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“AS EDUCADORAS POR EXCELÊNCIA NA ... - Faced.ufu

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<strong>“AS</strong> <strong>EDUCADORAS</strong> <strong>POR</strong> <strong>EXCELÊNCIA</strong> <strong>NA</strong> SOCIEDADE, SÃO AS MÃES DE<br />

FAMÍLIA” 1 : OS DISCURSOS DE FORMATURA DO COLÉGIO JACOBI<strong>NA</strong><br />

PUBLICADOS NO ‘TRAÇO DE UNIÃO’<br />

RESUMO<br />

3535<br />

Andrea Caruso<br />

Universidade Estadual do Rio de Janeiro<br />

Compreender as representações de mulher e educadora difundidas nos discursos de formatura<br />

proferidos por alunas, professores e direção do Colégio Jacobina é o objetivo desse estudo. Para<br />

tanto, será utilizado como fonte o Traço de União – periódico da instituição – que em 1928 começa<br />

a publicar os discursos da cerimônia na íntegra, permitindo examinar o conteúdo desses discursos,<br />

os objetivos da veiculação dos mesmos e as representações de mulher e educadora difundidas nesse<br />

espaço. Norteado por esses aspectos, esse texto pretende analisar as edições da revista até fins da<br />

década de 30. O Traço de União que nasceu em 1908, sendo impresso a partir de 1924, foi por mais<br />

de 50 anos o veículo de comunicação das alunas do Colégio Jacobina, onde manteve seu principal<br />

objetivo de ser elo entre suas atuais e antigas alunas. Envolvendo, também, professores e direção, o<br />

periódico levava as novidades sobre o cotidiano do colégio, assim como, as notícias daqueles que<br />

faziam parte da histórica da instituição católica, que era referência devido a seus métodos<br />

educacionais modernos que visavam atender filhas de uma elite social, econômica e intelectual do<br />

Rio de Janeiro. Distribuído para todos aqueles que eram considerados da “família jacobinense”, da<br />

qual faziam parte professores, pais, alunas, ex-alunas, direção, funcionários e alguns membros da<br />

Igreja Católica, o Traço de União se caracterizava por suas seções e artigos dispostos, em grande<br />

parte, de acordo com a série que a aluna pertencia, o que gerou, ao longo das décadas, títulos como:<br />

“O 3º Clássico escreve”, “Traço das Antigas”, “Tracinho”, “Traço das Educadoras” e, entre outros,<br />

“Ecos”, que era a seção destinada às formandas para que essas expusessem, por meio da transcrição<br />

dos discursos, os idealismos contidos nos textos formais proferidos na cerimônia de formatura.<br />

Versando, entre outras temáticas, sobre a formação feminina e sua função dentro da família e<br />

sociedade, esses discursos de formatura publicados na seção “Ecos” apareciam como vitrine do<br />

periódico, onde ganhavam, uma vez por ano, além das primeiras páginas, também um grande<br />

espaço nas edições do Traço de União. Assim, sob frases que defendiam a formação da mulher para<br />

que essa atuasse principalmente nos lares como mães educadoras e esposas virtuosas, que deveriam<br />

“acompanhar e compreender os maridos formando-lhes os dotes do coração” (Izabel Jacobina,<br />

Traço de União, 1930), trançava-se outro discurso que era construído a partir da moral e fé cristã; já<br />

que dentro do Colégio Jacobina a formação do caráter por meio da religião era fundamental. Os<br />

discursos de formatura eram, assim, publicados com a finalidade de difundir ideais não neutros de<br />

uma instituição católica de ensino regular que tinha à sua frente Isabel Jacobina Lacombe e sua filha<br />

e sucessora na direção da instituição, Laura Jacobina Lacombe: mulheres que foram importantes<br />

educadoras e militantes católicas na história do país. Esse estudo pretende, desta maneira, contribuir<br />

para ampliar a compreensão acerca da história da formação católica feminina e da imprensa escolar.<br />

1 Frase proferida por Isabel Jacobina Lacombe no discurso de encerramento do ano letivo, publicada na seção<br />

“Echos de 1929” do Traço de União, nº 1 de 1930.<br />

3535


TRABALHO COMPLETO<br />

3536<br />

Compreender as representações de mulher e educadora difundidas nos discursos de<br />

formatura proferidos por alunas, professores e direção do Colégio Jacobina é o objetivo desse<br />

estudo. Para tanto, será utilizado como fonte o Traço de União 2 – periódico da instituição – que em<br />

fins da década de 20 começa a publicar os discursos da cerimônia na seção ‘Ecos’, o que permite<br />

examinar o conteúdo desses discursos, os objetivos da veiculação dos mesmos e as representações<br />

de mulher e educadora difundidas nesse espaço.<br />

O Traço de União que nasceu manuscrito em 1908, sendo impresso a partir de 1924, foi por<br />

mais de 50 anos o veículo de comunicação das alunas do Colégio Jacobina, sendo distribuído para<br />

todos aqueles que eram considerados da “família jacobinense”, da qual faziam parte professores,<br />

pais, alunas, ex-alunas, direção, funcionários e alguns membros da Igreja Católica. O periódico se<br />

destacava pela forte presença da religiosidade na maioria de seus textos, já que as responsáveis pelo<br />

periódico e dirigentes da instituição, Isabel e Laura Jacobina, foram importantes militantes católicas<br />

na história educacional do país.<br />

Apesar de se encontrar a assinatura de alguns raros nomes masculinos, podemos afirmar<br />

que as maiores colaboradoras do Traço eram as próprias alunas que, escrevendo e desenhando em<br />

suas páginas, traçavam as práticas escolares de seu tempo a partir daquela instituição que era<br />

freqüentada por famílias de alto capital cultural e econômico. Contudo, é possível perceber que,<br />

assim como anunciado na página 1 dos primeiros números do jornal, os colaboradores englobavam<br />

