao <strong>direito</strong>”.<br />
1 . MARCEL PLANIOL. Traité <strong>de</strong> Droi Civil, v. II, n. 870.
contraditória.<br />
2<br />
Buscou PLANIOL mostrar que a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> é teoricamente<br />
Contu<strong>do</strong>, redargüiu JORGE AMERICANO 2 : “Se, por um la<strong>do</strong>, a noção <strong>do</strong><br />
<strong>direito</strong> exclui a idéia <strong>do</strong> abuso, porque o abuso <strong>de</strong>snatura o <strong>direito</strong> e faz com que <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> o<br />
ser, por outro la<strong>do</strong> não há cont<strong>estar</strong> a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos, que verifica, <strong>em</strong> uma série <strong>de</strong><br />
atos ilícitos, um falso assento <strong>em</strong> <strong>direito</strong>, diversamente <strong>do</strong> ato ilícito, genericamente<br />
consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>em</strong> que se não invoca nenhum assento <strong>em</strong> <strong>direito</strong>”.<br />
E DEGUIT 3 , afastan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> entendimento <strong>de</strong> PLANIOL, para <strong>de</strong>le discordar<br />
parcialmente, l<strong>em</strong>brou: “Eu não diria, com Marcel Planiol que a fórmula “uso abusivo <strong>do</strong>s<br />
<strong>direito</strong>s” é uma logomaquia, mas, como ele, enten<strong>do</strong> que se há <strong>direito</strong>, este cessa on<strong>de</strong> o<br />
abuso começa. E acrescento que esta teoria, ou pelo menos esta fórmula – abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong><br />
– explica-se pelas circunstâncias”.<br />
E o maior estudioso da <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, o mestre JOSSERAND 4 ,<br />
também refutou PLANIOL observan<strong>do</strong> não existir contradição <strong>em</strong> que um ato seja a um só<br />
t<strong>em</strong>po conforme a tal <strong>direito</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> e, entretanto, contrário ao <strong>direito</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />
sua generalida<strong>de</strong> e <strong>em</strong> sua objetivida<strong>de</strong>.<br />
Para não pol<strong>em</strong>izar ainda mais e manter discussão sobre a “luta <strong>de</strong> palavras”,<br />
que não se comporta neste estu<strong>do</strong>, cabe apenas dizer que a teoria <strong>do</strong> abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> está<br />
consagrada hoje <strong>em</strong> quase to<strong>do</strong>s os or<strong>de</strong>namentos jurídicos das nações <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
O ato jurídico, porque encampa<strong>do</strong> pela norma legal, pressupõe-se lícito.<br />
O ato contrário ao <strong>direito</strong> não é ato jurídico. Caracteriza um ato ilícito posto<br />
não <strong>estar</strong> conforme ao <strong>direito</strong>.<br />
produz.<br />
Esse ato é ilícito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua gênese: concepção, nascimento e efeitos que<br />
O abuso <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, <strong>em</strong> palavras simples e objetivas, pressupõe licitu<strong>de</strong> no<br />
antece<strong>de</strong>nte e ilicitu<strong>de</strong> no conseqüente, pois originariamente o agente lança mão <strong>de</strong> um<br />
<strong>direito</strong> mas o exerce com excesso ou com abuso.<br />
Então, o ato que era inicialmente lícito, <strong>em</strong> um segun<strong>do</strong> momento converte-se<br />
<strong>em</strong> ilícito pelo excesso e não <strong>em</strong> razão <strong>de</strong> sua orig<strong>em</strong>.<br />
Do que se infere que a idéia <strong>do</strong> abuso sustenta-se <strong>em</strong> uma apreciação relativa<br />
ao mo<strong>do</strong> pelo qual o titular exerce o <strong>direito</strong>. 5<br />
2<br />
. JORGE AMERICANO. Do abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> no exercício da <strong>de</strong>manda. 2. ed. São Paulo, 1932, p. 5.<br />
3<br />
. LÉON DEGUIT. Les transformations générales du Droit Privé, p. 199.<br />
4<br />
. LOUIS JOSSERAND. De l’Esprit <strong>de</strong>s Droits et leur relativité, 1927, p. 312 e segs, n. 245.<br />
5<br />
. RICARDO LUIS LORENZETTI. Nuevas fronteras <strong>de</strong>l abuso <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho, Revista <strong>do</strong>s Tribunais n. 723,<br />
p. 53.
