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Relatório intermédio das escavações arqueológicas<br />

subaquáticas nas proximidades da Ilha de<br />

Moçambique e em Mogincual, de Março a Novembro<br />

de 2006.<br />

Lic. Alejandro Mirabal<br />

- Janeiro de 2007 -


Índice<br />

Assunto Página<br />

! Objectivos ……………………………………………………………………………. 3<br />

! Resumo ….…………………………..………….……………………………………. 4<br />

! Relatório dos sites ………………….…………………………….………………. 5<br />

! MOG-003 …………………………………………..………………………..…….. 5<br />

I. Inspeção …………………….…………...………………..………….......... 5<br />

II. Escavação ……………………….…………………………………………….. 9<br />

III. Resultados ……………………………….…..…..………………………….. 10<br />

IV. Interpretações …..……...………………………………………………….. 16<br />

V. Os artefactos ………………..…………………….………………………… 17<br />

! IDM-003 …………………………………………………………..………………… 21<br />

I. Trabalhos de pré-escavação …………….………..…………..………. 21<br />

II. Resultados …...……………………..……………………………………….. 23<br />

III. Interpretações …..….………………………………………………………. 32<br />

IV. Os artefactos ………………………..…………….……………….……….. 32<br />

V. Mapa do site ….………………..…………………………………………… 39<br />

VI. A estrutura de madeira ……….………………………………………….. 40<br />

VII. Identificação provisória …………………………………………………… 52<br />

! IDM-010 ……………..……………………………………………………………… 53<br />

I. Descrição do site e avaliação ……………….……..…………………… 53<br />

II. Desenho do site ……….……………………………………...………….. 54<br />

III. Escavação ….………………...……………………………….…………….. 55<br />

IV. Os artefactos ….………………....………….……………………………… 59<br />

V. Identificação provisória …………………………………………………… 70<br />

! Conservação ...…………………………..………………………………………. 71<br />

! Equipamento ...................................…………………………………… 73<br />

! Pessoal ….............................................……………………………….. 74<br />

! Bibliografia e fontes ……………………………………………………………….. 75<br />

! Agradecimentos ...................................…………………………………… 76<br />

2


O texto que se segue é um relatório sobre o andamento dos<br />

trabalhos* de escavação em dois naufrágios do século XVII, nas<br />

proximidades da Ilha de Moçambique e em Mongincual, aqui<br />

identificados como MOG-003 e IDM-003, e a escavação de um<br />

naufrágio dos meados do século XIX designado IDM-010. Estes sites<br />

foram seleccionados não só pelo seu significado histórico mas<br />

também por estarem nitidamente em perigo, uma vez que alguns<br />

pescadores sabiam da sua existência; e, no caso do IDM-003, o site<br />

estava a ser constantemente visitado para retirar barras de chumbo.<br />

Objectivos.<br />

Em primeiro lugar, o objectivo da escavação arqueológica de dois<br />

naufrágios potencialmente importantes em termos históricos e<br />

culturais, nas águas da província de Nampula, foi de retomar os<br />

trabalhos previamente começados, escavar os depósitos recentes<br />

até à camada estéril por debaixo da estação arqueológica, e<br />

continuar o estudo do armamento, composição da carga,<br />

construção naval e vida a bordo nestas embarcações específicas.<br />

* Este relatório é a continuação do Relatório de Escavação 2005,<br />

sendo parte integrante do mesmo; por esse motivo, a informação<br />

contida no relatório prévio não será aqui repetida.<br />

3


Resumo.<br />

Estas actividades de escavação tiveram lugar nas águas da Ilha de<br />

Moçambique e em Mongincual, de 29/03/2006 a 13/11/2006, sem<br />

interrupções e por um total de 231 dias de operações.<br />

O tempo de actividade foi usado da seguinte forma:<br />

Deslocações (navegar para e dos sites) 5 dias<br />

Mobilização/Logística<br />

reparações)<br />

(combustível, água, alimentos, etc e 15 dias<br />

Mau tempo 3 dias<br />

Desmobilização 5 dias<br />

Folgas 19 dias<br />

Dias de mergulho 184 dias<br />

Durante estes 184 dias de mergulho foram realizados um total de 2.230<br />

mergulhos, somando 3.872,08 horas de mergulho, numa média de 21,04<br />

horas de mergulho diárias.<br />

MOG-003 (provavelmente Almiranta São José, 1622):<br />

- Dias de trabalho no site 37 dias<br />

- Mergulhos 480 mergulhos<br />

- Horas de mergulho 362,45 horas<br />

- Artefactos recuperados 9 artefactos (2.178 moedas de prata)<br />

- Estado da escavação (aprox) 60%<br />

IDM-003 (provavelmente Nossa Senhora da Consolação, 1608):<br />

- Dias de trabalho no site 161 dias<br />

- Mergulhos 1422 mergulhos<br />

- Horas de mergulho 2.964,30 horas<br />

- Artefactos recuperados 140 artefactos<br />

- Estado da escavação Completa<br />

IDM-010 (embarcação não identificada de aproximadamente 1850):<br />

- Dias de trabalho no site (simultaneamente com o IDM-003) 45 dias<br />

- Mergulhos 328 mergulhos<br />

- Horas de mergulho 545,33 horas<br />

- Artefactos recuperados 601 artefactos<br />

- Estado da escavação (aprox) 70%<br />

4


Relatório dos sites.<br />

MOG-003 Baixio do Infusse, 37 dias entre 30/03/06 e 23/10/06<br />

Inspeção<br />

Dada a pouca variedade de artefactos (maioritariamente moedas de prata) e os<br />

restos de embarcação encontrados durante a prévia temporada de escavação,<br />

foi decidido que a primeira tarefa para a temporada de 2006 seria proceder a<br />

um levantamento detalhado em torno do A6-A7 e G6-G7, de modo a tentar<br />

levar mais além a exploração de todo o campo de destroços deste naufrágio.<br />

Foram organizadas duas pesquisas autónomas, dependendo as duas do tempo<br />

atmosférico: pesquisa visual e pesquisa por magnetômetro. Foi decidido<br />

começar pela pesquisa visual na zona compreendida entre a âncora e o canhão<br />

A5 e G5 (590m SSE de A6 e G6), de forma a explorar o espaço intermédio e<br />

tentar estabelecer a existência de mais material cultural espalhado. A área foi<br />

marcada por meio de 21 pontos GPS (VS1 a VS21), distribuídos em três linhas<br />

paralelas que permitiram a cobertura de uma faixa do fundo do mar com 590m<br />

de comprimento e 180m de largura, ligando os dois lugares. Em torno de cada<br />

ponto foi levada a cabo uma pesquisa circular centrada na posição GPS, num<br />

raio de 50m, com 5 mergulhadores segurando uma linha marcadora, colocados<br />

de 10 em 10m. Os achados, em cada ponto, estão detalhados no quadro que<br />

se segue:<br />

Pesquisa<br />

Visual<br />

Ponto<br />

Posição GPS Achados<br />

VS1 15° 30 259 S, 40° 36 782 E Não há achados<br />

VS2 15° 30 302 S, 40° 36 795 E Não há achados<br />

VS3 15° 30 344 S, 40° 36 808 E Não há achados<br />

VS4 15° 30 386 S, 40° 36 820 E Parafuso de ferro (1), bala de canhão (1)<br />

VS5 15° 30 428 S, 40° 36 832 E Balas de canhão (2 grupos)<br />

Balas de canhão (3), impulsos indicando<br />

VS6 15° 30 470 S, 40° 36 844 E metais<br />

VS7 15° 30 512 S, 40° 36 856 E A5 e G5, nenhum outro material<br />

VS8 15° 30 244 S, 40° 36 753 E Não há achados<br />

VS9 15° 30 285 S, 40° 36 765 E Parafuso de ferro (1)<br />

VS10 15° 30 327 S, 40° 36 777 E Balastro, gargalo de jarro para azeitonas (1)<br />

VS11 15° 30 369 S, 40° 36 789 E Pedras de balastro dispersas<br />

VS12 15° 30 411 S, 40° 36 801 E Pedras de balastro dispersas<br />

VS13 15° 30 452 S, 40° 36 813 E Balas de canhão (3), estrutura de ferro (1)<br />

Pedras de balastro dispersas (3), balas de<br />

VS14 15° 30 494 S, 40° 36 825 E canhão(2)<br />

VS15 15° 30 231 S, 40° 36 795 E Não há achados<br />

VS16 15° 30 273 S, 40° 36 807 E Não há achados<br />

VS17 15° 30 315 S, 40° 36 819 E Não há achados<br />

VS18 15° 30 356 S, 40° 36 831 E Pedras de balastro dispersas<br />

Pedras de balastro dispersas, balas de canhão<br />

VS19 15° 30 398 S, 40° 36 843 E (1)<br />

VS20 15° 30 440 S, 40° 36 855 E Pedras de balastro dispersas<br />

VS21 15° 30 482 S, 40° 36 867 E Não há achados<br />

5


Foi constatado uma grande dispersão de pedras de balastro na zona oeste, de<br />

VS8 a VS13, mas nenhuma concentração significativa das mesmas ou outros<br />

vestígios.<br />

Para a exploração desta nova descoberta, outro grupo de pontos GPS foi<br />

marcado e aqueles pontos mais perto dos vestígios culturais encontrados foram<br />

explorados, de VS21 a VS58, e constam da lista no quadro abaixo apresentado:<br />

Pesquisa<br />

Visual<br />

Pontos<br />

Posição GPS Achados<br />

VS22 15°30,186' S, 40°36,798' E Não pesquisado<br />

VS23 15°30,194' S, 40°36,728' E Não pesquisado<br />

VS24 15°30,150' S, 40°36,722' E Não pesquisado<br />

VS25 15°30,142' S, 40°36,792' E Não pesquisado<br />

VS26 15°30,167' S, 40°36,761' E Não pesquisado<br />

VS27 15°30,107' S, 40°36,717' E Não pesquisado<br />

VS28 15°30,099' S, 40°36,787' E Não pesquisado<br />

VS29 15°30,124' S, 40°36,755' E Não pesquisado<br />

VS30 15°30,063' S, 40°36,712' E Não pesquisado<br />

VS31 15°30,055' S, 40°36,783' E Não pesquisado<br />

VS32 15°30,081' S, 40°36,752' E Não pesquisado<br />

VS33 15°30,019' S, 40°36,710' E Não pesquisado<br />

VS34 15°30,011' S, 40°36,780' E Não pesquisado<br />

VS35 15°30,038' S, 40°36,749' E Não pesquisado<br />

VS36 15°29,974' S, 40°36,704' E Não pesquisado<br />

VS37 15°29,966' S, 40°36,774' E Não pesquisado<br />

VS38 15°29,993' S, 40°36,743' E Não pesquisado<br />

VS39 15°29,928' S, 40°36,709' E Não pesquisado<br />

VS40 15°29,934' S, 40°36,779' E Não pesquisado<br />

VS41 15°29,884' S, 40°36,711' E Não pesquisado<br />

VS42 15°29,890' S, 40°36,782' E Não pesquisado<br />

VS43 15°29,908' S, 40°36,744' E Não pesquisado<br />

VS44 15°29,841' S, 40°36,713' E Não pesquisado<br />

VS45 15°29,845' S, 40°36,784' E Não pesquisado<br />

VS46 15°29,864' S, 40°36,747' E Não pesquisado<br />

VS47 15°29,800' S, 40°36,715' E Não pesquisado<br />

VS48 15°29,803' S, 40°36,785' E Não pesquisado<br />

VS49 15°29,779' S, 40°36,750' E Não pesquisado<br />

VS50 15°30,361' S, 40°36,731' E Pedras de balastro dispersas<br />

VS51 15°30,317' S, 40°36,717' E Pedras de balastro dispersas<br />

VS52 15°30,273' S, 40°36,707' E Pedras de balastro dispersas<br />

VS53 15°30,407' S, 40°36,747' E Pedras de balastro dispersas<br />

VS54 15°30,401' S, 40°36,706' E Pedras de balastro dispersas<br />

VS55 15°30,354' S, 40°36,686' E Pedras de balastro dispersas<br />

VS56 15°30,305' S, 40°36,673' E Pedras de balastro dispersas<br />

VS57 15°30,454' S, 40°36,758' E Pedras de balastro dispersas<br />

VS58 15°30,444' S, 40°36,715' E Pedras de balastro dispersas<br />

De VS50 a VS58, foi constatada a dispersão de pedras de balastro, mas VS53<br />

revelou uma particular alta densidade e um maior tamanho de balastro.<br />

6


A pesquisa por magnetômetro começou a norte de A6-A7 (a sotavento do sítio<br />

principal do naufrágio), de forma a cobrir uma área aproximada de<br />

500mx600m, com uma faixa de espaçamento de 8m, uma velocidade máxima<br />

de 3,5 nós e o sensor a uma distância máxima de 5m do fundo. Este sistema<br />

permitiu um levantamento muito preciso da área, de forma a localizar mesmo<br />

pequenos vestígios de material do naufrágio na direcção norte. Quando este<br />

primeiro sector planificado estava quasi completamente coberto, uma área de<br />

leitura anómola foi detectada a 414m noroeste da zona dos canhões G6 e G7 e<br />

das âncoras A6-A7. Os mergulhadores executaram um reconhecimento com<br />

detectores de metal, sendo encontrada uma grande área com várias leituras<br />

magnéticas, toda ela coberta por mais de 50cm de areia e camadas de coral<br />

morto. Foram abertos várias sondas de teste, mas só em duas delas<br />

conseguimos detectar qual era a fonte da leitura anómala. Num dos furos de<br />

teste foi encontrado um prego de ferro da parte estrutural de um barco e um<br />

objecto não identificado de ferro. Na outra área localizámos e parcialmente<br />

desenterrámos um objecto de chumbo não identificado, que se assemelhava a<br />

um lingote de chumbo em “forma de barco”, sendo completamente<br />

desenterrado mais tarde e positivamente identificado como um lingote com a<br />

forma de barco e com várias marcas nele. Numa das marcas visíveis é possível<br />

ler “TH” e as outras são selos. Por debaixo do lingote foi possível observar<br />

algumas pranchas e um imenso pedaço de madeira.<br />

Dois pregos de quilha ainda estavam presos a qualquer coisa sólida (enterrada)<br />

que não foi observada nesta fase. Foi encontrado um interessante artefacto de<br />

chumbo, uma espécie de triângulo plano, em perfeitas condições, com uma<br />

depressão semi-circular na parte superior, como para fixar uma espécie de<br />

haste ou de eixo. Havia vários sítios com acentuadas leituras no detector de<br />

metal, cuja fonte foi impossível de identificar por o sedimento ser muito<br />

profundo em toda aquela área. Foram tomadas medidas de forma a produzir<br />

um esboço básico desta área, antes de ser planeada e executada a escavação.<br />

Outro registo magnético foi anotado e verificado pelos mergulhadores a 236m<br />

norte desta área, o que revelou ser uma âncora (A8) completamente enterrada<br />

na areia. É necessário fazer mais trabalho de reconhecimento neste local, numa<br />

fase posterior.<br />

Com o reconhecimento desta nova área, foram observados elementos<br />

suficientes para confirmar que uma grande parte do barco está enterrada<br />

debaixo de 1m de areia. Neste momento o campo de destroços do MOG-003<br />

aumentou em 730m, prefazendo um total de 4.530m do vestígio mais a sul<br />

(âncora A2) à âncora A8 no norte.<br />

Na posse desta nova informação, tínhamos razões suficientes para decidir<br />

planear outras escavações nesta área para mais tarde, com novos e melhores<br />

instrumentos, uma vez que o fundo está coberto por uma grossa camada de<br />

areia. Não foram recuperados artefactos nesta fase.<br />

7


Plano dos destroços do naufrágio MOG-003 depois da inspeção de<br />

2006.<br />

A imagem de cima mostra a dispersão dos vestígios encontrados no decurso de várias pesquisas.<br />

As áreas em amarelo foram descobertas na pesquisa de 2003.<br />

As áreas em verde foram descobertas na pesquisa de 2004.<br />

As áreas em vermelho foram descobertas na pesquisa de 2006.<br />

Os círculos representam os pontos visualmente pesquisados (VS) em 2006.<br />

As pequenas cruzes vermelhas assinalam a dispersão das pedras de balastro.<br />

8<br />

A extensão total dos destroços do MOG-003 (de A2 no sul a A8 no norte) é de 4.530m.


