08.05.2013 Views

Cartas - Revista Metrópole

Cartas - Revista Metrópole

Cartas - Revista Metrópole

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

40<br />

Comportamento<br />

Profissão: Fiscôla<br />

Eles se espalham por banheiros públicos para saciar o prazer de averiguar o pau alheio<br />

Pablo Reis<br />

Sim, eu precisei ser fiscôla durante uma<br />

semana, mas com tamanha falta de vocação<br />

que se fosse uma profissão regulamentada,<br />

regida por um conselho, teria meu registro<br />

cassado em tão pouco tempo que o acesso<br />

a qualquer banheiro vagabundo de churrascaria<br />

de beira de estrada seria vetado. “Nos<br />

termos da lei, de acordo com<br />

convenções de ética e normatização,<br />

a saber, averiguar,<br />

medir, encarar, fazer carinha<br />

de quem está se deleitando e<br />

ainda se oferecer para ajudar<br />

na balançadinha, o senhor<br />

está formalmente destituído<br />

do cargo de fiscôla”.<br />

Ser fiscôla, ao contrário<br />

de uma profissão, é uma vocação,<br />

algo como uma arte,<br />

como Michelangelo não precisou<br />

de faculdade para esculpir<br />

e nem Cuíca de Santo<br />

Amaro alisou banco de<br />

universidade para destruir<br />

reputações com sarcasmo e<br />

rimas de memorização rápida. Para motivos<br />

de apresentação, fiscôla é o nome carinhoso<br />

de um popular personagem da crônica social<br />

contemporânea: o fiscal de rola. Se você não<br />

conhece e nunca ouviu falar, sorte sua.<br />

São despudorados que ficam ali inertes,<br />

dando olhadas para os lados enquanto fin-<br />

notas da <strong>Metrópole</strong><br />

Português<br />

confirmado<br />

A gafe durou pelo menos<br />

72 horas e ficou exposta<br />

em outdoors na Paralela e<br />

na Avenida Antonio Carlos<br />

Magalhães. Um anúncio da<br />

Super Chopada de Medicina,<br />

dia 9 de agosto, tentava<br />

empolgar o público a assistir<br />

ao show do grupo de pagode<br />

gem verter água (como diziam os velhos machos<br />

sertanejos). Ficam se massageando por<br />

minutos. Se houver cinco ou seis mictórios<br />

livres distantes de você e mesmo assim ele<br />

chegar ao seu lado, como se o resto estivesse<br />

ocupado e apertado, pode crer, é fiscôla.<br />

A definição de fiscôla não é feita a partir<br />

de uma mera observação empírica ou arbitrária<br />

para saber se alguém passa mais tem-<br />

po do que o necessário em ato de micção<br />

contemplativa. É um feito comprovado pela<br />

ciência a partir de uma combinação de experimentos<br />

e pesquisas. Sabe-se, por exemplo,<br />

que o volume máximo suportado pela bexiga<br />

humana é de 500 ml. E que um fluxo urinário<br />

menor do que 15ml/s já é indicativo<br />

Jeito Moleque. O chamamento<br />

era um só: COMFIRMADO.<br />

Até perceberem a desafinada<br />

gramatical, os autores da<br />

pérola em letras garrafais<br />

levaram três dias, tempo<br />

suficiente para apagar uma<br />

perninha do M que tanto<br />

incomodaria Aurélio Buarque<br />

de Holanda.<br />

de alguma obstrução da uretra ou falha no<br />

aparelho excretor. Nesse caso, 35 segundos<br />

seria tempo suficiente para executar o serviço<br />

sem maiores envolvimentos emocionais, com<br />

a frieza de um magarefe dilacerando vísceras<br />

bovinas, ou como o tenista Roger Federer ganha<br />

mais um torneio de Grand Slam. Mesmo<br />

assim, vamos dar uma margem de erro de 90<br />

segundos regulamentares entre abrir o zíper e<br />

dar a última balançadinha.<br />

Passou de<br />

um minuto e meio,<br />

pode ter certeza, é<br />

fiscôla.<br />

O fiscôla típico<br />

renega o olhar oblíquo<br />

que se estabelece<br />

na troca de uniforme<br />

de um time<br />

de futebol, aquela<br />

coisa meio envergonhada<br />