Todos os professores e todos os atuais e antigos alunos do Colégio Jacobina. Mesmo assim, podese<br />

dizer que, inicialmente, o espaço dos professores e direção se destinava muito mais aos<br />

bastidores do que a escrita de artigos publicados no periódico, pois estes participavam ativamente<br />

somente do processo de edição da revista.<br />

No entanto, com a criação da seção “Ecos”, estes, também, passam a ter um espaço fixo de<br />

comunicação direta com os leitores. Ainda que seja compartilhada com as alunas, a seção “Ecos”<br />

chega com a finalidade de cumprir um papel fundamental dentro do Traço de União, já que, por<br />

meio dos discursos de formatura, são difundidos ideais de uma instituição católica que, apesar de ter<br />

ensino regular, visava formar educadoras.<br />

Versando, entre outras temáticas, sobre a formação feminina e sua função dentro da família<br />

e sociedade, esses discursos de formatura publicados na seção “Ecos” apareciam como vitrine do<br />

periódico, onde ganhavam, uma vez por ano, além das primeiras páginas, também um grande<br />

espaço nas edições da revista. Assim, sob frases que defendiam a formação da mulher para que essa<br />

atuasse principalmente nos lares como mães educadoras e esposas virtuosas, que deveriam<br />

acompanhar e compreender os maridos formando-lhes os dotes do coração 3 , trançava-se outro<br />

discurso que era construído a partir da moral e fé católica; já que dentro do Colégio Jacobina a<br />

formação do caráter por meio da religião era fundamental.<br />

Em afinidade com os estudos de Nóvoa (2002) sobre imprensa escolar, entende-se que o<br />

Traço de União, a exemplo de outros periódicos, é um lugar de afirmação de um determinado grupo<br />

e, também de uma permanente regulação coletiva, onde além de se ter uma melhor ilustração da<br />

riqueza trazida pela diversidade que atravessa o campo educativo, também são encontradas pistas<br />

para o estudo das mentalidades e práticas.<br />

2 Para realização desse estudo foram disponibilizados por D. Gilda Moreira Rodrigues (Presidente da CELPI)<br />

e D. Maria Thereza Napoleão (Conselheira Consultiva da CELPI) os exemplares do Traço de União<br />

pertencentes ao acervo da CELPI – Costura e Lactário Pró-Infância.<br />

3 Izabel Jacobina, Traço de União, “Echos de 1929”, 1930, n.1, p.2.<br />

3536


Folheando o ‘Traço de União’<br />

3537<br />

O Traço de União foi criado por Laura Jacobina Lacombe que, ao lado de sua mãe, Isabel<br />

Jacobina Lacombe e sua tia Chiquinha Jacobina, fundadoras do Colégio Jacobina, possibilitou que,<br />

ao longo de mais de cinqüenta anos o periódico publicasse versões femininas acerca da história de<br />

uma instituição de ensino de renome, que cresceu entre a elite carioca ao longo do século XX.<br />

Escrito predominantemente pelas alunas do curso, o Traço de União surge pela primeira<br />

vez em 1908 4 , mas só é oficializado no período compreendido entre 1924 e 1981, quando pretende,<br />

como sugerido pelo próprio nome, ser o elo entre atuais e antigas alunas da instituição. Além das<br />

novidades e o cotidiano do colégio, o periódico também divulgava as notícias daqueles que faziam<br />

parte da histórica da instituição que era assumidamente católica. Desta forma, o jornal mantinha<br />

interados a todos os interessados sobre a rotina do Jacobina e divulgava os métodos inovadores<br />

adotados pela instituição que era tida como modelo do que havia de mais recente em pedagogia.<br />

Podendo, portanto, ser considerado a vitrine do cotidiano escolar do Colégio Jacobina, o<br />

jornal, que em 1929 se torna revista, era composto por escrita e imagens que revelaram, ao longo de<br />

décadas, a diversidade que atravessava o campo educativo em meio a heterogeneidade de seus<br />

autores que, de forma singular e não neutra, contribuíram para o entendimento das práticas<br />

institucionais de uma época e, conseqüentemente, para construção de uma memória coletiva.<br />

As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros (...) embora aspirem a<br />

universalidade são sempre determinados pelos interesses de grupos que o forjam (...) as<br />

lutas de representação tem tanta importância como as lutas econômicas para compreender<br />

os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção... valores...<br />

domínios. 5<br />

Desenvolvido em um período no qual as mulheres têm a possibilidade de sair dos bastidores<br />

para ocuparem lugares nos cenários públicos, o Traço de União, fonte primária desse estudo,<br />

permite compreender o cotidiano feminino diante do pensamento social nas distintas épocas em que<br />

foi escrito: o modelo de educação recebida, intenção da instrução oferecida, dificuldades e aberturas<br />

relacionadas à inserção social, valorização enquanto profissional e mulher, modos de agir, pensar e<br />

atuar.<br />

Caracterizado por suas seções e artigos dispostos, em grande parte, de acordo com a série<br />

que a aluna pertencia, o Traço de União gerou, ao longo das décadas, títulos como: “O 3º Clássico<br />

escreve”, “Traço das Antigas”, “Tracinho”, “Traço das Educadoras” e, entre outros, “Ecos”, que era<br />

a seção destinada às formandas, paraninfos e direção para que esses expusessem, por meio da<br />

transcrição dos discursos, os idealismos contidos nos textos formais proferidos na cerimônia de<br />

formatura.<br />

Apesar de ser reservada à transcrição dos discursos desses diferentes agentes escolares,<br />