Escavação<br />

As operações de escavação no site foram retomadas depois de cinco meses de<br />

inactividade devido ao intervalo entre as temporadas de mergulho. Os pontos<br />

fixos (sacos de areia e varas de madeira) ainda se encontravam no devido<br />

lugar, mas a maioria das cordas e marcações tinham sido levadas pelo mar, por<br />

isso a primeira tarefa foi re-instalar o sistema de quadrículas como utilizado na<br />

temporada anterior.<br />

Mapa do principal site do MOG-003 no fim da temporada de escavações 2006.<br />

9


Resultados.<br />

Durante esta temporada, uma nova ferramenta de escavação foi usada de<br />

modo a atingir um ainda melhor controlo da remoção do sedimento executada<br />

pelo mergulhador. Uma bomba de água eléctrica e submersível foi instalada ao<br />

aspirador de água, ligada ao gerador a bordo do nosso navio de escavação<br />

através de 100m de cabo submarino trifásico. O cabo estava fixo ao sistema de<br />

fundeamento de 2 em 2m, com a intenção de o manter distante da área de<br />

escavação e evitar um contacto indesejado com o site quando o navio ancorado<br />

baloiça com o vento e corrente.<br />

A escavação continuou a partir da quadrícula S23. No período anterior de<br />

escavação só uma pequena parcela no canto noroeste desta grelha tinha sido<br />

escavada e, mesmo se nessa altura a densidade de material cultural tivesse<br />

aparentemente acabado na direcção sul, não podíamos estar completamente<br />

seguros disso.<br />

Quadrícula S23.<br />

Natureza do entulho: Areia e fragmentos soltos de coral morto<br />

Profundidade do entulho: 0,30m<br />

Profundidade da camada cultural: 0,75m<br />

Profundidade média das escavações: 0,90m<br />

Artefactos descobertos: Poucas moedas de prata soltas muito gastas<br />

Artefactos recuperados: Não há artefactos recuperados<br />

Estado da escavação: 60% escavado<br />

Como se esperava, mais a sul do quadrado os vestígios culturais desaparecem.<br />

Várias sondagens foram realizadas na secção leste da quadrícula para confirmar<br />

que não existiam partes do barco debaixo do sedimento. Esta quadrícula é tida<br />

como concluída.<br />

10


Quadrícula S19.<br />

Natureza do entulho: Areia e fragmentos soltos de coral morto<br />

Profundidade do entulho: 0,30m<br />

Profundidade da camada cultural: 0,80m<br />

Profundidade média das escavações: 1m<br />

Artefactos observados: Moedas de prata<br />

Artefactos recuperados: 1 artefacto (ap. 127 moedas de prata)<br />

Estado da escavação: 90% escavado<br />

A escavação de S19 começou no extremo oeste da quadrícula, adjacente a S18,<br />

à mesma profundidade da camada cultural (0,6m), tendo sido encontrada a<br />

mesma espécie de artefactos. Foram observadas moedas de prata dispersas na<br />

camada aos 0,5m de profundidade, aparecendo mais enterradas do que na<br />

quadrícula prévia e em melhor estado. A escavação avançou para leste da<br />

quadrícula, confirmando a raridade dos destroços, até que acabaram de vez. A<br />

escavação desta quadrícula é dada como encerrada.<br />

Quadrícula S18.<br />

Natureza do entulho: Areia e fragmentos soltos de coral morto<br />

Profundidade do entulho: 0,30m<br />

Profundidade da camada cultural: 0,80m<br />

Profundidade média das escavações: 1m<br />

Artefactos observados: Moedas de prata<br />

Artefactos recuperados: 2 artefactos (ap. 2.049 moedas de prata)<br />

Estado da escavação: 70% escavado<br />

A escavação desta quadrícula começou no canto sul (adjacente de S23 e S22),<br />

prosseguindo em direcção noroeste a uma profundidade de 0,50m, onde a<br />

maior concentração de artefactos foi observada durante a temporada anterior.<br />

A concentração de moedas decresceu à medida que se escavava em direcção à<br />

zona oeste da quadrícula. Além das moedas, nenhum outro artefacto do<br />

naufrágio foi encontrado. Apesar dos artefactos desaparecerem quase por<br />

completo no sector oeste, a quadrícula não pode ser tida como acabada.<br />

11


Quadrícula S3.<br />

Natureza do entulho: Areia e fragmentos soltos de coral morto<br />

Profundidade do entulho: 0,30m<br />

Profundidade da camada cultural: Desconhecida, mas maior do que 1,7m<br />

Profundidade média das escavações: 1,90m<br />

Artefactos observados: Âncora A6, botija fragmentada,<br />

partes do leme, balas de<br />

canhão e moedas de prata.<br />

Artefactos recuperados: Não houve artefactos recuperados.<br />

Estado da escavação: 70% escavado<br />

A quadrícula S3 foi escavada do extremo leste (adjacente a A7) em direcção a<br />

oeste, escavando profundamente o sedimento onde um forte registo magnético<br />

foi detectado. Foi encontrada uma moeda e o fragmento de um pote de<br />

azeitonas à invulgar profundidade de 1.5m, entre a âncora A6 e A7.<br />

Quadrícula S4.<br />

Natureza do entulho: Areia e fragmentos soltos de coral morto<br />

Profundidade do entulho: 0,30m<br />

Profundidade da camada cultural: Desconhecida, mas maior do que 1,5m<br />

Profundidade média das escavações: 1,70m<br />

Artefactos observados: Âncora A7, bala de canhão, cerâmica fragmentada<br />

Artefactos recuperados: Não houve artefactos recuperados<br />

Estado da escavação: 20% escavado<br />

Continuação da escavação em S4, em torno da haste da âncora A7, indo fundo<br />

no sedimento, testando a sua profundidade e a localização da camada cultural.<br />

O sedimento em torno da âncora A7 revelou ser surpreendentemente profundo<br />

(mais de 1m), onde 4 moedas de prata e uma bala de canhão foram<br />

encontradas. Alargando a trincheira para lá de A7, a uma profundidade de<br />

0.3m, foi encontrada outra moeda de prata e poucos fragmentos de<br />

revestimento de chumbo.<br />

12


Quadrícula S16.<br />

Natureza do entulho: Areia e fragmentos soltos de coral morto<br />

Profundidade do entulho: Desconhecida, objectos expostos<br />

Profundidade da camada cultural: Desconhecida<br />

Profundidade média das escavações: 1,5m<br />

Artefactos observados: Canhões de ferro G6-G7, bala de chumbo, madeira<br />

Artefactos recuperados: Não há artefactos recuperados<br />

Estado da escavação: 30% escavado<br />

A escavação começou em torno do canhão G6, tentando chegar debaixo dele,<br />

de forma a localizar partes estruturais do casco, mas só foi encontrado uma<br />

tábua sem se saber se ela pertence a uma parte importante da estrutura de<br />

madeira. As condições de trabalho foram limitadas pelo tempo atmosférico e<br />

pela forte corrente, reduzindo gradualmente a visibilidade e enchendo cada vez<br />

mais o lugar da escavação com novo sedimento. Várias balas de chumbo e<br />

restos de calafetagem de chumbo apareceram em torno dos canhões, bem<br />

como algumas pedras de balastro.<br />

13


Área SJ2<br />

A nova área com material de naufrágio, encontrada pela pesquisa por<br />

magnetômetro 414m a noroeste dos canhões G6 e G7, foi denominada SJ2. A<br />

área com leituras magneticamente anómalas está completamente enterrada<br />

debaixo de areia; não eram visíveis quaisquer objectos ou material cultural na<br />

superfície sedimentar.<br />

O fundo é superficialmente composto por areia fina, ainda que debaixo dos<br />

primeiros 0,20m apareçam as primeiras colónias de coral morto em grandes<br />

fragmentos. A profundidade deste lugar é ligeiramente mais baixa do que no<br />

principal site do MOG-003, sendo aqui de entre 16 e 19m.<br />

Devido ao pouco tempo existente de expedição, às condições atmosféricas<br />

adversas e à profundidade e natureza do entulho, foi decidido apenas levar a<br />

cabo uma vasta operação de detecção de metal na área e abrir dois furos de<br />

teste nos lugares com registos anómalos mais fortes.<br />

A draga de água foi instalada em SJ2 e foi preparado um sistema de<br />

fundeamento para o barco de escavação antes de o mover, uma vez que o<br />

fundo não permite a utilização segura da âncora. A pesquisa de detecção de<br />

metal foi feita, demarcando uma área extensiva entre 5 diferentes pontos<br />

anómalos. O primeiro furo de teste foi aberto no local do registo anómalo mais<br />

forte (a 8,3m 110º do nosso ponto fixo), entrado fundo no sedimento e nele<br />

observámos madeira, aparentemente pertencendo ao casco, e revestimento de<br />

chumbo. O fundo é composto de várias rochas e areia e a profundidade do<br />

sedimento é superior a 70cm. A detecção de metal foi prolongada 40m a 177º<br />

do local de fundeamento e foi completada uma faixa de aproximadamente 10m<br />

de largura, não tendo sido registadas leituras anómalas nessa direcção.<br />

Logo que se completou a escavação em volta do primeiro registo anómalo<br />

detectado, o pedaço de madeira com revestimento de chumbo encontrado,<br />

previamente tido como parte da estrutura lateral da embarcação, revelou ser,<br />

de facto, o leme. Possui três encaixes de ferro e está quase todo ele revestido<br />

de chumbo. Esta peça notável encontra-se em bom estado, tendo sido tiradas<br />

fotos e feitas medições. O facto do leme do São José ter acabado nesta área é<br />

bastante estimulante, na medida em que é provável que também parte da popa<br />

tenha derivado para esta localização.<br />

Primeiros esboços do leme<br />

do MOG-003. É de notar<br />

que três encaixes de ferro<br />

estão ligados às pranchas<br />

do leme. As áreas cinzento<br />

claro representam a zona<br />

coberta com revestimento<br />

O segundo furo de test<br />

de chumbo.<br />

14


A segunda sondagem de teste foi aberta no cimo de um forte registo anómalo<br />

localizado a 14,4m e 45º do encaixe central do leme, tendo sido observada<br />

madeira a aproximadamente 70cm de profundidade e encontrado o lingote de<br />

chumbo com forma de barco. Uma trincheira de 8m de comprimento e 3m de<br />

largura foi aberta até uma profundidade de aproximadamente 80cm. Nesse<br />

momento tornou-se bastante evidente que as madeiras encontradas na<br />

segunda leitura anómala não faziam parte do leme, mas sim da estrutura de<br />

madeira do barco. Foram observados fragmentos de cerâmica vulgar, um<br />

chumbo de pesca e caroços de azeitona, reforçando a teoria de se tratarem de<br />

vestígios do porão, na parte mais baixa do bojo do barco.<br />

Foi localizada outra parte da estrutura de madeira a sul da trincheira, onde o<br />

sedimento aumenta de profundidade, sendo encontradas algumas peças de<br />

cerâmica entre as madeiras, uma grande pedra de balastro e algumas outras<br />

pequenas.<br />

O site ficou preparado para futuras intervenções na temporada seguinte, uma<br />

vez que a escavação precisa de ser ampliada com instrumentos mais<br />

apropriados e uma equipa maior de mergulhadores.<br />

Plano geral de SJ2, medições e localização dos dois furos de teste, em Novembro de 2006<br />

15


Interpretações.<br />

Com as descobertas feitas durante a pesquisa desta temporada,<br />

nomeadamente a dispersão de pedras de balastro entre as áreas A5-G5 e A6-<br />

A7, SJ2 e da âncora A8 ao norte, pode ter-se uma perspectiva mais ampla do<br />

naufrágio MOG-003.<br />

O campo de destroços do naufrágio atinge agora 4.530m de A2 a A8, seguindo<br />

a direcção coerente SSE-NNW, tal como os ventos dominantes e a corrente<br />

existente nesta zona geográfica.<br />

Mas há ainda muitas respostas a dar a respeito da dispersão de objectos neste<br />

site. Por exemplo, a dispersão de pedras de balastro está bem definida como<br />

sendo na direcção noroeste a partir de A5; mas, seguindo um via hipotética na<br />

mesma direcção, descobrimos que, de facto, ela diverge da pista de elementos<br />

da embarcação anteriormente descoberta.<br />

De certa forma, também é estranho que a principal acumulação de pedras de<br />

balastro tenha sido descoberta quase no centro do campo de destroços e não<br />

numa das suas extremidades, como seria de esperar numa embarcação que se<br />

afunda. Contudo, é possível que o casco da embarcação se tivessse aberto e<br />

“vertido” pedras de balastro enquanto andava à deriva, explicando-se assim a<br />

escassez de pedras de balastro em ambas as extremidades do campo; mesmo<br />

assim, a direcção da dispersão não corresponde à pista geral do material<br />

cultural observado.<br />

Não menos confuso é o facto de que praticamente nenhum artefacto de uso<br />

diário a bordo, ferramentas, loiças, etc, foi encontrado em qualquer das duas<br />

áreas já exploradas. Só moedas de prata da carga foram localizadas, junto de<br />

duas âncoras e de dois canhões.<br />

Finalmente temos o caso da âncora A8, isolada precisamente no extremo norte<br />

do campo de destroços, sem estar associada a qualquer parte conhecida da<br />

embarcação. Tendo em conta que A8 de facto pertence ao MOG-003 (a<br />

tipologia desta âncora é, aparentemente, a mesma de A1 a A7), a pergunta<br />

lógica é: como foi ali parar?<br />

Esperamos que a próxima temporada de escavações e pesquisa de 2007 nos<br />

traga mais informação que nos permita responder a algumas destas questões.<br />

16


Os artefactos. (Lista completa em anexo)<br />

Carga.<br />

Moedas<br />

Só foram encontrados cinco artefactos dentro desta categoria, durante esta<br />

temporada, prefazendo um total de 2.178 moedas de prata. As características<br />

destas moedas e similar em todos os aspectos às moedas recuperadas durante<br />

a temporada de 2005 e não alteraram as estatísticas existentes e as proporções<br />

encontradas na amostra. Marcas de cunhagem, ensaiadores e anos estão<br />

representados nas mesmas proporções da amostra maior já recuperada, por tal<br />

nenhuma outra informação foi retirada do estudo destes artefactos específicos,<br />

além do registo quantitativo.<br />

Mergulhadores escavando moedas no quadrado S18.<br />

Contudo, a análise quantitativa de toda a colecção de moedas escavadas<br />

contém alguma informação de interesse.<br />

Durante as escavações decorrentes do naufrágio MOG-003, foi recuperado um<br />

total de 65 artefactos, representando 31 deles aglomerados de moedas de<br />

prata e 28 grupos de moedas soltas. Só foram encontrados 6 artefactos que<br />

não era moedas de prata.<br />

Os aglomerados de moedas eram na maioria constituídos por moedas de prata<br />

e balas de canhão, havendo só num deles um pequeno parafuso de ferro. Os<br />

outros aglomerados eram só formados por moedas que, em 6 casos,<br />

conservavam ainda a forma original do contentor onde se encontravam, o que<br />

aparenta ser um pequeno saco onde estavam amontoadas cerca de 1.000<br />

moedas. Estes “sacos” de moedas eram muito compactos, não tendo sido<br />

encontrado entre as moedas qualquer vestígio de material frágil para evitar que<br />

17


se riscassem durante o transporte. Só um desses sacos aparenta estar mais<br />

completo, tendo perdido só algumas moedas, se é que as perdeu.<br />

A quantidade total de moedas de prata recuperadas deste naufrágio, até agora,<br />

