Telefone celular e infância: alguns tensionamentos - Unirevista
Telefone celular e infância: alguns tensionamentos - Unirevista
Telefone celular e infância: alguns tensionamentos - Unirevista
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006) ISSN 1809-4651<br />
Resumo<br />
<strong>Telefone</strong> <strong>celular</strong> e <strong>infância</strong>: <strong>alguns</strong><br />
<strong>tensionamentos</strong><br />
Lilian Ivana Born<br />
Mestranda em Educação<br />
liborn@ibest.com.br / liborn@pop.com.br<br />
Universidade Luterana do Brasil – Canoas, RS<br />
O presente texto, parte de minha proposta de dissertação de mestrado em educação, procura realizar <strong>alguns</strong><br />
<strong>tensionamentos</strong> acerca da grande visibilidade e espaço que o <strong>celular</strong> está ocupando em nossa sociedade, em<br />
especial, junto ao público infantil, no âmbito escolar. Inserindo-me numa perspectiva de uma análise cultural, parto<br />
do pressuposto de que não é só o produto (<strong>celular</strong>) que é consumido, mas todo o conjunto de valores, idéias,<br />
modos de ser e agir que estão em jogo, os quais acabam por justificar o seu uso. Para isso, estou realizando<br />
observações e entrevistas em duas escolas de Porto Alegre (uma estadual e uma particular), no período do recreio<br />
das turmas de 4ª a 6ª séries, a fim de buscar os discursos já instituídos ou mesmo as relações e valores vinculados<br />
a este artefato. De acordo com análises parciais, observa-se a questão do pertencimento/espetáculo como algo<br />
central – parece ser preciso “ter” para “parecer ser” e/ou “pertencer” a um determinado grupo ou comunidade; e a<br />
questão do consumo como imperativo, pois aquele que não consome tais tecnologias “sente-se” ou “é” excluído.<br />
Logo, o <strong>celular</strong> acaba funcionando como um “artefato cultural”, ou seja, como algo que constitui sujeitos, constrói<br />
discursos e institui significados.<br />
Palavras-chave: Celular // Infância // Estudos Culturais<br />
Um outro olhar sobre o que as crianças levam para a escola: caderno,<br />
lápis, borracha...<br />
O presente texto, parte de minha dissertação de mestrado em educação, procura realizar <strong>alguns</strong><br />
<strong>tensionamentos</strong> acerca da grande visibilidade e espaço que o <strong>celular</strong> está ocupando em nossa sociedade, em<br />
especial, junto ao público infantil, no âmbito escolar.<br />
Minhas primeiras incursões em sites da internet, jornais, revistas, etc., mostraram que o telefone <strong>celular</strong><br />
está sendo objeto de análise/divulgação dos mais variados campos do conhecimento, tais como: Psicologia,<br />
Sociologia, Medicina, Engenharia, Pedagogia, Filosofia, Jornalismo, Publicidade e Propaganda, entre outros.<br />
Tais campos do conhecimento direcionam suas pesquisas para diferentes temáticas com relação ao uso do<br />
<strong>celular</strong>, entre as quais podemos destacar: o uso do <strong>celular</strong> por crianças, adolescentes e adultos; as crianças<br />
e suas habilidades tecnológicas; o <strong>celular</strong> e questões éticas (vigilância, controle, invasão de privacidade,...);<br />
1
<strong>Telefone</strong> <strong>celular</strong> e <strong>infância</strong>: <strong>alguns</strong> <strong>tensionamentos</strong>!<br />
Lilian Ivana Born<br />
<strong>celular</strong> e convergência digital; saturação tecnológica; <strong>celular</strong> e problemas de saúde; <strong>celular</strong> e trânsito;<br />
tecnologia e novas configurações familiares; <strong>celular</strong> e consumo; <strong>celular</strong> e corpo; <strong>celular</strong> e meio ambiente;<br />
<strong>celular</strong> (anúncios e propagandas); <strong>celular</strong> customizado/personalizado; <strong>celular</strong> e escola; <strong>celular</strong> e relações<br />
sociais; o uso do <strong>celular</strong> e impactos psicológicos, etc.<br />
Apesar de saber da importância de todas as temáticas acima referidas, escolho como foco de análise para<br />