pode-se dizer que essa seção se caracteriza, mais do que qualquer outra coisa, por sua comunicação<br />

direta entre direção e leitores. Por meio dela é possível acompanhar as rupturas e continuidades do<br />

processo e pensamento educacional que de desenrolava no país na década de 1930 e, também, o que<br />

era instituído no colégio a partir desse cenário. Acima de tudo, os discursos expostos na ‘Ecos’<br />

revelam como Isabel e Laura Jacobina se posicionaram diante das ideologias que emergiram desse<br />

momento, repercutindo assim, diretamente no instituído dentro do Jacobina e, conseqüentemente,<br />

no que foi publicado nas páginas do Traço de União.<br />

O nome dado a essa seção, que começa a aparecer em 1928, deve-se justamente por ela<br />

publicar, sempre na primeira edição do ano, o que se passou no término do ano anterior, sendo de<br />

certo modo, um eco ou repetição daquilo que foi dito há um tempo atrás, mas que não teve<br />

4 Nessa fase manuscrita, foram criados apenas três jornais, escritos à caneta tinteiro em folha de papel almaço.<br />

5 Chartier,1989, p. 17.<br />

3537


3538<br />

oportunidade de ser veiculado antes, já que as alunas entraram de férias nesse intervalo de tempo.<br />

Aproveitando que os diplomas eram entregues na mesma cerimônia de encerramento de fim das<br />

aulas, onde compareciam as alunas de todas as séries e seus familiares, as dirigentes do Jacobina<br />

faziam discursos mais amplos, onde falavam sobre o cotidiano do colégio e os ideais que visavam<br />

contribuir para formação integral de suas alunas.<br />

Tendo sido feita a opção de trabalhar com os periódicos publicados até final da década de<br />

30, pois foi o período em que as educadoras ampliam politicamente sua participação no cenário<br />

educacional brasileiro, esse estudo defende que o Traço de União ao publicar os discursos de<br />

formatura na íntegra, além de se apresentar como o melhor porta-voz dos ideais semeados pelas<br />

dirigentes e professores dentro do colégio, também passa a ser vitrine da receptividade das alunas<br />

em relação ao que era semeado.<br />

Os discursos de formatura: um espaço fértil na disseminação de ideais Jacobinenses<br />

Com as grandes mudanças ocorridas no âmbito político, econômico e social que se<br />

aceleraram no século XX, a relação homem-mulher foi profundamente modificada e,<br />

conseqüentemente, também as relações familiares acabaram sofrendo alterações. A mulher, que até<br />

então atuava como rainha do lar, agora transpõe os limites do doméstico e ingressa no mercado de<br />

trabalho, pois fora convocada a cumprir um novo papel que abalou os alicerces do antigo mundo<br />

feminino, atingindo, dessa forma, as próprias bases da sociedade como um todo.<br />

Sendo assim, a escrita feminina desse período se apresenta como um valioso meio de<br />

entendimento das práticas de um tempo que foi decisivo para a emancipação do gênero. Dentro<br />

desse contexto percebe-se que as pesquisas sobre a mulher-de-ontem 6 , a partir da imprensa<br />

feminina, ganham maior interesse principalmente no que diz respeito ao período do entre os séculos<br />

XIX e primeira década do séc. XX, momento em que esse veículo de comunicação se multiplica e<br />

se desenvolve. Segundo Coelho (2001) ter acesso à imprensa feminina desse período é interessante<br />

porque mostra o alto nível de conscientização alcançada pelas mulheres cultas do tempo e o quanto<br />

elas contribuíram para a preparação dos caminhos de hoje.<br />

Foi rompendo barreiras, permeando as brechas sociais e desafiando sutilmente a estrutura<br />

vigente, que as mulheres de classes sociais privilegiadas foram encontrando, naquele período,<br />

terrenos fecundos para irem aos poucos ocupando os espaços públicos, redesenhando, assim, novas<br />

formas de sociabilidade e direitos, dentre os quais se encontrava o acesso à educação. Cenário de<br />

mudanças profundas no país que ocorreram devido à implantação do regime republicano, a<br />

crescente urbanização, as guerras, o processo de industrialização e os novos meios de comunicação,<br />

esse período, segundo Almeida (1998), assistiu, simultaneamente a esses acontecimentos, o<br />

desenvolvimento das primeiras reivindicações do feminismo que chamavam a atenção para a<br />

questão da opressão e desigualdade social a que as mulheres haviam se submetido até o momento.<br />

A educação da mulher que fora negada ao longo das décadas, sob o preceito que<br />

conhecimento e saber eram desnecessários e prejudiciais a delicada constituição física e intelectual<br />

do gênero, passa a ser de suma importância a partir do momento em que, dentro do quadro sócio<br />

econômico, a figura feminina é convocada a assumir um papel fundamental a partir dos novos<br />

paradigmas sociais vigentes:<br />

(...)mantenedora da família e da pátria(...)Do princípio até a metade do século, a vida<br />

social, as expectativas sobre a conduta feminina, as doutrinações religiosas da Igreja<br />

Católica, as implicações na sexualidade, o controle da feminilidade e as normatizações<br />

sociais, aliadas às exigências de casamento religioso, batismo dos filhos e a confissão dos<br />

pecados, significavam uma exacerbada vigilância do corpo e da alma das mulheres. A<br />

6 Termo utilizado por Coelho (2001).<br />

3538


3539<br />

necessidade de instruir-se e educar-se constituía um dos principais anseios para sua<br />

libertação e uma forma de alterar um destino imposto pela sociedade moralizadora que se<br />

erigia nos padrões de uma época resultante de um acelerado processo de urbanização. 7<br />