é de 23.005; e, depois de terem sido tratadas no laboratório e registadas na<br />

base de dados, estes revelam os seguintes resultados:<br />

• Moedas limpas: 23.005 (100%)<br />

• Moedas numismáticas: 7.117 (30.93%)<br />

• Moedas corroídas 9.832 (42.73%)<br />

• Chapas 6.056 (26.32%)<br />

As 7.117 moedas numismáticas estão distribuídas da seguinte maneira:<br />

• moedas de 8 reais: 4.142 (58.19%)<br />

• moedas de 4 reais: 2.960 (41.59%)<br />

• moedas de 2 reais: 15 (0.21%)<br />

A proporção nas denominações da amostragem revela um padrão de<br />

aproximadamente 60-40 entre as moedas de 8 e 4 reais.<br />

Assumindo que a proporção de denominações não muda no resto das moedas<br />

recuperadas (moedas corroídas e chapas), podemos calcular que, da<br />

quantidade total de moedas recuperadas (23.005), 13.387 serão de 8 reais,<br />

9.568 de 4 reais e 50 de 2 reais, representando um total de 145.468 reales<br />

recuperados até agora nos destroços deste naufrágio.<br />

Os documentos de arquivo referem que foram perdidas no naufrágio “9 caixas<br />

contendo 18.000 cruzados de dinheiro do Rei”. Sabendo-se que no início do<br />

século XVII o valor do “peso de a ocho” Espanhol (peça de oito ou 8 reais) era<br />

de aproximadamente 0,9 cruzados, podemos calcular que o total em reais até<br />

agora recuperado nos destroços representa um valor de 16.365 cruzados, o<br />

que significa que ainda estão perdidos 1.635 cruzados de dinheiro do Rei ou<br />

9% do total. Tendo em conta a degradação natural da prata imersa na água<br />

do mar durante 385 anos, a acção mecânica das ondas e correntes e a<br />

cobertura completa do site pela areia, podemos considerar que a recuperação<br />

de 91% das moedas perdidas foi um feito satisfatório conseguido pela<br />

escavação.<br />

Lingote de chumbo<br />

O outro artefacto encontrado até agora que pode ser considerado na categoria<br />

de Carga foi o lingote de chumbo com “forma de barco”. Este artefacto foi<br />

encontrado em cima das tábuas da estrutura de madeira de SJ2, sem qualquer<br />

relação com qualquer outro artefacto. É um lingote de chumbo típico desse<br />

tempo, ainda que maior e mais pesado do que a maior parte dos lingotes<br />

encontrados em destroços de naufrágios anteriores. Tem um comprimento de<br />

0.87m e pesa 140 Kg. Apresenta marcas nos dois extremos da superfície plana<br />

revelando um “TH” e o que parece ser um “20 CS”.<br />

Medidas gerais do lingote de<br />

chumbo. Art. No 2128<br />

18


Lingote de chumbo (Art. No 2128) no convés e detalhe das marcas quando ainda<br />

estava in-situ.<br />

Instrumentos profissionais<br />

Tampas de garrafa em peltre<br />

As tampas de garrafa recuperadas (2) são de tipo semelhante, com duas<br />

partes, uma com rosca exterior e outra com rosca interior e um anel de ligação<br />

no cimo (em falta). A parte inferior encontrava-se ligada ao gargalo de uma<br />

garrafa de vidro verde, como fica evidenciado em alguns restos deste material<br />

ainda ligados ao corpo da garrafa, e a parte superior está aparafusada à<br />

segunda. Tal como foi observado nalgumas marcas no sedimento existente na<br />

vizinhança destes achados, a garrafa contentora poderia ter uma base plana,<br />

como as usadas para efeitos médicos a bordo das embarcações desse tempo.<br />

Pedra de amolar<br />

Uma pedra de amolar (ou pedra de afiar) rectangular foi encontrada entre as<br />

tábuas da estrutura de madeira. É de uma textura muito fina como as usadas<br />

para afiar as lâminas de facas e outras ferramentas aguçadas.<br />

Amolador (Art. No 2127)<br />

De notar as incisões no<br />

extremo esquerdo,<br />

aparentemente tendo a função<br />

de fixar uma pega.<br />

Tampo de garrafa de peltre (Art. No 2067) e desenho.<br />

19


Luva de cerzidor de vela<br />

Este artefacto também foi encontrado entre as tábuas do casco, muito perto da<br />

pedra de amolar, tendo aparentemente os dois sido parte da caixa de<br />

ferramentas de um carpinteiro ou marinheiro a bordo.<br />

Este é um instrumento usado pelos marinheiros para reparar as velas, e por<br />

vezes para reforçar ou ligar as pontas das cordas ou panos, como são mais<br />

conhecidas entre os iniciados.<br />

O pequeno aparelho consiste numa presilha de cabedal com uma abertura para<br />

o polegar. A parte mais larga do cabedal preenche o espaço da palma da mão,<br />

incorporando uma placa de metal perfurada para encaixar a extremidade<br />

embotada de uma agulha. As agulhas para vela são suficientemente duras e<br />

grandes para aguentar o uso de fio grosso, e a placa, segura na palma da mão,<br />

para forçar a agulha e o fio através do material resistente da vela.<br />

No nosso caso, a presilha de cabedal desapareceu completamente depois de 4<br />

séculos de imersão, mas a placa de metal (usada como dedal) sobreviveu,<br />

ainda com os seus orifícios de fixação.<br />

Placa de metal de uma luva de cerzidor de vela (Art. No 2125) e um desenho<br />

representativo da sua função. A presilha de cabedal foi omitida no desenho de forma a<br />

mostrar toda a placa e o sistema de fixação.<br />

Chumbo de pesca<br />

Também foi encontrado em SJ2, na camada inferior do material cultural, entre<br />

as tábuas, um chumbo de pesca, pensando-se que pertença aos destroços,<br />

devido à sua localização.<br />

20


IDM-003 Ilha de Moçambique, 161 dias entre 01/04/06 e 02/11/06<br />

Trabalhos de pré-escavação<br />

Antes de retomar as escavações da temporada de 2006, era necessário<br />

executar algum trabalho no site, a fim de voltar tudo a mesma situação em que<br />

ficou em Novembro 2005. Como já tínhamos previamente coberto as áreas<br />

escavadas com areia e sedimento das redondezas, de forma a proteger as<br />

madeiras do casco de posterior degradação e intervenção descontrolada, nada<br />

ficou à mostra. Contudo, foram observados claros sinais de actividade levada a<br />

cabo por pessoas depois de cobrirmos o site, uma vez que do sector Sul da<br />

quadrícula S9 foi retirado algum balastro, foram pelo menos retirados 5 lingotes<br />

de chumbo e destruídos alguns objectos de ferro. As autoridades locais foram<br />

informadas sobre este acontecimento, de modo de fornecer protecção<br />

enquando o site não estiver a ser trabalhado pela equipa arqueológica.<br />

A rede de quadrículas usada durante a temporada de escavações de 2005 foi<br />

novamente instalada e a área completamente limpa de areia e sedimentos com<br />

a ajuda de um aspirador de água. Após uma semana de trabalho, o site tinha o<br />

mesmo aspecto de quando o deixáramos cinco meses antes. A parte ocidental<br />

do que resta da estrutura de madeira foi exposta, depois de ter sido retirado o<br />

monte de pedras de balastro e, aparentemente, uma porção equivalente do<br />

casco poderá estar coberta pelo balastro ainda existente.<br />

Sendo assim, o objectivo principal da temporada de escavações foi remover<br />

todo o resto do balastro de forma a pôr a descoberto eventuais partes do casco<br />

que tivessem sobrevivido enterrados e começar o seu estudo.<br />

Para atingir esse objectivo tornava-se necessário remover manualmente as<br />

pedras de balastro e transportá-las para longe do site em contentores de<br />

plástico e redes, com a ajuda de um saco elevador com 500kg de capacidade.<br />

Simultaneamente, seria utilizado o aspirador de água para a retirada de<br />

sedimentos leves entre as pedras de balastro e entre as madeiras.<br />

Estava planificado retomar a escavação indo do extremo norte da quadrícula S9<br />

na direcção norte, até se acabar a estrutura do casco, para então retornar ao<br />

sul, pelo sector leste.<br />

A imagem na página seguinte mostra a situação do site no momento em que<br />

arrancou a temporada de escavações de 2006.<br />

21


Mapa do site IDM-003<br />

(em 30 de Novembro de 2005)<br />

22


Resultados.<br />

As escavações começaram na quadrícula S10 a partir do extremo norte de S9,<br />

removendo a cabeça de coral e progredindo na direcção norte. Chegámos à<br />

estrutura de madeira do casco descoberta em escavações prévias e<br />

continuámos nesse patamar, verificando os espaços entre as madeiras até às<br />

tábuas do forro do casco mais abaixo.<br />

Quadrícula S10.<br />

Natureza do entulho: Areia fina/lama e pedras de balastro<br />

Profundidade do entulho: 0,60m<br />

Profundidade da camada cultural: 0,70m<br />

Profundidade média das escavações: 0,80m<br />

Artefactos observados: Estrutura de madeira, cerâmicas vulgares<br />

Artefactos recuperados: Não há<br />

Estado da escavação: Concluída<br />

Esta quadrícula foi aberta a norte e adjacente a S9 e, por razões de segurança,<br />

foi retomado a partir das marcas deixadas na última temporada, numa tentativa<br />

de garantir que nenhum intervalo entre os dois quadrados fosse descurado. O<br />

sector noroeste do quadrado tinha uma profundidade superior a 1m, onde se<br />

encontra o fim da estrutura de madeira; e, apesar de nenhum artefacto ter sido<br />

encontrado neste lugar, foram observados alguns fragmentos de cerâmica<br />

vulgar. Um pequeno couce solto foi descoberto quase no centro do quadrado,<br />

em cima das escoas, mas era evidente que tinha sido removido da sua posição<br />

original no casco do navio. Foi identificada uma concreção massiva localizada<br />

entre as duas escoas, tendo na sua composição pequenos fragmentos de<br />

madeira queimada e cerâmicas vulgares. Também se observaram evidências de<br />

madeira queimada nas extremidades dos braços ao longo de toda a quadrícula.<br />

23


Quadrícula S11.<br />

Natureza do entulho: Areia fina/lama e algumas conchas<br />

Profundidade do entulho: 0,60m<br />

Profundidade da camada cultural: 0,45m<br />

Profundidade média das escavações: 0,90m<br />

Artefactos observados: Estrutura de madeira<br />

Artefactos recuperados: Não há<br />

Estado da escavação: Concluída<br />

Seguindo a lógica da estrutura de madeira encontrada em S10, a quadrícula<br />

S11 foi começada a norte da anterior, mas deslocada para leste, uma vez que a<br />

maior parte oeste da quadrícula anterior se encontrava vazia de vestígios de<br />

naufrágio. As escoas terminavam precisamente no sul da quadrícula e, por tal,<br />

as poucas cavernas sobreviventes não se encontravam fortemente seguras<br />

entre as escoas e as tábuas do casco. As tábuas tinham-se desligado das<br />

cavernas e apareciam muito mais abaixo do que o resto da estrutura,<br />

moldando-se à forma natural do fundo do mar naquela zona. O estado das<br />

madeiras nesta extremidade da estrutura encontrava-se mais degradado do<br />

que no resto dela, evidenciando que esta extremidade, por não estar coberta<br />

por balastro, sofreu uma rápida deteriorização depois do acidente. Esta parte<br />

da estrutura corresponde à ponta mais em direção a popa, do que ainda existe<br />

do casco, e também ao extremo norte da área de escavações.<br />

24


Quadrícula S12.<br />

Natureza do entulho: Areia fina/lama, cabeça de coral e algumas conchas<br />

Profundidade do entulho: 0,60m<br />

Profundidade da camada cultural: 0,45m<br />

Profundidade média das escavações: 0,90m<br />

Artefactos observados: Estrutura de madeira<br />

Artefactos recuperados: Não há<br />

Estado da escavação: Concluída<br />

Esta quadrícula foi aberta no lado sul de S11 e adjacente a S10, seguindo a<br />

estrutura de madeira. Foi removida uma enorme cabeça de coral do sector<br />

nordeste da quadrícula. Foi interessante registar que tal formação cresceu<br />

inteiramente em cima dos restos do barco; assim, a formação coralígena tem<br />

menos de 400 anos. A estrutura de madeira nesta quadrícula revelou uma<br />

melhor montagem das madeiras, sendo reconhecíveis uma escoas, um<br />

dormente e 7 primeiras ligações. Não foram observados artefactos durante as<br />

escavações desta quadrícula.<br />

25


Quadrícula S13.<br />

Natureza do entulho: Areia fina/lama e pedras de balastro<br />

Profundidade do entulho: 0,70m<br />

Profundidade da camada cultural: 0,45m<br />

Profundidade média das escavações: 0,90m<br />

Artefactos observados: Estrutura de madeira<br />

Artefactos recuperados: Não há<br />

Estado da escavação: Concluída<br />

O extremo norte do amontoado de balastro começou nesta quadrícula,<br />

aumentando de volume na direcção sul. Dada a possibilidade da existência de<br />

artefactos entre as pedras, o que não se verificou, foram manual e<br />

cuidadosamente removidas todas as pedras de balastro desta quadrícula. A<br />

estrutura de madeira nesta quadrícula, por ter estado quase completamente<br />

coberta e protegida pelas pedras de balastro, mostrou estar em muito melhor<br />

estado do que nas quadrículas mais a norte. Foi possível reconhecer parte do<br />

tabuado do porão a meia nau, bem como 12 primeiras ligações e o começo do<br />

que restou da sobrequilha. O tabuado do porão é constituído por um tipo de<br />

tábuas diferentes das usadas nas ligações, nos dormentes e cavernas<br />

previamente observadas, aparentando ter uma cor mais clara e oferecer menor<br />

resistência à penetração mecânica.<br />

26


Quadrícula S14.<br />

Natureza do entulho: Ramos de coral e pedras de balastro<br />

Profundidade do entulho: 1,90m<br />

Profundidade da camada cultural: 1,90m<br />

Profundidade média das escavações: 2,10m<br />

Artefactos observados: Lingotes d echumbo, estrutura de ferro, canhões<br />

Artefactos recuperados: 7 art. (106 lingotes de chumbo, 1 tampa de cerâmica)<br />

Estado da escavação: Concluída<br />

Esta quadrícula foi aberta a sul de S9, continuando na direcção da zona onde as<br />

pedras de balastro foram removidas, em S13. Nesta parte do site do naufrágio,<br />

a concentração de pedras de balastro atingiu o seu ponto máximo (a par de<br />

outras 3 quadrículas) e várias toneladas de pedras foram manualmente<br />

removidas para atingir o nível onde existissem artefactos e estrutura de<br />

madeira. Os artefactos mais interessantes descobertos nesta quadrícula foram<br />