este trabalho, o uso do <strong>celular</strong> por crianças. Inserindo-me na perspectiva de uma análise cultural, parto do<br />
pressuposto de que não é só o produto (<strong>celular</strong>) que é consumido, mas todo o conjunto de valores, idéias,<br />
modos de ser e agir que estão em jogo, os quais acabam por justificar o seu uso.<br />
Para isso, estou realizando observações e entrevistas em duas escolas de Porto Alegre 1 , no período do<br />
recreio das turmas de 4ª a 6ª séries, a fim de buscar compreender, por meio da análise desse material, os<br />
valores e práticas associados a esse artefato. Pensava que seria difícil encontrar o <strong>celular</strong> na escola, mas<br />
para minha surpresa, ele apareceu já nas primeiras observações realizadas. A princípio, tinha como objetivo<br />
observar somente crianças de 1ª a 4ª séries, mas por meio do trabalho de campo, tive de repensar os<br />
sujeitos da pesquisa, visto que encontrei o <strong>celular</strong> na 4ª, 5ª e 6ª séries. Portanto, meu olhar não será<br />
ampliado, mas redirecionado para crianças de 4ª a 6ª séries do Ensino Fundamenta, já que não encontrei<br />
este artefato (telefone <strong>celular</strong>) na 1ª e 2ª séries.<br />
Durante as primeiras visitas às escolas, não me detetive exclusivamente nos <strong>celular</strong>es; observei tudo na<br />
hora do recreio: desde a alimentação, ao vestuário, aos brinquedos, lancheiras, etc. Transcrevo, a seguir, as<br />
primeiras observações realizadas na escola particular:<br />
Vi mochilas e lancheiras da Bárbie, do Ursinho Puff, das Superpoderosas, da Cinderela, da Branca de Neve,<br />
da Minnie, do Mickey, da Hello Kitty, da Pequena Sereia, da Moranguinho, do Homem Aranha, dos Power<br />
Rangers, entre outros ícones da garotada.<br />
Com relação à alimentação, notei que a 1ª e 2ª séries trazem mais alimentos industrializados e a 3ª e 4ª<br />
séries já têm uma alimentação um pouco mais caseira. Os alimentos das duas primeiras séries são, em<br />
grande parte de ícones e heróis mostrados pela mídia: bolachas e biscoitos das Superpoderosas ou o último<br />
lançamento da bolacha Trakinas, o Yakult, o Todynho, o Chocomilk, o minisucrilhos, salgadinhos Fandangos<br />
ou Ruffles, etc. Já nas outras duas séries, não há uma forte presença de tais ícones e marcas, pois já trazem<br />
pastéis, sanduíches feito em casa, salgadinhos de marcas nem tão conhecidas, etc.<br />
Ao observar os brinquedos das crianças, identifiquei vários personagens e ícones da mídia televisiva. Vi uma<br />
menina segurando uma espécie de cofrinho da Hello Kitty, então cheguei perto dela e perguntei o que era<br />
aquilo; ela deixou eu pegar e disse para abrir, era uma bonequinha da Hello Kitty que se transformava num<br />
lindo espelho. Também observei um menino com um Bey Blade e um grande pôster que mostrava todos os<br />
diferentes tipos de Bey Blades para se colecionar. Vários meninos o cercaram para ver o pôster e perguntar<br />
qual entre aqueles era o dele. Como deixam as lancheiras e brinquedos no pátio, na hora do recreio, este<br />
menino pegou o seu Bey Blade e o tampou com o pano da lancheira, para que ninguém pegasse ou,<br />
1 Para fins de pesquisa venho coletando materiais, realizando observações, entrevistas e registros que se aproximam dos<br />
estudos etnográficos em duas escolas localizadas na Zona Norte da cidade de Porto Alegre. Uma Escola Particular e uma<br />
Escola Estadual, ambas de 1º e 2º graus.<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006)<br />
2
<strong>Telefone</strong> <strong>celular</strong> e <strong>infância</strong>: <strong>alguns</strong> <strong>tensionamentos</strong>!<br />
Lilian Ivana Born<br />
simplesmente, para não chamar a atenção das outras crianças. Um grupo de meninas estava numa rodinha<br />
muito concentradas, então resolvi ver o que estavam fazendo. Tinham um brinquedo, que rodava igual a um<br />
pião, perguntei que brinquedo era aquele e elas disseram: um pião do Astroboy! E já demonstraram para<br />