A partir desse cenário, o Colégio Jacobina posicionava-se alimentando no bojo de seu<br />

discurso a instrução da mulher a fim de orientá-la em sua nobre missão dentro da família e da<br />

sociedade. Para isso, acreditava-se que, de um modo muito particular, somente sobre a moral<br />

católica, com base nas leis de Deus isso poderia ser feito de forma eficaz. O que diferenciava o<br />

Jacobina das outras instituições formadoras desse período, é que esse, apesar de preservar os<br />

preceitos católicos, aceitava proporcionar à suas alunas, tudo que havia de mais moderno em<br />

educação. Em um discurso de Isabel Jacobina, é possível sentir como as expectativas promissoras<br />

da modernidade se configuravam nas falas das mulheres da época no colégio:<br />

Para a frente: esperanças luminosas, um futuro rico de promessas!<br />

É espinhosa por vezes a nossa missão, mas qual neste mundo o caminho a trilhar sem<br />

tropeços...(...) entre as primeiras meninas que nos foram confiadas, descobrimos hoje com<br />

desvanecimento invejável, além das que adoram aos nossos salões, mães de família<br />

exemplares, guiando com inteligência e critério, os primeiros passos dos filhinhos<br />

queridos, nesta quadra difícil da nossa vida social.<br />

Acompanhamos um grupo que a vocação para o magistério atirou na mesma estrada que<br />

trilhamos. Com orgulho observamos a boa influencia que vão já exercendo sobre as<br />

discípulazinhas pelo caráter bem formado, pelos conhecimentos que vão armazenando<br />

metodologicamente no desejo de desempenhar esse apostolado sagrado, na família e na<br />

sociedade. (...) O Curso Jacobina procura constantemente modificar seus programas,<br />

melhorar e modernizar os seus métodos, adaptando-os a vida moderna, que se vai também<br />

transformando(...) Professores de hoje, procurai (... ) elevar cada vez mais alto o nome do<br />

curso Jacobina e para esse fim, peço a Deus que lá do alto nos lance sua benção. 8<br />

Desta maneira, ocupando as primeiras páginas do veículo de comunicação das alunas do<br />

colégio, as dirigentes faziam da seção “Ecos” a vitrine de suas idéias que eram, também, difundidas<br />

por meio dos discursos de professores e alunas. Assim, selecionados de forma não muito clara, é<br />

possível perceber que, ao longo dos anos, não costumavam ser publicados, no periódico, todos os<br />

discursos da mesma cerimônia de formatura que, conforme é possível inferir, sempre eram três: o<br />

da aluna escolhida como oradora, o do paraninfo e o da direção do colégio.<br />

Ano<br />

Escritor<br />

Dirigentes Isabel<br />

Jacobina<br />

Alunas<br />

Oradoras<br />

Professor<br />

Paraninfo<br />

1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940<br />

- Isabel<br />

Jacobina<br />

- - Zélia<br />

Levy<br />

- José<br />

Piragipe<br />

Abel<br />

Pinto<br />

Isabel<br />

Jacobina<br />

Isabel<br />

Jacobina<br />

Isabel<br />

Jacobina<br />

S/ nome - Helena<br />

Castro<br />

S/ nome - Christovam<br />

L. de<br />

Castro<br />

- - Isabel<br />

Jacobina<br />

Lia<br />

Riedel<br />

7 Almeida, 1998, p.33<br />

8 Isabel Jacobina, Traço de União, “Echos”, 1928, n.1, p.1-2.<br />

- Maria<br />

Virgínia<br />

Amaury<br />

de<br />

Medeiros<br />

Isabel<br />

Jacobina<br />

Laura<br />

Jacobina<br />

- Laura<br />

Jacobina<br />

- - - - - Regina<br />

Neiva<br />

- Mario<br />

Faccini<br />

- Lina<br />

Penna<br />

Sattamini<br />

S/ nome<br />

3539


3540<br />

Nos treze anos de periódico analisados, percebe-se que quem mais teve espaço nessa seção<br />

foi a própria direção, que publicou seus discursos em nove anos das edições, sendo em maior<br />

número os discursos de Isabel e, somente nos últimos anos, dois de Laura. Essa desproporcional<br />

divisão se justifica pelo fato de ser período de transição no qual a primeira entrega a direção do<br />

colégio para outra.<br />

No entanto, a mudança na direção não foi significativa, pois ambas, mãe e filha, tinham<br />

concepções semelhantes de mulher e educação, fato comprovado pela própria trajetória de suas vida<br />

que, nesse momento, transita entre a fé e a razão: o catolicismo e a Escola Nova.<br />

Aplicando as novas idéias não apenas dentro da instituição como ajudando a impulsionar o<br />

ideário escolanovista no cenário educacional brasileiro, Isabel e Laura Jacobina participaram do<br />

grupo que se reunia na Associação Brasileira de Educadores (ABE) com a finalidade de discutir a<br />

implantação da educação renovada nas instituições de ensino do país.<br />

Ao lado de Heitor Lyra da Silva, orientador inconteste da direção do Jacobina, Isabel<br />

Jacobina, Fernando Laboriau, Dulcídio Pereira, Amoroso Costa, Amaury de Medeiros e José<br />

Augusto fundaram a ABE. Essa associação, que fora criada em outubro de 1924, contava com a<br />

participação de educadores, médicos, engenheiros e demais interessados nas questões educacionais<br />

do país. Ocupando lugar de destaque entre as associações devido a sua importante contribuição ao<br />

processo de transformação do campo educacional, atuava promovendo a discussão de temas<br />

relacionados à educação em cursos, pesquisas, conferências, congressos e publicações. Sua<br />

visibilidade, principalmente nas décadas de 20 e 30, se tornava cada vez maior e reuniu nomes<br />

como Fernando de Azevedo, Pascoal Leme, Anísio Teixeira, Lourenço Filho que, entre outros,<br />

ajudaram a impulsionar o movimento renovador da educação no Brasil.<br />

No entanto, ao mesmo tempo em que as dirigentes atuavam, ao lado de educadores leigos,<br />

no cenário educacional brasileiro, elas permaneciam convictas e militantes na causa cristã católica.<br />