3<br />
Quan<strong>do</strong> a pessoa pratica uma ação ou omissão permitida, diz-se que praticou<br />
um ato lícito e, portanto, não proibi<strong>do</strong>.<br />
Diz-se também que agiu no exercício regular <strong>de</strong> um <strong>direito</strong>.<br />
Sua ação é lícita.<br />
Quan<strong>do</strong>, porém, o indivíduo pratica uma ação ou omissão proibida, prevista<br />
expressamente na lei como não permitida, diz-se que cometeu um ato ilícito e, portanto,<br />
con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> pelo Direito Positivo.<br />
Mas quan<strong>do</strong> essa mesma pessoa faz valer ou exerce mal o seu <strong>direito</strong>,<br />
cometen<strong>do</strong> excesso, <strong>de</strong>svio ou abuso, nasce então o abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> como verda<strong>de</strong>iro<br />
tertius genus.<br />
Segun<strong>do</strong> enten<strong>de</strong>mos o Código Civil, consagrou esse entendimento e cobriu<br />
lacuna <strong>do</strong> Código revoga<strong>do</strong>, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> a teoria <strong>do</strong> abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong>-o como ato<br />
ilícito e afastan<strong>do</strong> discussão <strong>do</strong>utrinária secular.<br />
O art. 187 <strong>do</strong> Código Civil está assim redigi<strong>do</strong>:<br />
“Art. 187. Comete ato ilícito o titular <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> que, ao exercê-lo, exce<strong>de</strong><br />
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos<br />
bons costumes”.<br />
Ressalta claro <strong>do</strong> texto que também o titular <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> po<strong>de</strong> cometer ato<br />
ilícito quan<strong>do</strong> o exerce mal e in<strong>de</strong>vidamente, ultrapassan<strong>do</strong> os limites estabeleci<strong>do</strong>s ou<br />
<strong>de</strong>svian<strong>do</strong>-se da boa-fé e <strong>do</strong>s bons costumes que, então, convert<strong>em</strong>-se <strong>em</strong> má-fé e <strong>em</strong><br />
prática ruim e repudiada pelo estrato social, sen<strong>do</strong> certo que estes <strong>do</strong>is últimos<br />
comportamentos contra leg<strong>em</strong> são gêneros <strong>de</strong> que o <strong>do</strong>lo é espécie.<br />
regular <strong>de</strong> um <strong>direito</strong>.<br />
Portanto, quan<strong>do</strong> alguém ingressa com uma ação judicial está no exercício<br />
Se o seu comportamento processual se <strong>de</strong>r secundum ius, ou seja, conforme a<br />
moldura estabelecida na lei processual civil, não há abuso n<strong>em</strong> <strong>de</strong>svio, pouco importan<strong>do</strong><br />
que o resulta<strong>do</strong> da <strong>de</strong>manda lhe seja favorável ou <strong>de</strong>sfavorável, na consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> que a<br />
só perda da ação judicial não licencia o vence<strong>do</strong>r a preten<strong>de</strong>r perdas e danos, como <strong>de</strong> resto<br />
não justifica invocar o fundamento <strong>de</strong> que a sua condição <strong>de</strong> réu (<strong>em</strong>bora vence<strong>do</strong>r)<br />
causou-lhe incômo<strong>do</strong>s e pre<strong>juízo</strong>s.<br />
Isto porque o fundamento moral <strong>do</strong> exercício regular <strong>de</strong> um <strong>direito</strong>, como<br />
causa <strong>de</strong> isenção <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil, está na certeza imposta pela lei <strong>de</strong> que, qu<strong>em</strong><br />
usa <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> seu e o exerce regularmente não causa dano a ninguém.