mim como se jogava. As meninas fizeram questão de dizer que o Astroboy e o espelho da Hello Kitty não<br />
foram comprados, pois eram brindes que elas ganharam ao comprar o MC Lanche Feliz 2 .<br />
Já em relação à Tecnologia, não vi muita coisa na 1ª e 2ª séries, a não ser um menino com uma máquina<br />
fotográfica tirando foto das meninas no recreio. Ele olhava para qualquer lado, tirava a foto e saía correndo.<br />
Então o chamei e perguntei se aquela máquina tinha filme, ele respondeu: é claro! Tirou uma foto minha e<br />
novamente saiu correndo; ficou atrás de uma parede me espionando, fiz de conta que não estava vendo-o,<br />
então ele tirou outra foto. Naquele momento pensei o porquê de tal atitude, pelo prazer da brincadeira?<br />
Tenho certeza de que não havia nenhum filme naquela máquina, pois o barulho era diferente.<br />
Todas essas observações relativas a objetos, ícones e artefatos que entram na escola, descritas acima, são<br />
discutidas por Momo (2005), em seu projeto de pesquisa Mídia e consumo na produção da <strong>infância</strong> pós-<br />
moderna que vai à escola. Segundo a autora:<br />
O tipo e o significado dos artefatos que vão para a escola tem sido modificado pelas condições<br />
culturais da contemporaneidade. O que vai para a escola é a “onda”, a moda do momento, em um<br />
mundo em que o que conta é o momento presente; o que as crianças levam para as escolas é o que<br />
consideram publicamente valioso. E o que é publicamente valioso (facilmente reconhecido e<br />
desejado) assim se constitui por meio da mídia (p. 68).<br />
No entanto, procuro lançar meu olhar para um outro artefato que também está presente na escola, o<br />
telefone <strong>celular</strong>.<br />
<strong>Telefone</strong> Celular: um simples objeto de consumo infantil? Não! Um pouco<br />
além disso...<br />
O telefone <strong>celular</strong> pode ser visto como a nova “mania” do momento. Ele está presente no shopping, na rua,<br />
na praça, no ônibus, na academia, na escola, na universidade, enfim, nos mais diversos ambientes e entre<br />
os mais variados públicos. São tantas as propagandas, os anúncios, as promoções, os apelos não só da<br />
mídia, mas do próprio grupo social ao qual pertencemos, que fica extremamente difícil não aderir a essa<br />
nova mania. Nesse jogo de sedução, não somente adultos e adolescentes são capturados, mas também as<br />
crianças; é sobre elas que lanço meu olhar.<br />
Mesmo não encontrando na escola estadual todos aqueles objetos e ícones da mídia televisiva que<br />
apareceram na escola particular, identifiquei algo em comum entre as duas escolas: crianças desfilando com<br />
<strong>celular</strong>es na hora do recreio. Vi diversas formas de interação: crianças sozinhas ou em grupos, jogando,<br />
conversando, trocando mensagens, baixando músicas e, inclusive, estabelecendo comparações/competições<br />
acerca de quem tinha o melhor modelo, os melhores jogos e os melhores e mais avançados serviços<br />
disponíveis no seu <strong>celular</strong>.<br />
2 Trata-se de um lanche especial vendido pela empresa McDonald´s para crianças. O lanche é acondicinado numa caixinha<br />
com alças e junto com ele sempre vem um brinquedo. Os brinquedos estão relacionados à campanha publicitária realizada<br />
pela empresa que muitas vezes se utiliza de filmes infantis ou de personagens de programas da mídia televisiva.<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006)<br />
3
<strong>Telefone</strong> <strong>celular</strong> e <strong>infância</strong>: <strong>alguns</strong> <strong>tensionamentos</strong>!<br />
Lilian Ivana Born<br />
Ao fazer tais relatos, não tenho a intenção de ser contra ou a favor do uso do <strong>celular</strong> por crianças, muito<br />
menos de fornecer uma “receita” aos professores e às escolas sobre como controlar – ou não – o seu uso.<br />
Também não pretendo ver o <strong>celular</strong> como um simples produto e/ou objeto de consumo, mas lançar outros<br />