Diante da crise vivida pela Igreja Católica desde a Proclamação da República, quando o Estado<br />

rompe com essa instituição, foi criado um projeto de Renovação Espiritual visando à retomada de<br />

seu poder. Para isso, a Igreja pôde contar com a elite intelectual católica saída das classes médias,<br />

que assumiu o papel de recatolicizar a sociedade brasileira. Dentro desse contexto, o Colégio<br />

Jacobina convocou não somente alunas, mas também as ex-alunas e demais membros da família<br />

jacobinense para participar dessa ação que visava conduzir o povo conscientizando-o dos ideais a<br />

serem veiculados a partir dos novos objetivos da Igreja. É possível ver muitas citações no Traço de<br />

União sobre grupos como, por exemplo, as jecistas 9 e as missionárias da Ação Católica 10 .<br />

Contextualizando esse momento, Horta (1994) coloca que:<br />

No final da década de 20, a situação estará mudada. O Estado oligárquico liberal entrará<br />

em crise e a Igreja apresentar-se-á como um apoio válido. (...) Como a Revolução não<br />

tinha sido obra dos governos nefastos nem das oposições extremadas, mas sim obra da<br />

Constituição sem Deus, da Escola sem Deus, da consciência sem Deus, era preciso restituir<br />

a lei de Deus, de Cristo e da Igreja, à Constituição, à Escola, à Família e às Consciências.<br />

Em suma: era preciso trabalhar para que os princípios básicos da ordem cristã voltassem<br />

a orientar a Constituição política do país. 11<br />

Por meio do Traço de União, pode-se dizer que dentro do colégio os ideários<br />

escolanovistas e católicos conviveram sem muitos problemas, pelo menos até o fim da década de<br />

20. Se em alguns pontos a Igreja divergia dos métodos difundidos pela Escola Nova, pode-se<br />

9<br />

Era um grupo de alunas que se propunha a ser como soldados de Cristo, buscando erradicar o mal a partir do<br />

discurso católico difundido na época.<br />

10<br />

Tais grupos trabalhavam ações transformadoras a partir do Novo Testamento.<br />

11 Horta, 1994, p.97-98.<br />

3540


3541<br />

concluir, em concordância com Alves (1997), que a direção do Jacobina, soube dosar sua posição<br />

diante das duas sem precisar tomar partido de uma delas.<br />

No entanto, quando os debates entre católicos e escolanovistas se multiplicavam nos anos<br />

30, Laura e Isabel Jacobina foram obrigadas a tomar partido de um dos lados, já que esses se<br />

mostravam cada vez mais antagônicos. Com isso, incisivamente, as duas educadoras optaram pela<br />

religião e lideraram juntamente com Maria Amélia Lacombe, Américo Lacombe, Amélia de<br />

Rezende, Eliza Rezende, Décio Lyra, entre outros, a Associação dos Professores Católicos do<br />

Distrito Federal, grupo que discordava dos pioneiros no que dizia respeito ao poder público passar a<br />

assumir e assegurar o direito à educação de todos, pois defendiam que as instituições Igreja e<br />

família não deveriam se submeter ao Estado. Segundo Mignot (2002), os católicos também<br />

divergiam em relação a co-educação, já que achavam que essa poderia ser prejudicial a identidade<br />

sexual. Porém, de acordo com a mesma autora, o principal ponto de discórdia residia, de fato, na<br />

questão do ensino religioso que, enquanto os pioneiros lutavam contra, os católicos apoiavam a<br />

idéia alegando que a pedagogia cristã havia sido formadora da nacionalidade.<br />

Pode-se dizer, assim, que a militância católica de Laura e Isabel Jacobina foi um grande<br />

marco em seus percursos enquanto educadoras e formadoras de outras educadoras como pode ser<br />

constatado no Traço de União que, a partir desse momento, passa a ter um perfil ainda mais<br />

religioso do que antes. Em um discurso de formatura de Isabel, é possível compreender de que<br />

forma as educadoras faziam apologia aos preceitos religiosos, tentando envolver suas alunas nos<br />

trabalhos da Igreja que se realizavam dentro do curso:<br />

Realmente procuramos por todos os meios despertar em nossas meninas o desejo de<br />

praticar o bem. (...) Assim, iniciadas no caminho da perfeição cristão, esperamos conseguir<br />

a colaboração das alunas na disciplina da escola (...) Para coroar os trabalhos do ano<br />

tivemos a bela festa do dia 08, dia da Conceição de nossa Senhora, que reunimos a Pia<br />

União, vínculo poderoso entre as nossas meninas de hoje e de ontem(...)Foram recebidas<br />

novas aspirantes, novas Filhas de Maria, que ficarão ao mesmo tempo fazendo parte da<br />

grande família do Curso Jacobina, velando à luz do Evangelho à moralidade, pela<br />

elevação do ideal cristão, pelo aperfeiçoamento dos nossos costumes, colaborando na<br />

edificação da sociedade na nossa Pátria. 12<br />

Todo esse processo, porém, viabilizou a conquista de um importante apoio para o<br />

desenvolvimento do Traço de União. Em 1934, o periódico do Colégio Jacobina se filia à<br />

Associação dos Jornalistas Católicos que veio a contribuir para o aumento de anúncios que<br />

ajudariam a sustentar a revista. As revistas filiadas à associação, de acordo com análise feita no<br />