106 lingotes de chumbo com forma de barco, encontrados entre o balastro e<br />

sem qualquer vestígio de organização, ainda que isto possa ter resultado da<br />

viragem do barco quando este encalhou. Quando a área em torno do canhão<br />

G1 também foi aliviada das pedras de balastro, descobrimos que, na realidade,<br />

havia 4 canhões de ferro, un em cima do outro, estando o do fundo a tocar as<br />

madeiras do casco. Neste caso, o sistema de armazenamento era evidente,<br />

tendo os canhões sido originalmente ligados uns aos outros, boca a boca, para<br />

evitar o deslizamento devido aos movimentos do barco. Os três canhões de<br />

cima (G1, G2 e G3) são idênticos, mas o G4 é ligeiramente de maiores<br />

dimensões. Uma estrutura de ferro, aparentemente da cordame, também foi<br />

observada, medida e deixada in situ, uma vez que se encontrava fortemente<br />

presa e a sua remoção teria sido ariscada.<br />

27


Quadrícula S15.<br />

Natureza do entulho: Ramos de coral e pedras de balastro<br />

Profundidade do entulho: 1,90m<br />

Profundidade da camada cultural: 1,90m<br />

Profundidade media das escavações: 2,10m<br />

Artefactos observados: Estrutura de madeira<br />

Artefactos recuperados: Não há<br />

Estado da escavação: Concluída<br />

Esta quadrícula foi estabelecida a leste e adjacente a S14, no seguimento das<br />

madeiras maiores da estrutura do casco. A cobertura foi similar a encontrada<br />

na quadrícula prévio e a remoção das pedras de balastro continuou. A estrutura<br />

de madeira encontrada debaixo do balastro era a continuação do tabuado do<br />

porão a meia nau, muito juntas umas às outras, sem qualquer espaço entre<br />

elas, mas o aspecto mais interessante na estrutura de madeira encontrada aqui<br />

foi, sem a mínima dúvida, a carlinga do mastro com as suas braçadeiras<br />

localizadas de ambos os lados. Ainda que não tenham sido localizados restos do<br />

mastro dentro da sua mortaja, aspecto que sugere a sua remoção manual num<br />

completo salvamento na altura do acidente, foram observados alguns vestígios<br />

de uma espécie de feltro ligado às paredes, que presumivelmente teria<br />

funcionado como recheio. A braçadeira a leste encontrava-se em piores<br />

condições do que a braçadeira a oeste da carlinga, não sendo usada para<br />

medições. Todo o sector leste da quadrícula não tinha vestígios de madeira,<br />

provando-se que o bombordo do barco ficou exposto, queimado e,<br />

consequentemente, desapareceu pouco depois do naufrágio.<br />

28


Quadrícula S16.<br />

Natureza do entulho: Ramos de coral e pedras de balastro<br />

Profundidade do entulho: 1,90m<br />

Profundidade da camada cultural: 1,90m<br />

Profundidade média das escavações: 2,10m<br />

Artefactos observados: Estrutura de madeira, canhões<br />

Artefactos recuperados: Não há<br />

Estado da escavação: Concluída<br />

Esta quadrícula foi instalada a sul e adjacente a S14, na sequência das<br />

madeiras da estrutura do casco que, coerentemente, continuavam nessa<br />

direcção. O objectivo principal destas escavações era remover a camada de<br />

pedras de balastro que, neste ponto, era uma das altas e mais densas do site<br />

do naufrágio. Não foram observados artefactos entre as pedras de balastro e as<br />

escavações terminaram quando foi atingida a estrutura de madeira, que neste<br />

quadrado correspondia ao tabuado do porão, primeiras ligações e cavernas,<br />

bem como a uma porção da sobrequilha. É interessante notar que a fractura<br />

das primeiras ligações, observada em S14, continuou aqui na mesma direcção,<br />

aparentemente até ao nível da curva do porão. No canto noreste do quadrado<br />

observámos três cavernas dispostas sem espaço entre elas, que podem<br />

consituir a caverna mestra do navio.<br />

29


Quadrícula S17.<br />

Natureza do entulho: Areia, conchas e pedras de balastro<br />

Profundidade do entulho: 1,20m<br />

Profundidade da camada cultural: 1,20m<br />

Profundidade média das escavações: 1,30m<br />

Artefactos observados: Estrutura de madeira<br />

Artefactos recuperados: Não há<br />

Estado da escavação: Concluída<br />

Esta grelha foi aberta a leste e adjacente a S16, procurando o fim da estrutura<br />

de madeira a leste, que apareceu a 1,8m dessa direcção. As estruturas de<br />

madeira observadas nesta quadrícula foram a caverna maestra, parte da<br />

sobrequilha e a extremidade das cavernas que tinham o aspecto de queimadas<br />

e corroídas. Escavando mais fundo no sedimento, depois do fim da estrutura de<br />

madeira, foi possível observar por debaixo dela o tabuado externo do casco,<br />

constituído por grossas tábuas, aparentemente de pinho. Só o canto noroeste<br />

do quadrado apresentava estrutura de madeira, o resto era apenas sedimento<br />

até uma profundidade de 1,5m.<br />

30


Quadrícula S18.<br />

Natureza do entulho: Areia, conchas e pedras de balastro<br />

Profundidade do entulho: 1,30m<br />

Profundidade da camada cultural: 1,30m<br />

Profundidade média das escavações: 1,50m<br />

Artefactos observados: Estrutura de madeira<br />

Artefactos recuperados: Não há<br />

Estado da escavação: Concluída<br />

Esta quadrícula foi aberta a sul de S16 e adjacente de S4 a leste, procurando a<br />

extremidade da estrutura de madeira, tal como na quadrícula anterior. A zona<br />

estava quase completamente coberta por pedras de balastro, sendo só<br />

removido um grande coral no sector sudeste da quadrícula que crescera por<br />

cima de uma extremidade das cavernas. Por debaixo do extremo sul das<br />

cavernas foi possível observar uma porção de madeira resistente que<br />

acreditamos fazer parte da quilha. Também atingimos o extremo sul do<br />

tabuado do porão nesta quadrícula, muito corroído e danificado, mas mesmo<br />

assim facilmente reconhecível. Com esta quadrícula demos por findas as<br />

escavações na estrutura do casco do IDM-003 e suas vizinhanças, descobrindo<br />

tudo o que sobreviveu do conjunto de madeira do fundo e de estibordo do<br />

navio.<br />

31


Interpretações.<br />

Através da escavação completa da estrutura de madeira do casco ainda<br />

existente, foi obtida informação muito importante. Ainda que em termos de<br />

artefactos não tenha sido acrescentada nenhuma nova informação, em<br />

comparação com a temporada de escavações anterior, mesmo assim existem<br />

alguns aspectos que merecem destaque.<br />

Um é o facto de que os lingotes de chumbo observados em temporadas<br />

anteriores (6 até ao começo deste ano) corresponderem a um total de 105,<br />

reforçando a hipótese de que eles faziam parte da carga existente a bordo.<br />

O mesmo se aplica aos selos de chumbo (3 encontrados até ao começo deste<br />

ano), que apareceram numa quantidade de 46, sugerindo igualmente um<br />

armazenamento a bordo em vez de selos utilitários para selar volumes. Nesta<br />

temporada também foram encontradas presas de elefante e de hipopótamo em<br />

maiores quantidades do que no ano passado, prefazendo o total de 49.<br />

Os artefactos. (Lista completa em anexo)<br />

Artilharia<br />

Os artefactos pertencendo a esta categoria, observados no site, nesta fase<br />

conclusiva das escavações, foram 4 canhões de ferro.<br />

Os canhões de ferro.<br />

Quando se estava escavando perto do já descoberto canhão de carregamento<br />

frontal (G1) com 2,5m de comprimento, que se encontrava completamente<br />

cercado e parcialmente coberto de pedras de balastro, foram encontrados 3<br />

outros canhões arrumados por debaixo dele. De facto, estavam empilhados 4<br />

canhões uns em cima dos outros, o inferior tocando as madeiras do casco.<br />

Neste caso, o sistema de armazenamento era óbvio, tendo os canhões sido<br />

originalmente ligados boca-a-boca para evitar que deslizassem devido aos<br />

movimentos do barco. Os três canhões no topo (G1, G2 e G3) são idênticos,<br />

mas o G4 é ligeiramente maior. Um dos canhões foi limpado para permitir uma<br />

medição correcta e ânodos de sacrifício de zinco foram aplicados mais tarde<br />

para travar a corrosão.<br />

Duas vistas do grupo de canhões (G1 a G4). A foto da esquerda mostra o conglomerado no<br />

momento em que a maior parte das pedras de balastro em volta dele tinham sido removidas e a<br />

imagem da direita mostra G1 (no topo) durante o processo de descolagem.<br />

32


Carga<br />

Como foi acima mencionado, o tipo de artefactos encontrados neste site que<br />

podem ser catalogados como carga foram botijas, jarras Martaban, tampas de<br />

cerâmica, lingotes de chumbo, selos de chumbo e presas de elefante e de<br />

hipopótamo. O único facto a acrescentar depois das escavações desta<br />

temporada foi o número crescente de presas, selos e lingotes de chumbo<br />

encontrados, reforçando a teoria de que eram transportados como carga e não<br />

como negócio privado ou objectos de uso pessoal.<br />

Presas de animal no lado esquerdo e vistas da carga de lingotes de chumbo tal como<br />

encontrada, durante a escavação e preparada para ser elevada até ao navio.<br />

A concentração de lingotes de chumbo na quadrícula S14 e alguns pequenos<br />

troncos redondos observados na sua vizinhança sugerem que eles estavam<br />

directamente arrumados em cima do tabuado do porão e que uma espécie de<br />

“cercadura” de madeira tinha sido construída em volta deles, mas foi destruída<br />

pelo seu peso quando o barco virou para estibordo e a carga de lingotes<br />

escorregou.<br />

33


Selos de chumbo.<br />

Foram encontrados no total 46 selos de chumbo durante as escavações desta<br />

temporada, a maioria deles acumulados dentro de uma concreção de ferro a<br />

nível do primeiro dormente e a almogama de proa. Existem basicamente dois<br />

formatos nestes selos de chumbo, sendo o primeiro constituído por dois discos<br />

de chumbo ligados por uma tira de chumbo que permite apertar e fechar os<br />

dois discos (Tipo A). O segundo formato é um cilindro plano de forma<br />

octagonal com pequenos selos em ambas as faces planas (Tipo B), e ainda que<br />

este tipo não pareça ser um “selo” como deve ser por não aparentar ter<br />

nenhuma função em termos de selar, ele foi incluído no grupo devido ao<br />

material de que é feito e da relação espacial com o grupo anterior.<br />

Tipo A<br />

Este grupo de selos de chumbo apresenta quarto pares diferentes de símbolos.<br />

O mais comum é aquele que reproduz o símbolo português “Esfera Armilar”.<br />

Esta imagem era o emblema pessoal do Rei D. Manuel I, mesmo antes de se<br />

tornar Rei, quando ainda era Duque de Beja, e representa a epopeia<br />

portuguesa de navegação. Este selo confirma provavelmente que o barco<br />

transportava uma carga oficial da Índia para o Rei de Portugal. Curiosamente,<br />

não foi possível reconhecer o símbolo no reverso de qualquer dos selos de<br />

chumbo deste sub-grupo, ainda que fossem evidentes marcas de uma espécie<br />

de cota de armas ou brasão<br />

O selo de chumbo<br />

com a forma da<br />

“Esfera Armilar”<br />

portuguesa<br />

(Artefacto No.<br />

15055). A<br />

descoberta deste<br />

artefacto reforça<br />

fortemente a<br />

hipótese do barco<br />

ser português.<br />

O segundo em ocorrência foi o grupo dos selos com a “Fleur de Lis” numa das<br />

faces e um brasão não identificável na outra face. Os artefactos pertencentes a<br />

este grupo eram os mais pequenos de tamanho entre todos os exemplares de<br />

selos de chumbo existentes.<br />

34


O terceiro grupo, só com quatro ocorrências, é constituído por selos<br />

reproduzindo numa face um cavalo estilizado com uma vara e uma bandeira e<br />

uma figura não identificável no reverso.<br />

O último grupo de selos de chumbo do Tipo A é apenas representado por dois<br />

artefactos com a letra “A” e debaixo dela dois “C”s ligados, numa das faces; e,<br />

aparentemente, nenhuma outra imagem atrás.<br />

Tipo B<br />

Os artefactos de chumbo incluídos neste grupo são apenas dois cilindros de<br />

forma octagonal com marcas em ambas as faces, tendo muito provavelmente<br />

sido usados como carimbos em vez de selos. A questão principal que logo se<br />

coloca, em termos desta função, é o facto do “R” reproduzido num deles estar<br />

na posição correcta em vez de ser um “reflexo de espelho”, como deveria ser<br />

se se tratasse de um lacre.<br />

Objectos domésticos<br />

35


Domésticos<br />

O tipo de artefactos encontrados neste site durante a temporada de escavações<br />

de 2005, catalogados como domésticos, foram vasilhas de barro, recipientes de<br />

vidro, porcelana chinesa, cerâmica vidrada, loiça de peltre, utensílios de cobre<br />

para a cozinha e tampas de peltre. As únicas adições nesta categoria,<br />

resultantes das escavações de 2006, foram um pequeno frasco de vidro fino e<br />

vários acessórios de cobre, aparentemente provenientes do mobiliário.<br />

Vidro<br />

Um achado único entre as pedras de balastro foi um delicado jarro de vidro de<br />

cor azul, surpreendentemente ainda intacto, apesar de se encontrar entalado<br />

num meio tão agressivo como é o das pesadas pedras de balastro. Este jarro é<br />

constituído por um corpo arredondado decorado com riscas de elos ovais que<br />

vão da base até ao começo do gargalo, como meredianos do globo terrestre. O<br />

gargalo é em espiral que alarga no cimo e termina truncado no topo,<br />

aparentemente para segurar a tampa em falta. O bico tem o mesmo desenho<br />

ornamental e a ponta partida no fim de um aguçado pescoço tipo ganso. A<br />

base circular deste jarro tem uma concavidade funda que corresponde a quase<br />

! da altura do objecto. A pega corresponde a um intrincado desenho em vidro<br />

soprado, que foi acrescentado mais tarde ao jarro. O vidro é de cor azul e são<br />

poucas as bolhas de ar visíveis no seu corpo.<br />

A função deste lindo jarro só pode ser adivinhada a partir do seu tamanho e da<br />

estreiteza do seu gargalo, que sugere ter sido usado para verter um óleo fino,<br />

perfume ou outro líquido precioso.<br />

36


Cobre<br />

Entre a concreção de ferro do dormente (coberta inferior), foi descoberto um<br />

grande grupo de artefactos com várias formas, mas aparentemente com a<br />

mesma função. Estes consistem de várias lâminas de cobre com algumas<br />

ornamentações e furos de fixar na sua base, nalguns casos ainda com os<br />

cravos no seu lugar. O extremo superior e mais estreito destas laminas está<br />

ligeiramento metido para dentro, terminando numa curva dentada que poderá<br />

ter servido para ligar a alguma coisa. Estas peças ornamentadas, mas<br />

funcionais, faziam aparentemente parte do mobiliário do barco.<br />

37


Pedras de balastro<br />

Este site tem as menores<br />

pedras de balastro<br />

encontradas até agora<br />

na nossa área de estudo.<br />

As pedras são de 20cm<br />

de diâmetro no máximo,<br />

mas o tamanho mais<br />

comum é de entre 5 e<br />

10cm, todas muito<br />

regulares, arredondadas<br />

e com uma superfície<br />

lisa. A cor é quase<br />

sempre cinzento claro na<br />

maioria das peças, sem<br />

linhas ou marcas na<br />

superfície. As pedras encontravam-se todas concentradas num grande monte<br />

cercado por uma funda camada de areia, e só quando a escavação terminou é<br />

que conseguimos apreciar o balastro existente em termos quantitativos.<br />

Foi removido um total aproximado de 250t de pedras balastro do naufrágio e<br />

relocadas numa área perto. Este cálculo foi realizado com base no número de<br />

vezes que os contentores de 500kg foram carregados. Para remover o balastro<br />

do site foi usado o sistema de encher uma rede quadrangular de 2x2m e só a<br />

içar através de um saco elevador quando se atingia o limite da sua capacidade<br />

de elevação; isto dá-nos um peso aproximado do balastro removido de cada<br />

vez. Durante as temporadas de 2005 e 2006, foram enchidos e despejados um<br />

total de 412 sacos de remoção, prefazendo um peso aproximado de 206,000Kg,<br />

mas como ao mesmo tempo algum balastro foi manualmente removido em<br />

pequenos cestos de plástico, é possível estimar o peso total de balastro em<br />

perto de 250t.<br />

Duas perspectivas de parte dos montes de pedras de balastro recolocados em torno do site do<br />

naufrágio durante as escavações.<br />

38


Mapa do site IDM-003<br />

(em 30 Novembro de 2006)<br />

39


A estrutura de madeira<br />

Depois do monte de pedras de balastro ter sido removido, tornou-se evidente<br />

que uma parte importante da estrutura de madeira do casco tinha sobrevivido<br />

devido à protecção das pedras. Este foi o motivo principal para parar as<br />

escavações a nível do madeirame e não tentar ir abaixo dele, devido ao perigo<br />

de deslocar as madeiras e, consequentemente, complicar a interpretação dos<br />

vestígios.<br />

Em baixo está a descrição da parte preservada do casco, estando<br />

presentemente a ser executado um estudo preliminar da sua estrutura feito<br />

através de medições, fotografias, desenhos e observação das peças in situ.<br />

Nesta fase não foi feito o desmantelamento de peças individuais, por isso a<br />

informação acerca de aspectos de montagem limita-se às peças soltas<br />

encontradas. Para ajudar na tarefa de interpretação, foi feito um mosaico de<br />

fotografias de toda a estrutura preservada, no qual foram usadas 158 fotos<br />

cobrindo 4m 2 de área cada (2m x 2m), de um total de 731 fotos tiradas.<br />

Descrição geral dos vestígios do casco.<br />

A parte ainda existente do casco está orientada para 035 0 do norte<br />

magnético e tem um comprimento total de 32.5m, de uma ponta à outra do<br />

dormente da segunda coberta, e uma largura de 12.9m a nível da caverna<br />

mestra, mostrando que a parte preservada do casco inclui parte do fundo do<br />

tabuado do forro da secção mestra da nau, e parte do lado de estibordo até um<br />

nível que ultrapassa a coberta gémea superior. Foi encontrada uma única<br />

madeira, aparentemente fazendo parte do dormente da terceira coberta (ou<br />

coberta de artilharia), sugerindo a posição dessa coberta, mas como não foram<br />

encontrados vaus com ela relacionados, as medições e análises resultantes<br />

desse achado devem ser consideradas com grande cautela.<br />

As peças formando a montagem são a sobrequilha (incluindo a carlinga), 45<br />

cavernas, 65 tábuas do tabuado do forro (entre a sobrequilha e a escoa # 1),<br />