possíveis olhares, que, na perspectiva dos Estudos Culturais, passa a ver este objeto funcionando como um<br />
“artefato cultural”, ou seja, como algo que “constitui sujeitos, constrói discursos e institui significados”.<br />
(Momo, 2005, s.n.)<br />
Dessa forma, pretendo mostrar, recorrendo às falas dos sujeitos pesquisados, <strong>alguns</strong> desses valores e<br />
significados construídos/atribuídos/vinculados ao uso deste artefato (telefone <strong>celular</strong>), que longe de ser<br />
“neutro”, está alterando significativamente as relações estabelecidas entre as crianças escolares e,<br />
transformando-as em efetivas consumidoras de produtos e serviços.<br />
indubitável.<br />
- Mãe, me dá um <strong>celular</strong>?<br />
O pedido de Amanda Friedrich, 10 anos, vinha acompanhado de uma justificativa que, para ela, seria<br />
- Todo mundo tem – disse. 3<br />
As amigas começaram a ter, então eu também quis. Meu pai comprou um novo pra ele, o dele ficou<br />
com a minha mãe e o dela ficou comigo. Só que minha dinda ganhou um <strong>celular</strong> tão bonito, aí eu quis um<br />
mais bonito. Eu queria competir com a minha dinda! 4<br />
Minhas amigas tinham e me perguntavam o meu número, se tinha baixado músicas, ficava por fora. 5<br />
Observa-se, por meio dessas falas, a questão do pertencimento/espetáculo como algo central – parece ser<br />
preciso “ter” para “parecer ser” e/ou “pertencer” a um determinado grupo ou comunidade; é a questão do<br />
consumo como imperativo, pois aquele que não consome tais tecnologias ou que não tem o objeto da<br />
“moda”, “sente-se” ou “é” excluído. Debord (1997), ao falar sobre essa questão em seu livro A sociedade do<br />
espetáculo, salienta que:<br />
A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social acarretou, no modo de definir toda<br />
realização humana, uma evidente degradação do ser para o ter. A fase atual, em que a vida social<br />
está totalmente tomada pelos resultados acumulados da economia, leva a um deslizamento<br />
generalizado do ter para o parecer, do qual todo “ter” efetivo deve extrair seu prestígio imediato e<br />
sua função última. Ao mesmo tempo, toda realidade individual tornou-se social, diretamente<br />
dependente da força social, moldada por ela. Só lhe é permitido aparecer naquilo que ela não é.<br />
(p.18)<br />
Os argumentos utilizados pelas crianças na tentativa de convencer os pais a comprar um <strong>celular</strong> ou mesmo<br />
a trocar seu <strong>celular</strong> por um mais moderno, têm sempre um parâmetro exterior, ou seja, possuir/comprar<br />
3<br />
Fragmento retirado da reportagem: Pequenos consumistas. Jornal Zero Hora caderno ZHEscola, 02/08/2004.<br />
4<br />
Fragmento retirado de uma conversa informal que tive com a A. (10 anos, 4ª série), aluna da escola particular, em que<br />
ela respondia o porquê de ter um telefone <strong>celular</strong>.<br />
5<br />
Fragmento retirado de um questionário realizado com a A. (11 anos, 6ª série), aluna da escola particular, em que ela<br />
respondia o porquê de ter um telefone <strong>celular</strong>.<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006)<br />
4
<strong>Telefone</strong> <strong>celular</strong> e <strong>infância</strong>: <strong>alguns</strong> <strong>tensionamentos</strong>!<br />
Lilian Ivana Born<br />
algo porque os outros também possuem/compram. Na falta de uma referência a ser seguida, as pessoas<br />
encontram caminhos alternativos para sentirem-se “identificadas” umas com as outras, e um desses<br />
caminhos é o consumo. Por meio do consumo de determinados objetos, criam-se grupos e/ou comunidades<br />
que se unem não apenas em função de laços de amizade ou por necessidade, mas sim pelo valor, pelo<br />
capital simbólico que tais objetos proporcionam a quem os adquire. Cria-se, desta forma, uma rede, um<br />
circuito, em que os produtos acabam constituindo nossa identidade, nos fazendo sujeitos identificados com<br />