Traço de União, eram permutadas por outras revistas que partilhavam dos mesmos interesses<br />

cristãos. Com isso, de acordo com os estudos de Gomes (1996), a AJC pretendia utilizar os meios<br />

de comunicação da época para lutar contra a perda de poder que a Igreja vinha sofrendo ainda nesse<br />

período.<br />

O interesse dos católicos pelo periódico das alunas do Colégio Jacobina, desta maneira, se<br />

torna óbvio para quem tem acesso á suas edições, uma vez que os textos publicados giram em<br />

função das leis cristãs, o que a imprensa católica precisava na sua luta pela afirmação da fé e<br />

combate da incredulidade. Fora isso, a notoriedade de Izabel e Laura Jacobina é indiscutível,<br />

principalmente depois de abandonarem a ABE e fundarem Associação de Educadores Católicos,<br />

entidade que defende que a educação deve ser entregue nas mãos da Igreja.<br />

É nesse sentido que, para além dos outros espaços de publicação ocupados pelas alunas no<br />

periódico, os discursos de formatura se apresentam como um campo cada vez mais fértil para a<br />

difusão dos princípios pregados pela Igreja, já que as dirigentes, por meio deste, promovem<br />

12 Isabel Jacobina, Traço de União, “Ecos de 1932”, 1933, n.1, p. 1-2.<br />

3541


3542<br />

claramente aos leitores as suas intenções em relação à educação oferecida pelo colégio. Em<br />

concordância com os estudos de Camacho (2004) sobre instituições femininas católicas, pode-se<br />

dizer que o Colégio Jacobina, a exemplo de outros, traçou como objetivo, nessa época, preparar<br />

almas boas e fortes a partir do cultivo das virtudes cristãs que contribuíam para a construção do<br />

caráter e do futuro de suas alunas. Dentro desse contexto, a educação integral, que buscava instruir<br />

e formar o espírito cristão, aparecia como uma fundamental alternativa na educação feminina.<br />

Partindo quase sempre de um apelo familiar, os discursos sugerem que as discentes sejam instruídas<br />

não somente no colégio, mas também em casa, a fim de que elas não sejam expostas aos perigos<br />

morais da sociedade moderna:<br />

Senhoras mães, venho aqui fazer um apelo muito especial a respeito dos divertimentos. (...)<br />

não tenham pressa em proporcionar festas de dança à suas filhinhas. Os prejuízos morais<br />

que daí decorrem são mais graves ainda do que o desinteresse pelo estudo. (...) Acima de<br />

tudo zelamos pelo aperfeiçoamento moral de nossas alunas e procuramos incutir os<br />

princípios morais da nossa santa religião católica, sem os quais não poderá haver família<br />

estável, sociedade moralizada. Além das aulas regulares de religião, têm as nossas alunas<br />

um retiro anual onde recebem do nosso dedicado amigo Monsenhor Magalhães os<br />

conselhos necessários para se manterem cristãs no meio de uma sociedade francamente<br />

pagã.Todo cuidado será pouco para salvaguardar esse patrimônio religioso dos<br />

princípios. 13<br />

Nesse sentido, percebe-se que formar o caráter a partir dos princípios católicos era<br />

necessário, pois, de acordo com Garcia (2001 apud Camacho, 2004), a promoção do homem em sua<br />

integridade dentro das instituições católicas, é reflexo da crença de que todos os valores humanos<br />

encontram a sua realização plena no cristianismo (p. 132).<br />

À altura da instrução recebida, nesse momento, as alunas respondiam como verdadeiras<br />

discípulas de Laura e Isabel que reconhecem, na sua alma feminina, a fortaleza e abnegação<br />

exigidas da mulher da época:<br />

Todos esses anos servem como prova de que devemos cultivar nossa quase infantilidade;<br />

por termos vivido num gorgeio constante (...) isto não representa a negação dos espíritos<br />

fortes, ao contrário vem como afirmativa de almas femininamentes femininas, que num<br />

momento dado podem dar exemplo, de uma candura ímpar, de uma grande abnegação, de<br />

dotes outros inequívocos, apoiados firmemente sobre sólida base de moral cristã. Esta foi<br />

cultivada no nosso Jacobina. 14<br />

Assim, seguindo, de acordo com os estudos de Pinsky e Pedro (2003), as regras morais<br />

ditadas, entre outras instituições conservadoras, pela Igreja Católica, que impunha seus preceitos<br />

por meio das escolas, à mulher, devido a suas características supostamente naturais como<br />

abnegação, sensibilidade e delicadeza, foi designada a missão de ser mãe educadora de cidadãos<br />

dentro de uma sociedade que objetivava, em fins do século XIX e início do XX, construir<br />

identidades nacionais. Daí a necessidade de outorgar o mínimo de homogeneidade a população.<br />

Como à escola primária foi dada a responsabilidade legal e legítima de transmitir essa nova<br />

identidade à mulher, as educadoras que nesse espaço trabalharam, tiveram a possibilidade de<br />

ampliar sua área de atuação, sob a égide de que deveriam tomar conta da sociedade, assim como<br />

faziam com seus lares (p. 274).<br />

Absorvendo esse discurso social que ia de encontro com os princípios do catolicismo, a<br />

direção do Colégio Jacobina faz questão de sempre deixar claro que, apesar da instituição ser de<br />

