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Segurança<br />
Cadeia alimentar<br />
A alimentação cotidiana de uma colônia penal na capital baiana<br />
Luana Rocha<br />
Na Colônia Penal Lafayete Coutinho, antiga<br />
Pedra Preta (nome cunhado devido à existência de<br />
uma antiga pedreira no local), em Castelo Branco,<br />
o café da manhã é servido cedo. Às 6h da manhã<br />
as primeiras vasilhas com alimentação para os 305<br />
detentos em regime semi-aberto que estão no local<br />
começam a ser distribuídas. O cardápio é constituído<br />
de pão, café, batata ou banana e acabou. Mesmo<br />
com autorização da Secretaria de Justiça, Cidadania<br />
e Direitos Humanos (SJCDH), fui orientada a<br />
aguardar o diretor do presídio, Everaldo Carvalho,<br />
na portaria do local para poder entrar. Tive direito a<br />
sentar e esperar junto com os agentes penitenciários<br />
que ficam na entrada. Apresentei-me como repórter<br />
e fui questionada sobre o assunto que gostaria de<br />
tratar no presídio. Expliquei que a matéria seria<br />
sobre a comida nas penitenciárias. Minha resposta<br />
foi seguida por um profundo desagrado. “Por que<br />
a imprensa só olha para os presos e nunca para os<br />
agentes? Veja a comida que nos servem”, disse um<br />
deles. Olhei para o lado: havia uma bandeja com um<br />
pão que parecia ter saído do forno há pelo menos<br />
três dias, uma fatia de melancia com um vermelho<br />
duvidoso e uma caneca com café e leite. Antes que<br />
eu respondesse algo, outro agente se antecipou:<br />
“Porque dá ibope”.<br />
Às 8h, o diretor de segurança da colônia chegou.<br />
Foi-me permitido adentrar no presídio com celular<br />
e bolsa. Não fui revistada. Segundo o diretor do<br />
presídio, este não é o procedimento padrão. Todas<br />
A comida dos detentos da Colônia Penal Lafayete Coutinho é servida em vasilhas dos próprios internos<br />
as pessoas são vistoriadas antes de entrar no local.<br />
Existe um detector de metais, mas não está funcionando.<br />
O diretor garante que não existem grandes<br />
problemas na cadeia.<br />
Ao entrar no presídio, uma surpresa. A colônia<br />
parece o lugar perfeito para mandar os filhos nas<br />
férias. Uma espécie de praça arborizada com bancos<br />
localiza-se na parte central da Lafayete. Tudo isso<br />
em meio a um monte de andaimes. A cadeia está<br />
em reforma sem previsão para o término das obras.<br />
Fui levada pelo diretor de segurança para conversar<br />
com a supervisora de nutrição do presídio. Gilma<br />
Almeida explicou que é responsável pela fiscalização<br />
dos serviços prestados pela empresa que fornece os<br />
alimentos dos presos, a Nutriz, sediada em Brasília.<br />
A empresa usa a estrutura do Estado (água, luz e<br />
espaço físico) e prepara os alimentos dentro da cadeia.<br />
Onze funcionários se alternam no local. Por<br />
determinação da empresa, nenhum detento pode<br />
trabalhar na cozinha. Segundo o responsável pela<br />
Nutriz, os motivos são higiene e segurança. “Mexer<br />
com alimentação exige um cuidado maior com<br />
higiene e requer profissionais qualificados. Além<br />
disso, existe a questão da segurança, pois na cozinha<br />
possuímos objetos cortantes que podem servir para<br />
outros fins que não os alimentares”, contou.<br />
Os alimentos são servidos em vasilhas plásticas<br />
pertencentes aos detentos. Existe uma vasilha<br />
padrão fornecida pelo governo, mas está em<br />
falta. Cada compartimento possui uma etiqueta<br />
com o nome do preso. A quantidade de comida<br />
é medida por quilogramas. Mesmo assim, “de vez<br />
em quando, um pega a vasilha do<br />
FOTOS: COPERPHOTO<br />
outro ou então tenta pegar o alimento<br />
duas vezes”, conta Gilma.<br />
Durante os finais de semana, a<br />
quantidade de comida distribuída<br />
é maior. Pelo menos na Lafayete<br />
Coutinho não presenciamos cenas<br />
como as que foram recentemente<br />
divulgadas na mídia. Em um presídio<br />