60 primeiras ligações, 59 segundas ligações, 5 escoas, 2 dormentes (e restos<br />

de um terceiro), 2 trincanizes, 2 sobre-trincanizes, 4 fragmentos de tabiques, 1<br />

pequeno couce, 25 vaus e 136 cavernas superiores. O tabuado do casco é<br />

pouco visível entre algumas cavernas e, por isso, a sua contagem seria muito<br />

pouco fiável, se fosse possível de fazer sem se desmantelar a estrutura. No<br />

extremo oeste da estrutura, observámos que o casco é revestido por uma<br />

camada de chumbo. Só sobreviveu um comprimento médio de 0.5m das<br />

cavernas a bombordo, muito provavelmente devido ao colapso do lado exposto<br />

por cima da água.<br />

Descrição das peças da estrutura.<br />

Quilha<br />

Devido à decisão de não desmontar as peças da estrutura, muito pouco foi<br />

visto da quilha deste barco; a maior parte dela está ainda enterrada debaixo de<br />

mais de 1,7m de areia e pedras de balastro. Contudo, uma porção dela, visível<br />

por debaixo da caverna V-1, permitiu-nos fazer algumas medições. A largura<br />

desta madeira é de 0.28m e, devido a várias pequenas sondagens levadas a<br />

cabo ao longo da sobrequilha, foi possível observar que a quilha continua pelo<br />

menos até debaixo da caverna V-33, num comprimento de 20.55m. A sua<br />

profundidade não foi preservada.<br />

40


Nesta fase não foi possível verificar quantas peças fazem parte da quilha. Mas,<br />

pela aparência e resistência da madeira, podemos concluir que é feita da<br />

mesma madeira das cavernas, sobrequilha, primeiras ligações, segundas<br />

ligações, dormentes e cavernas superiores.<br />

Nas primeiras cavernas (V-1 to V8), foram observadas escarvas de forma<br />

quadrada ligando as cavernas à quilha.<br />

Sobrequilha<br />

A sobrequilha tem um comprimento total de 12.95m, incluindo a carlinga do<br />

mastro, uma largura que varia de 0.21m a 0.24m, aproximadamente 1 palmo<br />

de goa (0.2567m), à excepção da área da carlinga do mastro onde a largura<br />

atinge 0.39m, e a sua espessura média é de 0.34m. É formada por 5 peças,<br />

ligadas umas às outras por escarvas inclinadas, e presas cavernas que ficam em<br />

baixo por meio de escarvas quadradas. A altura acima das cavernas varia em<br />

direçao ao sul (o único lugar onde foi possível medir), de 0.21m a 0.29m.<br />

Na face superior da sobrequilha estão presentes 6 encaixes de forma cilíndrica<br />

e, no seu interior, foram observados vestígios de cunhas de um tipo diferente<br />

da madeira usada para construir a sobrequilha. Estes encaixes têm uma secção<br />

longitudinal inclinada que, na maioria dos casos, vai da face superior da<br />

madeira até à profundidade de 0.06m no outro extremo. Estas ranhuras<br />

inclinadas, em combinação com as cunhas de madeira encaixadas dentro delas,<br />

criam uma espécie de pequenas mortajas, provavelmente usadas para apertar<br />

os tabiques que suportam a coberta inferior.<br />

Ao longo da sobrequilha foi possível observar 32 orifícios de cavilhas (quadro<br />

1), os quais podem ser agrupados em três tipos diferentes: o primeiro com uma<br />

secção transversal circular e um diâmetro de 0.03m, o segundo com uma uma<br />

secção transversal quadrada e uma medida de lado de 0.02m, e o terceiro tipo<br />

(sempre relacionado com as encaixes inclinados), uma secção também<br />

quadrada mas com 0.01m de lado. Em qualquer dos casos, não foram<br />

observados fragmentos dessas cavilhas mas, pelos vestígios de ferrugem<br />

dentro dos orifícios, podemos concluir que elas eram feitas de ferro. Nos<br />

destroços não foi encontrada qualquer forma de fixação usando cobre.<br />

De cada lado da carlinga estão localizados os seus contrafortes, feitos de<br />

madeira muito resistente. O que fica a leste da sobrequilha está em avançado<br />

estado de decomposição e pouca informação foi possível recolher através da<br />

sua observação. O que fica do lado oeste estava em muito melhores condições<br />

e, sendo similar ao último, é aquele que será mais tarde descrito em detalhe,<br />

independentemente das outras peças da sobrequilha. Para finalidades de<br />

descrição e estudo, as peças que compreendem a sobrequilha foram<br />

numeradas de K1 a K5, seguindo a direcção norte-sul, da mesma maneira que<br />

os encaixes e os orifícios de cavilhas, que vão ser referenciados nessa direcção<br />

e em ordem consecutiva.<br />

41


Representação da sobrequilha, suas partes estruturais e medidas.<br />

(Desenho: Yuri Romero e Alejandro Mirabal)<br />

42


Cavernas<br />

Na montagem da madeira que constitue a estrutura do IDM-003, foi possível<br />

identificar 45 cavernas, o que parece ser toda a secção central de estibordo do<br />

barco. Estas cavernas incluem a caverna mestra, a almogama de popa e a<br />

almogama de proa.<br />

A caverna mestra é constituída por 3 madeiras planas, com a mesma largura<br />

(0.24m), ligadas umas às outras sem espaço entre elas, numa largura total de<br />

0.72m. A altura destas madeiras na quilha é a mais baixa registada de todas as<br />

cavernas do barco naufragado, tendo só 0.41m. Todas as três madeiras da<br />

caverna mestra estendem-se através e entre a quilha e a sobrequilha, 2 delas<br />

terminando algures debaixo do tabuado do fundo e a do meio continuando até<br />

chegar debaixo da primeira escoa, num comprimento total de 7.05m (da<br />

sobrequilha à escoa # 1). Como as tábuas do fundo não foram desmanteladas,<br />

não sabemos se esta madeira do meio da caverna mestra é só uma peça ou se<br />

a parte que termina na escoa é uma primeira ligação fixa à caverna mestra por<br />

debaixo do tabuado.<br />

A caverna mestra está situada à<br />

proa da carlinga, a uma distância<br />

de 3.02m, medidos do centro da<br />

mortaja da carlinga até ao centro<br />

da madeira do meio da caverna<br />

mestra.<br />

As almogamas (popa e proa) são<br />

também constituídas por 3<br />

madeiras cada, reforçando a sua<br />

estrutura, e quase com a mesma<br />

largura da caverna mestra, tendo a<br />

almogama de proa 0.73m de<br />

largura e a de popa 0.74m. A<br />

principal diferença entre as<br />

medidas das almogamas e as da<br />

caverna mestra é a da altura sobre<br />

a quilha, que no caso da<br />

almogama de proa é de 0.72m,<br />

sensivelmente mais alta que a da<br />

caverna mestra. Não foi possível<br />

determinar a altura da almogama<br />

de popa sobre a quilha devido a<br />

uma concreção de pedras de<br />

balastro e ferro muito dura, mas<br />

foi possível observar que tinha<br />

mais de 0.50m de altura.<br />

Secção da caverna mestra atravessando a<br />

quilha e terminando debaixo do tabuado do<br />

fundo. (Foto: Alejandro Mirabal)<br />

43


Ambas as almogamas estão localizadas à ré e à proa da caverna mestra, quase<br />

à mesma distância e com 18 cavernas entre cada uma e a caverna mestra.<br />

A almogama de popa fica a 9.21m da caverna mestra e a almogama de proa a<br />

9.35m dela, medidas de centro a centro da madeira do meio em cada caso. Por<br />

isso, temos uma distância entre as duas almogamas a nível da quilha de<br />

18.56m, com 36 cavernas entre elas, sem contar as 9 que fazem parte da<br />

caverna mestra (3) e as almogamas (3 cada).<br />

A medição da largura destas 36 cavernas varia ligeiramente entre 0.23m e<br />

0.25m, tendo em consideração o desgaste normal do material depois de 400<br />

anos de imersão e desgaste orgânico. Apesar de tudo, a altura a nível da quilha<br />

aumenta quando nos afastamos da caverna mestra, sendo só possível de medir<br />

na ponta sul, junto da almogama de proa. A maior altura sobre a quilha foi<br />

registada na almogama de proa, com 0.72m; mais a norte foi registado 0.61m<br />

na caverna V-10 e 0.41m na caverna mestra. De facto, as madeiras da<br />

almogama de proa são formadas por duas madeiras ligadas verticalmente para<br />

atingir tal altura e estas cavernas compostas foram notadas de V-1 a V-13.<br />

44


Nas cavernas de proa V-1 a V-16 (a maioria das compostas), foram<br />

encontradas escarvas de forma trapezoidal, praticadas nos seus eixos sobre a<br />

quilha.<br />

Estas escarvas têm nas pontas perfurações de cavilhas com areas vestibulares<br />

para permitir o uso de pregos de secção quadrada de 0.02m, para ligar as<br />

mencionadas cavernas à quilha.<br />

Perspectiva de cima<br />

Detalhe da escarva nas cavernas da face sul. (Desenho: Yuri Romero)<br />

Marca gravada na<br />

face norte de<br />

todas as cavernas<br />

debaixo da<br />

sobrequilha. Esta<br />

marca é a de<br />

estibordo. (Foto:<br />

Alejandro Mirabal)<br />

Largura interior 0.05m<br />

Espessura 0.07m<br />

Largura exterior 0.08m<br />

Altura 0.12m<br />

Perspectiva lateral<br />

Na face superior das cavernas V-5, V-8, V-40 e V-42, observámos perfurações<br />

de cavilha com 0.03m de diâmetro, para um tipo de cavilha com o comprimento<br />

de 1m ou mais, usadas para ligar a sobrequilha à quilha através da caverna,<br />

levando-nos a pensar que a sobrequilha poderá ter atingido esse nível, ainda<br />

que hoje essa secção tenha desaparecido. Esta assumpção é reforçada pelo<br />

facto destas perfurações não terem orifícios com areas vestibulares para a<br />

cabeça da cavilha, sugerindo que a cavilha atravessava a sobrequilha que ali<br />

devia ter estado.<br />

Na maioria das cavernas da face norte, são visíveis duas marcas verticais com a<br />

forma de uma linha, delimitando ambas as extremidades onde a sobrequilha<br />

assentava nas cavernas.<br />

46


Não existem marcas de escrita nas cavernas pré-designadas, ainda que<br />

segundo a literatura consultada este aspecto seja comum. Provavelmente, a<br />

razão que explica isso é que naquela área o balastro era muito compacto e<br />

colocado de forma apertada entre as cavernas, podendo a sua acção mecânica<br />

na madeira ter apagado as marcas.<br />

Também vale a pena notar que não encontrámos embornais abertos nas<br />

cavernas deste barco, para permitir a drenagem da água do porão.<br />

Todas as cavernas que sobreviveram tinham perdido a extremidade de<br />

bombordo (a leste da quilha), permanecendo apenas uma extensão de 0.50m<br />

na maioria delas, por isso desapareceu a junção a leste com as primeiras<br />

ligações. A oeste não foi possível observar os escarves de junção entre as<br />

cavernas e as primeiras ligações, nem as suas cavilhas ou pregos, porque estão<br />

todos localizados por debaixo do tabuado do fundo. Como os topos das<br />

primeiras ligações e as cavernas podiam ser vistos por debaixo do tabuado,<br />

foram feitas medições dos seus comprimentos e larguras.<br />

Ligações<br />

Nos restos da estrutura do casco foi possível identificar 60 primeiras ligações,<br />

sendo possível tirar medidas a 27 delas. Na secção mestra do barco, todos as<br />

primeiras ligações começam quase debaixo do tabuado do fundo, por isso foi<br />

possível tirar medidas de comprimento e largura, ainda que o sistema de junção<br />

não tenha sido observado. Todas as primeiras ligações estudadas estão<br />

associadas a segundas e terceiras ligações, de tal forma que o seu conjunto se<br />

adapta ao formato do barco. Tudo segue um padrão bastante regular, mais<br />

coerente nas suas funções estruturais do que nas suas medidas.<br />

Tudo foi construído numa madeira resistente que varia de altura e largura entre<br />

0.24m e 0.26m. O seu comprimento varia de acordo com a sua junção com as<br />

cavernas (que não têm todas as mesmas medidas) e a sua localização na<br />

estrutura; mas, em todos os casos, tende a acabar debaixo do dormente da<br />

primeira coberta ou no seu trincaniz (Quadro 4). Assim, em termos gerais,<br />

todas as primeiras ligações identificadas nascem debaixo do tabuado do forro<br />

(onde se juntam às cavernas) e acabam entre o dormente da primeira coberta<br />

e o trincaniz da coberta inferior (onde se juntam com as segundas e terceiras<br />

ligações), à excepção de Ft1-14, Ft1-20 e Ft1-22 que ultrapassam este nível e<br />

terminam na escoa contígua.<br />

Para reforçar o comentário acima: temos o exemplo das primeiras ligações<br />

compostas por mais de uma peça. São os casos de Ft1-2, Ft1-9, Ft1-11, Ft1-13,<br />

Ft1-14, Ft1-17, Ft1-36 e Ft1-37, costituídas por duas peças ligadas por meio de<br />

um plano inclinado, correspondendo evidentemente à necessidade de atingir o<br />

nível da coberta inferior sem ter tábuas desse comprimento à disposição. Talvez<br />

os melhores exemplos disto sejam Ft1-11 e Ft1-36, cujas segundas peças só<br />

têm respectivamente 0.80m e 0.70m, não fazendo sentido que essas peças não<br />

acabem num encaixe que permita juntar uma ligação à seguinte.<br />

Todos as primeiras ligações estão fixas nos dois lados (ré e proa) com peças de<br />

cada (segundas ligações) que ligam as primeiras às terceiras ligações. Para<br />

mais explicações, nós vamos pegar naquelas que estão ligadas à proa e<br />

47


eferirmo-nos a elas com o mesmo número das cavernas de eixo<br />

correspondente, e ao qual se submete o conjunto das cavernas.<br />

Ft1-9 e Ft2-10 ligam-se<br />

lateralmente a nível de<br />

um plano inclinado do<br />

último, por uma secção<br />

quadrada de aperto de<br />

ferro. Entre as ligações<br />

não foram observadas<br />

escarvas laterais. (Foto:<br />

Alejandro Mirabal)<br />

Nas cavernas de V-24 a V-31, não foi possível determinar o comprimento das<br />

primeiras ligações, porque estas se encontravam debaixo do tabuado em torno<br />

da carlinga e muito cimentados no extremo oeste.<br />

Marcas.<br />

Quando se procediam às medições das primeiras ligações, reparou-se num<br />

aspecto interessante. Três cavernas à proa da almogama de popa, as primeiras<br />

ligações estão consecutivamente numeradas com algarismos romanos,<br />

começando pelo “0” e acabando no “XV”, coincidindo este último com a caverna<br />

mestra. Todas as marcas estão na face superior da ligação, e a<br />

aproximadamente 0.50m da primeira escoa, precisamente debaixo da coberta<br />

inferior.<br />

Marcas nas primeiras ligações Ft1-26 e Ft1-25 mostrando respectivamente “XI” e “XII” em números<br />

romanos. No canto inferior direito da foto é visível a primeira escoa. (PFto: Alejandro Mirabal)<br />