13 Laura Jacobina, Traço de União, “Ecos de 1940”, 1940, n.1, p.4.<br />

14 Regina Neiva, Traço de União, “Ecos de 1940”, 1940, n. 1, p. 5.<br />

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ensino regular, ela se dedicava, prioritariamente, a instruir educadoras, já que por sua própria<br />

natureza, a mulher estava designada a essa função:<br />

Deus antes de ninguém, Deus que dirige o destino dos povos, dirigiu nossos destinos e nos<br />

fez o que somos hoje.(...) Que cada uma de nós saiba compreender a verdadeira missão da<br />

mulher no mundo.<br />

Que cada uma de nós seja um exemplo para sociedade moderna tão corrompida.<br />

Porém, minhas colegas, não nos esqueçamos da pátria, do nosso querido Brasil.(...)“A<br />

mão que embala o berço embala o mundo” disse um poeta.<br />

Portanto é imensa a nossa responsabilidade, mas é sublime o nosso dever.<br />

Eis a missão da mulher: Educar.<br />

Educar verdadeiros cristãos.<br />

Educar os homens do futuro.<br />

Educar uma nova geração, que formará um novo Brasil, unido, forte e feliz.(...). 15<br />

Desta forma, fazendo alusão a esse ideário que mesclava educação moderna, religião e a<br />

histórica questão da mãe educadora 16 , a instituição divulgava e reforçava, em todos os seus<br />

discursos ao longo da década de 30, sua intenção de formar esposas e futuras mães que, católicas e<br />

com o capital cultural dado por uma boa educação, pudessem influenciar na formação dentro de<br />

casa com seus filhos e, quando permitido pelos maridos, também em alguma outra instituição de<br />

ensino. Em concordância com o cenário político, econômico e social daquele momento, a<br />

instituição defendia que a mulher era responsável pelo futuro da sociedade brasileira que, nesse<br />

momento histórico, vivencia um patriotismo exacerbado que era estimulado, entre outros meios, por<br />

políticas publicas governamentais:<br />

(...) Para marcar o lançamento da candidatura de Getúlio Vargas à Presidência da<br />

República, a educação aparece como um dos instrumentos apropriados para assegurar a<br />

“Valorização do homem” e melhorar a condição de vida dos brasileiros sob o ponto de<br />

vista moral, intelectual e econômico. (...) ao tomar posse na chefia do Governo Provisório,<br />

em novembro de 1930, Getúlio Vargas anuncia um programa de reconstrução nacional (...)<br />

A concepção da educação como problema nacional servirá para justificar a intervenção<br />

ênfase na educação moral do cidadão traduzir-se-á, inicialmente, pela introdução do<br />

ensino religioso nas escolas. (...) De acordo com Vargas, o Brasil transforma-se-ia em uma<br />

grande pátria somente quando tivesse educado seu povo.(...) Assim, ao lado da formação<br />

do cidadão capacitado para engrandecer a pátria com seu trabalho, Getúlio Vargas evoca<br />

a necessidade da preparação de uma raça forte, capaz de amar e merecer esta Pátria<br />

engrandecida. 17<br />

Nesse sentido, apesar dos professores e alunas terem seus discursos publicados em menor<br />

escala que as dirigentes, pode ser observado que os ideais veiculados por esses diferentes agentes<br />

escolares eram muito próximos. Todos eles buscavam, constantemente, atrelar às questões<br />

patrióticas nacionalistas à instrução feminina sob a justificativa de que nessa se localizava o ponto<br />

forte de uma sociedade que desejava se desenvolver. Desta forma, os discursos reafirmavam a<br />

15 Laura Jacobina, Traço de União, “Ecos de 1938”, 1939, n.1, p.3.<br />

16 A Idéia de mãe educadora é interessantemente explorada por Yannoulas (1994), onde a autora a partir de<br />

um estudo comparativo da educação no Brasil e na Argentina, vai trabalhar com o aparecimento da mulher na<br />

instituição escola e suas representações entre finais dos séculos XIX e início do XX.<br />

17 Horta, 1994, p. 147-146.<br />

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vocação feminina que consistia em fazer os outros felizes por meio da prática do bem a partir das<br />

leis de Deus:<br />

Bondade - Justiça – amor.<br />

São estes três sentimentos que vos deverão acompanhar por toda vida. (...) Deus! Tu que<br />

tiveste a infinita Bondade de nos fazer nascer sob este céu abençoado em que o cruzeiro<br />

cintila (...) dá a esta mocidade, que hoje transpõe o limiar da verdadeira vida (...) Conduze<br />

este punhado de moças, por entre os escolhos da existência, com a bússola inigualável de<br />

Teu infinito amor. Faze de cada uma delas verdadeira serva imorredouro Culto, afim de<br />

que todas possa trabalhar com êxito pela própria felicidade, pela felicidade do Brasil, pelo<br />

bem-estar da humanidade e por tua maior Glória! 18<br />

Nesse período muito foi exigido da mulher. Para além do compromisso social, a atuação,<br />

presença e sensatez feminina eram também cobradas nos lares, antes mesmo do matrimônio. No<br />

entanto, incoerentemente, antes de pensar no casamento, que era apontado como o destino provável<br />

das meninas da classe média da época, as alunas do Jacobina eram exigidas no estudo, já que só a<br />

partir desse poderiam desempenhar bem seu papel dentro de casa:<br />

(...)Todos nós precisamos ter um ideal na nossa vida. A nossa finalidade é formar<br />

educadoras e as educadoras por saliência na sociedade, são as mães de família.<br />

É muito pequena a porcentagem de meninas que se destinam às academias e só devem ser<br />

para lá encaminhadas aquelas que mostrarem para isso vocação marcada.<br />

A estatística nos mostra que o casamento é o destino provável e natural de nossas<br />

educandas. (...) A nossa preocupação é portanto aperfeiçoar as qualidades intelectuais das<br />

futuras esposas para que possam acompanhar e compreender os maridos e forma-lhes os<br />

dotes do coração para que possam dirigir os filhos com a base sã e perfeita da nossa moral<br />

católica. 19<br />

Consideradas pelas dirigentes e professores como filhas, as alunas acabavam vendo o<br />