de quem<br />

não quer fitar diretamente<br />

o objeto<br />

da curiosidade. O<br />

fiscôla padrão tem<br />

o olhar reto e olímpico.<br />

Ele encara como se tivesse autoridade<br />

completa do ato e errado fosse quem quisesse<br />

se ocultar.<br />

O banheiro do 2° piso do Iguatemi é<br />

uma espécie de Meca da fiscôlagem. É um<br />

dos mais mencionados nas ligações anônimas<br />

para a Rádio <strong>Metrópole</strong>, ou sempre<br />

Tá acontecendo<br />

Banho de luz, banho de asfalto,<br />

guarda municipal, atendimentos<br />

do Samu. Todos os argumentos<br />

de João Henrique para pedir<br />

mais quatro anos aos eleitores<br />

foram utilizados na campanha<br />

institucional em outdoor da<br />

Prefeitura de Salvador. A questão<br />

não é nem avaliar se se tratou<br />

de campanha política explícita.<br />

O fato é o desserviço à língua<br />

portuguesa prestado pelo slogan<br />

da administração. Falado, na<br />

informal oralidade do idioma,<br />

ainda vai, mas escrito em<br />

letras garrafais “pode acreditar,<br />

ta acontecendo” não parece<br />

benefício algum à educação.<br />

que o tema é suscitado em uma roda de meia<br />

dúzia que invariavelmente se dizem ofendidos<br />

com a atitude.<br />

Não há estatísticas confiáveis sobre a<br />

quantidade de fiscôlas dispersos pela capital<br />

baiana. Apesar de terem uma função fiscalizadora,<br />

não estão reunidos em entidade<br />

de classe. Vagam espalhados por banheiros<br />

sem uma rota de migração explicável. Voltaram<br />

ao banheiro do terminal rodoviário<br />

desde que a taxa de utilização (coisa de 50<br />

centavos por uma mijadinha) deixou de ser<br />

cobrada. Naquele espaço, a existência de<br />

um tipo ainda mais inusitado: o fiscal dos<br />

fiscôlas. É o funcionário que passa meio<br />

expediente sentado em um banquinho<br />

defronte ao átrio de mictórios, como se<br />

estivesse ali para auxiliar qualquer demanda<br />

urgente. Mas não, a real função dele é<br />

intimidar a ação invasiva dos delinqüentes<br />

visuais. Fiscôla é bom para olhar, jamais<br />

para ser olhado.<br />

O fiscôla pode não se considerar viado,<br />

exerce seu papel social sem ter traumas de<br />

masculinidade. Para M. Carlos começou<br />

com a curiosidade de medir o pau dos outros<br />

na adolescência. Hoje, adulto, pai de<br />

um casal jovem, age como um hobby. Visita<br />

banheiros com o olhar por vezes milimétrico,<br />

já que não pode usar uma trena, prefere<br />

exercitar a capacidade de avaliar tamanhos e<br />

formas por meio de analogias: aquele parece<br />

um desodorante feminino, este fica mais<br />

para um churro pela metade.<br />

A atuação deles geralmente é negada,<br />

mas no Iguatemi um segurança faz ronda<br />

a cada 20 minutos na porta do banheiro<br />

para verificar a normalidade no local ou se<br />

alguém esqueceu do mundo cá fora. Um<br />

gordinho no Shopping Barra só falta criar<br />

um crachá pra si mesmo com a inscrição:<br />

Populista das antigas<br />

Um vídeo feito por estudantes<br />

da Faculdade de Comunicação<br />

da UFBA, em 1996, já mostrava<br />

os perigos da prática demagógica<br />

do radialista Raimundo Varela,<br />

que abriu mão da candidatura<br />

a prefeito de Salvador, mesmo<br />

liderando as pesquisas. O<br />

trabalho “Raimundo Varela,<br />

um símbolo populista”<br />

chegou à conclusão de que<br />

o aproveitamento da mídia<br />

para construir uma imagem<br />

paternalista é sempre uma<br />

sedução para demagogos. Uma<br />

das autoras do trabalho é a<br />

jornalista Rosana Jatobá, hoje<br />

apresentadora da Rede Globo.<br />

Grandes esperanças<br />

Enquanto o pré-candidato do<br />

PT à prefeitura municipal,<br />

Walter Pinheiro, desmanchavase<br />