4<br />
Esse o princípio estabeleci<strong>do</strong> no atual Código Civil ao dispor não constituír<strong>em</strong><br />
atos ilícitos aqueles “pratica<strong>do</strong>s no exercício regular <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> reconheci<strong>do</strong>” (art. 188,<br />
I).<br />
Cabe l<strong>em</strong>brar que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece princípio irretirável e<br />
garantia fundamental conti<strong>do</strong>s nos seguintes enuncia<strong>do</strong>s: “a lei não excluirá da apreciação<br />
<strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário lesão ou ameaça a <strong>direito</strong>” (art. 5 o , XXXV) e que: “aos litigantes, <strong>em</strong><br />
processo judicial ou administrativo, e aos acusa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> geral são assegura<strong>do</strong>s o<br />
contraditório e ampla <strong>de</strong>fesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.<br />
Diante disso cabe assentar <strong>em</strong> reiteração que a utilização <strong>do</strong> <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>estar</strong> <strong>em</strong><br />
<strong>juízo</strong> encontra proteção e garantia na Carta Magna, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que o só ajuizamento <strong>de</strong> ações<br />
judiciais não constitui abuso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> mas exercício regular <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> assegura<strong>do</strong>.<br />
Mas a questão não se esgota com essa primeira conclusão.<br />
Duas vertentes distintas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser estabelecidas para efeito <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>.<br />
A primeira, relativa ao chama<strong>do</strong> abuso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> processual, com previsão nos<br />
artigos 16 a 18 <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo Civil sob a rubrica “Da responsabilida<strong>de</strong> das partes<br />
por dano processual”.<br />
A segunda, pertinente ao abuso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> da parte ou seu advoga<strong>do</strong> <strong>em</strong> <strong>juízo</strong>,<br />
não mais pela atuação com má-fé processual, mas com o objetivo subalterno <strong>de</strong> causar<br />
dano ou obter vantag<strong>em</strong> in<strong>de</strong>vida através <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Judiciário, agin<strong>do</strong> com <strong>do</strong>lo, hipótese<br />
que se amolda ao art.186 <strong>do</strong> Código Civil.<br />
A distinção assume importância pois a <strong>de</strong>claração da má-fé processual e a<br />
correspon<strong>de</strong>nte fixação da in<strong>de</strong>nização por perdas e danos ocorre nos próprios autos.<br />
Nesta hipótese a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> má-fé pelo magistra<strong>do</strong> constitui mera questão<br />
inci<strong>de</strong>nte, que se resolve nos próprios autos <strong>em</strong> que as partes se conten<strong>de</strong>m.<br />
O CPC reputa <strong>de</strong> má-fé a parte que conduzir-se segun<strong>do</strong> os incisos I a VII <strong>do</strong><br />
art. 17: I) <strong>de</strong>duzir pretensão ou <strong>de</strong>fesa contra texto expresso <strong>de</strong> lei ou fato incontroverso;<br />
II) altear a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos; III) usar <strong>do</strong> processo para conseguir objetivo ilegal; IV)<br />
opuser resistência injustificada ao andamento <strong>do</strong> processo; V) proce<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> t<strong>em</strong>erário<br />
<strong>em</strong> qualquer inci<strong>de</strong>nte ou ato <strong>do</strong> processo; VI) provocar inci<strong>de</strong>ntes manifestamente<br />
infunda<strong>do</strong>s; VII) interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.<br />
Para estas hipóteses prevê o art. 18 <strong>do</strong> CPC a imposição <strong>de</strong> multa não<br />
exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um por cento sobre o valor da causa e in<strong>de</strong>nização <strong>do</strong>s pre<strong>juízo</strong>s que a parte<br />
tenha sofri<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> o juiz, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, nos próprios autos, fixar esse valor, se pu<strong>de</strong>r<br />
dimensioná-los ou, não sen<strong>do</strong> possível, <strong>de</strong>terminar a liquidação por arbitramento (art. 18, §<br />
2 o ).