determinada cultura, mesmo que essa se constitua dentro do consumo. Sarlo (2000), ao falar dessa<br />
construção simbólica em relação aos objetos e da importância de adquiri-los para sentir-se identificado, diz:<br />
(...) tornaram-se tão valiosos para a construção de uma identidade, são tão centrais no discurso da<br />
fantasia, despejam tamanha infâmia sobre quem não os possui, que parecem feitos da matéria<br />
resistente e inacessível dos sonhos. Frente a uma realidade instável e fragmentária, em processo de<br />
velocíssimas metamorfoses, os objetos são uma âncora, porém uma âncora paradoxal, pois ela<br />
mesma deve mudar o tempo todo, oxidar-se e destruir-se, entrar em obsolescência no próprio dia<br />
de sua estréia. Com tais paradoxos constrói-se o poder dos objetos: a liberdade daqueles que os<br />
consomem surge da férrea necessidade do mercado de converter-nos em consumidores<br />
permanentes. A liberdade dos nossos sonhos de objetos escuta a voz do ponto teatral mais poderoso,<br />
e com ela nos fala. (p.30)<br />
Essa importância dos objetos, em especial o <strong>celular</strong> (artefato que venho analisando neste texto), pode ser<br />
observada nas seguintes falas das crianças:<br />
pessoas.<br />
Ele representa algo bom. É importante em nossas vidas porque a gente pode se conectar com as<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006)<br />
(B. menina, 10 anos, 5ª série, escola estadual)<br />
O <strong>celular</strong> é uma tecnologia fantástica, porque ele é pequeno e contem muitas coisas, o <strong>celular</strong> é uma<br />
forma de comunicação à longa distância e é importante ter um porque você se comunica com as pessoas<br />
fora e dentro de casa.<br />
(J. menina, 11 anos, 5ª série, escola estadual)<br />
Um meio de comunicação que pode ser para brincar, falar, escrever, até ficar informada, mas<br />
também pode ser algo só para se comunicar (é isso que os adultos fazem).<br />
(A. menina, 11 anos, 6ª série, escola particular)<br />
Representa um aparelho para se comunicar e se localizar. É importante ter um <strong>celular</strong> para quando<br />
sair, jogar e repito, se comunicar.<br />
(F. menina, 12 anos, 6ª série, escola estadual)<br />
Num estudo sobre os processos de interações sociais mediados pelo <strong>celular</strong>, Moura & Maciel Mantovani<br />
(2005) 6 , dizem que:<br />
6 MOURA, Maria Aparecida & MACIEL MANTOVANI, Camila. 2005, Fluxos informacionais e agregação just-in-time:<br />
interações mediadas pelo <strong>celular</strong>, Revista TEXTOS de la CiberSociedad, 6. Temática Variada. Disponível em:<br />
Acesso 30 abril 2005.<br />
5
<strong>Telefone</strong> <strong>celular</strong> e <strong>infância</strong>: <strong>alguns</strong> <strong>tensionamentos</strong>!<br />
Lilian Ivana Born<br />
Essa mobilização em torno do <strong>celular</strong> não é um fenômeno puramente tecnológico, mas<br />
principalmente cultural. Daí todo o discurso a respeito da necessidade de se adotar esse novo meio.<br />
É como se, ao não estar conectado nessa rede sem fios, o sujeito deixasse de registrar a sua<br />
presença no mundo. (p.4)<br />
Para Bauman (apud Moura & Mantovani, 2005),<br />
o <strong>celular</strong> confere aos sujeitos a ubiqüidade, gerando um estado de permanente conexão entre<br />
indivíduos em movimento. Portar um <strong>celular</strong> significa manter-se inserido em uma rede de potenciais<br />
interações. Ele agrega a idéia de família, de intimidade, de emergência e de trabalho. Nele o público<br />
e o privado se mesclam diluindo-se as fronteiras entre esses dois territórios. (p.4)<br />
Manter-se conectado às pessoas e com o mundo é uma preocupação que se mostra nitidamente visível nas<br />
falas e nas interações estabelecidas pelas crianças com o <strong>celular</strong> e pelas crianças em/com os seus grupos. A<br />
necessidade de se comunicar, de estar acessível, faz das crianças eternos consumidores de serviços,<br />
atitudes e valores, os quais emergem para dar um sentimento de pertencimento, de posse ou de identidade<br />