em desculpas a Olívia Santana<br />

pelo desprezo ao PC do B, o<br />

governador Jaques Wagner<br />

mostrava uma forma inusitada<br />

de demonstrar esperança na<br />

chapa PT/PSB. Ele avisou<br />

que no segundo turno do<br />

campeonato eleitoral vestiria a<br />

camisa do PMDB, junto com o<br />

prefeito João Henrique. É mais<br />

ou menos como o Presidente<br />

da República revelar que, numa<br />

eventual final da Copa do<br />

Mundo, não teria problema em<br />

torcer para a Argentina.<br />

fiscôla oficial do perímetro. Ele cerca os<br />

usuários do WC com a vigilância de um<br />

perdigueiro farejando saciedade.<br />

Banheiro do 3° piso do Shopping Piedade,<br />

bem vindo à fortaleza da fiscôlagem. Ou, a<br />

depender de quem olha, à visão do inferno.<br />

Quem entra num momento de mais empolgação,<br />

se assusta e lamenta ter deixado tanta<br />

cerveja acumulada para um único jorro de<br />

despedida. Alguns saem fugindo indignados,<br />

outros rindo da própria sorte. A arquitetura do<br />

espaço de 3,5m² com oito mictórios dispostos<br />

em duas fileiras de três e de cinco é, por si, uma<br />

sugestão de fiscôlagem. Algumas vezes, os cinco<br />

vasos ficam desocupados enquanto os outros<br />

três são disputados por ávidos observadores.<br />

É mais assustador, por exemplo, ao se deparar<br />

com um rapaz manuseando o pau com<br />

um ritmo de fabricante de argila, naquilo que<br />

os fiscôlas chamam delicadamente de “esmerilhar”<br />

a pica. Mantém o membro em uma<br />

consistência “pururuca”, que é um estado físico<br />

de quase ereção, em que não se observa a<br />

flacidez de um marshmallow e nem a rigidez<br />

de uma vela de sete dia. É uma morfologia<br />

intermediária, tipo uma mangueira de gás.<br />

O Inominável<br />

O apresentador Jorge Kajuru<br />

foi condenado, em primeira<br />

instância, a pagar R$ 20 mil<br />

ao bispo Edir Macedo, líder<br />

da Igreja Universal e dono da<br />

Record. Kajuru falou mal do<br />

clérigo no programa “Kajuru<br />

na Área”, do SBT de Ribeirão<br />

Preto. Ele foi condenado por<br />

injúria e difamação. A pena<br />

prevê ainda o pagamento<br />

de R$ 1 mil por dia, caso o<br />

apresentador volte a falar o<br />

nome do bispo. Edir Macedo, a<br />

partir de agora, é um inominável<br />

para Kajuru, que vai recorrer da<br />

decisão da Justiça.<br />

Este é representante legítimo da categoria do<br />

Performático Apreciador de Olhares ou, simplesmente,<br />

o PAO.<br />

O auxiliar de serviços gerais que pega o turno<br />

de tarde e fica até às 22h convivendo com<br />

toda a silenciosa troca de olhares é como uma<br />

mulher sinuosa em pé num coletivo lotado,<br />

tamanho o desconforto que demonstra. Val,<br />

o apelido pelo qual prefere ser chamado, não<br />

aparenta tanto asco na hora de recolher o papel<br />

higiênico usado de um balde como quando<br />

entra e se depara com os olhares gulosos no<br />

mictório. “O pior é quando estão se pegando,<br />

aí tenho que chamar o segurança”, resmunga<br />

ele, um moreno magro de quase 30 anos que<br />

outro dia recebeu uma proposta no banheiro<br />

e quase responde na força bruta.<br />

O formando em jornalismo pela Faculdade<br />

Jorge Amado, Tedson Souza, encarou<br />

a selva de azulejos e porcelanato por vontade<br />

própria para finalizar um trabalho de<br />

conclusão de curso sobre sexo público. A<br />

escolha de uma série de reportagens de rádio<br />

o levou a descobrir que alguns locais se<br />

tornam guetos de devassidão: da fiscôlagem,<br />

os mais atrevidos passam à prática. “Geral-<br />

<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - junho de 2008<br />

41

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!