Colégio Jacobina como um segundo lar. Dentro desse contexto, as oradoras mostravam aos pais,<br />

professores, direção e outras alunas, o que haviam apreendido 20 e lançavam mão de discursos que<br />

reforçavam a importância da educação integral oferecida pela instituição e tão útil para sociedade e<br />

família:<br />

A essa casa chegamos algumas ávidas de curiosidade e encantamento, com o sorriso ainda<br />

da primeira idade, e dela, todas nós apartamos hoje adolescentes, o espírito aberto a novas<br />

realizações e a novos ideais, o coração formado para a nossa verdadeira missão na família<br />

e na sociedade. (...) Mas nesta escola onde se educa a inteligência, também se cultiva o<br />

coração, fonte para a mulher de onde emana a única força milagrosa capaz de governar<br />

humildemente o mundo através da bondade, da beleza e do amor.<br />

E se a ciências sob esse texto foi o farto alimento do nosso espírito, também a fé religiosa,<br />

de que se encheram aqui nossas almas, foi alimento essencial a pureza dos nossos<br />

sentimentos, à nobreza das nossas ações, à consciência do nosso dever: enfim, à formação<br />

do nosso caráter(...). 21<br />

18 Mario Faccini, Traço de União, “Ecos de 1936”, 1937, n.1, p.1.<br />

19 Isabel Jacobina, Traço de União, “Echos de 1929”, 1930, n.1, p. 2-3.<br />

20 Apreender nesse sentido quer dizer que além de aprender, as alunas internalizaram determinados ideais.<br />

21 Helena Castro, Traço de União, “Ecos de 1932”, 1933, n.1, p.3.<br />

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3545<br />

Torna-se claro que os discursos de formatura tinham dois apelos que acabavam se<br />

completando e gerando a identidade da mulher jacobinense. De um lado levava em consideração o<br />

contexto social que, ao mesmo tempo em que defendia que a mulher era um ser sensível e frágil,<br />

deixava claro que ela era a figura mais capacitada para tirar a sociedade das trevas por meio da<br />

educação. Por outro lado, os preceitos cristãos católicos, fortemente arraigados as verdades das<br />

dirigentes do Jacobina, pressupunham que a mulher só conseguiria alcançar sua missão, se fosse<br />

guiada pela fé, de modo que seu caráter fosse modelado a partir dos ensinamentos do Criador.<br />

Pode-se inferir dessa forma, que apesar das dirigentes do Colégio Jacobina se mostrarem<br />

mais preocupadas com os métodos educacionais do que outras instituições de ensino daquele<br />

período, percebe-se que a instituição não fugiu totalmente à regra. O fato de ter permitido a entrada<br />

de outras influências além da católica em seu ensino, a fez referência no Rio de Janeiro justamente<br />

por se distinguir no que dizia respeito à formação intelectual de suas alunas que sentiam, como toda<br />

mulher, o peso de uma história depreciadora. No entanto, como afirma Alves (1997), ainda que<br />

valorizasse o intelecto de suas alunas, a instituição não chegou a propor nenhuma revolução em<br />

relação aos costumes femininos, pois embora constatasse e apontasse o comportamento subalterno<br />

do gênero, trazia na base de seu discurso e de sua prática um estímulo à conservação dos mesmos.<br />

Referências Bibliográficas:<br />

ALVES, Luciana Pazito. O Curso Jacobina: uma experiência de modernização em uma instituição<br />

católica(1920/30). Rio de Janeiro: UFF, 1997. Dissertação de Mestrado.<br />

ALMEIDA, Jane Soares de. Mulher e educação: a paixão pelo possível. São Paulo: Editora<br />

UNESP, 1998.<br />

CAMACHO, Suzana Brunet. Cadernos de segredo: marcas da educação católica na escrita íntima.<br />

Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UERJ – Faculdade de Educação, 2005.<br />

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1989.<br />

COELHO, Nelly Novaes . A emancipação da mulher e a imprensa feminina no entre-séculos (séc.<br />

XIX-XX). Linguagem Viva, São Paulo, n. 140, p. 04-05, 2001.<br />

GARCIA, Irmã Jacinta Turono. Educação católica. São Paulo: Editora Universa, 2001.<br />

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da Comunicação, 1996. INTERCOM. Londrina.<br />

HORTA, José Silvério Baia. O Hino, o sermão e a ordem do dia; regime autoritário e a educação<br />

no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994.<br />

YANNOULAS, Silvia Cristina. Educar: Una profesion de mujeres? La feminización Del<br />

normalismo y la docência Brasil y Argentina (1870-1930). Tese de Doutorado. Brasilia: FLASCO/<br />

BRASIL, Faculdade Latinoamericana de Ciencias Sociales, 1994.<br />

MIGNOT, Ana Chrystina Venancio. Baú de memórias, bastidores de histórias: o legado pioneiro<br />

de Armanda Álvaro Alberto. São Paulo, Bragança Paulista: EDUSF, 2002.<br />

NÓVOA, Antonio. A imprensa periódica de educação e ensino. In: BASTOS, Helena Câmara;<br />

CATANI, Denice Bárbara (Orgs). Educação em Revista – A imprensa periódica e a história da<br />

educação. 2º ed. São Paulo: Escrituras, 2002. p. 11-31.<br />

PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria. Mulheres: Igualdade e especificidade. PINSKY,<br />

Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. 2º ed. São Paulo: Contexto, 2003.<br />

p. 264 – 309.<br />

TRAÇO DE UNIÃO, Rio de Janeiro, ano I à LI, de maio de 1908 à 1981.<br />

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