5<br />
Essas hipóteses <strong>do</strong> art. 17 foram estabelecidas <strong>em</strong> numerus clausus, não<br />
comportan<strong>do</strong> ampliação.<br />
Nesse senti<strong>do</strong> a <strong>do</strong>utrina <strong>de</strong> NELSON NERY JÚNIOR E ROSA MARIA<br />
ANDRADE NERY 6 , JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM 7 , MARCOS AFONSO<br />
BORGES 8 e ADROALDO LEÃO 9 .<br />
Do que se conclui que o próprio legisla<strong>do</strong>r admitiu a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outras<br />
hipóteses ali não contidas, que po<strong>de</strong>m configurar abuso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e admitir in<strong>de</strong>nização<br />
com base no Direito Comum, ou seja, com supedâneo no Código Civil, na consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong><br />
que o conceito <strong>de</strong> improbus litigator não se esgota na noção da má-fé processual, que se<br />
amolda à frau<strong>de</strong> processual (<strong>do</strong>lo) mas <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> fora da previsão outros comportamentos<br />
consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s ilícitos.<br />
Nestes casos, que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s, impõe-se o ajuizamento <strong>de</strong> ação<br />
específica e não o aproveitamento da ação judicial on<strong>de</strong> o ilícito teria si<strong>do</strong> cometi<strong>do</strong> pela<br />
parte ou seu advoga<strong>do</strong> (cf. art. 32 da Lei n.º 9.906/94 – Estatuto da Advocacia).<br />
Impõe-se ao autor que pleiteia reparação fazer prova <strong>do</strong> fato, <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> o<br />
praticou, da conduta <strong>do</strong>losa <strong>de</strong>ste último e da existência <strong>de</strong> um dano.<br />
Segun<strong>do</strong> nos parece, se estamos falan<strong>do</strong> <strong>de</strong> má-fé e <strong>de</strong> conduta fraudulenta da<br />
parte, ressuma evi<strong>de</strong>nte que há ali i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> o el<strong>em</strong>ento intencional, qual seja o animus<br />
nocendi (intenção <strong>de</strong> prejudicar) ou <strong>de</strong> obter vantag<strong>em</strong> in<strong>de</strong>vida.<br />
Assim, o abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>estar</strong> <strong>em</strong> <strong>juízo</strong> e <strong>de</strong> produzir acusação ou <strong>de</strong>fesa<br />
<strong>em</strong> ações cíveis ou criminais, t<strong>em</strong> como substrato o <strong>do</strong>lo <strong>do</strong> agente; a vonta<strong>de</strong> dirigida a<br />
um fim. Significa que a culpa stricto sensu não é suficiente para <strong>em</strong>penhar sua<br />
responsabilida<strong>de</strong>, não obstante o entendimento <strong>de</strong> consagra<strong>do</strong>s autores, aos quais pe<strong>de</strong>-se<br />
vênia para discordar.<br />
Lamentavelmente a <strong>do</strong>utrina não é muito clara a esse respeito.<br />
PEDRO BAPTISTA MARTINS 10 nos dá uma visão diversa da questão assim<br />
se manifestan<strong>do</strong>: “Culpa e exercício <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> são duas noções incoadunáveis. On<strong>de</strong> a<br />
culpa aparece não po<strong>de</strong> haver exercício <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> e, reciprocamente, a idéia <strong>de</strong> um<br />
<strong>direito</strong> <strong>em</strong> ação exclui <strong>de</strong>finitivamente a <strong>de</strong> culpa”.<br />
6<br />
. NELSON NERY JÚNIOR E ROSA MARIA ANDRADE NERY. CPC Comenta<strong>do</strong>. 7. ed. São Paulo:<br />
Ed. RT, p. 371.<br />
7<br />
. JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM. Cód. <strong>de</strong> Processo Civil Comenta<strong>do</strong>. São Paulo: Ed. RT, v. 2,<br />
1975, p. 149.<br />
8<br />
. MARCOS AFONSO BORGES. Comentários ao CPC. São Paulo: LEUD, 1977, v. I, p. 28.<br />
9<br />
. ADROALDO LEÃO. O litigante <strong>de</strong> má-fé. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1986, p. 37.<br />
10<br />
. PEDRO BAPTISTA MARTINS. O abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> e o ato ilícito. 3.ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, Rio,<br />
atualizada por José da Silva Pacheco, p. 157.