48


Marcas nas primeiras ligações<br />

Braço<br />

Número<br />

romano<br />

Comentários<br />

Ft1-22 XV Muito apagada. Na madeira central da caverna mestra.<br />

Ft1-23 XIV Bem definida.<br />

Ft1-24 XIII Muito bem definida.<br />

Ft1-25 XII Muito bem definida.<br />

Ft1-26 XI Muito bem definida, parecendo dentro de um pentágono<br />

Ft1-27 X Bem definida, com a parte superior muito apagada.<br />

Ft1-28 IX Bem definida, aparentemente dentro de um pentágono.<br />

Ft1-29 - Não foram observadas.<br />

Ft1-30 - Não foram observadas.<br />

Ft1-31 VI Muito apagada.<br />

Ft1-32 V Muito apagada.<br />

Ft1-33 IV Muito apagada.<br />

Ft1-34 III Marcas profundas, mas muito irregulares.<br />

Ft1-35 II Bem definida.<br />

Ft1-36 I Bem definida.<br />

Ft1-37 0 Bem definida.<br />

Várias outras marcas são visíveis na superficie das madeiras, sem sentido<br />

aparente, mas o facto das duas anteriormente mencionadas coincidirem com os<br />

lugares certos levou-nos a pensar que terão sido intencionalmente feitas.<br />

O uso de ambos os sistemas numerais pode corresponder ao nível cultural do<br />

construtor naval responsável por marcar as madeiras pré-designadas que, no<br />

caso do nosso estudo, devia ser uma pessoa com conhecimentos acima da<br />

média de outros construtores desse tempo. A reforçar esta teoria, temos o uso<br />

correcto dos números romanos “IX” (para 9) e “IV” (para 4), em vez dos<br />

arcaicos “VIIII” e “IIII” encontrados nas cavernas C3 e C8 de outro barco<br />

português, presumivelmente construído no mesmo período do nosso caso.<br />

(Castro, F. 2003b. The Pepper Wreck, an early 17th-century <strong>Portuguese</strong><br />

Indiaman at the mouth of the Tagus River, Portugal. The International Journal<br />

of Nautical Archaeology, Vol. 32, 1, pp. 14.)<br />

Outra faceta interessante destas marcas é que elas estão viradas ao avesso e<br />

precisamente debaixo da coberta inferior quando o barco se encontra na sua<br />

posição vertical, por isso pensamos que foram feitas antes da montagem das<br />

peças na estrutura.<br />

Descrição da montagem das ligações da caverna # 1<br />

Entre as cavernas V-1 e V-2 aparece a primeira ligação Ft1-1, com 5.30m de<br />

comprimento; que termina depois de passar por debaixo do primeiro dormente<br />

(D1). A terceira ligação (Ft3-1), segue na mesma direcção com uma madeira<br />

mais espessa que a anterior, com a largura de 0.30m. Esta peça, com o<br />

comprimento de 3.95m, tem na sua extremidade um plano inclinado ligando, a<br />

partir de debaixo, com outra peça que não pudo ser medida. Aparentemente,<br />

ambas constituem a mesma peça e, se não, seria de unir com a quinta ligação<br />

(Ft5-1).<br />

A segunda ligação começa debaixo da primeira escoa, ligando-se lateralmente<br />

no seu lado da proa a Ft1-1 e Ft3-1. Tem um comprimento total de 4.84m e é<br />

constituída por duas peças juntas lateralmente; uma primeira de 4.35m de<br />

comprimento e uma segunda de 2.35m, tendo a última um encaixe lateral de<br />

2m de comprimento, agindo como prolongamento entre o lado à proa de Ft1-1<br />

e o lado à ré de Ft3-1 com o objectivo de alargar a estrutura em direcção à<br />

49


parte lateral superior do barco. Esta montagem de duas peças termina<br />

precisamente por baixo do trincaniz da segunda coberta.<br />

Ft4-1 vem a seguir a Ft2-1 (não medida porque está incompleta) e termina no<br />

limite oeste da estrutura sobrevivente. Existem madeiras de enchimento com a<br />

forma de cunhas, entre Ft1-1 e Ft2-1; e também, mais a oeste, entre Ft3-1 e o<br />

que pode ser Ft4-1. Os enchimentos entre a madeira, bem como o “braço” de<br />

enchimento da segunda peça Ft2-1, seguem o mesmo princípio, que é o de<br />

aumentar o tamanho da montagem em direcção à parte mais alta. Como<br />

confirmação disto, nós temos que a largura na ligação de V1 com Ft1-1 é de<br />

0.50m, que é a soma da largura das duas tábuas, sendo de 0.85m na ligação<br />

entre Ft3-1 e Ft4-1, incluindo uma peça de enchimento.<br />

Descrição da montagem das ligações na caverna # 2<br />

A primeira ligação (Ft1-2) desta caverna começa entre as cavernas V-2 e V-3. É<br />

composta por duas peças ligadas num plano inclinado de 5.40m de<br />

comprimento total, terminando quase a nível do primeiro trincaniz. Na mesma<br />

direcção, é seguido por Ft3-2, feito de uma madeira mais resistente e atingindo<br />

0.32m de largura e um comprimento de 3.75m, acabando no extremo ocidental<br />

da montagem, onde a terceira coberta terá ficado.<br />

Ft2-2 começa de V-2 (mas não está ligado a ele) e termina debaixo do segundo<br />

trincaniz; é composto por um grupo de três peças: a primeira actuando como<br />

um reforço do lado à proa de Ft1-2, com 2.80m de comprimento e ligada por<br />

um plano inclinado à próxima madeira, esta última com 4.70m de comprimento,<br />

ligada por meio de uma inclinação lateral, e a terceira peça, com 1.80m de<br />

comprimento e uma inclinação lateral como “braço” de enchimento, que<br />

termina debaixo do segundo trincaniz.<br />

Segundas ligações e cavernas de enchimento.<br />

Foi identificado um total de 59 segundas ligações no que restava da estrutura<br />

de IDM-003, e todas seguem o mesmo sistema de montagem acima descrito. A<br />

maioria delas serve para aumentar a altura em direcção à coberta de cima,<br />

juntando tábuas mais espessas (até 0.30m), antes da junção com as terceiras e<br />

quartas ligações.<br />

De qualquer forma, a contagem das ligações ou das madeiras de ligação, que<br />

correspondem às cavernas, torna-se difícil a nível da segunda coberta, uma vez<br />

que este é o nível onde as cavernas de enchimento começam a aparecer. Estas<br />

cavernas de enchimento aparecem geralmente entre as terceiras e quartas<br />

ligações da mesma caverna, mas também entre uma e outra, isto é, entre a<br />

terceira ligação de uma caverna e a quarta ligação da caverna seguinte.<br />

Acima da segunda coberta, o número de cavernas de enchimento começa a<br />

crescer, sendo maior nas secções à ré e à proa do barco, para ser mais preciso,<br />

à proa de V-2 e à ré de V-40. A secção mestra do barco só apresenta cavernas<br />

de enchimento a nível da caverna V-11 e V-21, o que reforça a teoria de que,<br />

pelo menos a nível da terceira coberta, as cavernas de enchimento foram<br />

usadas para conseguir a curvatura do barco à proa e à popa. A largura das<br />

cavernas a nível da terceira coberta varia de 0.15m (uma caverna de<br />

enchimento) a 0.35m (uma caverna reforçada ou bulárcama), sendo 0.22m a<br />

medida encontrada na maior parte das cavernas. A altura foi de 0.22m em<br />

todas as cavernas.<br />

Como exemplo deste aumento gradual de peças, podemos mencionar que o<br />

número de madeiras a nível da primeira coberta é de 119 e a nível da terceira<br />

(extremo da estrutura sobrevivente, a oeste) é de 136.<br />

50


Diagram showing the assemblage between floors and futtocks.<br />

Not to scale.<br />

(Drawing: Yuri Romero)<br />

51


Tabuado do Fundo<br />

A parte que ainda resta do tabuado do fundo parece ser toda a secção de<br />

estribordo, só com as duas extremidades (proa e ré) ligeiramente danificadas.<br />

Estende-se da almogama de proa à almogama da popa, com uma largura de<br />

2.84m a nível da caverna principal, medida do meio da sobrequilha ao extremo<br />

do tabuado. A assumpção de que esta parte do tabuado do fundo está<br />

completa baseia-se no facto das tábuas exteriores serem arredondadas nas<br />

extremidades a nível da curvatura do porão, o que tornaria muito difícil (se não<br />

impossível) ligá-las a outras tábuas. Além disso, estas tábuas externas têm 9<br />

orifícios rectangulares (0.1m x 0.2m) ao longo delas, aparentemente para<br />

suportar tabiques a distâncias bastante regulares uns dos outros (entre 1.8m e<br />

2m).<br />

O tabuado é constituído por 65 tábuas em fiada, com uma largura que varia de<br />

0.15m a 0.3m, sendo 0.2m a medida mais comum; e uma espessura de 0.1m.<br />

Estas tábuas estão fixadas ao chão e às primeiras ligações por meio de pregos<br />

quadrados de ferro de 0.02m e orifícios de cavilha circulares de 0.06m. A<br />

fixação das tábuas longitudinais contínuas é feita através de escarvas inclinadas<br />

que se sobrepõem umas às outras.<br />

Identificação tentativa.<br />

A evidência recolhida durante as escavações e a pesquisa de arquivo sugere<br />

que o IDM-003 era um navio português da Carreira das Índias, do começo do<br />

século XVII, tendo sido provisoriamente identificado como o “Nossa Senhora da<br />

Consolação”, afundado neste lugar no dia 26 de Julho de 1608, quando<br />

apreendido pelos holandeses durante a viagem de Goa para Lisboa e paragem<br />

para reabastecimento na Ilha de Mozambique.<br />

Como o “Nossa Senhora da Consolação” foi perdido ao mesmo tempo que outro<br />

barco que, apesar de não ter nome nos arquivos, é referido como sendo um<br />

galeão do trato, isto coloca a possibilidade do IDM-003 poder ser um dos dois.<br />

Num dos documentos por nós pesquisados lê-se o seguinte:<br />

Aquando da chegada dos holandeses a Moçambique, estavam no porto a nau<br />

Nossa Senhora da Consolação, que ali invernara, e um galeão do trato que fazia<br />

o comércio entre Goa e Moçambique. Os navios encalharam no lado da<br />

Cabeceira após uma tentativa falhada dos holandeses de os rebocar, tendo de<br />

noite sido incendiados pelos portugueses.<br />

Nós consideramos que o estudo da construção naval do IDM-003, ainda em<br />

curso, ajudará a responder a esta questão, uma vez que eram embarcações de<br />

dois tipos diferentes, construídas com diferentes objectivos.<br />

52


IDM-010 Ilha de Moçambique, 45 dias entre 01/04/06 e 02/11/06<br />

Descrição do site e opiniões.<br />

A nossa equipa conhece este naufrágio desde 18 de Julho de 2002, altura em<br />

que pescadores locais e colaboradores nos mostraram a sua localização. Mas foi<br />

só em Março de 2006, quando notámos uma crescente actividade dos<br />

pescadores, pilhando o naufrágio numa base bastante regular, que se tomou a<br />

decisão de escavar, recuperar e, por conseguinte, proteger o seu conteúdo. Foi<br />

com preocupação que observámos garrafas cerâmicas de gin e garrafas de<br />

vidro para vinho, de óbvia origem marítima, a serem vendidas aos turistas na<br />

ilha, em grandes quantidades, e quando confirmámos que esses artefactos<br />

estavam a ser removidos do site do naufráfio mencionado, não houve outro<br />

remédio senão organizar uma operação de “arqueología de salvamento”.<br />

Ainda que os destroços do naufrágio não fossem de grande importância<br />

arqueológica devido à data preliminarmente atribuída através da pesquisa<br />

(meados do século XIX), durante a recuperação dos artefactos foram<br />

adoptados todos os procedimentos arqueológicos.<br />

O site localiza-se a aproximadamente 500m da praia do Forte de São Sebastião,<br />

a uma profundidade de 9 a 12m, dependendo da maré, num fundo plano e<br />

arenoso. Os aspectos mais relevantes relacionados com este site são duas<br />

caixas de aço (muito provavelmente tanques de água do barco), que estavam<br />

meio expostas na superfície de sedimentos, e uma grande dispersão de carvão.<br />

Quando procedemos â primeira pesquisa e avaliação, tudo o resto que estava<br />

exposto no fundo do mar já tinha sido removido.<br />

Durante as primeiras tentativas foi descoberto que ainda existia um número<br />

razoável de artefactos enterrados nos primeiros 0.3m de sedimento, bem como<br />

que tinha sobrevivido parte da madeira do casco, em frágeis condições, e<br />

pedaços com revestimento de cobre. Depois de termos aproximadamente<br />

delimitado o campo de destroços do site, duas linhas de referência foram<br />

montadas: uma colocada norte-sul e a outra leste-oeste, com o centro do eixo<br />

coordenador naquilo que nos pareceu ser o centro do campo de destroços.<br />

A escavação começou no sector sudoeste do centro até uma profundidade de<br />

mais de 1m, onde se atingiu o fundo do casco. A esse nível, abrimos uma<br />

frente de escavação e continuámos a movimentação em direcção sul.<br />

53


Esboço do site do naufrágio IDM-010 na Ilha de Moçambique.<br />

O esboço em cima mostra a área escavada em relação às linhas de referência e aos objectos do site<br />

mais visíveis. Aqui também foi traçada a exacta localização de cada artefacto.<br />

54


Escavação<br />

A escavação foi feita com o uso de uma draga de água para remover<br />

cuidadosamente o sedimento e atingir a camada com artefactos. Quando era<br />

encontrado um artefacto ou um grupo de artefactos, a sua posição era anotada<br />

em relação à linha de referência mais chegada. Dado o grande número de<br />

artefacos descobertos e o tamanho relativamente grande da maior parte deles<br />

(garrafas na maioria), foram preparados quatro contentores de plástico com<br />

cordas grossas e tecidos macios dentro para guardar os artefactos durante os<br />

mergulhos e evitar que tocassem uns nos outros. Quando um contentor estava<br />

carregado, era elevado até à superfície com a ajuda de um saco elevador de<br />

50kg, operado por um mergulhador que assegurava uma subida controlada.<br />

Esquerda: Mergulhador instalando as linhas de referência, marcadas de metro a metro para<br />

permitir uma localização mais fácil e precisa dos artefactos. Direita: Mergulhador com uma<br />

caixa de plástico, retirando artefactos da área de escavações a fim de serem içados.<br />

Ao escavar para sul a partir do centro do eixo de coordenação, observámos um<br />

grande número de fragmentos de cerâmica das garrafas de gin e algumas<br />

intactas espalhadas entre o sedimento. Quando escavámos o sedimento para<br />

além dos 0.5m, começaram a aparecer os primeiros sinais de organização,<br />

tendo até sido encontradas duas caixas de madeira quase completas com as<br />

garrafas de gin ainda arrumadas dentro. As caixas de madeiras eram feitas de<br />

uma madeira muito leve e fina, e a sua condição extremamente frágil, o que<br />

tornou impossível o primeiro plano que era içar a grade completa com o seu<br />

conteúdo.<br />

55


Cada grade de madeira completa continha 18 garrafas de cerâmica contendo<br />

gin, arrumadas em três fileiras de 6 garrafas, separadas por finas pranchas de<br />

madeira para evitar o contacto entre as garrafas. A maior parte das garrafas<br />

ainda tinha o seu selo de chumbo por cima da rolha in-situ.<br />

Duas imagens de uma grade de madeira completa in situ. De notar as finas pranchas de<br />

madeira entre as garrafas.<br />

No lado de fora de uma das grades ainda era visível o selo da fábrica dizendo:<br />

