Sobre a influência de Paul Bourget no pensamento tardio de ...
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Enquanto <strong>Bourget</strong> avalia as possíveis causas da <strong>de</strong>cadência <strong>no</strong> pa<strong>no</strong>rama do<br />
século XIX, Nietzsche vai mais além. Vai buscar <strong>no</strong> mundo grego os primeiros sinais<br />
do fenôme<strong>no</strong>. É na doutrina <strong>de</strong> Sócrates e Platão que se encontra o advento do niilismo:<br />
A mim mesmo, essa irreverência <strong>de</strong> pensar que os gran<strong>de</strong>s sábios são<br />
tipos <strong>de</strong> <strong>de</strong>clínio ocorreu precisamente pela primeira vez precisamente<br />
em um caso em que mais fortemente o preconceito erudito e não<br />
erudito se contrapõem a ela: reconheci Sócrates e Platão como<br />
sintomas da caducida<strong>de</strong>, como instrumentos da dissolução grega,<br />
como pseudo gregos, como antigregos. (NIETSZCHE, 2005, p. 373).<br />
Para Nietzsche, o surgimento da separação entre dois mundos, o sensível e o<br />
supra-sensível, gera, na medida em que o mundo i<strong>de</strong>al se torna inacessível, o processo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência dos valores. Para compreen<strong>de</strong>rmos como se dá este fenôme<strong>no</strong>, o filósofo<br />
<strong>no</strong>s apresenta uma breve síntese <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento histórico dos gregos à<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>:<br />
1. O verda<strong>de</strong>iro mundo, alcançável ao sábio, ao <strong>de</strong>voto, ao virtuoso –<br />
eles vivem nele, são ele. [...] 2. O verda<strong>de</strong>iro mundo, inalcançável por<br />
ora, mas prometido ao sábio, ao <strong>de</strong>voto, ao virtuoso („ao pecador que<br />
faz penitencia‟) [...] 3. O verda<strong>de</strong>iro mundo, inalcançável,<br />
in<strong>de</strong>monstrável, imprometível, mas já, ao ser pensado, um consolo,<br />
uma obrigação, um imperativo. [...] 4. O verda<strong>de</strong>iro mundo –<br />
inalcançável? Em todo caso, inalcançado. E como inalcançado<br />
também <strong>de</strong>sconhecido. Conseqüentemente, também não consolador,<br />
re<strong>de</strong>ntor, obrigatório: a que po<strong>de</strong>ria algo <strong>de</strong>sconhecido <strong>no</strong>s obrigar?<br />
[...] 5. O „verda<strong>de</strong>iro mundo‟ – uma i<strong>de</strong>ia que não é útil para mais<br />
nada, que não é mais nem sequer obrigatória – uma idéia que se<br />
tor<strong>no</strong>u inútil, supérflua, conseqüentemente uma Idéia refutada:<br />
expulsemo-la! [...] 6. O verda<strong>de</strong>iro mundo, nós o expulsamos: que<br />
mundo resta? O aparente, talvez? [...] Mas não! Com o verda<strong>de</strong>iro<br />
mundo expulsamos também o mundo aparente! (NIETSZCHE, 2005,<br />
p. 376-377).<br />
Na primeira fase do platonismo, o mundo verda<strong>de</strong>iro, ou seja, o mundo supra-<br />
sensível, ainda não se constituía como realida<strong>de</strong> inacessível, sendo acessível aos sábios,<br />
<strong>de</strong>votos e virtuosos. Posteriormente, dá-se a mudança mais significativa: a separação<br />
entre o mundo verda<strong>de</strong>iro, agora inacessível, e a realida<strong>de</strong>. Esta mudança acarreta uma<br />
<strong>de</strong>svalorização da realida<strong>de</strong>, que passa a se configurar como efêmera aparência do<br />
mundo i<strong>de</strong>al, da perfeição, que po<strong>de</strong> ser alcançado pelo sábio, <strong>de</strong>voto, virtuoso ou<br />
penitente <strong>no</strong> além-vida. O mundo i<strong>de</strong>al torna-se objeto da fé e o platonismo se converte<br />
em cristianismo.<br />
Vol. 4, nº 1, 2011.<br />
www.marilia.unesp.br/filogenese 86