6<br />
Esqueceu-se, porém, <strong>de</strong> que no abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> há legitimida<strong>de</strong> no<br />
antece<strong>de</strong>nte, quan<strong>do</strong> a pessoa atua exercen<strong>do</strong> um <strong>direito</strong> legítimo e previsto (como o <strong>direito</strong><br />
<strong>de</strong> ação) e <strong>do</strong>lo no conseqüente, a partir <strong>do</strong> momento <strong>em</strong> que <strong>de</strong>sborda <strong>do</strong> <strong>direito</strong><br />
concedi<strong>do</strong> (abusan<strong>do</strong> daquele <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ação), ten<strong>do</strong> <strong>em</strong> vista o mo<strong>do</strong> irregular com que o<br />
exerce.<br />
A<strong>de</strong>mais, não se po<strong>de</strong> aceitar a tendência <strong>de</strong>ste último e consagra<strong>do</strong> autor ao<br />
insinuar que o abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>-se <strong>do</strong> conceito <strong>de</strong> culpabilida<strong>de</strong> para encontrar<br />
apoio e sustentação na responsabilida<strong>de</strong> objetiva ou s<strong>em</strong> culpa.<br />
Outros autores <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a tese <strong>de</strong> que quan<strong>do</strong> o abuso se caracteriza pela<br />
intenção <strong>de</strong> prejudicar, constitui uma falta <strong>de</strong>litual. Se essa intenção não ocorre, o ato<br />
abusivo po<strong>de</strong> constituir uma culpa quase-<strong>de</strong>litual, caracterizada pela imprudência ou pela<br />
negligência.<br />
Nessa esteira COLIN e CAPITANT 11 concluíram: “Para que haja abuso <strong>do</strong><br />
<strong>direito</strong> não é indispensável que se <strong>de</strong>scubra no autor <strong>do</strong> pre<strong>juízo</strong> causa<strong>do</strong> a outr<strong>em</strong> a<br />
intenção <strong>de</strong> prejudicar, o animus nocendi. É bastante que se observe na sua conduta a<br />
ausência das precauções que a prudência <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> atento e diligente lhe teria<br />
inspira<strong>do</strong>”.<br />
Contu<strong>do</strong> – insistimos – na hipótese sob estu<strong>do</strong> não basta o agir culposo da parte<br />
<strong>em</strong> <strong>juízo</strong> ou <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>fensor ou representante legal, pois o conceito <strong>de</strong> frau<strong>de</strong> processual e<br />
<strong>de</strong> má-fé processual liga-se intimamente ao <strong>do</strong>lo, estan<strong>do</strong> incluída nesse conceito a culpa<br />
grave, quan<strong>do</strong> o agente assume integralmente o risco <strong>de</strong> prejudicar ou age com tal <strong>de</strong>sídia<br />
que o seu atuar exsurge inescusável e, assim, confina-se e se aproxima <strong>do</strong> próprio <strong>do</strong>lo.<br />
E a afirmação <strong>de</strong> que a má-fé processual ingressa no campo <strong>do</strong> abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong><br />
não po<strong>de</strong> encontrar disceptação. Em excelente trabalho <strong>de</strong> <strong>do</strong>utrina FRANCISCO<br />
FERNANDES DE ARAÚJO assim se manifestou: “Sen<strong>do</strong> a litigância <strong>de</strong> má-fé<br />
caracteriza<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, por evi<strong>de</strong>nte constitui um ilícito, conforme, aliás, é o<br />
pensamento quase maciço <strong>do</strong>s autores pesquisa<strong>do</strong>s”. 12<br />
Mas cabe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo advertir que não constituirá seara <strong>de</strong> suave colheita<br />
i<strong>de</strong>ntificar a hipótese <strong>de</strong> ilícito <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> cometi<strong>do</strong> no bojo <strong>de</strong> ação<br />
judicial, não conti<strong>do</strong> nas hipóteses previstas no art. 18 <strong>do</strong> CPC, <strong>em</strong>bora não se possa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
logo, afastar essas possibilida<strong>de</strong>.<br />
11 . COLIN e CAPITANT. Droit Civil Français. Paris, 1923, p. 358, letra “b”.<br />
12 . FRANCISCO FERNANDES DE ARAÚJO. O abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual e o princípio da<br />
proporcionalida<strong>de</strong> na execução civil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2004, p. 57.