para quem os possui.<br />
As crianças vivem no mundo das visibilidades e, neste sentido, os objetos tecnológicos (<strong>celular</strong>, por exemplo)<br />
proporcionam prestígio para quem os possui. Segundo Sarlo (2000), “(...) os objetos nos significam: eles<br />
têm o poder de outorgar-nos <strong>alguns</strong> sentidos, e nós estamos dispostos a aceitá-los.” (p.28) E isso ocorre de<br />
tal forma que, para muitas crianças, não basta apenas adquirir um telefone <strong>celular</strong>, é preciso estar sempre<br />
ligado nas tendências e na moda, ou seja, comprando um outro mais sofisticado, personalizando com<br />
acessórios ou serviços mais modernos... Conforme Sarlo (2000), “os objetos criam um sentido para além de<br />
sua utilidade ou de sua beleza ou, melhor dizendo, sua utilidade e sua beleza são subprodutos desse sentido<br />
que vem da hierarquia mercantil.” (p.30)<br />
Esse mundo de visibilidades, de conectividades e relações atemporais, é aquele que Debord (1997)<br />
denomina de “sociedade do espetáculo”. Para este autor, “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas<br />
uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.” (p.14) Falando de/sobre imagens, Fischer (2001),<br />
em seu livro Televisão e Educação: pensar e fruir a TV, fala que:<br />
“Imagem é tudo” – esse é o conselho que ouvimos todos os dias: é preciso não apenas ser, mas<br />
“parecer ser”; e se não pudermos ser, que nos esforcemos para parecer, e isto até pode bastar,<br />
porque cultivar a imagem (de si mesmo, de um produto, de uma idéia) mostra-se como algo<br />
tremendamente produtivo. (p.28)<br />
Para Costa (2005), “a posse de tais mercadorias (imagens, símbolos, narrativas, sentimentos, condutas,<br />
objetos,...), detentores de grande visibilidade e atualidade no aparato midiático, oferece ao proprietário um<br />
sentimento de pertencer que o converte em membro de uma comunidade de significados compartilhados”<br />
(p.6). A sensação de pertencimento é, então, um dos privilégios proporcionados pelos artefatos encontrados<br />
nas escolas, entre eles, o telefone <strong>celular</strong>.<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006)<br />
6
<strong>Telefone</strong> <strong>celular</strong> e <strong>infância</strong>: <strong>alguns</strong> <strong>tensionamentos</strong>!<br />
Lilian Ivana Born<br />
Algumas reflexões...<br />
Essa breve análise nos possibilita um novo olhar para os objetos, imagens e ícones que circulam na mídia<br />
impressa ou televisiva, e que invadem os ambientes considerados tradicionais de aprendizagem, a escola,<br />
por exemplo. Afinal, é ela quem recebe e sente a repercussão de tais artefatos que cruzam/perpassam seu<br />
ambiente e suas práticas, modificando-os ou mesmo colocando-os em cheque.<br />
Por isso, a necessidade de se trabalhar com as crianças o uso do telefone <strong>celular</strong> e de tantos outros<br />
artefatos que entram na escola, bem como de realizar projetos voltados para a alfabetização visual, ou seja,<br />
projetos que possibilitem uma aprendizagem e leitura crítica das imagens que nos são transmitidas pelos<br />
mais diversos meios de comunicação.<br />
A questão, não é abominar a televisão, as propagandas, as imagens, o consumo, mas procurar compreender<br />
como operam e o que esperam de nós. Afinal, a tecnologia faz-se presente e está possibilitando novas<br />
configurações e relações sociais, as quais merecem ser refletidas não só por nós, educadores, mas por todas<br />
as pessoas que por ela são capturadas. Identificar tais relações, interações, inclusões e exclusões (daqueles<br />
que não participam de tais circuitos culturais e de consumo), mostra-se como um importante passo para<br />
uma problematização acerca de nós e do mundo do qual fazemos parte e no qual nos constituímos/somos<br />
constituídos.<br />
Referências<br />
COSTA, M. V. 2005. Quem são, que querem, que fazer com eles? Eis que chegam às nossas escolas as<br />