do Ceará, o alimento estava<br />
sendo servido em sacos plásticos.<br />
A alegação é que os presos estavam<br />
derretendo os pratos para fabricar<br />
armamentos.<br />
Antes de a comida ser servida,<br />
há uma prova para experimentação.<br />
Uma comissão formada por<br />
três pessoas (a própria Gilma, a<br />
coordenadora administrativa e<br />
a enfermeira do presídio) come<br />
o alimento antes de ser servido.<br />
A comida só volta se estiver estragada. Caso esteja<br />
sem sal ou tempero ela não é considerada inadequada.<br />
“O sabor do alimento é muito subjetivo”,<br />
afirma Gilma.<br />
No momento da entrega dos alimentos, uma divisão:<br />
a distribuição é diferenciada para os detentos<br />
“azuis” e “amarelos”. Os presos que possuem um colete<br />
azul são aqueles que trabalham na cadeia e podem<br />
circular livremente no local. São espécies de presos de<br />
confiança. Já os que usam um fardamento amarelo ficam<br />
confinados num espaço reservado e só podem sair<br />
do local acompanhado por um agente. Os “amarelos”<br />
são presos que acabaram de sair do regime fechado e<br />
foram transferidos para lá por estarem próximos ao<br />
fim da pena, e os considerados mais indisciplinados.<br />
Mas essa não é uma posição imutável. Os amarelos<br />
podem se tornar azuis e os azuis também podem<br />
voltar a ser amarelos.<br />
Segundo Gilma, o procedimento na escolha dos<br />
alimentos é feito da seguinte forma: o cardápio oferecido<br />
pela empresa é recebido mensalmente e ela<br />
observa se ele é adequado à “realidade do presídio”.<br />
Essa realidade leva em consideração, de acordo com<br />
Comidas que os presos<br />
rechaçam, como uma tal<br />
“fritada espanhola”, são<br />
cortadas do menu<br />
ela, o interesse dos detentos. Comidas que os presos<br />
rechaçam, como uma tal “fritada espanhola”, que leva<br />
carne, ovo e salsicha na composição, além de língua<br />
e xinxim, são cortados do menu. Repulsas nada surpreendentes.<br />
“Eles nunca estão satisfeitos, claro, mas<br />
a gente busca agradar ao máximo”. Essa insatisfação,<br />
segundo o diretor adjunto do presídio, Manoel Alves,<br />
pode gerar conflitos. “Aqui os detentos já fizeram<br />
greve de fome e isso pode causar uma mobilização<br />
maior, se as queixas não forem atendidas”. Segundo<br />
Alves, rebeliões por causa da comida nunca ocorreram<br />
na Lafayete Coutinho. “Aqui as queixas são resolvidas<br />
na conversa”, acredita ele.<br />
Tá tudo muito bom,<br />
tá tudo muito bem<br />
Como fazer uma matéria como esta e não ouvir<br />
os detentos que diariamente comem no presídio?<br />
Impossível. Mas ouvir os detentos escolhidos pelos<br />
diretores e cercados pelos agentes penitenciários<br />
não é uma forma muito eficaz de coletar informações<br />
deles. Foi assim que os diretores da Lafayete<br />
Coutinho procederam. Preso por homicídio há<br />
sete anos, Rogério Alves Silva,<br />
29 anos, disse achar a comida<br />
normal. “Acho que só deveria<br />
aumentar a quantidade, mas,<br />
no geral, dá pra engolir”. A<br />
opinião é compartilhada por<br />
Rosalvo Lima dos Santos, condenado<br />
há três anos e quatro<br />
meses por furto. “No início<br />
da pena eu estava na Gercc<br />
(Grupo de Repressão a Furtos<br />
e Roubos, Furtos de Veículos,<br />
de Repressão a Roubos em<br />
Coletivos) e, em comparação<br />
ao que comia lá, isso aqui é o<br />
paraíso”.<br />
Segundo Denise Tourinho,<br />
Coordenadora da Gestão Integrada<br />
das Ações Penais da<br />
Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos,<br />
houve uma grande mudança na maneira de<br />
fornecer alimentos aos detentos. “Fizemos reuniões<br />
com nutricionistas de todas as unidades para<br />
chegarmos a uma melhor forma de distribuir a<br />
comida. Isso foi uma coisa inovadora, porque an-<br />
<strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - junho de 2008<br />
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