“A . HOUTMAN & C o .” “SCHIEDAM.”, também marcado em cada uma das<br />

garrafas que estavam dentro. Infelizmente, o estado da madeira era tão fraco<br />

que foi impossível recuperá-la e conservá-la.<br />

Mergulhador segurando a degradada prancha de madeira com o selo da fábrica de<br />

uma das grades contendo as garrafas de cerâmica.<br />

56


Também foram encontrados vários restos de grades de madeira, a uma<br />

profundidade superior a 0.5m, mas desta vez contendo garrafas de vidro, muito<br />

provavelmente de vinho. Ainda que nenhuma dessas grades estivesse tão<br />

completa como as que continham as garrafas de cerâmica, num dos casos foi<br />

possível contar o número original de garrafas guardadas lá dentro, que era de<br />

16, em filas de 4 por 4, e todas arrumadas com o bocal para cima.<br />

Restos de grades de garrafas de vinho de tipos diferentes. É de notar que algumas<br />

das garrafas ainda conservam o seu conteúdo.<br />

Continuando a escavação do sector sueste da área demarcada, encontrámos<br />

um instrumento de navegação muito interessante, aparentemente em boas<br />

condições. Curiosamente, este instrumento (um oitante) estava misturado com<br />

outros objectos da carga, em vez de estar perto de outros instrumentos de<br />

navegação, como seria de esperar.<br />

Dois momentos da escavação do oitante (Art. 20000). Na foto da direita, é visível<br />

uma garrafa de cerâmica parcialmente ainda dentro da sua grade.<br />

Ainda no sector sueste, a 4m para sul e 2m para este, imediatamente depois do<br />

fim da estrutura de madeira do barco, localizámos vários items pertencendo à<br />

farmácia de bordo: pequenas garrafas de vidro, um recepiente de medir, uma<br />

balança de mola, tudo numa pequena área de 2m 2 mas tudo muito enterrado<br />

no sedimento, por não existir debaixo nenhuma parte estrutural do barco para<br />

o impedir.<br />

57


Estes objectos não estavam relacionados com items da carga e,<br />

aparentemente, estavam originalmente localizados num nível alto do navio,<br />

devido à sua deslocação para o lado, e porque estavam associados a pequenos<br />

e leves pedaços de madeira, sem qualquer relevância.<br />

Frasco de uso medicinal (Art. 20158) e tampa de vidro (Art.20157) sendo<br />

recuperados.<br />

A 7m sul e 4m oeste, quando investigávamos uma área com uma forte leitura<br />

magnética, localizámos o leme do barco e três das suas abraçadeiras. O leme<br />

ainda estava completamente revestido de cobre, ligado a ele por rebites, tendo<br />

ainda os machos do leme no lugar. Escavações em torno do leme não<br />

revelaram nenhuma outra parte estrutural, por isso pensamos que esta peça foi<br />

deslocada quando o casco bateu no fundo.<br />

Medidas gerais do leme (ainda in-situ)<br />

58


Medidas gerais das abraçadeiras 1 e 3 (Art. 20384 and 20385), esquerda; e<br />

abraçadeira 2 (Art. 20386), direita.<br />

O sector noroeste da área demarcada foi parcialmente escavado, com poucos<br />

artefactos encontrados. Esta área está densamente coberta de carvão e parece<br />

ser o reservatório onde o carvão era guardado, pois durante a escavação<br />

observámos, em certos pontos, que o carvão estava em contacto directo com<br />

as tábuas de madeira do fundo.<br />

Os artefactos. (Lista completa em anexo)<br />

Até ao momento os artefactos encontrados no site deste naufrágio<br />

correspondem às categories de armamento, carga, instrumentos profissionais,<br />

objectos domésticos e objectos pessoais.<br />

Armamento<br />

Foram descobertos três artefactos desta categoria. O punho de uma espada,<br />

parte da bainha de uma espada e parte da fivela de um cinto, todos feitos de<br />

uma liga de cobre. O punho e a fivela mostram o emblema da Marinha Real<br />

Britânica e, curiousamente, o punho da espada é exactamente igual ao que foi<br />

encontrado pela Arqueonautas no naufrágio do Lady Burgess, 1805, nas águas<br />

de Cabo Verde.<br />

Punho de espada (Art. 20161) como encontrado in situ e depois da restauração.<br />

59


Carga<br />

Fivela de cinto (Art. 20178) e parte de uma bainha (Art. 20197), ambas<br />

reproduzindo o emblema da Marinha Real.<br />

Foi encontrado um total de 460 artefactos pertencendo a esta categoria, todos<br />

eles garrafas. Dentro destes artefactos existem três grupos diferentes,<br />

constituídos por garrafas de vidro para vinho (227), garrafas de cerâmica (224)<br />

e garrafas de gin de “caixa” (9). Dada a grande semelhança entre a maior parte<br />

dos exemplares dentro de cada grupo, em baixo só vamos tratar de um<br />

exemplar representativo de cada grupo e aqueles que tiverem diferenças<br />

significativas.<br />

Garrafas de vidro para vinho<br />

Dentro deste grupo são reconhecíveis 3 tipos diferentes de garrafas de vinho:<br />

as regulares, em parte usadas até hoje (Tipo A), estreitas e longas (Tipo B) e<br />

as mais largas (Tipo C), como as usadas para champagne e vinhos<br />

espumantes.<br />

As garrafas Tipo A, como se confirma pelo selo encontrado em alguns lacres<br />

de chumbo que ainda se encontravam no seu lugar por cima das rolhas, eram<br />

de “Vinho do Porto”, um vinho famoso de Portugal, produzido no norte do país.<br />

Garrafas de vinho. Tipo A (Art. 20047) e selo, Tipo B (Art. 20044) e Tipo C (Art. 20105)<br />

60


Garrafas de cerâmica<br />

Este grupo é quase homogéneo em termos de forma e tamanho, diferindo<br />

apenas na cor e na textura da pasta, bem como nas inscrições feitas nos seus<br />

corpos, identificando o produtor ou proprietário. Apresentamos em baixo a lista<br />

com as diferentes marcas existentes nas garrafas de cerâmica.<br />

Garrafa de cerâmica (Art. 20347) e selo onde se lê<br />

“A . HOUTMAN & C o .”<br />

Garrafa de cerâmica (Art. 20256) e selo onde se lê<br />

“ ALD RUEDS’ JANSEN. ROTTERDAM”<br />

61


Garrafa de cerâmica (Art. 20321) e selo onde se lê<br />

“ WYNAND FOCKINK. AMSTERDAM”<br />

Garrafa de cerâmica (Art. 20342) e selo onde se lê<br />

“ KAN”<br />

Garrafa de cerâmica (Art. 20018) e selo onde se lê<br />

“ A.H.D. VANMEERTEN & SONS”<br />

62


Garrafa de cerâmica (Art. 20084) e selo onde se lê<br />

“ ROISDORF bei OOEIN.” “ RHEIN = PREUSSEN.”<br />

Garrafa de cerâmica (Art. 20267) e selo onde se lê<br />

“ EMSER KRAENCHES WASSER.”<br />

Garrafa de cerâmica (Art. 20320) e selo onde se lê<br />

“ SELTERS.” “ K. PR. RHEINPROVINCE”<br />

63


Garrafa de cerâmica (Art. 20478) e selo onde se lê<br />

“ I.E. von THENEN“. “COLN“<br />

Garrafa de cerâmica (Art. 20578) e selo onde se lê<br />

“ HERZOGTHUM NASSAU“<br />

64


Garrafas de gin de “caixa”<br />

Este grupo de apenas 9 garrafas é completamente homogéneo em tamanho,<br />

forma e inscrições. O pequeno número destas garrafas encontradas entre os<br />

destroços explica-se principalmente devido à sua leve composição e não à<br />

quantidade originalmente transportada no barco, uma vez que durante as<br />

escavações foram notados muitos fragmentos desta espécie de artefacto entre<br />

outros objectos da carga.<br />

Garrafa de gin de “caixa” (Art. 20556) e selo dizendo<br />

“I . A . I . NOLET . SCHIEDAM.”<br />

Instrumentos Profissionais<br />

Nesta categoria foram encontrados objectos pertencendo aos grupos<br />

navegação e médico, estando o último grupo concentrado numa pequena área<br />

do site.<br />

Navegação<br />

Deste grupo foi encontrado apenas um artefacto, um oitante de Três Espelhos,<br />

relativamente em bom estado. Um oitante é um instrumento portátil que usa<br />

um pequeno espelho para juntar duas imagens – por exemplo, a do sol e a do<br />

horizonte – para determinar a latitude no mar através da observação da<br />

altitude dos corpos celestiais. Tem um ângulo de 45 o ou mais, que mede<br />

ângulos de 90 o ou mais. John Hadley descreveu um instrumento deste tipo na<br />

Royal Society de Londres, em 1731, obtendo a patente britânica em 1734, por<br />

isso, os oitantes são às vezes conhecidos por quadrantes de Hadley. Eles ainda<br />

estavam em uso no começo do século vinte.<br />

65


O nosso artefacto, tal como os feitos depois de 1800, tem armações de ébano e<br />

indicadores de bronze, mas falta-lhe a escala de Vernier. Infelizmente, neste<br />

precioso instrumento não sobreviveram marcas que nos ajudem a identificar o<br />

fabricante ou o proprietário. De qualquer modo, quando se compara este<br />

instrumento com outros de proveniência conhecida, ele tem grande semelhança<br />

com aqueles que foram feitos por fabricantes ingleses e americanos na primeira<br />

metade do século XIX.<br />

O oitante (Art. 20000) e detalhe de três<br />

filtros solares.<br />

Medicinal<br />

Esta categoria está representada por um grupo de 29 artefactos, na sua maioria<br />

garrafas de utilização médica e pequenos frascos. É espantoso notar como o<br />

vidro polido das tampas reteve o líquido dentro dos frascos, depois de tantos<br />

anos de imersão.<br />

Vários frascos de uso médico (Art. 20222, 20224 e 20225) com o seu conteúdo original.<br />

66


Um dos frascos de uso médico encontrado tinha marcado no vidro a palavra<br />

“OPODELDOCH”, mas foi encontrado aberto, sem qualquer conteúdo.<br />

Bibliograficamente, o Opodeldoch é descrito como uma solução alcoólica de<br />

sabão (ou ácido oleico) e cânfora, com alguns óleos essenciais adicionados;<br />

linimento de sabão; (também) uma preparação feita a partir dele, misturando-o<br />

com láudano. O opodeldoc apareceu na Edinburgh Pharmacopœia de 1722<br />

(Pharmacopœia Coll. Reg. Medicorum Edinburgensis 134) como Unguentum<br />

opodeldoch; na ed. 1744 (Pharmacopoeia Coll. Reg. Medicorum Edinburgensis<br />

121), é chamado ‘Balsamum Saponaceum, vulgò Oppodeltoch’, e, em 1745, a<br />

London Pharmacopoeia (Plan New London Pharmacopœia 113) registou-o com<br />

o nome Linimentum Saponaceum (cf. quot. 1996).<br />

Contudo, aparentemente a maneira de escrever a tal palavra no nosso artefacto<br />

pertence aos franceses, de acordo com o que vem citado na seguinte<br />

passagem: Cf. French opodeldoch (dated 16th cent. in Robert Dict.<br />

Alphabétique et Analogique (1986); also as opodeltoch (1758)).<br />

Apesar dos vários nomes atribuídos a este linimento, parece que o seu uso<br />

típico foi aquele que a sra Beaton recomendou no seu Book of Household<br />

Management of 1861 para tratamento de uma luxação: “A articulação tem de<br />

ser esfregada duas vezes por dia com flanela mergulhada em opodeldoc,<br />

colocando uma ligadura de flanela bem enrolada em torno da articulação,<br />

sendo a pressão maior na parte inferior, e o paciente autorizado a andar com a<br />

ajuda de uma bengala ou de um pau.”<br />

A garrafa de Opodeldoch (Art. 20185).<br />

Outra descoberta de interesse foi uma medida de farmácia que tem inscritas as<br />

palavras “META ONÇA”, tal como se dizem em português quando a maior parte<br />

dos artefactos são de origem inglesa.<br />

Medida de farmácia (Art.<br />

20200).<br />

67


Artigos de uso doméstico<br />

Esta categoria está representada por vários items da vida diária a bordo, como<br />

pratos, jarros, talheres, etc. Os pratos, jarros e travessas são de um tipo de<br />

cerâmica vidrada creme e branca muito comum, produzida em grandes<br />

quantidades na Inglaterra, entre meados do século XVIII e meados do século<br />

XIX. Em particular os artefactos 20172, 20173, 20279 e 20294 apresentam um<br />

rebordo ornamentado com um desenho conhecido por “feather edged” (ponta<br />

de pena), que no caso da porcelana creme tem uma data aproximada que pode<br />

ser de entre 1762 e 1810. Este tipo de cerâmica foi produzido em grande escala<br />

em Wedgwood, na Grã-Bretanha.<br />

Dois exemplos de pratos “feather edged” (ponta de pena) (Art. 20279 e 20294).<br />

Existem também items de diferente fabrico, como jarros de cerâmica vulgar,<br />

pratos de cerâmica vidrada (alguns pintados, alguns de cor natural) e taças<br />

pintadas. Os poucos talheres encontrados eram maioritariamente colheres de<br />

estanho e de cobre, e um garfo de cobre, a maioria deles em condições<br />

razoáveis. A informação mais interessante conseguida através desses objectos<br />

estava numa colher de estanho (Art. 20592) que tinha gravada na parte de trás<br />

do cabo a palavra “BRITANNIA”, sendo provavelmente este o nome do navio.<br />

Colher de estanho (Art. 20592) mostrando “BRITANNIA”, como encontrada in situ.<br />

68


Objectos de Uso Pessoal<br />

Os artefactos incluídos nesta categoria foram alguns botões, uma escova de<br />

dentes, uma fivela e um relógio de bolso. Depois do trabalho de restauração do<br />

relógio de bolso, foi obtida alguma informação de interesse nesse artefacto.<br />

Está assinado por “Robert Roskell”, que foi um famoso relojoeiro de Liverpool e<br />

Londres, no começo do século XIX. A firma Robert Roskell & Son estabeleceuse<br />

em Liverpool em 1800, estando activa até cerca de 1870. Eles fizeram<br />

reguladores, semi-reguladores, braceletes, cronómetros e relógios de bolso.<br />

A placa detrás do relógio tem gravadas as palavras “Meio Chronometro”, o que<br />

é de certa forma confuso porque o fabricante é inglês, a palavra “meio” é<br />

portuguesa e a palavra “chronometro” não pertence a nenhuma das duas,<br />

parecendo mais uma mistura do português “cronômetro” e do inglês<br />

“chronometer”.<br />

Relógio de bolso (Art. 20232) com uma<br />

gravação atrás, o número de série 31815 no<br />

interior e um detalhe da assinatura de Robert<br />

Roskell.<br />

O número de série indica que foi feito antes de 1850. No número de série<br />

fraccional, o primeiro número é o do cronómetro, enquanto o segundo é o de<br />

todos os instrumentos Roskell. No nosso artefacto, só está presente a segunda<br />

parte do número de série, por isso a data é estimativa.<br />

69


Identificação tentativa.<br />

O naufrágio IDM-010 apresenta um interessante conjunto de artefactos de<br />

diferentes proveniências. Ainda que as datas identificáveis na maior parte dos<br />

artefactos seja coerente, o facto de terem sido encontrados objectos de pelo<br />

menos quatro países torna difícil compreender qual é a nacionalidade do navio.<br />