crianças e jovens do século XXI. In: A. F. MOREIRA, R. L. GARCIA e M. P. ALVES (orgs.), Currículo:<br />
pensar, sentir e diferir (v. II). Rio de Janeiro, DP&A, 224 p.<br />
DEBORD, Guy. 1997. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Trad. Estela<br />
dos Santos Abreu. Rio de Janeiro, Contraponto, 240 p. (no prelo)<br />
FISCHER, Rosa Maria Bueno. 2001. Televisão e Educação: pensar e fruir a TV. Belo Horizonte: Autêntica,<br />
160 p.<br />
MOURA, M. A. e MACIEL MANTOVANI, C. 2005. Fluxos informacionais e agregação just-in-time: interações<br />
mediadas pelo <strong>celular</strong>, Revista TEXTOS de la CiberSociedad, 6. Temática Variada. Acessado em 30 de<br />
abril de 2005, disponível em http://www.cibersociedad.net/textos/articulo.php?art=74<br />
MOMO, M. 2005. Mídia e consumo na produção da <strong>infância</strong> pós-moderna que vai à escola. Proposta de<br />
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação,<br />
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 85 p. (no prelo)<br />
SARLO, B. 2000. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e vídeo-cultura na Argentina. Rio de Janeiro,<br />
UFJR, 196 p.<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006)<br />
7
<strong>Telefone</strong> <strong>celular</strong> e <strong>infância</strong>: <strong>alguns</strong> <strong>tensionamentos</strong>!<br />
Lilian Ivana Born<br />
Artigos de periódicos:<br />
PAULA-COUTO, C. 1975. Mamíferos fósseis do Quaternário do Sudeste Brasileiro. Boletim Paranaense de<br />
Geociências, 33:89-132.<br />
LEONARDI, G. e OLIVEIRA, E F.H. 1990. A revision of the triassic and jurassic tetrapod footprints of<br />
Argentina and a new approach on the age and meaning of the Botucatú Formation footprints (Brazil).<br />
Revista Brasileira de Geociências, 20:216-229.<br />
ZERFASS, H.; LAVINA, E.L.; SCHULTZ, C.L.; e CHEMALE JR., E.F. 2003. Sequence stratigraphy of<br />
continental Triassic strata of Southernmost Brazil: a contribution to Southwestern Gondwana<br />
paleogeography and paleoclimate. Sedimentary Geology, 161:85-105.<br />
Artigos de publicações seriadas:<br />
BARBOSA, O.; BRAUN O.P.G.; DYER R.C. e CUNHA, C.A.B.R. 1970. Geologia da região do Triângulo Mineiro,<br />
Rio de Janeiro, DNPM/PFPM. Boletim 136, 140 p.<br />
VICALVI, M.A.; KOTZIAN, S.C.B. e FORTI-ESTEVES, I.R. 1977. A ocorrência da microfauna estuarina na<br />
plataforma continental de São Paulo. In: Evolução sedimentar Holocênica, Rio de Janeiro,<br />
CENPES/DINTEP, Petrobrás. Série Projeto REMAC 2, 77-97.<br />
Livro e Capítulo de Livro:<br />
SIMÕES, M.G. 2000. Assembléias de invertebrados marinhos do Neo-Paleozóico da Bacia do Paraná, no<br />
Estado do Rio Grande do Sul. In: HOLZ, M. e DE ROS, L.F. (eds.), Paleontologia do Rio Grande do Sul,<br />
UFRGS/CIGO, Porto Alegre, p. 107–125.<br />
SCOTESE, C.R. 2001. Atlas of Earth History. PALEOMAP Project, Arlington, Texas, 52 p.<br />
Publicações completas em Congresso:<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006)<br />
8
<strong>Telefone</strong> <strong>celular</strong> e <strong>infância</strong>: <strong>alguns</strong> <strong>tensionamentos</strong>!<br />
Lilian Ivana Born<br />
ROHN, R. e RÖSLER, O. 1985. Conchostráceos da Formação Rio do Rasto no sul do Estado do Paraná. In:<br />
VIII Congresso Brasileiro de Paleontologia, Coletânea de Trabalhos Paleontológicos, DNPM, Série<br />
Geologia, Brasília, 27(2):481-490.<br />
BIONDI, J.C. 1982. Kimberlitos. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 32, Salvador, Anais, 2:452-<br />
464.<br />
Publicações em websites:<br />
DADOS METEOROLÓGICOS, HIDROLÓGICOS E AMBIENTAIS. 2005. Plataforma de coleta de dados, INPE-<br />
CPTEC, Ministério de Ciências e Tecnologia, atualizada em 29 de maio de 2005,<br />
. [Consultada em 30/05/2005]<br />
FEJFAR, O. e KAISER, T.M. 2005. Insect Bone-Modification and Paleoecology of Oligocene Mammal-Bearing<br />
Sites in the Doupov Mountains, Northwestern Bohemia. Palaeontologia Electronica, 8(1):<br />
<br />
UNIrevista - Vol. 1, n° 2 : (abril 2006)<br />
9