7<br />
Ensinava o notável e sau<strong>do</strong>so PEDRO BAPTISTA MARTINS 13 acima cita<strong>do</strong><br />
que: “O exercício da <strong>de</strong>manda não é um <strong>direito</strong> absoluto, pois que se acha, também,<br />
condiciona<strong>do</strong> a um motivo legítimo. Qu<strong>em</strong> recorre às vias judiciais <strong>de</strong>ve ter um <strong>direito</strong> a<br />
reintegrar, um interesse legítimo a proteger, ou pelo menos, como se dá nas ações<br />
<strong>de</strong>claratórias, uma razão séria para invocar a tutela jurídica. Por isso, a parte que intenta<br />
ação vexatória incorre <strong>em</strong> responsabilida<strong>de</strong>, porque abusa <strong>de</strong> seu <strong>direito</strong>”.<br />
Impõe-se também obt<strong>em</strong>perar que o abuso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> que se converte <strong>em</strong> má-fé<br />
processual, previsto nos arts. 16 a 18 <strong>do</strong> CPC, só comporta reparação por dano material.<br />
Essa limitação resta clara e evi<strong>de</strong>nte quan<strong>do</strong> o art. 16 menciona “perdas e<br />
danos” e o art. 18 fala <strong>em</strong> “pre<strong>juízo</strong>s que esta sofreu”.<br />
moral.<br />
<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>.<br />
Mas essa in<strong>de</strong>nização não afasta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compensação por dano<br />
Este encontra suporte no art. 5 o da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e não po<strong>de</strong> ser<br />
Ninguém po<strong>de</strong>rá negar que a condição <strong>de</strong> réu <strong>em</strong> qualquer ação judicial, seja<br />
no âmbito penal ou civil, causa incômo<strong>do</strong>, transtorno, mal <strong>estar</strong> e intensa angústia.<br />
A<strong>de</strong>mais <strong>de</strong>sses males d’alma há ainda a ofensa à imag<strong>em</strong> e ao bom nome,<br />
valores subjetivos e inestimáveis que a Carta Magna resguarda e preserva.<br />
Portanto, não há <strong>em</strong>pecilho <strong>em</strong> obter nos próprios autos, on<strong>de</strong> as partes litigam,<br />
a reparação das perdas e danos <strong>em</strong> razão da má-fé processual <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las e ali<br />
reconhecida pelo magistra<strong>do</strong> e, <strong>em</strong> ação distinta, buscar reparação por dano moral.<br />
BIBLIOGRAFIA:<br />
AMERICANO, Jorge. Do abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> no exercício da <strong>de</strong>manda. 2. ed. São Paulo,<br />
1932.<br />
ARAÚJO, Francisco Fernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong>. O abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> processual e o princípio da<br />
proporcionalida<strong>de</strong> na execução civil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2004.<br />
ARRUDA ALVIN, José Manoel <strong>de</strong>. Cód. <strong>de</strong> Processo Civil Comenta<strong>do</strong>. São Paulo: Ed.<br />
RT, v. 2, 1975.<br />
BORGES, Marcos Afonso. Comentários ao CPC. São Paulo: LEUD, 1977, v. I.<br />
COLIN e CAPITANT. Droit Civil Français. Paris, 1923.<br />
DEGUIT, Léon. Les transformations générales du Droit Privé.<br />
JOSSERAND, Louis. De l’Esprit <strong>de</strong>s Droits et leur relativité, 1927.<br />
LEÃO, Adroal<strong>do</strong>. O litigante <strong>de</strong> má-fé. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1986.<br />
13 . PEDRO BAPTISTA MARTINS. O abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> e o ato ilícito. 3.ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, Rio,<br />
atualizada por José da Silva Pacheco, p. 71.
8<br />
LORENZETTI, Ricar<strong>do</strong> Luis. Nuevas fronteras <strong>de</strong>l abuso <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho, Revista <strong>do</strong>s<br />
Tribunais n. 723, p. 53.<br />
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso <strong>do</strong> <strong>direito</strong> e o ato ilícito. 3.ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Forense, Rio, atualizada por José da Silva Pacheco.<br />
NERY JÚNIOR, Nélson e NERY, Rosa Maria Andra<strong>de</strong>. CPC Comenta<strong>do</strong>. 7. ed. São<br />
Paulo: Ed. RT.<br />
PLANIOL, Marcel. Traité <strong>de</strong> Droi Civil, v. II.