Datando este naufrágio.<br />

O revestimento de cobre no casco e no leme, o tipo de garrafas de vidro para<br />

vinho e as embalagens de garrafas de gin, a grande quantidade de carvão, os<br />

componentes de cobre, tudo isto aponta para um navio do século XIX.<br />

As características dos objectos de cerâmica encontrados a bordo (cerâmica<br />

creme e branca) possibilitam-nos datar de forma mais precisa, entre 1762 e<br />

1810.<br />

Se atendermos ao seu número de série, o “Meio Chronometro” de Robert<br />

Roskell aparenta ter sido feito antes de 1810.<br />

Por isso, uma probabilidade será pensar que este navio afundou entre 1810 e<br />

1860, especialmente nas décadas 1840-1850.<br />

Nacionalidade.<br />

Armamento, objectos de uso doméstico, instrumentos de navegação e objectos<br />

pessoais são na maioria de origem britânica.<br />

A carga de garrafas é composta por gin holandês, vinho português e garrafas<br />

de cerâmica da Holanda, província do Rio Reno e Colónia, na Alemanha.<br />

Parte dos objectos de farmácia sugerem uma origem portuguesa ou, pelo<br />

menos, um fabrico portugês, mas eles poderiam ter sido comprados na própria<br />

Ilha de Moçambique.<br />

No fundo, estamos inclinados em acreditar que este barco era provavelmente<br />

um navio mercantil inglês de meados do século XIX.<br />

Na nossa pesquisa dos arquivos históricos não encontrámos qualquer<br />

documento correspondente a tal navio, mas foi pedida uma nova pesquisa de<br />

arquivo de forma a conseguir mais elementos para identificar o IDM-010.<br />

70


Conservação.<br />

Todos os artefactos recuperados foram restaurados e guardados no Centro de<br />

Conservação Marítima (CCM), inaugurado em Abril deste ano para essa<br />

finalidade.<br />

Os trabalhos de conservação permitiram recuperar um total de 752 artefactos,<br />

constantes na lista em baixo, de acordo com o seu material:<br />

Material Quantidade de Artefactos Total de Items<br />

Cerâmicas 265 267<br />

Vidro 271 271<br />

Objectos de cobre 49 68<br />

Chumbo e estanho 127 156<br />

Madeira 3 3<br />

Marfim e osso 5 53<br />

Pedra 1 1<br />

Prata 28 16148<br />

Ferro 1 0<br />

Canhões de bronze 2 2<br />

Total 752 16.969<br />

O total de artefactos individuais registados foi de 16.969, uma vez que ao<br />

número de muitos artefactos associámos vários objectos, fundamentalmente no<br />

caso dos agrupamentos de moedas de prata e lingotes de chumbo.<br />

Na execução dos trabalhos de conservação, foram aplicados os seguintes<br />

tratamentos apropriados:<br />

Cerâmicas:<br />

De-concreção com ácido hidroclórico e instrumentos manuais.<br />

De-salinização com água<br />

Secagem ao ar<br />

Aplicação de PVA para selar e fortificar<br />

Restauração com gesso-de-paris.<br />

Vidro:<br />

Eliminação das concreções com ácido hidroclórico.<br />

Remoção de manchas com água oxigenada.<br />

Enxaguadura intensa.<br />

Secagem ao ar<br />

Selagem com PVA<br />

Objectos de cobre:<br />

Eliminação de concreções e corrosão com uma solução de ácido citríco e tioreia.<br />

Neutralização com sexquicarbonato de sódio<br />

Secagem ao ar<br />

Selagem com cera micro-cristalina.<br />

71


Chumbo e estanho:<br />

Tratamento com ácido hidroclórico.<br />

Enxaguadura intensa.<br />

Secagem ao ar<br />

Selagem com cera micro-cristalina.<br />

Marfim e osso:<br />

Eliminação de concreções com instrumentos manuais e aplicações pontuais de<br />

ácido hidroclórico<br />

Consolidação com PVA<br />

Secagem ao ar<br />

Selagem com cera microcristalina.<br />

Pedra:<br />

Eliminação de concreções com aplicações pontuais de ácido hidroclórico<br />

Lavagem intensa.<br />

Secagem com álcool.<br />

Prata:<br />

De-concreção com ácido hidroclórico.<br />

Eliminação da corrosão com amónia<br />

Neutralização com hidro-carbonato<br />

Bronze:<br />

Eliminação de concreções e corrosão com uma solução de ácido citríco e tioreia.<br />

Neutralização com sexquicarbonato de sódio<br />

Secagem ao ar<br />

Selagem com cera microcristalina.<br />

Neste momento todos os artefactos estão estáveis e armazenados na Ilha de<br />

Moçambique para posterior estudo e classificação.<br />

Durante esta temporada, o CCM também serviu como centro de formação para<br />

estudantes e população em geral da Ilha de Moçambique. Foram organizadas<br />

visitas de estudo regulares, permitindo que os estudantes das escolas primária<br />

e secundária comprendessem melhor o que é a herança cultural subaquática do<br />

país e as maneiras de a proteger e conservar.<br />

Também foi estabelecido um programa de treino para possibilitar a formação<br />

de estudantes de um nível superior na aprendizagem de técnicas e<br />

procedimentos para artefactos arqueológicos de origem marítima.<br />

O CCM, em coordenação com o Museu da Ilha de Moçambique, também deu<br />

apoio às visitas guiadas dos visitantes do museu às suas instalações.<br />

72


Equipamento<br />

Nesta fase das escavações foram usados os seguintes equipamentos e<br />

periféricos:<br />

! Barco Zanj para pesquisa e recuperação (20m de comprimento,<br />

acomodando 14 pessoas).<br />

! Semi-rígido Humber (5.5 m de comprimento).<br />

! Zodiac Mark VI (6 m de comprimento).<br />

! 2 x motores fora de borda Honda 20 HP de quarto tempos.<br />

! 1 x motor fora de borda Mercury 25 HP.<br />

! 1 x motor fora de borda Yamaha 30 HP.<br />

! 2 x GPS GARMIN map 168 (com sonda-eco) e interface NMEA.<br />

! 2 x GPS GARMIN 128 com interface NMEA.<br />

! GPS Eagle View com interface NMEA.<br />

! Um GPS portátil Magellan 3000.<br />

! Uma sonda-eco MAP2000/SAM MODULE.<br />

! Uma sonda-eco GARMIN 160.<br />

! 2 x detectores de metal ELSEC 2000.<br />

! Um detector de metal Aquascan AQUAPULSE.<br />

! U/W Câmera digital fotográfica com caixa estanque, marca Ricoh.<br />

! U/W Camara digital video marca Sony com caixa estanque.<br />

! U/W Câmara digital video marca Panasonic com caixa estanque.<br />

! Câmera digital de superfície Ricoh Caplio 3,2 Megapixel.<br />

! 2 x pranchas de reboque para observação visual.<br />

! 16 x fatos de mergulho completos.<br />

! 2 x fatos de mergulho completos de reserva.<br />

! 15 x 16 Lts garrafas de mergulho em aço.<br />

! 10 x 15 Lts garrafas de mergulho em aço.<br />

! 1 x 12 Lts garrafa de mergulho de alumínio.<br />

! Compressor de mergulho BAUER (motor eléctrico).<br />

! Compressor de mergulho EXPLORER (motor a diesel).<br />

! U/W Moto submersível Apollo.<br />

! U/W Moto submersível Submerge.<br />

! 1 x Sistema de drenagem e bombagem Grundfos Submersible.<br />

! 2 x Bombas de água Honda, 4,5 bar, 1400 Lts/min.<br />

! Laptop Compaq Presario, Pentium IV.<br />

! Laptop Toshiba Satellite, Pentium IV.<br />

! Laptop Acer Travel Mate, Pentium IV.<br />

! Laptop Gericom, Pentium IV.<br />

! Desktop Acer + scanner HP.<br />

! Sistema de navegação CMAPecs.<br />

! AxLogger editor software.<br />

! AQLogedit software.<br />

! Surfer 8 software.<br />

! Corel Draw 10 software.<br />

! Adobe Photoshop 7.0 software.<br />

! Microsoft Office suite 2004 software.<br />

! Telefone satélite Iridium para transferência de dados.<br />

73


Pessoal<br />

Para estas operações de escavação foi mobilizada a seguinte equipa:<br />

Equipa.<br />

! Alejandro Mirabal (Arqueólogo/Responsável pelas OPS/Mergulhador)<br />

! Faure Cambiella (Operador de Magnetómetro/Coordenador/Mergulhador)<br />

! Alina Reyes (Registo Arqueológico/Administração)<br />

! Sara Guerreiro (Representante da AWW/Administração)<br />

! Manuel Navarro (Supervisor de Mergulho)<br />

! Ramiro Pereira (Mergulhador)<br />

! Yuri Romero (Arqueólogo/Mergulhador)<br />

! Danijar Morandin (Mergulhador)<br />

! Boris Basnuevo (Mergulhador)<br />

! Alessandro Lopez (Arqueólogo/Mergulhador)<br />

! Carlos Bosch (Registo Arqueólogo/Mergulhador)<br />

! Alejandro Raul Mirabal (Desenhista/Mergulhador)<br />

! Manuel Almeida (Conservador Sénior)<br />

! Philip Till Zimmermann (Supervisor de Mergulho)<br />

! Grant Ruffel (Skipper do Zanj/Mergulhador)<br />

! Gastón Bernal (Engenheiro do Zanj/Mergulhador)<br />

! Otomane Valhale (Marinheiro/Mergulhador)<br />

! Salimo Djuma (Assistente de Conservação)<br />

! Wassia Sualehe (Assistente de Conservação)<br />

! Zuleida Russo (Representante da PI)<br />

! Zinha Selemane (Cozinheira/Empregada Doméstica)<br />

! Carlitos Almeida (Cozinheiro)<br />

! Mohanza Abdala (Guarda)<br />

! Anifa Joao (Cozinheira)<br />

! Mustafa (Guarda)<br />

! Machaka (Guarda)<br />

! Amade Mustafa (Fiscal da Guarda Costeira)<br />

! Mario Lima (Fiscal da Guarda Costeira)<br />

! Maricano Denis (Fiscal da Guarda Costeira)<br />

! Agostinho Assuate (Fiscal do Ministério da Cultura)<br />

! Saide Gelane (Fiscal do Ministério da Cultura)<br />

Com o permanente backup e a ajuda temporária no terreno de:<br />

! Nikolaus Graf Sandizell (CEO AWW/Mergulhador)<br />

! Stefan Schins (Director de Vendas)<br />

! Jens Neiser (Consultor Económico da AWW/Sócio da AWW/Mergulhador)<br />

74


Bibliografia e fontes.<br />

• Ball, Alexander. Carta dirigida ao Presidente da Batavia (20 de<br />

Outubro, 1622), pags. 132-210.<br />

• Biblioteca Nacional de Lisboa; Fundo Geral 1871.<br />

• Biblioteca Nacional de Lisboa; Reservados; Caixa 26, nº 153.<br />

• Díaz Gamez, Alfredo. (1998) Naufragio en Inés de Soto: Un hallazgo<br />

de cuatro siglos. Carisub, S.A., Corporación CIMEX, S.A., Cidade de<br />

Havana, Cuba.<br />

• Castro, F. 2003, The Pepper Wreck, an early 17th-century <strong>Portuguese</strong><br />

Indiaman at the mouth of the Tagus River, Portugal, IJNA 32.1: 6–23.<br />

• Domínguez, L. Cerámicas Históricas. Puerto Rico, Instituto de Cultura<br />

Puertoriquenha, 1977.<br />

• Escalante de Mendoza, Juan De. Itinerario de navegación de los<br />

mares y tierras occidentales. 1575. Madrid, Museu Naval, 1985.<br />

• FERNANDEZ, M. (1616/1989) - Livro de Traças de Carpintaria.<br />

Facsimile do manuscrito.<br />

• García de Palacio, Diego. Instrucción Náutica para Navegar. 1587.<br />

Madrid, Colección de Incunables Americanos, Siglo XVI, Talleres Graficas<br />

Ultra, S.A., 1944<br />

• Goggin, J.M. Spanish Majolica in the New World. New Haven, Yale<br />

University Press. No. 72, 1968.<br />

• Hurst, John G. (1995) Post-Medieval Pottery from Seville Imported into<br />

North-West Europe. In Trade and Discovery: The Scientific Study of<br />

Artefacts from Post-Medieval Europe and Beyond, British Museum<br />

Occasional Paper 109, editado por Duncan R. Hook e David R.M.<br />

Gaimster, pp.45-54. Museu Britânico, Londres<br />

• LAVANHA, J. B. (1608-1616/1996) - Livro Primeiro de Architectura<br />

Naval. Facsimile, transcrição e tradução para inglês do manuscrito da<br />

Real Academia de la Historia de Madrid.<br />

• Lopez-Martin, Javier. (2004), London Metropolitan University (UK),<br />

comunicação pessoal.<br />

• Marken, Mitchell W. (1994) Pottery from Spanish Shipwrecks.<br />

University Press of Florida, Gainesville<br />

• Mirabal, Alejandro. (1998) Naufragio en Inés de Soto: Un hallazgo de<br />

cuatro siglos. Carisub, S.A., Corporación CIMEX, S.A., Cidade de Havana,<br />

Cuba, pp. 69-86<br />

• Nesmith, Robert I. (1955) The coinage of the first mint of the<br />

Americas at Mexico City 1536-1572. New York. Sociedade Americana de<br />

Numismática.<br />

• Pearson, Colin. Conservation of Marine Archaeology Objects. London,<br />

Buttenworth and Co, 1982.<br />

• Pinto de Matos, Maria Antonia. (2006) Especialista em cerâmica,<br />

comunicação pessoal.<br />

• Proctor, Jorge A. (2006), Especialista em numismática, Laguna Hills,<br />

Califórnia (USA), comunicação pessoal.<br />

75


Agradecimentos<br />

Gostaria de agradecer a ajuda que recebi de muita gente que contribuiu para<br />

tornar esta operação um sucesso.<br />

À Património Internacional SARL, nomeadamente a Dr. Jacinto Veloso,<br />

Urgel Barrera e Verónica Chongo pelo apoio logístico e contactos em<br />

Maputo/Moçambique.<br />

Ao escritório principal da AWW no Estoril, com o CEO Nikolaus Graf<br />

Sandizell e Teresa Mendonça coordenando as operações na Europa.<br />

Ao Ministério da Educação e Cultura, por nos fornecer a ajuda dos<br />

funcionários que actuam como fiscais, seguindo todos os passos do processo de<br />

recuperação, conservação e documentação.<br />

À Dr. Margaret Rule, CBE, FSA, Arqueóloga Marítima, professora e autora,<br />

pelo seu apoio em tempo integral e pela sua sábia assistência no que concerne<br />

a esta escavação.<br />

À Aquascan International, na Inglaterra, nomeadamente ao seu directorgeral<br />

Robert Williams, por nos facilitar o know-how acerca do magnotómetro<br />

localmente, fornecendo-nos importante equipamento e aconselhamento<br />

constante.<br />

À Representação da Arqueonautas na Alemanha, onde Stefan Schins e a<br />

sua equipa arranjaram os meios para financiar este projecto.<br />

Às Autoridades Locais da Ilha de Moçambique pelo seu interesse e ajuda<br />

à nossa expedição em questões de logística.<br />

Aos pescadores da Ilha de Moçambique pelo seu conhecimento e ajuda no<br />

terreno, bem como a estreita cooperação que nos prestaram.<br />

Por fim, mas não em último lugar, gostaria de agradecer a cada um e a todos<br />

os membros da Equipa de Escavação 2006, pela sua excelente actuação e<br />

dedicação ao trabalho, apesar das condições atmosféricas tantas vezes<br />

adversas e dos desafios técnicos enfrentados.<br />

O sucesso desta operação só foi possível graças a todas as pessoas em cima<br />

mencionadas.<br />

Eu assumo completa responsabilidade por quaisquer erros que possam ser<br />

encontrados neste relatório.<br />

Lic. Alejandro Mirabal Jorge<br />

Arqueólogo / Director OPS AWW<br />

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